Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 93/2014-T
Data da decisão: 2014-06-30  IRC  
Valor do pedido: € 201.330,35
Tema: Revisão oficiosa, tributações autónomas
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

Processo n.º 93/2014-T

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Dr. José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-04-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A... –, S.A. com sede social na Rua …, Lisboa, pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número (doravante “A...” ou “Requerente”), sociedade dominante de grupo (doravante “Grupo A...”), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC e derrama municipal relativa ao ano de 2008 e 2010, para além de ver reconhecido direito a juros indemnizatórios.

            A Requerente optou pela não designação de árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Dr. José Coutinho Pires, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 10-04-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que, além de defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitou a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral.

            A Requerente respondeu por escrito à excepção.

             Por despacho de 03-06-2014, foi decidido não realizar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não ter utilidade, e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

            As Partes apresentaram alegações.

            A Requerente concluiu a sua alegação dizendo que termina como no Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, em que apresentara as seguintes conclusões:

 

Do acima exposto, em síntese, resulta que quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra melhor identificado quer a autoliquidação de IRC (incluindo a sua sobretaxa “derrama estadual”) e derrama municipal consequente relativa ao exercício de 2008, padecem de vício material de violação de lei, devendo:

a) ser declarada e ilegalidade e anulado o indeferimento do pedido de revisão oficiosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente do exercício de 2008, com isso violando o princípio da legalidade;

b) ser declarada a ilegalidade parcial desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 201.330,35;

c) ser, consequentemente, reconhecido o direito ao reembolso deste montante e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados desde 29 de Maio de 2009.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

 

A. À data actual, existem sete decisões arbitrais (187/2013-T, 209/2013-T, 210/2013-T e 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T) que concluem no sentido de que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o dito regime, sendo, por isso, devidas a título deste imposto, encontrando-se abrangidas pelo disposto no artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, não constituindo encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “devendo, em consequência, improceder a presente acção arbitral”.

B. À fundamentação que consta nas mencionadas decisões arbitrais acresce que o valor resultante da aplicação das tributações autónomas, constantes no artigo 88.º do CIRC, não é, nem nunca foi, passível de ser deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas colectivas.

C. Na mesma medida em que não são dedutíveis ao lucro tributável outros tributos suportados pelos sujeitos passivos, também não são dedutíveis impostos que incidem sobre as despesas em relação às quais o legislador e, acima de tudo, a lei excluiu da dedutibilidade.

D. Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento.

E. Paralelamente, da leitura dos Acórdãos 617/2012 e 85/2013, lavrados em sede de Constitucional, não se retira que as tributações autónomas sejam, efectivamente, um imposto distinto do IRC, o que, desde logo, justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, nos termos disposto no artigo 45.º/1, a) do CIRC.

F. Tanto o legislador como a lei, no artigo 12.º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC.

G. Neste sentido, as tributações autónomas deverão ser pagas pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respectivamente nos artigos 89.º e seguintes e 104.º e seguintes do CIRC, os quais, de resto, se referem, de modo indiferenciado, quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC.

H. A nova redacção do artigo 23.º-A/1 al. a), introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.

I. Aliás, esse alcance clarificador segue a linha (1) da única interpretação possível do pretérito artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC que, já antes da introdução daquela nova redacção, existia, bem como segue a linha (2) de pensamento (e de vontade) do legislador que até então se vinha desenvolvendo, designadamente que os encargos das tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável das empresas.

J. O que o legislador pretendeu foi apenas afastar dúvidas que sabe podem vir a ocorrer no futuro, pelo que é destituído de sentido afirmar-se que se trata de uma lei inovatória, pois que, ao contrário do que pugna a Requerente, tal introdução normativa segue a linha de raciocínio do pretérito artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC.

K. Não padece de inconstitucionalidade a interpretação da norma constante no artigo 23.º-A, n. 1, al. a) do CIRC, redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dado não terem sido violados os artigos 2.º e 103.º, n. 3 da CRP.

