Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 924/2019-T
Data da decisão: 2020-09-03  IMI  
Valor do pedido: € 10.118,90
Tema: IMI – artigos 6.º e 37.º - avaliação de prédio urbano.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 18.03.2020, decide nos termos que seguem:

I. RELATÓRIO

1. A..., com o Número de Identificação Fiscal (NIF) ..., residente na Av. ..., nº..., ..., ..., ...-... Aveiro, em representação da herança de B..., com o NIF ..., da qual é cabeça-de-casal, e C..., com o NIF..., residente na Rua ..., nº..., ..., ...-... Aveiro, apresentaram, em 30/12/2019, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida AT).

2. A Requerente A... pede a declaração de ilegalidade dos seguintes atos de liquidação:

a) Liquidação de IMI referente ao ano de 2014, na qual foi apurado imposto no valor de €1.075.23, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €133,03, e das quais resultou um valor a pagar de €1.208,26;

b) Liquidação de IMI referente ao ano de 2015, na qual foi apurado imposto no valor de €1.344,04, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €125,49, e das quais resultou um valor a pagar de €1.469,53;

c) Liquidação de IMI referente ao ano de 2016, na qual foi apurado imposto no valor de €1.209,63, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €64,42, e das quais resultou um valor a pagar de €1.274,05;

d) Liquidação de IMI referente ao ano de 2017, na qual foi apurado um “Imposto devido” de €1.209,63, da qual, após dedução de €102,02 respeitantes a “Imposto anterior”, resultou um valor a pagar de €1.107,61;

3. O Requerente C... pede a declaração de ilegalidade dos seguintes atos de liquidação:

a) Liquidação de IMI referente ao ano de 2014, na qual foi apurado imposto no valor de €1.075.23, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €133,03, das quais resultou um valor a pagar de €1.208,26;

b) Liquidação de IMI referente ao ano de 2015, na qual foi apurado imposto no valor de €1.344,04, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €125,49, das quais resultou um valor a pagar de €1.469,53;

c) Liquidação de IMI referente ao ano de 2016, na qual foi apurado imposto no valor de €1.209,63, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €64,42, das quais resultou um valor a pagar de €1.274,05;

d) Liquidação de IMI referente ao ano de 2017, na qual foi apurado o imposto no valor de €1.209,63, da qual, uma vez efectuadas as operações registadas no respectivo documento de cobrança, resultou um valor a pagar de €1.107,61;

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 31-12-2019 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

6. Em 17-02-2020 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 18-03-2020.

8. Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de excepção sobre as quais as partes carecessem de se pronunciar, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações escritas pelas partes.

9. Foi fixado o dia 15 de setembro de 2020 para a prolação de decisão final.

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

12. O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. DO PEDIDO DOS REQUERENTES:

Os Requerentes solicitam a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação relativos a Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), referidos anteriormente, por entenderem que faltaram os pressupostos para que o prédio sub judice pudesse ter sido considerado como terreno destinado a construção para efeito de IMI, e tivesse, como tal, sido avaliado, pelo que as liquidações objecto do pedido, ao serem efectuadas com base no valor patrimonial tributário resultante dessa avaliação, são ilegais por violação do disposto nos arts. 6º-3, 13º-6 e 37º-3 do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis).

 

III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:

Em resposta, a Requerida AT considera que as liquidações adicionais processadas para os anos de 2014 a 2017, relativas ao terreno para construção inscrito sob o artigo 4374, foram efectuadas sobre um valor patrimonial tributário legal e consolidado uma vez que não foi contestado dentro dos prazos legais, com base na legislação vigente vertida no nº 1 do artigo 116.º do CIMI, pelo que as mesmas são devidas e exigíveis, não assistido, assim, razão aos Requerentes.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.            A Requerente A... é cabeça-de-casal da herança de B...;

2.            Em conjunto com o Requerente C... e com outras pessoas foram co-proprietários, na proporção de ¼ cada um, do prédio, sito no ..., ...-... Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o art. ...;

3.            Em 02/05/2018, com referência ao prédio em questão, o Requerente C... apresentou no SF de Aveiro-... a declaração Modelo 1 do IMI;

