Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 93/2012-T
Data da decisão: 2013-02-13  IRC  
Valor do pedido: € 19.176,78
Tema: Apuramento da derrama municipal nos grupos de sociedades sujeitos ao RETGS
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Processo n.º 93/2012-T


 

  1. RELATÓRIO

, SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua … Lisboa (de ora em diante, a Requerente), apresentou, invocando os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (de ora em diante designado Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, ou RJAT), um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, com vista à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante, a AT ou a Requerida), no reembolso do montante de €16.752,49, acrescido de juros indemnizatórios vencidos no valor de €2.424.29 e vincendos, à taxa de 4% ao ano, referente a derrama dos exercícios fiscais de 2007 e 2008, por pagamento indevido junto dos cofres do Estado.


 

A AT respondeu, suscitando as questões prévias da ilegitimidade passiva e da incompetência do tribunal arbitral e requerendo que, se estas não fossem julgadas procedentes, fosse desencadeado o incidente de intervenção provocada dos Municípios beneficiários das derramas em causa. Quanto ao mérito do pedido da Requerente, a AT alegou que as autoliquidações, ao terem por base a matéria tributável de cada uma das sociedades que integram o grupo, foram efetuadas de uma forma correta, nunca podendo utilizar-se, como fez a Requerente, uma média ponderada das taxas de derrama em vigor em cada um dos municípios.

A Requerente, no uso do direito ao contraditório, respondeu às exceções e questões prévias, sustentando a sua improcedência.

As duas partes apresentaram alegações em defesa dos respetivos fundamentos.

O Requerente apresentou depois um requerimento de junção de um novo documento ao processo, cuja junção foi contestada pela Requerida, mas que o tribunal aceitou, por despacho de….

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

O processo não enferma de nulidades.

A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

  1. A Requerente é a sociedade dominante do Grupo … (…) que se encontra abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), nos termos do artigo 69.º e seguintes do Código do IRC;

  2. A Requerente, em 30 de Dezembro de 2011, apresentou um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC de 2007 e 2008 do …, nos termos do artigo 78.º da LGT;

  3. Considerando que a competência dos tribunais arbitrais tributários compreende a apreciação de pretensão atinente à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, que a AT se vinculou à jurisdição daqueles tribunais, no que respeita à apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe seja cometida e que a derrama é um imposto administrado e cobrado pela AT, o presente tribunal arbitral é competente;

  4. O pedido de pronúncia é tempestivo porque foi apresentado no prazo de 90 dias contados da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (ato suscetível de impugnação autónoma);

  5. Com a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais, Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, a derrama passou a ser calculada sobre o valor do lucro tributável, em alternativa à coleta de IRC, critério assumido pela anterior Lei das Finanças Locais (Lei n.º 42/1998) que vigorou até 2006;

  6. O regime da derrama, para além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria coletável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, ou seja, quanto às regras em que tradicionalmente se analisa a relação jurídica tributária;

  7. A Circular n.º 14, de 21 de Abril de 1995, da Direcção de Serviços do IRC, estabelece que “a Derrama tem natureza de imposto acessório do imposto principal que é o IRC” e que “o imposto acessório segue o imposto principal – “acessorium sequitur principale”;

  8. No que respeita à base de incidência da derrama, quando estão em causa grupos de sociedades abrangidos pelo RETGS, a Administração Tributária vem expor o seu entendimento sobre esta questão no acima referido Ofício-Circulado n.º 20132, determinando que cada sociedade do grupo, após ter apurado o lucro tributável na sua declaração individual, procederá ao cálculo da derrama sobre esse valor, sendo que competirá à sociedade dominante proceder ao pagamento do montante da derrama, que resultará do somatório das derramas individualmente apuradas por cada uma das sociedades do grupo que apresentem lucro tributável;

  9. Este entendimento da Administração Tributária não está em conformidade com a lei, uma vez que, na falta de norma expressa, o apuramento da matéria coletável para efeitos de incidência de derrama deverá ser semelhante ao do IRC, sendo este entendimento válido também para as sociedades abrangidas pelo RETGS;

  10. O artigo 70.º do Código do IRC (redação à data dos factos) determina que “o lucro tributável do Grupo é calculado (…) através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

  11. O lucro tributável para efeitos de grupo resulta, assim, da soma algébrica dos lucros e prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que integram o grupo;

  12. O RETGS tem uma lógica de tributação agregada, ou seja, um grupo de sociedades é tributado pelo seu agregado, para efeitos de IRC, como se de uma só entidade se tratasse;

  13. Pelo que, sendo a derrama um imposto acessório do IRC, deverá a derrama do grupo ser calculada de forma agregada, como se de uma só entidade se tratasse;