L. Tanto numa perspectiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC, e isto porque, pela natureza das coisas, um imposto não pode ser dedutível a si mesmo.

M. Desde sempre, a intenção manifestada pelo legislador foi a da indedutibilidade das tributações autónomas, até porque o seu objectivo foi o de evitar um certo efeito de círculo vicioso, ou seja, a permissão de que o imposto se permitisse deduzir a si próprio, desta forma evitando o esvaziamento do âmago do artigo 88.º do CIRC.

N. As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC, sendo que, e paralelamente, existe uma norma (88.º/14 do CIRC) que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

O. Com efeito, permitir o concurso para o apuramento do lucro tributável da Requerente conduziria que a própria liquidação de tributações autónomas reduzisse, por conseguinte, a liquidação do IRC a pagar, em confronto directo com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à utilização de certos bens e serviços de uso misto.

P. As tributações assumem uma clara natureza anti-abuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objectivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.

Nestes termos, e nos mais de direito, reitera-se tudo quanto peticionado em sede de Resposta, devendo improceder, na sua totalidade, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) No dia 29-05-2009, a Requerente procedeu a autoliquidação de IRC do grupo de sociedades de que é sociedade dominante relativa ao exercício de 2008, em que autoliquidou tributações, no valor total € 781.024,35 – cfr. campo 365, do quadro 10 da declaração Modelo 22:

i) i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas, que gerou o montante de € 598.332,51;

ii) tributação autónoma sobre ajudas de custo que gerou o montante de € 123.568,35;

iii) tributação autónoma sobre despesas de representação, que gerou o montante de € 53.226,85;

iv) tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas, que gerou o montante de € 5.896,64 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

b) Em 03-03-2011, a Requerente apresentou uma declaração de substituição de IRC, referente ao ano de 2008, relativa ao Grupo A..., incluindo nela, no Campo 365 do Quadro 10 (Cálculo do Imposto), o montante de € 781.024,35, relativo a tributações autónomas (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c) Nas declarações referidas, a Requerente não deduziu como custo/gasto os montantes correspondentes às tributações autónomas (acordo das Partes);

d) A Requerente pagou a quantia autoliquidada relativa às tributações autónomas (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d) A Requerente não apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação;

e) A Requerente apresentou, em 28-05-2013, pedido de revisão do acto tributário, relativo ao exercício de 2008 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f) No dia 19-11-2013, a Requerente foi notificada por carta registada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo ao exercício de 2008, por despacho proferido, em 14-11-2013, pela Senhora Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g) No dia 07-02-2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos com relevância para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos referidos sobre cada ponto e nas afirmações das Partes, não havendo controvérsia sobre qualquer deles.

 

 

3. Questão da incompetência

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão prévia da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade do ato de autoliquidação de 2008 face à redacção da Portaria de Vinculação nº 112-A/2011, de 22 de Março, por a Requerente não ter apresentado reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, como se prevê no artigo 2.º, alínea a), daquela Portaria.

A Requerente pede que se declare a ilegalidade de actos de autoliquidação de IRC, pedido este que se enquadra na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, em que se refere que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».

No entanto, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, o Governo restringiu a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, estabelecendo que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

A vinculação veio a concretizar-se com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que no seu artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estabelece que se exceptuam da vinculação «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, não se provou que a autoliquidação tivesse «sido efectuada de acordo com orientação genéricas da administração tributária», nem foi apresentada reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT.

No entanto, foi apresentado pedido de revisão oficiosa em que a Requerente fez referência a actos de liquidação de IRC incorrectamente praticados.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

            Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

            No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau (reclamação graciosa ou de revisão do acto tributário) ou de terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau ou de terceiro grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial geral pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Com efeito, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de se exigir a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à expressão «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas às declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto de a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Improcede, assim, a questão prévia da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4. Questão da dedutibilidade em IRC das quantias pagas relativamente a tributações autónomas

 

            A questão que é objecto do pedido de declaração de ilegalidade é a da dedutibilidade em IRC das quantias pagas relativamente a tributações autónomas.

