Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 566/2017-T
Data da decisão: 2018-04-16  Selo  
Valor do pedido: € 222.208,50
Tema: Imposto do Selo – Isenção - Verba 17.1.2 – Verba 17.1.4.
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

 

 

  1. RELATÓRIO E SANEAMENTO

 

A…, S. A., pessoa coletiva nº…, com sede na Rua …, n.º…, …-… LISBOA, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com vista a obter a anulação dos actos de liquidação de imposto do selo (IS) n.º 2017…, 2017…, bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, referentes ao ano de 2013, e n.os 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017…, 2017… e 2017…, referentes ao ano de 2014, que totalizam o montante de € 14.323,04, no valor total de € 222.208,50.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de janeiro de 2018.

 

A AT respondeu defendendo a improcedência do pedido.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos, tendo as partes sido notificadas para apresentarem alegações escritas.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;
  2. A Requerente é a sucessora legal da B…, SGPS, S.A., cuja atividade cessou, em 11.12.2014, da sequência de incorporação por fusão na Requerente;
  3. Nos anos de 2013 e 2014, a B… SGPS concedeu empréstimos à Requerente;
  4. À data dos factos, a Requerente detinha 94,20 % do capital social da B… SGPS;
  5. Os empréstimos concedidos à Requerente foram registados na conta 26.61.01 – Empréstimos, conforme os extratos das respetivas contas;
  6. Subjacentes à concessão dos referidos empréstimos estão os pedidos de disponibilização de fundos, por parte da Requerente, assim como as respectivas autorizações, por parte da B… SGPS;
  7. Em todos os pedidos de disponibilização de fundos a Requerente referiu expressamente o seguinte: “(…) torna-se necessário solicitar à sua participada (…) a disponibilização do valor de (…) por um período até 12 meses.” ;
  8. E em todas as respostas da B… SGPS aos pedidos da Requerente se referia que “(…) deferiu favoravelmente nos termos e condições solicitadas”;
  9. Por entender que se encontravam reunidos os pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS), a B… SGPS não liquidou Imposto do Selo, relativamente às concessões de crédito;
  10. Não se verificou qualquer reembolso, total ou parcial, das quantias disponibilizadas à Requerente;
  11. Na sequência das ordens de serviço n.º OI2017…, e OI2017…, emitidas no dia 16.03.2016, os Serviços de Inspecção Tributária da AT realizaram uma acção inspecção externa, de âmbito parcial, à Requerente, incidente sobre os períodos de tributação de 2013 e 2014;
  12. No decorrer desse procedimento inspectivo, a Requerente foi notificada, através do Ofício de 17.07.2017, do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual a AT propunha a realização de uma correção, em sede de Imposto do Selo, no montante de €196.826,42;
  13. A Requerente exerceu o seu direito de audição-prévia;
  14. A AT convolou o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária em definitivo, tendo, em consequência emitido os actos de liquidação de IS sub judice.

 

Dos factos relevantes para a decisão não se provou o pagamento das quantias liquidadas.

 

 

 

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

As principais questões que se colocam nos presentes autos reconduzem-se a saber se os empréstimos concedidos à Requerente beneficiam do direito à isenção consagrado na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e, em caso negativo, se deve ser aplicada à concessão de crédito a verba 17.1.2 ou a verba 17.1.4 da TGIS.

 

A – DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente alega no seu pedido de pronúncia arbitral o seguinte:

 