  14. Com efeito, tendo em conta este facto e o princípio atrás referido – “acessorium seguitor principale” – invocado pela própria Administração Tributária, o lucro tributável que releva para efeitos do cálculo da derrama apenas poderá corresponder ao lucro tributável relevante para efeitos de IRC, ou seja, aquele calculado nos termos do artigo 70.º do Código do IRC (redação à data dos factos);

  15. Face à Lei das Finanças Locais n.º 2/2007, que determina que a derrama incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, bem como ao entendimento agora sufragado pelo STA, e considerando o caso concreto da Requerente, verifica-se que, nos exercícios fiscais de 2007 e 2008, o apuramento da derrama deveria ter sido efetuado sobre o lucro tributável do … e não sobre o lucro tributável das sociedades individualmente consideradas;

  16. Considerando que, no exercício fiscal de 2007, o … apurou um lucro tributável no montante de €1.735.190,68 €, verifica-se que era devida derrama no montante de €14.747,91 (€1.735.190,68 x 0,85%), pelo que a Requerente deverá ser reembolsada de €7.432,73 (€22.180,64 - €14.747,91) pago indevidamente junto dos cofres do Estado.

  17. Relativamente ao exercício fiscal de 2008, o … apurou um prejuízo fiscal no montante de 9.800.745,90 €, pelo que se verifica que não era devido qualquer valor a título de derrama, já que esta apenas incide sobre o valor do lucro tributável do grupo, pelo que, em relação a este exercício fiscal, a Requerente deverá ser reembolsada de €9.319,76 pago indevidamente junto dos cofres do Estado.

  18. Termina pedindo a condenação da Administração Tributaria e Aduaneira no reembolso do montante de 16.752,49 € acrescido de juros indemnizatórios apurados até 30/07/2012 no montante de 2.424,29 €, à taxa de 4% ao ano, bem como dos que se vierem a vencer até integral reembolso, referente a Derrama dos exercícios fiscais de 2007 e 2008, paga indevidamente junto dos cofres do Estado, com fundamento no artigo 14.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007) que determina que a Derrama incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, lucro este que, no caso do Grupo …, abrangido pelo RETGS, corresponde ao lucro tributável do grupo apurado de acordo com o artigo 70.º do Código do IRC.

 

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente juntou 27 documentos.

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, tendo alegado, em síntese, o seguinte:

  1. A necessidade de uma intervenção provocada dos municípios que tenha por objeto a derrama municipal e a consequente ilegitimidade passiva da AT;

  2. A incompetência do presente tribunal para conhecer do mérito da ação;

  3. A violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva;

  4. O artigo 14.º da LFL apenas refere que o lucro tributável sujeito à derrama – na taxa fixada por cada um dos municípios – corresponde à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica e que o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos situados num município e a que corresponde à totalidade de estabelecimentos situados em território nacional;

  5. Não há base legal que sustente que as massas salariais de algumas das sociedades ditas dominadas possam influenciar a base tributável das derramas das demais sociedades que integram o perímetro do grupo societário;

  6. Da mesma forma, não há base legal que determine que o cálculo da derrama deva ser feito tendo por referência, para definição da taxa de derrama, a denominada “média ponderada”;

  7. Qualquer solução que extravase a consagração legal (ou seja, que os municípios sejam credores da taxa de derrama que fixaram e lançaram, que incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território), é inconstitucional por violação do artigo 103.º da Constituição;

  8. Ao abrigo do procedimento de revisão do ato tributário (cfr. artigo 78.º da LGT), é legítimo reconhecer a possibilidade de os atos tributários aqui em causa serem revistos a favor da administração, determinando o tribunal a correção do valor autoliquidado, de €22.331,17 para €25.816,67;

  9. A posição sufragada pela AT é a vertida no ofício circulado n.º 20132;

  10. O que o legislador prevê, para estas sociedades, é que possam agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados, e assim chegar ao denominado “lucro tributável do grupo”;

  11. Tributar cada uma das sociedades que integram o perímetro, tendo por base o seu próprio lucro tributável é, aliás, a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama;

  12. O entendimento sufragado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo nº 0909/10 e reiterado no processo n.º 0309/11 segue uma linha de raciocínio radicalmente diversa da aqui preconizada, que não sendo combatida conduzirá a um firmar de jurisprudência contrária aos interesses do legislador, e da própria Lei Fundamental (artigos 81.º, 103.º e 238.º);

  13. Conclui que deverão ser reconhecidas como verificadas as exceções suscitadas de ilegitimidade passiva e de incompetência do tribunal arbitral, ou, caso assim não se entenda, deverá ser desencadeado o incidente de intervenção provocada, sob pena de violação dos direitos de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efetiva. Propondo-se o tribunal arbitral a proferir decisão de mérito, deverá esta considerar legal a liquidação que a Requerente pretende ver anulada, com as legais consequências.