Está em causa, especificamente, a interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (vigente no ano de 2008), que estabelece:

 

Artigo 42.º

 

(redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício

a) O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros;

 

            A tese da Requerente é, em suma, a de que as quantias despendidas com o pagamento das tributações autónomas, não são IRC nem impostos que incidam directa ou indirectamente sobre os lucros, pelo que não estarão abrangidas pela exclusão de dedutibilidade prevista naquelas alíneas a) e, por isso, será dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo Código, em que se estabelece que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente... encargos fiscais e parafiscais» (redacção inicial, vigente em 2008).

            O entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira é, em suma, o de que a referência ao IRC que consta da alínea a) do n.º 1 daquele artigo 42º abrange as tributações autónomas, que se integram no IRC.

            Assim, a controvérsia incide sobre o alcance destas referências ao IRC, designadamente saber se ela abrange ou não também as tributações autónomas.

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

O artigo 9.º do Código Civil estabelece o seguinte:

 

Artigo 9.º

Interpretação da lei

1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 –Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

            Assim, o que há a fazer, é procurar reconstituir o pensamento legislativo, com base nos elementos interpretativos indicados neste artigo 9.º.    

O ponto de partida da interpretação é a letra da lei.

Na falta de outros elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. ( [4] )

Na redacção inicial do CIRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, não era feita qualquer referência expressa ou implícita a tributações autónomas, no âmbito do IRC.

Só com a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1990, foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que consta do n.º 3 do seu artigo 15.º, em que se preceitua o seguinte:

Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro

Artigo 15.º

3 - Fica o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código.

 

Concretizando esta autorização legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho em que incluiu, à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas em que se estabelece o seguinte:

 

Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho

Artigo 4.º

 As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.

 

Como resulta do teor literal desta norma, fala-se em tributações autónomas em IRS ou IRC, não por elas serem um imposto diferente de qualquer um destes, mas sim por serem calculadas aplicando uma regra diferente das regras gerais de tributação aplicáveis à determinação das quantias devidas no âmbito daqueles impostos.

Mas, no que aqui interessa, sendo a tributação autónoma em IRC, resulta linearmente desta norma que o imposto a liquidar e cobrar é considerado IRC, pelo que lhe será aplicável, no que não está aqui regulado, tudo o que está previsto para o IRC e que seja necessário aplicar (por exemplo, para efeitos da prazos para apresentação de declarações, competência para a liquidação, privilégios creditórios, meios de impugnação, etc.).

A Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, alterou este artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, mas manteve a mesma referência a tributação autónoma em IRC, estabelecendo o seguinte:

 

Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro

1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 30%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.         

 

A Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro, voltou a alterar o n.º 1 daquele artigo 4.º, dando-lhe a seguinte redacção:

 

Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro

            1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.

 

 A Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril, aditou um n.º 3, ao mesmo artigo 4.º, com a seguinte redacção:

 

Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril

3 - As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.

 

           

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, revogou o referido artigo 4.º, mas incluiu no CIRC um conjunto de tributações autónomas, através do aditamento de um artigo 69.º-A ( [5] ) com o seguinte teor:

 

Artigo 69.º-A

Taxa de tributação autónoma

1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º

2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

3 - São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

4 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

5 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 8 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

6 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

7 - São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

8 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os sujeitos passivos a que seja aplicado o regime previsto no artigo 46.º-A.

 

Embora não se faça aqui referência expressa a que estas tributações autónomas são IRC, tal resulta, por um lado, da inclusão deste artigo no CIRC (paralelamente à inclusão no CIRS de um artigo 75.º-A semelhante), por outro lado, pelo facto de os n.ºs 1 a 3 deste artigo 69.º-A manifestamente visarem substituir os anteriores n.ºs 1 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90.

É certo que, a inclusão destas tributações autónomas incidentes directamente sobre despesas e não sobre rendimento das pessoas colectivas num Código destinado primacialmente a estabelecer o regime geral, pelo menos aparentemente, uma situação de distorção do âmbito de incidência do imposto, que deixa de incidir directamente apenas sobre lucros para passar a incidir directamente também sobre certas despesas.