  1. As operações financeiras realizadas beneficiam do direito à isenção estabelecido no artigo 7.º, n.º 1 g) do CIS, encontrando-se verificados os requisitos de que depende a aplicação da referida isenção, no que se refere aos factos em análise:
  2. Em primeiro lugar, a existência de operações financeiras, decorrendo da própria TGIS, mais concretamente da verba 17, que aí se inclui a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, em virtude da concessão de crédito a qualquer título”;
  3. Em segundo lugar, a existência de prazo não superior a um ano, podendo igualmente considerar-se o mesmo requisito por verificado, na medida em que “os pedidos de disponibilização de fundos referem um período de até 12 meses para o reembolso”;
  4.  Em terceiro lugar, serem exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria, o que se verifica e também não foi colocado em causa pela AT;
  5. Em quarto lugar, as referidas operações financeiras terem sido efectuadas em benefício da entidade com a qual (a entidade concedente) se encontre em relação de domínio ou de grupo, o que também se verificou, conquanto:
  6. À data dos factos, a Requerente detinha 94,20% do capital social da B… SGPS;
  7. Ora, dispõe o n.º 1, do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que “Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante”;
  8. Acrescenta ainda o mesmo preceito, na alínea a), do respetivo n.º 2, que: “Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente:  a) Detém uma participação maioritária no capital;”
  9. Contudo, assim não o entendeu a AT, que fundamentou a não aplicação da isenção com o disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, que define o Regime Jurídico das SGPS, mormente o disposto na alínea c), do n.º 1 do seu artigo 5.º, efectuando uma interpretação totalmente errada deste Regime, não tendo sequer lido o artigo em causa até à sua conclusão;
  10. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º, invocado pela AT, que: “1 – Às SGPS é vedado: c) Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
  11. Em particular, a AT não tomou em consideração o n.º 3, do artigo 5.º, onde se dispõe que:

“3 – As operações a que se refere a alínea c) do n.º1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro”.

  1. Em suma, contrariamente ao que fora entendimento da AT, as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito;
  2. Ora, se estas operações não constituem “concessão de crédito”, então é forçoso concluir que a proibição de “conceder crédito” que se encontra na referida alínea c) não abrange estas operações;
  3. Na verdade, o que o Regime Jurídico das SGPS pretendeu acautelar foi a necessidade de um contrato de suprimento para a concessão de crédito às suas participadas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 5.º sob análise, sempre que o montante ultrapasse um certo valor;
  4. Ou seja, as operações de tesouraria efectuadas pela participada (seja SGPS ou não) em relação do domínio ou de grupo, à sociedade dominante que seja uma SGPS não se encontram abrangidas pela alínea c);
  5. Em conformidade, conclui a Requerente que, por oposição ao que fora entendimento da AT, à data dos factos, estavam reunidos todos os pressupostos necessários à aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
  6. Subsidiariamente, e sem prejuízo dos erros e incongruências pelos quais enveredou a AT, quanto à não aplicação da isenção de Imposto do Selo aos factos em causa, torna-se exigível demonstrar em que termos poderia ocorrer uma (hipotética) incidência sem isenção deste Imposto, relativamente aos factos em causa.
  7.  Estando em causa uma utilização de crédito de prazo igual ou superior a um ano – no caso, um período precisamente de um ano – seria sempre de aplicar a verba 17.1.2, da TGIS.
  8.  “É sobre cada uma das utilizações que o imposto incide, e é em cada um desses momentos que se determinará o prazo por que esse específico crédito é concedido. Esse prazo é medido pelo lapso temporal que decorre entre a data do saque e a data limite constante do contrato” (cfr. José Maria Fernandes Pires, «Lições de Impostos sobre o Património e do Selo», cit., p. 479).
  9. Ora, tecendo enfoque na data do saque e na data limite constante nos pedidos de disponibilização de fundos só poderá concluir-se que está (e sempre esteve) em causa uma utilização de crédito com prazo igual a um ano, isto é, a utilização de crédito por um prazo determinado.
  10. Resulta do exposto que só poderia ter sido liquidado Imposto do Selo à taxa de 0,5% sobre o crédito concedido e utilizado no período sob inspecção, razão pela qual os montantes de Imposto do Selo em falta não poderiam exceder €10.185;
  11. Assim, tendo a AT liquidado o Imposto por aplicação de uma norma de incidência patentemente errada – mas que permitiu arrecadar mais receita – não restará outra solução que não a total anulação das liquidações impugnadas, pois o vício em causa inquina a totalidade das mesmas.