 

  1. Matéria de facto

A matéria de facto relevante para apreciar as exceções, questões prévias e mérito da causa é a seguinte:

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

  2. Em 30 de dezembro de 2011, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC de 2007 e 2008 do Grupo … (…), nos termos do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT).

  3. Até à presente data a AT não se pronunciou sobre o referido pedido.

  4. Nos exercícios de 2007 e 2008 o … era composto pelas seguintes entidades:

  5. …, SGPS, S.A, pessoa coletiva n.º … e sociedade dominante;

  6. Sociedade Investimentos … SA, pessoa coletiva n.º …;

  7. … SA, pessoa coletiva n.º …;

  8. … SA, pessoa coletiva n.º …;

  9. … SA, pessoa coletiva n.º …;

  10. … SA, pessoa coletiva n.º …;

  11. … SA, pessoa colectiva n.º …;

  12. … SA, pessoa coletiva n.º …;

  13. … SA, pessoa colectiva n.º …;

  14. … SA, pessoa colectiva n.º ….

  15. Relativamente aos mesmos exercícios fiscais de 2007 e 2008, a Requerente apurou e procedeu ao pagamento de derrama nos montantes de €22.180,64 e €9.319,76, respetivamente.

  16. Em virtude da entrega de declarações de substituição por parte das sociedades …, … e …, os valores a considerar ao nível do … são:

  17. 2007: lucro tributável no valor de €1.735.190,68;

  18. 2008: prejuízo fiscal no valor de €9.800.745,90.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos, cuja correspondência à realidade não é questionada, sendo os factos admitidos pelas partes.

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido dados como provados.

  1. Questões a decidir

  2. Exceções processuais de incompetência do tribunal arbitral e ilegitimidade processual da AT, eventualmente sanável pelo incidente de intervenção provocada dos municípios, invocadas pela Requerida, este último dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD (como consta da conclusão da resposta da AT: “deverão ser reconhecidas como verificadas as excepções suscitadas de ilegitimidade passiva e de incompetência do tribunal arbitral, ou, caso assim não se entenda, deverá ser desencadeado o incidente de intervenção provocada, sob pena de violação dos direitos de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva”).

  3. A legalidade do ato de autoliquidação efetuado pela Requerente, na parte correspondente ao montante de €7.432,73 e de €9.319,76 de derrama, alegadamente apurada em excesso nos exercícios de 2007 e 2008, respetivamente, uma vez que a referida autoliquidação tomou como base de cálculo o lucro tributável individual de cada uma das sociedades que integravam o …, que optou por ser sujeito, em relação ao IRC, ao RETGS e, assim, decidir sobre o mérito do pedido da Requerente (“a condenação da Administração Tributaria e Aduaneira no reembolso do montante de 16.752,49 € acrescido de juros indemnizatórios apurados até 30/07/2012 no montante de 2.424,29 €, à taxa de 4% ao ano, bem como dos que se vierem a vencer até integral reembolso, referente a Derrama dos exercícios fiscais de 2007 e 2008, paga indevidamente junto dos cofres do Estado, com fundamento no artigo 14.º da Lei das Finanças Locais que determina que a Derrama incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, lucro este que, no caso do Grupo …, abrangido pelo RETGS, corresponde ao lucro tributável do grupo apurado de acordo com o artigo 70.º do Código do IRC).

  4. O reembolso à Requerente do montante de €16.752,49 de derrama, por aplicação da taxa média ponderada de 0,85% ao lucro tributável do grupo.

 

  1. Questões prévias

Quanto às questões prévias suscitadas pela Requerida, e com a devida vénia, seguimos o douto acórdão arbitral proferido no processo n.º 82/2012:

“As questões prévias da incompetência deste Tribunal Arbitral e da ilegitimidade passiva estão relacionadas, pois a caber essa legitimidade aos municípios, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD serão materialmente incompetentes, por os municípios em causa não se terem vinculado à sua jurisdição, nos termos do art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), que estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos». No entanto, abordar-se-á em primeiro lugar a questão da competência, por ser de conhecimento prioritário, como decorre do disposto no art. 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 29.º, n.º 2, alínea c), do RJAT. O regime das derramas municipais consta do art. 14.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro), em que se estabelece o seguinte, na redação inicial:

Artigo 14.º

Derrama

1 – Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2 – Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a € 50.000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.