Mas, a Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas.

Na verdade, diz-se na referida Proposta de Lei:

 

O actual modelo de tributação do rendimento foi estabelecido em 1988, assente no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), e correspondeu à adopção de soluções de base idênticas às que são comuns nos países da OCDE, o que não se cuida obviamente de alterar.

No entanto, razões de ordem pragmática determinaram logo algumas entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar.

Acresce que a evolução do país introduziu alterações na realidade económica e social, em parte resultado do impacto da União Europeia e da própria dinâmica de aprofundamento do processo de integração, com repercussão no tecido das relações e institutos que são objecto das leis tributárias.

Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que o sistema fiscal não reparte equitativamente a carga fiscal entre os cidadãos, estando a cargo dos mais cumpridores, entre eles, os trabalhadores por conta de outrem, a maior quota‑parte de esforço fiscal, enquanto a evasão e a fraude fiscais mantêm uma presença significativa que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível.

4.        Pelo exposto, o Governo, na sequência da elaboração de estudos e relatórios técnicos elaborados sob a égide de anteriores Governos, em particular do XIII Governo, bem como dos trabalhos de levados a cabo pela Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), que foi criada em Janeiro de 2000, para além do debate que estes temas têm suscitado, entendeu ser chegada a altura de submeter à Assembleia da República uma ampla reforma do sistema tributário português.

Pretende‑se com estas medidas dar cumprimento a um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.

 

Perante esta explicação, torna-se claro que, na perspectiva legislativa, as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».

Com esta opção legislativa de «alargamento da base tributária» do IRC, ampliou-se a sua base de incidência em relação à que constava do artigo 3.º, mas foi isso mesmo que se pretendeu, à luz da referida Exposição de Motivos.

Foram posteriormente introduzidas alterações a este artigo ( [6] ), pela 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 192/95, de 7 de Novembro, Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, pela Lei n.º 100/2009, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, com clara tendência para a ampliação das tributações autónomas, pelo que se evidencia que, repetidamente, o legislador fiscal se mostrou indiferente em relação às possíveis entorses do sistema de tributação das empresas que as tributações autónomas podem implicar.

De resto, as grandes preocupações com a coerência dos impostos que incomodam a Requerente nunca foram partilhadas pelo nosso legislador fiscal, que, desde há muito, vem mantendo um imposto em que inclui, sob uma denominação comum, uma amálgama de situações desconexas de tributação, que é o Imposto do Selo, apenas perceptivelmente justificadas pela simplicidade e eficiência da arrecadação de receitas, e reconhece explicitamente, na referida Proposta de Lei, que, por razões de ordem pragmática, havia «entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar».

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos.

Conclui-se, assim, que tanto à face do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, em que, em todas as suas versões, se referia que as tributações autónomas eram em «em IRS ou IRC» e não que outro tributo, como depois da sua inclusão no CIRC, as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes será aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.

A esta luz, a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, ao dizer, na redacção dada ao artigo 12.º do CIRC, que «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas», assentou manifestamente no pressuposto, que resultava explicitamente das várias redacções do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 e da integração das tributações autónomas no CIRC operada pela Lei n.º 30-G/2000, de que estas tributações eram uma forma de tributação das pessoas colectivas em IRC ( [7] ), pois é essa a única justificação para que na nova redacção que foi dada ao artigo 12.º do CIRC se ter feito uma referência expressa a que a exclusão da tributação em IRC das entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal em IRC não se estende às tributações autónomas.

Esta conclusão que já se retirava com segurança, pelo menos a partir da Lei n.º 109-B/2001, de que as tributações autónomas se incluem no âmbito do IRC e lhe são potencialmente aplicáveis as regras gerais deste imposto é confirmada com o novo artigo 23.º-A, n.º 1, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas».

Na verdade, resulta do teor expresso do referido artigo 12.º do CIRC que as tributações autónomas se incluem no IRC, especificamente para o efeito de afastamento da dedução ao lucro tributável das quantias despendidas com o seu pagamento.