 

 

Por sua vez a AT alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. A sociedade “B… SGPS”, não detém qualquer participação na entidade a quem concedeu crédito, a A…, pelo que facilmente se conclui que as excepções à proibição de concessão de crédito por parte da B… SGPS não se podem aplicar à situação em apreço;
  2. A concessão dos créditos pela B… à A… traduz-se numa operação que, pela sua qualidade de SGPS, lhe está vedada pelo Regime Jurídico próprio;
  3. As normas de isenção do Imposto do Selo relativas a operações financeiras aplicam-se a operações de crédito efectuadas por empresas que estejam, naturalmente, legalmente habilitadas a realizá-las, isto é, abrange créditos concedidos ao universo das empresas participadas relativamente às quais, face à lei, estas operações não são vedadas;
  4. Ora, no caso objecto de análise verifica-se a violação do determinado pela alínea c) do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei 495/88, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 318/94 de 24 de dezembro.
  5. O facto de se estar perante uma factualidade, ela própria, contrária ao quadro legal aplicável, redunda na impossibilidade de à mesma ser reconhecida uma isenção, nomeadamente a prevista no nº 1 do artigo 7º do Código do IS, dado que, atentas as circunstâncias do caso concreto, nenhuma das condições, exigidas pelo DL 495/88 para a possibilidade de concessão de crédito, se encontra preenchida;
  6. Com efeito, se na base da isenção em causa se encontrar uma situação contrária à lei, não se afigura possível que, através da isenção, seja considerada como digna de tutela e com interesse público extra fiscal relevante, “superior ao da própria tributação” (cfr nº 1 do artigo 2º do EBF), a concessão de crédito expressamente vedada por lei, pelo que, e em face do exposto, não há lugar à isenção do Imposto do Selo em apreço, ainda que os requisitos do artigo 7º nº1 al.g) se mostrassem cumpridos, (o que também não é o caso, como veremos de seguida);
  7. Atento o supra exposto, e pese embora a prolixa argumentação da Requerente, que ora entende estar-se perante uma operação de concessão de crédito (art.36º a 38º do ppa), ora afinal já não se está (art.86º e 87º do ppa), não se pode considerar a situação objecto dos presentes autos passível de ser enquadrada na isenção se imposto de selo prevista no artigo 7º nº1 al. g) do respetivo Código.
  8. Uma vez concluído que não pode haver lugar a isenção, analisemos agora as características das operações em causa essenciais para determinar qual a verba, da tabela geral anexa ao Código, aplicável ao caso em apreço.
  9. Segundo pretende a Requerente, para as operações em causa, e para efeitos de determinação da taxa aplicável, apenas deverá relevar o momento da sua realização e o prazo indicado ab initio, sendo totalmente despiciendo o facto de tal prazo nunca ter sido cumprido;
  10. Ora, independentemente de o reembolso poder corresponder ou não a um facto tributário autónomo, o certo é que essa total inexistência de reembolso significa que os créditos concedidos pela B… à A… nunca deixaram de ser utilizados;
  11. Pois que “utilizar” pode ser sinónimo de “usar”, “servir-se de…”, “tirar vantagem” ou “auferir proveito” e, sendo as normas de imposto de selo absolutamente claras quanto à relevância da “utilização” para efeitos de sujeição a imposto e cálculo da taxa aplicável, não há como ignorar aquela circunstância;
  12. Ao contrário do que a Requerente afirma, a AT não classificou aquelas sucessivas operações financeiras como sendo uma conta corrente, mas sim, atentas as características demonstradas, quer pela questão do prazo de utilização, quer também pelos fins a que se destinaram os financiamentos, a Inspecção entendeu, e bem, estarem aquelas operações enquadradas na última parte das normas supra referidas, (artigo 5º nº1 al.g) do Código e verba 17.1.4 da Tabela), quando mencionam “qualquer outro meio/forma em que o prazo não seja determinado ou determinável”.
  13. Estamos, assim, conforme defendem António Campos Laires e Jorge Belchior Laires, in “Código do Imposto de Selo, Anotado e Comentado”, perante aquele tipo de “(…) contratos em que o creditante coloca fundos ou outros valores à disposição do creditado, normalmente até certo montante (plafond de crédito), para que este os utilize à medida das suas necessidades económicas. Têm estes contratos, assim, a particularidade de atribuir ao creditado o direito de decidir o momento em que pretende utilizar o crédito (…) o creditado tem também a faculdade de gerir a sua dívida para com o creditante, através da realização de reembolsos parciais, cujo momento ocorre igualmente em função da avaliação das suas necessidades. Tal significa que, nestes casos, quer os montantes de utilização do crédito, quer os momentos do seu reembolso, não são determináveis. (…)”
  14. Ora, se nunca existiu qualquer tipo de reembolso, o prazo nunca cessou de decorrer e a utilização persistiu sempre.
  15. De igual modo, sobre a alegada violação do princípio da legalidade na sua vertente de tipicidade, não assiste razão à Requerente;
  16. Com efeito, no caso em apreço, não há uma irrelevância ou desconsideração do contrato para efeitos fiscais, mas antes, e só, a constatação de que dele emerge um efeito económico que consubstancia em termos substantivos uma concessão de crédito, factualidade que recai no âmbito de uma norma de incidência de Imposto Selo;
  17. Aqui chegados, e por tudo o exposto, resta concluir pela estrita legalidade da actuação da Inspecção Tributária, a qual encetou os procedimentos inspectivos em cumprimento do disposto nos preceitos legais aplicáveis.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das partes e aos argumentos apresentados, para determinar se os actos de liquidação de IS sub judice são ou não ilegais será necessário verificar a) qual é a interpretação que deve ser dada à alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS e b) qual é a verba da TGIS aplicável à concessão de crédito realizada.