3 – Quando o volume de negócios de um sujeito passivo resulte em mais de 50% da exploração de recursos naturais que tornem inadequados os critérios estabelecidos nos números anteriores, podem os municípios interessados, a título excecional, propor, fundamentadamente, a fixação de um critério específico de repartição da derrama, o qual, após audição do sujeito passivo e dos restantes municípios interessados, é fixado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro que tutela as autarquias locais.

4 – A assembleia municipal pode, por proposta da câmara municipal, deliberar lançar uma taxa reduzida de derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse € 150.000.

5 – Nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 117.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.

6 – Entende-se por massa salarial o valor das despesas efectuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.

7 – Os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 2 indicam na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efectuam o apuramento da derrama que seja devida.

8 – A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado

9 – Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.

10 – O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.


 

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, foi alterada a redação dos n.ºs 8, 9 e 10 e foi aditado um n.º 11, com as seguintes redações:

8 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.

9 – A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado.

10 – Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.

11 – O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.

Como resulta linearmente dos n.ºs 8 a 10 do referido art.º 14º, na redação inicial, e dos n.ºs 9 a 11, na redação da Lei n. 64-B/2011, é à Direcção-Geral de Impostos que é atribuída a competência para a liquidação e cobrança das derramas municipais.

É por ser atribuída tal competência à Direcção-Geral de Impostos, que se prevê que lhe seja comunicada a deliberação sobre o lançamento da derrama e é porque só a própria Direcção-Geral de Impostos tem competência para liquidar e cobrar derramas municipais, que a parte final do n.º 9 inicial (e atual n.º 10) estabelece perentoriamente que, sem a comunicação aí prevista, «não há lugar à liquidação e cobrança da derrama». E é, também, por ser a Direcção-Geral de Impostos que tem competência para cobrar a derrama, que se prevê que o produto do seu apuramento por esta entidade seja transferido para os municípios.

Com a extinção da Direcção-Geral de Impostos, resultante do DL n.º 118-A/2011, de 15 de dezembro, estas competências passaram para a AT, para a qual se consideram feitas «as referências feitas em quaisquer leis», por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do seu art. 12.º.

Os presentes autos demonstram exuberantemente que a Direcção-Geral de Impostos e a AT, na sua prática administrativa, não põem sequer em dúvida esta sua competência para liquidar e cobrar derramas, pois é isso que explica que a Direcção-Geral de Impostos até tenha elaborado um ofício circular, estabelecendo regras para a sua liquidação e cobrança e tenha, sem qualquer vestígio de hesitação, recebido as quantias autoliquidadas pela Requerente.

É de notar, neste contexto, que a transferência de atribuições da Direcção-Geral de Impostos para a AT não pode ter qualquer influência nestas competências, pois, estabelecendo-se que «a AT sucede nas atribuições da Direcção-Geral dos Impostos» e «designadamente, graciosos e judiciais, seja qual for a sua natureza» [art. 12.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do DL n.º 118/2011] é inquestionável que todas as competências que a Direcção-Geral de Impostos tinha foram transferidas para a AT. Por isso, é surpreendente que a AT, depois de ter regulamentado a liquidação da derrama e ter apreciado a legalidade das autoliquidações efetuadas pela Requerente, venha sustentar no presente processo, no n.º 14.º da sua resposta, que, com aquela Lei das Finanças Locais, apenas lhe «ficam conferidas funções de arrecadação da receita e subsequente entrega ao município», pois a aceitação de tal entendimento implicaria, por força do disposto no art. 134.º, n.º 2, alínea b), do CPA, a nulidade, por incompetência absoluta, de todos os atos de liquidação de derramas, que a Direcção-Geral de Impostos e a AT praticaram desde a entrada em vigor da Lei das Finanças Locais de 2007, designadamente no âmbito de liquidações adicionais de IRC, permitindo que fosse obtida administrativa ou judicialmente, a todo o tempo, a respetiva declaração de invalidade (art. 134.º, n.º 2, do CPA, e art. 102.º, n.º 3, do CPPT). Em face do princípio interpretativo de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), a evidência do absurdo de tal consequência e da economia de meios que proporciona a liquidação de derramas em conjunto com o IRC, por ser comum a matéria tributável, bastarão, decerto, para convencer da insustentabilidade de tal tese da AT, num período particularmente difícil, em que o Estado procura otimizar a gestão dos recursos públicos e obter o máximo de receitas possíveis. Assim, tem de se ter como assente que a Direcção-Geral de Impostos e a AT mantêm e mantiveram sempre, desde a entrada em vigor da referida Lei das Finanças Locais, as competências que em todas as leis das finanças locais lhe têm sido atribuídas para liquidação e cobrança de derramas municipais, que a Direcção-Geral de Impostos e a sua antecessora, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sempre exerceram pacificamente. E, correlativamente, também tem de considerar-se seguro que os municípios não têm competências de liquidação e cobrança, por nenhuma lei lhas atribuir e as autarquias locais apenas disporem dos poderes tributários previstos na lei (art. 238.º, n.º 4, da CRP).