4.            Na Declaração Modelo 1 do IMI constava que

a) o prédio se encontrava omisso (cfr. Quadro II, Campo 12);

b) os artigos matriciais em que o prédio se encontrava inscrito eram urbanos (cfr. Quadro III, Campos 17 e 22), se encontravam situados na União de Freguesias de ... e ... (cfr. Quadro III, Campos 18 e 23) e estavam inscritos na matriz sob os artigos ... e ... (cfr. Quadro III, Campos 19 e 24);

c) o prédio se encontrava situado no ..., na União de Freguesias de ... e ..., Aveiro, e estava descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ... (cfr. Quadro IV, Campos 32, 36, 38, 39 e 40), confrontando a Norte com D... (cfr. Quadro IV, Campo 41), a Sul com a sociedade “E..., Lda” (cfr. Quadro IV, Campo 42), a Nascente com a estrada do  ...(cfr. Quadro IV, Campo 43) e a Poente também com a sociedade “E..., Lda” (cfr. Quadro IV, Campo 44); e,

d) o tipo de prédio a avaliar eram “Terrenos para Construção” (cfr. Quadro V, Campo 46), que a “Área Total do Terreno” era de “925,0000” (cfr. Quadro V, Campo 55); que a “Área de Implantação do Prédio” era de “579,2500” (cfr. Quadro V, Campo 57); que a “Área Bruta de Construção” era de “414,0000” (cfr. Quadro V, Campo 58) e que a “Área Bruta Dependente” era de “5,0000” (cfr. Quadro V, Campo 59);

5.            O prédio foi inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P... da União de Freguesias de ... e ..., tendo-lhe sido atribuído, na sequência da primeira avaliação, o valor patrimonial tributário (VPT) de €112.850,00;

6.            Em 06/05/2018, foi realizada a avaliação do prédio, da qual resultou a fixação do valor patrimonial tributário de € 1.112.850,00;

7.            Em 21/05/2018, os Requerentes, bem como os demais comproprietários, venderam o prédio à sociedade “F..., Lda.”, pelo preço de €662.500,00;

8.            Em 25/07/2018, a sociedade “F..., Lda.” requereu segunda avaliação, da qual veio, em 18/09/2018, a desistir;

9.            O perito avaliador da AT veio também, entretanto, a refazer a primeira avaliação, tendo fixado um VPT definitivo de € 1.075.230,00;

10.          Com base neste último VPT de € 1.075.230,00, foram processadas as liquidações adicionais para os anos de 2014 a 2017 relativas às respectivas quotas partes de ¼ do artigo U-... em nome dos Requerentes;

11.          Em Dezembro de 2018, os Requerentes foram notificados, dos documentos de cobrança respeitantes às seguintes liquidações:

a)            À Requerente A...:

i)             Liquidação de IMI referente ao ano de 2014, na qual foi apurado imposto no valor de €1.075.23, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €133,03, e das quais resultou um valor a pagar de €1.208,26;

ii)            Liquidação de IMI referente ao ano de 2015, na qual foi apurado imposto no valor de €1.344,04, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €125,49, e das quais resultou um valor a pagar de €1.469,53;

iii)           Liquidação de IMI referente ao ano de 2016, na qual foi apurado imposto no valor de €1.209,63, bem como a respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €64,42, e das quais resultou um valor a pagar de €1.274,05;

iv)           Liquidação de IMI referente ao ano de 2017, na qual foi apurado um “Imposto devido” de €1.209,63, da qual, após dedução de €102,02 respeitantes a “Imposto anterior”, resultou um valor a pagar de €1.107,61;

b)           Ao Requerente C...:

i)             Liquidação de IMI referente ao ano de 2014, na qual foi apurado imposto no valor de €1.075.23, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €133,03, das quais resultou um valor a pagar de €1.208,26;

ii)            b) Liquidação de IMI referente ao ano de 2015, na qual foi apurado imposto no valor de €1.344,04, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €125,49, das quais resultou um valor a pagar de €1.469,53;

iii)           c) Liquidação de IMI referente ao ano de 2016, na qual foi apurado imposto no valor de €1.209,63, e respectiva liquidação de juros compensatórios, na qual foram apurados juros no valor de €64,42, das quais resultou um valor a pagar de €1.274,05;

iv)           d) Liquidação de IMI referente ao ano de 2017, na qual foi apurado o imposto no valor de €1.209,63, da qual, uma vez efectuadas as operações registadas no respectivo documento de cobrança, resultou um valor a pagar de €1.107,61;

12.          A data limite de pagamento voluntário das importâncias resultantes dessas liquidações ocorreu em Janeiro de 2019;

13.          Os Requerentes procederam ao integral pagamento das quantias constantes nos respectivos documentos de cobrança, dentro do prazo de pagamento voluntário nos seguintes termos:

a)            A Requerente A..., em 28/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.208,26, em 29/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.469,53, e, em 30/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.274,05 e no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.107,61;

b)           O Requerente C..., em 16/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.208,26, no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.469,53, no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.274,05, bem como da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.107,61;