Por outro lado, apesar de esta referência expressa à inclusão das tributações autónomas só ter sido inserida com esta Lei n.º 2/2014, é seguro que tal inclusão já existia anteriormente, desde logo porque esta Lei não alterou o âmbito do IRC, designadamente os artigos 1.º e 3.º, a que a Requerente dá especial relevância para determinação do que é IRC.

Para além disso, especificamente no que concerne à determinação do lucro tributável e à questão da dedutibilidade das quantias pagas a título de tributações autónomas, ressaltam com evidência boas razões para afastar a dedutibilidade que é o facto de essas tributações terem em vista compensar eventual evasão fiscal (da própria empresa ou de pessoas a quem faz pagamentos ou proporciona o uso de bens da empresa) ou desincentivar a realização de determinadas despesas que afectam negativamente os lucros das empresas e, consequentemente, reduzem a receita fiscal. ( [8] ) Sendo estas as finalidades essenciais das tributações autónomas, não se poderia justificar que, ao seu arrepio, fosse feita redução da tributação, que potencialmente atenuaria a sua eficácia.

Assim, tem de se concluir que o legislador exprimiu insistentemente a sua intenção de tributar em sede de IRC as despesas efectuadas por pessoas colectivas para que se prevê tributação autónoma e que não há qualquer suporte textual nas normas relativas a essas tributações para concluir que as despesas com o pagamento de tais tributações não seja considerado IRC.

Por outro lado, o elemento racional da interpretação corrobora essas conclusões sugeridas pelo teor literal, já que a finalidade comum visadas com a imposição de tais tributações, que é desmotivar a prática de certas despesas, é mais eficazmente atingida sem uma atenuação a que se reconduziria a sua dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável.

Para além disso, os objectivos visados que se justificava prosseguir nos momentos em que as tributações autónomas foram introduzidas não deixaram de valer posteriormente, como se infere da sua acentuação que foi operada pelos diplomas que alteraram o seu regime, atrás indicados.

Por outro lado, as razões que justificaram a introdução das tributações autónomas em sede de IRC e a não dedutibilidade em sede deste imposto das quantias despendidas com o seu pagamento, que existiam no momento em que elas fora criadas pelo Decreto-Lei n.º 192/90 e reforçadas pela Lei n.º 30-G/2000 e diplomas subsequentes não deixaram de valer em 2008 e 2010, anos em que o país começou a atravessar uma gravíssima crise financeira.

Prova evidente disto são os factos de a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, apesar de implementar uma reforma do IRC que visou desagravar enormemente a tributação, ter mantido as tributações autónomas em sede deste imposto e ter referido explicitamente, no novo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), que as tributações não são dedutíveis para determinação do lucro tributável.

Ao contrário do que defende a Requerente, ao arrepio da interpretação literal, a nova redacção, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação» «a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», vem explicitar que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

 Assim, a generalidade dos elementos interpretativos (literal, histórico, racional, contexto em que as normas foram emitidas e circunstâncias em que são aplicadas) conduz à conclusão de que as tributações autónomas criadas em sede de IRC são consideradas com sendo impostos deste tipo para efeitos de dedução ao lucro tributável, designadamente n0 ano de 2008, à face da redacção do artigo 42.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.

Aliás, o facto de um dos tipos de tributações autónomas depender da existência de prejuízo fiscal, como sucede com «os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no exercício a que os mesmos respeitam» (n.º 9 do artigo 81.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro), evidencia a falta de razão da Requerente, pois a existência ou não destas tributações autónomas pressupõe a prévia determinação do lucro tributável desse exercício, com inclusão de todos os proveitos e os encargos dedutíveis. Só depois de ser apurado se há ou não prejuízo fiscal é que se pode saber se haverá lugar à tributação autónoma prevista naqueles n.ºs 9 e, por isso, o eventual montante desta não pode ser um elemento para determinar o lucro tributável, não pode ser um gasto dedutível.