Por outro lado, é inequívoco que aquelas competências para liquidar e cobrar derramas, consubstanciam o que na terminologia tributária se denomina como administrar aquele imposto e que a entidade pública que as exerce é considerada «administração tributária» para efeitos de relações jurídico-tributárias.

Na verdade, no art. 1.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, estabelece-se que «para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas» e que «integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais». Destas normas, designadamente da referência às «demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos» resulta que o exercício destas competências basta para qualificar a entidade que as exerce como constituindo «administração tributária» para efeito do tributo liquidado e cobrado.

Por isso, para efeito de derrama, é apenas a AT, como antes era a Direcção-Geral de Impostos, a entidade que se considera como «administração tributária», já que não existe qualquer norma legal que atribua tais competências aos municípios.

Daqui decorre, desde logo, a vinculação da AT aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de derramas, pois os arts. 1.º, alínea a), e 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de março, estabelecem a vinculação da Direcção-Geral de Impostos «à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro».

Na verdade, não há qualquer suporte nesta Portaria para defender que a AT, sucessora da Direcção-Geral de Impostos também para este efeito (em face do disposto no art. 12.º do DL n.º 118/2011), sendo administradora das derramas, por ter competência para as liquidar e cobrar, não esteja vinculada à jurisdição deste tribunal arbitral.

Improcede, assim, a questão prévia da incompetência deste tribunal arbitral.

4. Questão prévia da ilegitimidade passiva

Como se viu, a AT é «administração tributária», para efeitos de relações jurídicas geradas com a liquidação e cobrança de derramas, à face do conceito fornecido pelos n.ºs 2 e 3 do art. 1.º da LGT.

A legitimidade ativa no procedimento tributário é atribuída à «administração tributária», como decorre do art. 9.º, n.º 1, do CPPT, pelo que, no caso das derramas, é a AT (anteriormente a Direcção-Geral de Impostos) quem tem competência para intervir nos procedimentos respetivos, inclusivamente para apreciar reclamações graciosas e recursos hierárquicos.

Não interessa, assim, para apurar a legitimidade procedimental em matéria de derramas municipais, saber quem é o credor tributário, mas sim determinar a quem são atribuídas as competências para liquidação e cobrança do tributo.

Aqui também, está-se perante uma solução de sensatez evidente, em face da sintonia entre a matéria tributável de IRC e da derrama, pois é manifesto que há economia de meios em unificar a prática dos atos de liquidação e cobrança. Por isso, para além de ser a solução que tem apoio expresso nos textos legais, é também, inequivocamente, a interpretação que se tem de adotar, por força do nº 3 do art. 9.º do Código Civil.

Mas, se é assim para o procedimento tributário, também o é necessariamente para o processo judicial tributário, pois o n.º 4 do art. 9.º do CPPT atribui competência para os processos judiciais às entidades referidas nos números anteriores, inclusivamente à «administração tributária» referida no n.º 1. Em regra, a legitimidade da administração tributária no processo judicial tributário será passiva, em face da configuração dos litígios, mas poderá também ser ativa, designadamente nos casos de arresto e arrolamento (arts. 136.º e 140.º do CPPT).

Também aqui não se encontra qualquer norma legal, designadamente relativa ao processo de impugnação judicial, a que o processo arbitral é alternativa (preâmbulo do RJAT e art. 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) que permita a intervenção do credor tributário, como tal (quando não for simultaneamente «administração tributária», por ser quem liquida e cobra o tributo).

Por outro lado, sendo aquele art. 9.º, n.º 4, uma norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário, fica afastada a regra do art. 26.º do CPC., invocada pela AT.

O regime do referido art. 9.º, n.º 4, com referência ao n.º 1, do CPPT é aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do seu art. 29.º, já que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva.

O art. 7.º, n.º 1 do DL n.º 433/99, de 26 de outubro, que estabelece que «as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia», reporta-se aos tributos cuja liquidação e cobrança é feita pelas autarquias locais, pelo que não afasta o entendimento acima referido.