14.          Através de requerimento que, em 09/05/2019, dirigiu ao Chefe do SF de Aveiro -..., a Requerente A... requereu que lhe fosse passada certidão contendo todos os fundamentos, documentos e demais elementos que, com referência ao prédio em apreço, levaram à fixação do VPT de €268.807,50 mencionado nos documentos de cobrança de que havia sido notificada;

15.          Na sequência desse pedido, foi certificado pelo SF de Aveiro-... que: “em 03/05/2018 foi entregue uma declaração modelo 1 de IMI, através da qual foi solicitada a inscrição de um Terreno para Construção, com o motivo Prédio Omisso (Doc.s 1 e 2), ao qual foi atribuído o n.º..., da União de Freguesias de ... e ...; Este pedido surge na sequência da demolição em 2001 das construções existentes nos artigos urbanos inscritos na matriz sob os n.ºs ... e ..., da mesma freguesia, conforme certidões camarárias (Doc.s 3, 4 e 5); A avaliação ao imóvel foi efetuada em 06/05/2018, tendo-lhe sido atribuído o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de 1 112 850,00 (Doc. 6); Os sujeitos passivos foram notificados da avaliação, conforme informação constante no quadro 1 em anexo; Em 21/05/2018 o imóvel em questão foi, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial da Dr.ª G..., alienado à empresa F..., Lda, NIPC...; Em 25/07/2018 o adquirente solicitou uma segunda avaliação (Doc. 10) nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), tendo este serviço procedido à suspensão da ficha de avaliação e tendo o perito avaliador refeito a avaliação e fixado o valor patrimonial em 1 075 230,00 (Doc. 11); Em 18/09/2018 o novo proprietário desistiu do pedido de avaliação (Doc. 10), tendo-se, porém, mantido o valor patrimonial em 1 075 230,00; Do novo VPT foram todos os interessados notificados, conforme informação constante no quadro 2 em anexo; Atendendo ao facto da declaração modelo 1 ter sido entregue fora do prazo estipulado no artigo 13.º do CIMI, foi o prédio inscrito com efeitos ao ano de 2001, sendo apenas liquidado imposto dos últimos 4 anos, conforme disposto nos artigos 116.º do CIMI e 45.º da Lei Geral Tributária. Face à compropriedade existente e ao facto de cada um dos comproprietários serem detentores de 1/4 do imóvel, o valor patrimonial para efeitos da liquidação do IMI de cada um é 268 807,50 (1 075 230,00/4); As liquidações foram efetuadas com base nas taxas anualmente demonstração no quadro 3 em anexo”.

16.          Na sequência de requerimento apresentado pela Requerente A... em 28/03/2019, foi emitida, em 15/04/2019, pela Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Aveiro, certidão na qual consta, designadamente, o seguinte: “/…/ nos anos de 2014 a 2017 não existem, nem foram solicitadas licenças, autorizações, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção para o prédio sito em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo matricial número ...-P e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ... da União das Freguesias de ... e ... . Mais pode ser certificado que o prédio está inserido no Plano de Pormenor do Centro”.

17.          Mediante petição apresentada no SF de Aveiro -... em 28/05/2019, os ora Requerentes impugnaram graciosamente os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral;

18.          Através do Ofício nº..., datado de 05/09/2019, foram os Requerentes notificados para “exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia”, tendo sido remetido, em anexo a esse Ofício, o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelos Requerentes em 28/05/2019;

19.          No projeto de decisão vem referido, designadamente, o seguinte: «/…/ atenta a factualidade anteriormente descrita, não obstante o referido na certidão emitida pela Camara Municipal de Aveiro a fl. 76 dos autos, no sentido de que “… nos anos de 2014 a 2017 não existem, nem foram solicitadas licenças, autorizações, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção para o prédio sito em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo matricial número ...-P (…) Mais pode ser certificado que o prédio está inserido no Plano de Pormenor do Centro.”, a declaração modelo 1 do IMI, por meio da qual foi solicitada a inscrição de um terreno para construção, pelo motivo “prédio omisso”, foi entregue fora do prazo estipulado no artigo 13.º do CIMI – apenas em 2018-05-03, tendo sido o prédio inscrito com efeitos ao ano de 2001, no qual ocorreu a demolição das construções existentes nos artigos urbanos inscritos na matriz predial sob os nºs ... e..., da União de freguesias de ... e ..., e que deram origem ao artigo matricial ... . Além de que o pedido de segunda avaliação solicitado pelo adquirente do prédio indicado sob o artigo ... conduziu à suspensão da ficha da primeira avaliação e, por conseguinte, à fixação do valor patrimonial tributário de € 1.075.230,00, valor esse que foi mantido em consequência da desistência daquela segunda avaliação por parte do novo proprietário (cf. fls. 49 e 63 a 68 dos presentes autos). Refira-se ainda que a avaliação resultou da entrega da declaração modelo 1 do IMI pelo sujeito passivo que, na alínea a) do § 12º da p.i. reconhece que o prédio em questão era omisso, o que efetivamente se comprova, com menção expressa dessa situação na certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Aveiro-1 a fl. 49 dos presentes autos. Nestes termos, a administração tributária promove a avaliação de prédios omissos e a sua inscrição na matriz predial logo que adquira conhecimento, nomeadamente mediante declaração do possuidor, dessa omissão, não havendo nesse caso, necessidade de exigir prova da posse. Pelo que as alegações expendidas pelos reclamantes não procedem»

