Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 92/2017-T
Data da decisão: 2017-11-06  Selo  
Valor do pedido: € 7.940,33
Tema: IS – Isenção – artigo 269.º alínea e) do CIRE.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

  1. pedido  

A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua … …, …-… Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou, em 27-01-2017, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:

  1. A anulação, com base em violação de lei, dos seguintes atos de liquidação de Imposto do Selo:

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº …,

- Liquidação comunicada através do documento nº…,

- Liquidação comunicada através do documento nº … .

  1. A condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas referentes ao imposto liquidado e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, computados até ao reembolso integral da quantia devida.

A título subsidiário:

 

  1. A anulação da liquidação comunicada através do documento nº…, por configurar duplicação de coleta;
  2. A condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas referentes ao imposto liquidado e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, computados até ao reembolso integral da quantia devida.

 

 

  1. Fundamento do pedido

Para sustentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese:

  • A fim de conseguir a satisfação dos seus créditos, os credores podem optar, num processo de insolvência, pela da recuperação da empresa compreendida na massa insolvente ou pela liquidação integral do património dos devedores;
  • De acordo com a al. e) do art. 269º do CIRE (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, doravante CIRE), encontram-se isentas de Imposto do Selo, quando integradas em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, ou praticados no âmbito da massa insolvente, a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa”.
  • Deste modo, a isenção do IS em causa é concedida, por um lado, no âmbito de operações de aquisição integral ou parcial da empresa objeto do processo de insolvência e, por outro, a meros atos de aquisição de bens imóveis isoladamente considerados realizados na fase de liquidação do ativo da mesma.
  • De facto, uma vez que o legislador, ao consagrar aquele benefício fiscal em Imposto do Selo no âmbito dos processos de insolvência, visou viabilizar a venda rápida e atrativa dos bens imóveis integrantes do património do devedor por forma a satisfazer os interesses dos credores ou a promover a recuperação da empresa, afigurar-se-ia incongruente excluir do âmbito da isenção os atos de alienação de bens imóveis compreendidos na massa insolvente da empresa, apenas porque considerados em si  mesmos.
  • No Preâmbulo do CIRE, é dito que “mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais.
  • O art. 121º do CPEREF isentava de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis que decorressem, entre outros, da “autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa”.
  • O preâmbulo daquele código dizia: “adota-se ainda neste decreto-lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar-se o processo de recuperação”.
  • Ora, atenta a intenção expressa do legislador relativamente à manutenção dos regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, impõe-se, por conseguinte, sufragar o entendimento de que se encontram compreendidos no escopo da isenção de Imposto do Selo, prevista na al. e) do art. 269º do CIRE, as operações de alienação de elementos do ativo das empresas no âmbito da liquidação da massa insolvente.
  • É neste sentido decisão do STA no acórdão de 25-09-2013, proc. nº 866/13.
  • O Código Comercial, no art. 13º, prevê duas categorias distintas de entidades passíveis de integrar o conceito de “comerciante” que são “as pessoas que, tendo capacidade para praticar atos de comércio, faz desta profissão” e as “sociedades comerciais”.
  • O art. 5º do CIRE diz que “para efeitos deste código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica”.
  • Resulta do preceito que o mesmo se aplica quer às empresas inseridas numa pessoa coletiva, quer às empresas individuais em que o empresário é o comerciante em nome individual que explora uma atividade económica, sob a forma empresarial.
  • Sendo assim, a isenção estabelecida no art. 269º, al e) do CIRE é igualmente aplicável às situações de aquisição de bens imóveis realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente de pessoas singulares, que atuem na qualidade de empresários em nome individual.

 

  1. Resposta

Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, alega, em síntese:

  • Nos casos em apreço, estamos perante a aquisição de imóveis, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertencem a uma empresa nem estavam destinados ao exercício de qualquer actividade empresarial, mas que eram propriedade de pessoas singulares destinados a habitação;
  • No acórdão do STA proferido no processo nº 866/13, de 25.09.2013 que se aplica integralmente ao caso dos presentes autos, decidiu-se : “I- De acordo com o disposto no art. 269º, al e) do CIRE, ficam isentos de IS as vendas de ‘elementos do activo da empresa’ II- Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa.”
  • A isenção de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares.”
  • Uma interpretação diferente da aqui propugnada, ou seja, no sentido de reconhecer isenção de IS nas aquisições efectuadas a pessoas singulares insolventes do mesmo modo que a empresas insolventes, não tem suporte legal e constitucional.

 

  1. Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações

Com a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

As  Partes optaram por não apresentar alegações escritas.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 30-03-2017, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art. 2º, nº 1 do RJAT.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III. QUESTÕES A DECIDIR

A principal questão a apreciar e a decidir é a do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea e) do artigo 269º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e se, concretamente, é abrangida por essa isenção a aquisição a título oneroso de imóvel incluído na massa insolvente de pessoa singular insolvente, quando tal bem não estivesse afeto a uma atividade empresarial.