Por outro lado, quanto à representação de autarquias locais nos tribunais tributários, que se prevê no art. 54.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em que se estabelece que «quando estejam em causa receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licenciado em Direito ou por advogado designado para o efeito pela respectiva autarquia» (n.º 3 na redação da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, que constitui o n.º 2 na redação anterior), também não afeta o entendimento aqui adotado, antes o confirma, pois esta representação à margem da Fazenda Pública da Direcção-Geral de Impostos apenas ocorre quando os tributos são liquidados pelas autarquias locais, o que tem ínsito que a representação nos outros casos em que estejam em causa receitas autárquicas, designadamente aqueles em que a liquidação seja efetuada pela Direcção-Geral de Impostos ou Autoridade Tributária e Aduaneira, é assegurada exclusivamente pelos representantes destas entidades. Quanto às eventuais consequências da decisão para o credor tributário, não relevam para aferir da legitimidade, à face do art. 9.º do CPPT e 1.º, n.º 3, da LGT. De qualquer modo, não tem suporte legal o entendimento manifestado pela AT de que, no caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, será sobre os municípios e não sobre ela própria que recairá eventual responsabilidade pela reposição da situação que existira se não fossem praticados os atos impugnados, à face dos arts. 43.º e 100.º da LGT, pois como decorre do teor expresso desta última norma, tais deveres recaem sobre a «administração tributária», isto é, sobre quem cometeu a ilegalidade e não sobre quem eventualmente tenha beneficiado dela.

A definição dos direitos e deveres recíprocos da AT e dos municípios decorrentes da procedência de uma pretensão anulatória de um ato de liquidação de receitas municipais é algo que está fora do âmbito do contencioso de anulação, adotado no processo de impugnação judicial e no meio alternativo que é o processo arbitral, cujo objeto se reduz à apreciação da legalidade do ato impugnado e eventual definição de eventuais direitos do sujeito passivo em relação à entidade que o praticou, a nível de juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida. São as relações entre a AT, que praticou o ato cuja declaração de ilegalidade é pedida (decisão de indeferimento do recurso hierárquico) e a Requerente do pedido de pronúncia arbitral que são objeto do presente processo e não as relações que, hipoteticamente, se venham (ou não) a estabelecer entre a AT e os municípios beneficiários de derramas no caso de procedência do pedido. Por isso, não é necessária a intervenção dos municípios no presente processo arbitral «para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal» (como é requisito do litisconsórcio necessário, quando não está especialmente previsto na lei, nos termos do art. 28.º, n.º 2, do CPC), pois está em causa apenas apreciar a legalidade do ato praticado pela AT e definir o eventual direito de esta pagar à Requerente juros indemnizatórios.

Quanto à falta de indicação expressa no pedido de pronúncia arbitral da AT como entidade demandada, trata-se de uma deficiência que não implica a procedência da exceção da ilegitimidade quando aquela entidade, que tem legitimidade, interveio efetivamente no processo. Na verdade, como decorre do n.º 3 do art. 288.º do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, «as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada» e a intervenção da entidade com legitimidade passiva consubstancia a sanação dessa irregularidade.

Finalmente, refira-se que, não podendo resultar do presente processo arbitral a possibilidade da definição dos direitos dos municípios em relação à Requerente, não se coloca a questão de a não intervenção daqueles no presente processo violar do seu direito à tutela jurisdicional.

Por isso, improcede também a questão prévia da ilegitimidade passiva.

5. Questão prévia da intervenção provocada

Tendo o processo arbitral sido criado como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, ser-lhe-ão aplicáveis preferencialmente as normas que regulam este meio processual, atenta «a natureza dos casos omissos» que o corpo do n.º 1 do art. 29.º do RJAT erige como critério preferencial de determinação da legislação subsidiária a aplicar. No processo de impugnação judicial não é admissível a intervenção provocada, pois no art. 127.º, n.º 1, do CPPT, arrolam-se como incidentes admissíveis os de assistência, habilitação e falsidade.

Decerto que esta norma se reportará aos incidentes típicos, pois há sempre a possibilidade de existirem incidentes atípicos, mas esta indicação de incidentes típicos desacompanhada de regulamentação específica aponta no sentido de serem apenas esses os indicados, pelo que estará afastada a intervenção de terceiros, fora dos casos especialmente previstos no incidente de assistência e habilitação.

Por outro lado, no sistema de contencioso objetivista, em que se faz radicar a legitimidade passiva em quem exerceu os poderes tributários no ato impugnado, não é admitida a intervenção de outras entidades públicas.

No que concerne a intervenção acessória provocada, ao abrigo do disposto no art. 330.º do CPC, em que se prevê que «o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal», não se está claramente perante uma situação enquadrável nesta norma, pois não se vislumbra nem a AT explica a que título poderá ter um direito de indemnização em relação a municípios que não praticaram qualquer ato lesivo dos seus interesses.

Por isso, não pode ser atendida a pretensão da AT de intervenção provocada de municípios.