20.          Através do Ofício nº..., datado de 07/10/2019, foram os Requerentes notificados, “de que, no procedimento supra identificado, em 02-10-2019 foi proferido despacho de Indeferimento, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências”, bem como da “INFORMAÇÃO” e do referido despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, proferido em 02/10/2019, convertendo “em definitivo o projeto de decisão e com os fundamentos constantes do mesmo”, indeferindo “o pedido, nos termos propostos”;

 

B. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

C. Fundamentação da matéria de facto

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada.

 

V. DO DIREITO:

A questão decidenda nos presentes autos prende-se, essencialmente, com a circunstância de, no entender dos Requerentes, faltar a verificação dos pressupostos de que legalmente dependia a efectivação da avaliação subjacente às liquidações de IMI, o que inquina de ilegalidade as liquidações de IMI objecto do pedido de pronúncia arbitral, porquanto tiveram como pressuposto essa mesma avaliação.

Alegam os Requerentes que não existem os elementos legalmente exigidos para que o prédio em causa pudesse ter sido avaliado como terreno para construção para efeitos de IMI.

Em sentido diverso, entende a Requerida AT que o Requerente C... apresentou, em 03-05-2018, a declaração modelo 1 do IMI, na qual declarou que se tratava de um terreno para construção, juntando para o efeito os documentos que entendeu necessários para inscrever o imóvel como tal.

Invoca a Requerida AT que a declaração modelo 1 do IMI entregue para efeitos de inscrição na matriz de um prédio omisso, indicava data de passagem a urbano em 2001.11.28, razão pela qual foi o prédio inscrito com efeitos ao ano de 2001, sendo apenas liquidado imposto dos últimos quatro anos, atento o consignado nos artigos 116.º do CIMI e 45º da LGT.

Considera a Requerida AT que a circunstância de o Requerente C... ter feito constar, na declaração modelo 1 do IMI, que o prédio destinava-se a terreno para construção, lhe conferiria essa natureza para efeitos de IMI.

Vejamos.

O artigo 37.º, n.º 1 do CIMI determina que “A iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha”.

Por outro lado, o n.º 3 do artigo 37.º do CIMI dispõe que, “Em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo da viabilidade construtiva”. Conforme foi dado como provado nos presentes autos, juntamente com o modelo 1 do IMI entregue pelo Requerente C..., não foi apresentada fotocópia de nenhum alvará de licença de construção, tal como não foi apresentado nenhum projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável, nem qualquer documento comprovativo da viabilidade construtiva, uma vez que tais documentos não foram emitidos.

Tal foi comprovado pela certidão, emitida pela Divisão de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Aveiro em 28/03/2019, na qual consta que “/…/ nos anos de 2014 a 2017 não existem, nem foram solicitadas licenças, autorizações, admissão de comunicação prévia ou emissão de informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção para o prédio sito em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo matricial número ...-P e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ... da União das Freguesias de ... e...”.

Esta certidão pode ser invocada nos presentes autos atento o disposto no artigo 78.º da LGT ex vi o artigo 115.º do CIMI.

Considera a Requerida AT que foi junta, pelo Requerente C..., a declaração modelo 1 do IMI, na qual declarou que se tratava de um terreno para construção juntando os documentos que entendeu. Verifica-se, no entanto, que não foram juntos quaisquer documentos com o modelo 1.

É certo que, como refere a Requerida AT, de harmonia com o artigo 75.º, n.º 1 da LGT, presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

Porém, neste caso concreto, deve considerar-se que a aplicação do CIMI se apresenta, face à LGT, como lex specialis.

Ora, de harmonia com o artigo 13.º, n.º 6 do CIMI, determina-se o seguinte: “sempre que haja lugar à junção dos elementos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º, têm-se por não entregues as declarações que não sejam por eles acompanhadas”.