Subsidiariamente, é submetida ao Tribunal a questão da existência de duplicação de coleta no caso das liquidações comunicadas através dos documentos … e … .

 

IV – FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão da causa:

1º Facto: A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo:

  1. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 900,07, sobre a aquisição do imóvel U-…-M da matriz predial urbana da freguesia de …, a B…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… TBOER;
  2. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 1.282,35, sobre a aquisição do imóvel U-… da matriz predial urbana da freguesia de…, a C… e D…, no âmbito do processo de insolvência noº…/12… TBLRA;
  3. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 720,80, sobre a aquisição do imóvel U-…-G da matriz predial urbana da extinta freguesia de…, concelho de Paredes, a E…, no âmbito do processo de insolvência nº …/11… TBPRD e …/10… TBPRD;
  4. Liquidação comunicada através do documento nº … no valor de € 1.000,00, sobre a aquisição do imóvel U-…-B1, da matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Abrantes, a F… e G…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… TBABT;
  5. Liquidação comunicada através do documento nº … no valor de € 657,91, sobre a aquisição do imóvel U-…-A, da matriz predial urbana da União de Freguesias de …, concelho de Vizela, a H… e I…, no âmbito do processo de insolvência nº …/11-…TBGMR;
  6. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 1.096,00, sobre a aquisição do imóvel U-…-BN, da matriz predial urbana da União de Freguesias de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia, a J…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… TBVLP;
  7. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 966,40, sobre a aquisição do imóvel …-Q, da matriz predial urbana da freguesia de … (…), concelho da Maia, a K… e L…, no âmbito do processo de insolvência nº… … TBMAI;
  8. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 356,80, sobre a aquisição do imóvel U-…-E, da matriz predial urbana da freguesia da…, concelho da Amadora, a M…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… T2SNT;
  9. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 480,00, sobre a aquisição de 1⁄2 do imóvel U-…-N, da matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Valongo, a N…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… TBVLG;
  10. Liquidação comunicada através do documento nº…, no valor de € 480,00, sobre a aquisição da metade indivisa do imóvel U-…-N, da matriz predial urbana da freguesia de…, concelho de Valongo, a N…, no âmbito do processo de insolvência nº …/12… TBVLG.

2º Facto: A Requerente pagou o imposto relativo a todas as liquidações impugnadas.

Os factos considerados provados foram-no com base nos documentos juntos ao processo.

São os seguintes os factos não dados como provados:

1º Facto não dado como provado: Os imóveis sobre os quais recaem as liquidações de imposto do selo impugnadas estavam afetos a atividade empresarial dos insolventes.

Não existem outros factos dados como provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.

VI – FUNDAMENTAÇÃO

  1. Aplicabilidade da isenção de imposto do selo prevista na al. e) do art. 269º do CIRE à aquisição de imóvel urbano não integrado em património empresarial

O artigo 121º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-lei n.º 132/93, de 23 de Abril, dispunha, em matéria de isenções fiscais:

(...)

2 - Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram:

(...)

c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 101.º

 

Em 2004 o referido código foi substituído pelo atual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março.

No preâmbulo deste diploma, lê-se:

49 - Mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal.

Este diploma foi aprovado ao abrigo de uma lei de autorização legislativa (Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto) que dizia:

Artigo 9º

(...)

2 — Fica ainda o Governo autorizado a isentar de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:

(...)

f) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens.

 

Na versão primitiva do diploma, o artigo 269º dizia o seguinte:

Artigo 269.º

Benefício relativo ao imposto do selo

Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrassem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em planos de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:

(...)

e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;

 

 

Atualmente, após alteração introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o artigo 270º do CIRE diz o seguinte:

Artigo 269.º

Benefício relativo ao imposto do selo

Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:

(...)

e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;

 

Em face da redação da norma não podem colocar-se dúvidas de que a isenção estabelecida na al e) do art. 269º do CIRE não é aplicável à aquisição de um imóvel integrado na massa insolvente proveniente do património pessoal, não empresarial, de uma pessoa singular insolvente, como é o caso.

Isto mesmo foi já confirmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-09-2013 (proc. nº 866/13), em cujo sumário se diz: “I. De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do ativo da empresa». II – Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de atos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o ativo de uma empresa.”

A Requerente afirma a dado ponto da petição inicial (artigo 56º) que “no caso sub judice estamos perante a aquisição de bens imóveis realizada no âmbito da liquidação da massa insolvente de pessoas singulares, que atuaram ou que ainda atuam na qualidade de empresários em nome individual”.

A verdade, porém, é que a Requerente não apresenta os necessários elementos factuais a partir do qual se possa concluir que os insolventes eram, efetivamente, empresários em nome individual ou que os imóveis em causa estavam afetos a uma atividade empresarial.

Ora a alegação dos factos bem como a prova dos mesmos constitui ónus da parte que os pretende fazer valer, segundo a regra geral do art. 342º do Código Civil.

A Requerente nem alega nem prova os factos que permitiriam concluir que os imóveis em causa faziam parte de um património empresarial.