Aliás, a adopção da tese da Requerente de que as quantias relativas às tributações autónomas são encargos dedutíveis, até poderia conduzir, em última análise, devido ao facto de haver tributações autónomas que dependem da existência de prejuízos fiscais, à conclusão absurda da existência de situações em que o sujeito passivo viesse a ficar prejudicado pelo facto de ter mais encargos dedutíveis.

Basta pensar, a título de exemplo, na situação de uma empresa que, sem considerar as tributações autónomas, tivesse um lucro tributável de 100 euros e tivesse despesas não documentadas no valor de 250 euros (tributadas autonomamente à taxa de 50%) e ainda encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º no valor de 1000 euros.

 

1.ª hipótese: As tributações autónomas não são consideradas encargos dedutíveis

 

A empresa pagaria no anos de 2008 em sede de IRC:

25 euros relativos ao IRC referente ao lucro tributável de 100 euros, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do CIRC na redacção da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro;

125 euros relativos a tributação autónoma relativa às despesas não documentadas (taxa de 50% sobre 250 euros);

0 euros de tributação autónoma relativa aos encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, pois não apresentaria prejuízo fiscal;

 

No total a empresa pagaria em sede de IRC 150 euros relativos ao ano de 2008.

 

2.ª hipótese: As tributações autónomas são consideradas encargos dedutíveis

 

A empresa, deduzindo ao lucro tributável as tributações autónomas teria de pagar:

0 euros relativamente ao lucro tributável, pois passaria a ser negativo;

125 euros em cada ano relativos a tributação autónoma relativa às despesas não documentadas;

50 euros de tributação autónoma relativa aos encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC (5% de 1000 euros), pois deduzindo as tributações autónomas ao lucro tributável passaria a apresentar prejuízo fiscal.

 

     Assim, com a dedutibilidade das tributações autónomas, a hipotética empresa pagaria em sede de IRC € 175, mais do que pagaria sem essa dedutibilidade.

 

Isto é, a adopção da tese da Requerente implicaria a aceitação de situações em que a existência de mais encargos dedutíveis implicaria para o sujeito passivo o pagamento de mais IRC, o que não tem suporte lógico aceitável.

Por isso, a hipotética solução legislativa que a Requerente aventa é manifestamente desacertada e, consequentemente, tem que se presumir não ter sido legislativamente adoptada, como decorre do preceituado no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

 

5. Questão da inconstitucionalidade das normas que prevêem tributações autónomas em sede de IRC

 

A Requerente defende ainda, no artigo 289.º da petição inicial, que «a interpretação sui generis da AT de que a norma constante do artigo 23.º, n.º 1, ou do artigo 45.º (entre 2010 e 2013; à data dos factos com a numeração de artigo 42.º), designadamente no seu n.º 1, alínea a), todos do CIRC, impediria indiscriminadamente a dedução no apuramento do rendimento tributável de encargos reais com tributações autónomas, torna essas normas inconstitucionais nessa medida, por violação dos artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade e da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias), 13.º (princípio da igualdade), 18.º, n.ºs 2 e 3 (princípio da proporcionalidade) e 104.º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), da Constituição da República Portuguesa».

A Requerente, porém, não explicita no pedido de pronúncia arbitral quais as razões por que entende que tais princípios seriam violados pelas normas referidas.

Nas alegações, a Requerente fala de inconstitucionalidade, já não daqueles artigos 23.º, n.º 1, e 42.º ou 45.º do CIRC, mas sim dos n.ºs 4 e 14 do artigo 88.º do CIRC, ao que parece (pois a Requerente não o explicita) o primeiro na redacção introduzida Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que vigorou em 2010, e segundo na redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pois só com esta foi aditado. Estas questões são de inconstitucionalidade abstracta, pois nenhuma destas normas do artigo 88.º ou correspondente tem aplicação ao caso em apreço, a que se aplica o regime vigente em 2008. Por isso, sendo da competência exclusiva do Tribunal Constitucional a apreciação de questões de inconstitucionalidade abstracta (artigo 281.º da CRP), não se tomará conhecimento especificamente da questão da inconstitucionalidade destes n.ºs 4 e 14 do artigo 88.º do CIRC. No entanto, os princípios constitucionais que a Requerente entende violados são os mesmos que invoca em relação aos artigos 23.º e 42.º ou 45.º, pois apenas adita a «proibição de restrições desnecessárias e arbitrárias» que se enquadra no princípio da proporcionalidade, e, por isso, as questões que coloca a propósito do artigo 88.º não são substancialmente diferentes das que suscita relativamente àqueles artigos 23.º e 42.º ou 45.º.