 

  1. Da ilegalidade do ato de autoliquidação efetuado pela Requerente

Decididas as exceções e questões prévias suscitadas, a questão que é objeto principal deste processo é a de saber se a tributação de derrama, no caso de sociedades sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, nos exercícios de 2007 e 2008, é feita com base no lucro tributável global do grupo ou no lucro tributável individual de cada uma das sociedades que o compõem, nomeadamente da sociedade dominante.

A jurisprudência invocada pela Requerente, nomeadamente os acórdãos do STA no processo n.° 909/10 e no processo n.°309/11, tem-se pronunciado no sentido favorável às pretensões desta, pois na sua essência, decidiram que, no caso de opção pelo RETGS, a derrama seja calculada sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.

A Requerida invoca, no essencial, os argumentos vertidos no ofício circulado n.º 20132 da DSIRC de 14/04/2008, para justificar o cálculo da derrama. Sobre a mesma matéria controvertida já se pronunciaram os tribunais arbitrais do CAAD, decidindo no sentido propugnado pela Requerente, nomeadamente nos processos 19/2011-T, 1/2012-T, 2/2012-T e 5/2012-T.

O artigo 14.º da Lei 2/2007, de 15 de janeiro, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta este processo, era omissa em relação à incidência da derrama, nos casos em que era aplicado o RETGS, lacuna que só veio a ser preenchida pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, que alterou a redação anterior do citado artigo 14.º, através da introdução de uma nova redação do seu n.º 8, conforme se transcreve: “Quando seja aplicável a regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do código do IRC” .

Esta nova redação do artigo 14.º da Lei 2/2007, de 15 de janeiro, segue o entendimento da AT sobre esta matéria. Por via da alteração introduzida pela Lei 64-B/2011 ocorreu o acolhimento legislativo da solução proposta pelo ofício circulado 20 132 de 14/04/2008 da DISRC. Contudo, no caso sub judice, e atendendo à data dos factos que constituem o objeto do litígio, nem pode o referido ofício ser tido em consideração como instrumento jurídico dotado de força obrigatória geral, pois, ao vincular apenas a Requerida, não constitui fonte de direito; nem a nova redação do n.º 8 do artigo 14.º se pode ter como aplicável, pois é posterior à data daqueles.

A lei tributária rege-se pelo princípio da legalidade, o que se traduz, com relevância para o caso concreto, por um lado, numa competência exclusiva da Assembleia da República no que respeita à iniciativa legislativa e, por outro, na proibição da retroatividade da lei fiscal, salvo exceções, nomeadamente quanto à lei interpretativa (cfr. artigo 103.º, n.º 3 da Constituição).

Neste mesmo sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, afirmando unanimemente que a nova redação do n.º 8 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais “não tem natureza interpretativa (acórdãos de 2/5/2012, proferido no processo n.º 234/12 e de 5/7/2012, proferido no processo n.º 256/12).

Assim, e depois de ponderados quer os argumentos vertidos no processo, quer a jurisprudência sobre a matéria em apreciação, decide este tribunal que no RETGS, a base de incidência de cálculo da derrama será o lucro tributável consolidado do grupo, que resulta da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, e, em consequência, pronuncia-se no sentido da ilegalidade da autoliquidação de derrama efetuada pela Requerente, assente no lucro tributável individual de cada uma das sociedades que compõem o grupo.

  1. Do reembolso à Requerente do montante de €16.752,49 de derrama, por aplicação da taxa média ponderada de 0,85% ao lucro tributável do grupo


 

A Requerente pretende que o tribunal decida pelo reembolso da quantia de €16.752,49 que entende ter pago em excesso.

Na decisão do Acórdão 0909/10, do STA afirma-se que uma vez “determinado o lucro tributável para efeito do IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama”.

A Requerente apresentou, como taxa de derrama aplicável sobre a base de incidência, a taxa de 0,85%, a qual resulta da média das taxas de derrama dos diversos municípios onde se situa a sede, direção efetiva ou estabelecimento estável das empresas que compõem o grupo, ponderada pela massa salarial imputável a cada município. Consequentemente:

  • Quanto ao exercício de 2008, tendo o … apurado um prejuízo fiscal no montante de €9.800.745,90, verifica-se que, para aquele exercício, não é devido qualquer valor a título de derrama. Assim sendo, a Requerente pagou indevidamente a soma de €9.319,76, cujo reembolso pretende e este tribunal defere;

  • Quanto ao exercício de 2007, o … apurou um lucro tributável no montante de €1.735.190,68, calculando que a derrama devida nesse exercício era no montante de €14.747,91, pela aplicação de uma taxa de 0,85%, o que corresponde a 7.432,73 em excesso relativamente ao montante liquidado e pago.