Não é ao Tribunal que cabe fazer essa argumentação e correspondente prova.

No entanto, examinando a prova documental disponível, vê-se que vários imóveis têm a classificação de habitacionais, pelo que é de o excluir, à partida, que estivessem afetos a uma atividade empresarial.

No entanto, como já afirmámos, era à Requerente que cabia o ónus de alegar e provar os factos em que assenta a sua pretensão.

Não o tendo feito, não pode dar-se como provado que os imóveis em causa estivessem afetos a qualquer atividade empresarial.

Não se provando tal facto, não se verificam de igual modo os pressupostos para a aplicação da isenção de imposto estabelecida na al. e) do art. 269º  do CIRE, não sofrendo, assim, as liquidações  impugnadas, de invalidade por erro nos pressupostos de direito ou de facto.

 

 

 

  1. Existência de duplicação de coleta

A Requerente alega que existe duplicação de coleta no caso das liquidações comunicadas através dos documentos … e … .

O art. 205º do Código de Procedimento e de Processo Tributário define duplicação de coleta dizendo que ela existe “quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.”

No caso concreto, verificou-se a aquisição, pela Requerente, de uma fração de prédio urbano inscrita son o nº …-N da freguesia de … .

Acontece que a fração em causa pertencia a duas pessoas: N… e O…, casados em regime de separação de bens, mas comproprietários da fração supra indicada, cada um deles com uma quota de 50% do total.

A Autoridade Tributária emitiu duas liquidações de imposto do selo sobre a aquisição desta fração: as liquidações comunicadas através dos documentos … e … .

Em ambos os documentos se indica claramente que a liquidação de imposto se refere apenas à aquisição de uma metade indivisa da fração em causa.

Com base nestes dados, seríamos facilmente tentados a concluir que as duas liquidações se referem às duas metades da fração, sendo uma pertencente a N… e a outra O… .

O que é facto, porém, é que, na perspetiva da Requerente, que é a que interessa, nenhum elemento existe em nenhuma das duas liquidações que permita identificar qual o transmitente da metade em causa em cada liquidação. E sem esse elemento, efetivamente, é impossível à Requerente ter a certeza de que não está a ser tributada duas vezes pelo mesmo facto.

Ora, confrontada com a alegação de duplicação de coleta, a Requerida, que podia ter aduzido elementos para demonstrar que as duas liquidações se referem a metades pertencentes a sujeitos diferentes, não o fez.

É verdade que as duas liquidações têm como antecedentes, em termos de procedimento tributário, dois ofícios com números diferentes, pelos quais se notificou a Requerente para exercer o direito de audição prévia: a liquidação comunicada através do documento … tem raiz no ofício nº 2016 …; a liquidação comunicada através do documento … tem raiz no ofício nº 2016… .

Através destes ofícios, e com base na menção que dos mesmos é efetuada nas respetivas liquidações, poderia, com condescendência em relação à Autoridade Tributária, considerar-se provado que as duas liquidações se referem a aquisição de metades pertencentes a sujeitos diferentes.

É certo que competia à Requerida fazer a demonstração de que assim é, o que não fez.

Mas além disso, no processo administrativo, não se encontra o ofício referente à liquidação comunicada através do documento nº… .

E sem esse elemento não é, em rigor, possível afirmar que não se está perante uma duplicação de coleta.

Considera-se assim, que os elementos disponíveis indicam que se está perante uma duplicação de coleta.

A duplicação de coleta, para além de ser fundamento da oposição à execução, é fundamento de impugnação, ao abrigo do art. 99º do CPPT, e causa de invalidade suscetível de determinar a anulação do ato (cfr. acórdão do STA de 08-07-2009, proc. nº 530/09).

Assim, há que considerar que a segunda liquidação, ie a mais tardia das duas liquidações emitidas sobre a metade da fração …-N da freguesia de … é inválida por violação de lei e consequentemente deve ser anulada.

A liquidação emitida posteriormente e que deve ser anulada é a liquidação comunicada através do documento nº… .

 

VI. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julga-se:

  1. Procedente o pedido de anulação da liquidação de imposto do selo comunicada através do documento nº…, em que foi liquidado imposto no valor de 480,00 euros;
  2. Procedente o pedido de condenação da Requerida a efetuar o reembolso da quantia de 480,00 euros, correspondente ao imposto pago referente à liquidação de imposto do selo comunicada através do documento nº…;
  3. Procedente o de condenação da Requerida a pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia de imposto pago referente à liquidação de imposto do selo comunicada através do documento nº…, até à sua integral restituição, nos termos do art. 43º da Lei Geral Tributária.
  4. Improcedente o pedido de anulação dos demais atos de liquidação impugnados.

 

Valor da utilidade económica do processo

Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 7.940,33 euros.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

As custas são divididas nos seguintes montantes, tendo em conta os termos do art. 527, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:

  1. 293,15 euros a cargo da Requerente;
  2. 18,85 euros a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 6 de novembro de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Nina Aguiar)