Sabendo-se que nenhum dos Requerentes juntou os elementos previstos no artigo 37.º, n.ºs 2 e 3 do CIMI, devia ter-se por não entregue a declaração do modelo 1 de IMI.

Consequentemente, e ficando a faltar um dos pressupostos legais para que a avaliação do imóvel em apreço tivesse lugar, não podia a AT ter vindo considerar que o terreno tinha aptidão construtiva.

Reitere-se que a Requerida AT não dispunha de qualquer outro documento – nomeadamente previsto no artigo 37.º, n.º 3 do CIMI -, para além da declaração do Requerente C..., que validasse o entendimento de harmonia com o qual o terreno tinha capacidade construtiva.

Face ao exposto o prédio urbano em apreço não podia ser qualificado como terreno para construção.

É que, de harmonia com o artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, consideram-se terrenos para construção, “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

Sublinhe-se que a noção de terreno para construção supra exposta, pressupõe a circunstância de ter sido concedida “licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo”.

No caso sub judice foi dado como provado que os serviços da Câmara Municipal de Aveiro não concederam qualquer licença ou autorização ou foi sequer admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção.

Aqui, não pode admitir-se que a inserção do prédio no Plano de Pormenor do Centro do Município de Aveiro corresponda, para efeitos legais, a uma comunicação prévia ou a informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção do específico prédio in casu.

Também não há, na esfera dos Requerentes, um título aquisitivo do imóvel em questão, onde este conste como terreno para construção.

Nos presentes autos o único título aquisitivo que foi junto refere-se à escritura de compra e venda celebrada entre os Requerentes (vendedores) e a sociedade “F..., Lda.” (compradora), pelo preço de €662.500,00, em 21/05/2018. Este título é aquisitivo relativamente a esta sociedade (compradora) e não aos Requerentes (vendedores) pelo que não pode ser considerado como título aquisitivo dos Requerentes.

A esta luz, o vício decorrente da falta dos elementos previstos no artigo 37.º, n.º 1 do CIMI inquina as liquidações de IMI sub judice uma vez que estas tomaram por base um valor patrimonial tributário que foi determinado sem que se tivessem verificado os pressupostos descritos na previsão das normas que consagravam a possibilidade de avaliação.

Em síntese, legítimo é concluir que o prédio em juízo não pode ser considerado, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, como um terreno para construção, não podendo, por conseguinte, ser avaliado como tal.

Razão pela qual as liquidações sub judice, ao serem efectuadas com base no valor patrimonial tributário resultante da avaliação efectuada ao arrepio da lei, são também ilegais por violação do disposto nos artigos 6.º, n.º 3; 13.º, n.º 6 e 37.º, n.º 3 do CIMI.

Nestes termos os atos de liquidação de IMI são ilegais, devendo proceder o vício de violação de lei invocado pelos Requerentes, por falta de verificação dos pressupostos de que legalmente dependia a efectivação da avaliação subjacente às liquidações de IMI em apreço sendo, consequentemente, as liquidações adicionais anuladas.

 

Dos juros indemnizatórios:

Os Requerentes procederam ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral, constantes nos respectivos documentos de cobrança, dentro do respectivo prazo de pagamento voluntário.

Assim, a Requerente A..., em 28/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.208,26, em 29/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.469,53, e, em 30/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., valor de €1.274,05 e no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.107,61.

O Requerente C..., em 16/01/2019, procedeu ao pagamento da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.208,26, no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.469,53, no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.274,05, bem como da quantia referida no documento de cobrança nº 2017..., no valor de €1.107,61.

Acontece, como vimos supra, que as liquidações estão inquinadas por vício de violação de lei, tendo o montante em causa sido pago indevidamente.

Nos termos do disposto no artigo 100.º da LGT a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Os atos de liquidação são da inteira responsabilidade da Requerida AT tendo conduzido a um pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido estando, pois, inquinado por vício de violação da lei, tendo sido praticado por erro imputável aos serviços, pelo que os Requerentes tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Com efeito, nos termos do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data do pagamento sendo calculados com base no respetivo valor, até à integral devolução aos Requerentes, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil, à taxa legal em vigor.

 

VI. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

a.            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral

b.            Anular as liquidações de IMI em crise

c.            Condenar a Requerida AT na restituição do valor de imposto indevidamente pago

d.            Condenar a Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data em que os Requerentes efetuaram o pagamento da liquidação até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado

e.            Condenar a Requerida AT no pagamento das custas do processo.

 

VII. Valor do processo:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.118,90 (dez mil cento e dezoito euros e noventa cêntimos).

 

VIII. Custas:

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida AT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 3 de setembro de 2020

 

O Árbitro Singular

Nuno Cunha Rodrigues