Cabe aqui tecer algumas considerações adicionais.

A derrama é um imposto autónomo em relação ao IRC, em que todos os seus elementos estruturantes resultam da lei, nomeadamente sujeitos passivos e taxas. No caso do RETGS, em apreço, a derrama incide sobre o lucro tributável consolidado do grupo para efeitos de IRC.

No que tange à taxa aplicável, a questão é diversa. Como foi referido supra, nos exercícios fiscais em análise, o regime da derrama não era explicitamente tratado em relação à taxa aplicável, assim como quanto à base de incidência, no caso das sociedades sujeitas a derrama serem tributadas em IRC pelo RETGS. Quanto à base de incidência, esta ficou determinada claramente nos já citados acórdãos do STA, aos quais aderimos. O mesmo não se verificou quanto às taxas aplicáveis no caso do RETGS, questão relativamente à qual aqueles acórdãos não se pronunciaram.

No RETGS, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, conforme dispõe o artigo 70.º do CIRC.

Donde resulta que, no RETGS, os lucros tributáveis de determinadas sociedades podem ser absorvidos pelos prejuízos das outras e vice-versa, e, no limite, uma sociedade com lucro tributável, instalada em determinado município, com taxa de derrama mais elevada, se o grupo apresentar prejuízo no seu conjunto, poderá não registar qualquer tributação, quer em IRC, quer em derrama.

A taxa utilizada para o apuramento do valor da derrama apresentada pela Requerente tem por referência, para definição dessa taxa, a média das taxas de derrama dos diversos municípios onde se situa a sede, direção efetiva ou estabelecimento estável das empresas que compõem o grupo, acrescida de uma ponderação da massa salarial imputável a cada município.

Não existe, porém, suporte legal para a determinação da taxa da derrama aplicável, no caso do RETGS, pela fórmula definida no n.º 2 do artigo 14.º da Lei 2/2007, como resulta da sua letra e que se aplica ao caso dos grupos de sociedades.

Este tribunal arbitral apenas pode decidir de acordo com o direito constituído, conforme dispõe ao n.º 2 do artigo 2.º do RGAT, sendo-lhe vedado o recurso à equidade.

A taxa de 0,85% apresentada pela Requerente como fundamento para apurar o montante de derrama a reembolsar pela Requerida no valor €7.432,73, não tem, pois, qualquer base legal.

No entendimento deste tribunal, a base legal resulta do n.º 5 do artigo 14.º da Lei 2/2007, que esclarece que “nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo… “, neste caso o grupo de sociedades.

Ao contrário do que pretende a Requerida, a aplicação do artigo 78.º da LGT, como claramente resulta da sua letra, é da competência exclusiva da AT e não deste tribunal.

Assim, do exposto resulta que:

1) O ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é anulado, concluindo-se pela sua ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, ao não reconhecer a ilegalidade dos atos de autoliquidação de derrama relativos aos anos de 2007 e 2008, ao não considerar o lucro tributável das empresas que constituem o grupo como base de cálculo das derramas.

2) O ato tributário relativo à derrama de 2008 é anulado, por não ter tido como base de incidência o lucro tributável do grupo. Tendo-se verificado um prejuízo fiscal nesse ano deve ser restituída à Requerente a importância indevidamente paga, acrescida dos juros indemnizatórios a calcular nos termos legais.

3) O ato tributário relativo à derrama de 2007 é anulado por não ter tido como base de incidência o lucro tributável do grupo.

4) Ainda quanto ao ato tributário relativo 2007, a AT deverá proceder à sua revisão, com base no aqui decidido.

5) Julgo improcedente o pedido da Requerente de aplicação da taxa média ponderada, por ser aplicável às derramas em causa a taxa do município onde tem a sede ou direção efetiva o grupo de sociedades.

6) Em relação à derrama de 2007, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, nos termos legais, desde o pagamento até à efetiva devolução, se vier a demonstrar-se que foi efetuado um pagamento em excesso relativamente a este imposto.


 

Assim, deve a AT proceder à reforma do ato tributário anulado, em conformidade com os princípios jurídicos acima definidos.


 

Fixa-se o valor da ação em €19.176,78 (dezanove mil cento e setenta e seis euros e setenta e oito cêntimos).

Custas do processo arbitral a cargo de ambas as partes, na proporção de metade para cada, ou €612,00, dado que ambas decaíram em parte dos respetivos pedidos e de acordo com o disposto no artigos 12.º n.º 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e artigo 4.º n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.


 


 


 

Notifique-se.


 

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2013

 

O Árbitro

 

 

(Manuel Macaísta Malheiros)