De qualquer forma, no que concerne aos princípios da igualdade e da proibição de discriminações arbitrárias, não se vê como possam ser violados, já que as normas sobre tributações autónomas são aplicáveis à generalidade dos sujeitos passivos de IRC, nos mesmos termos previstos na lei. Por outro lado, quanto ao princípio da proporcionalidade, visando-se com as tributações autónomas atenuar os efeitos de situações de evasão e fraude fiscal, não se demonstra que haja violação do princípio da tributação com base na capacidade contributiva, que não é um princípio absoluto, com o decorre do artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

Por outro lado, está absolutamente ao arrepio da realidade encontrar nessas normas uma discriminação negativa dos sujeitos passivos de IRC em relação à generalidade dos sujeitos passivos dos impostos sobre o rendimento, pois, também se prevêem tributações autónomas semelhantes para os sujeitos passivos de IRS (artigo 73.º do CIRS) e, globalmente, é manifesto que é menor a carga fiscal que incide sobre as pessoas colectivas em comparação com a que incide sobre as pessoas singulares, desde logo a níveis de taxas aplicáveis.

Para além disso, no que concerne ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real», enunciado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, não se trata, como a letra desta norma evidencia, de um princípio absoluto, que proíba que a tributação das empresas se faça também a nível das despesas efectuadas, apenas impondo que a tributação directa dos lucros assuma relevância primacial na tributação das empresas.

Ora, é manifesto que a tributação das empresas em sede de IRC é feita primacialmente com base no rendimento real das empresas, assumindo a tributação das despesas um papel eventual e residual nessa tributação.

Por isso, não se vislumbra qualquer violação dos princípios constitucionais referidos.

 

6. Juros indemnizatórios

 

Como resulta do exposto, a autoliquidação de IRC efectuada pela Requerente relativamente ao ano de 2008 não enferma do vício que lhe é imputado, pois a quantia correspondente às tributações autónomas não era dedutível ao lucro tributável.

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade das autoliquidações referidas, improcede necessariamente o pedido de juros indemnizatórios, que é apresentado pela Requerente como corolário daquela ilegalidade.

 

7. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC e derrama municipal consequente relativa ao exercício de 2008) efectuada pela Requerente e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desse pedido;

b) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido

 

8. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 201.330,35.

 

9. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30 de Junho de 2014

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Fernando Borges de Araújo)

 

 

 

 

 

(José Coutinho Pires)

 

 



( [1] )         Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

( [2] )         BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

( [3] )         Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

( [4] )         Neste sentido, pode ver-se BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.

( [5] )         Esta mesma Lei introduziu no CIRS o artigo 75.º-A com um regime parcialmente coincidente.

( [6] )         Ao artigo 69.º-A do CIRC corresponde o artigo 81.º com a renumeração do CIRC operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, e o artigo 88.º com a renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

( [7] )         Ou em IRS, no caso de pessoas singulares com contabilidade organizada, o que aqui não interessa.

( [8] )         Nesta linha, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19-12-2012, proferido no processo n.º 150/12, pertinentemente junto pela Requerente como documento n.º 19, em que se refere:

«Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.»

 

Em sentido semelhante, refere-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12-01-2011, proferido no processo n.º 204/2010:

 

«No caso dos n.ºs 1 e 2, estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%. A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal.

Por sua vez, os n.ºs 3 e 4 do artigo 81.º referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal.»