 

Vejamos.

 

  1. APRECIAÇÃO

 

  1. Direito à Isenção – Artigo 7.º, n.º 1 g) do Código do IS

 

Estabelece o artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT), o princípio de que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação.

 

Os principais gerais de interpretação estão estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil (CC), nos seguintes termos:

 

 

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.


3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

É à luz dos referidos normativos que deve ser apreciado o disposto no artigo 7.º, n.º 1 g) do CIS, que determina o seguinte:

 

“1. São também isentos do imposto:

(...)

g) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a €5.000.000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;”

 

Atendendo ao elemento literal da norma, importará, em primeiro lugar, reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei. Deste modo, estão isentas de IS:

  1. As operações financeiras, incluindo os respectivos juros;
  2. Por prazo não superior a um ano;
  3. Exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria;
  4. Realizadas:
  • Por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações sociais;
  • Por outras sociedades a favor de:
    • Sociedades por elas dominadas, nas condições e requisitos do art. 486.º do CSC;
    • Sociedades qem que, de acordo com o último balanço acordado, deternham uma participação social igual ou superior a 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a €5.000.000; e
    • Sociedades com as quais se encontre em relação de domínio ou de grupo.”

 

 

Assim, atendendo ao elemento literal, verifica-se que, em face dos factos apurados, a sociedade B…, SGPS, detida em 94,20%, pela sociedade Requerente, concedeu a esta última créditos, exclusivamente destinados à cobertura de carência de tesouraria, mediante pedido escrito de disponibilização de fundos pela Requerente, pelo prazo de até 12 meses.

 

 De facto resulta dos documentos juntos aos autos que houve uma concessão de crédito    para exclusiva cobertura de carências de tesouraria, pelo prazo de até 12 meses, sendo certo que a lei tributa a concessão de crédito independentemente da forma contratual que lhe está subjacente.[1]

 

Não obstante, a AT entendeu que a concessão de créditos pela sociedade B… à Requerente não constituía uma operação elegível, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 g) do CIS, não só porque a sociedade B… não tinha, à data da verificação dos factos tributários, qualquer participação na Requerente, mas também porque a concessão de crédito pela B… SGPS à Requerente é proibida.

 

Verifica-se, contudo, que a sociedade B… SGPS e a Requerente constituem entidades dominadas ou relacionadas, nos termos previstos no artigo 486.º do CSC. Por isso, nos termos das disposições conjugadas do artigo 5.º, n.º 1 c) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, a concessão de crédito pela B… SGPS à Requerente, entidades em relação de domínio, não constitui uma concessão de crédito vedada entre aquelas entidades.

 

Em qualquer caso, tendo em conta a própria qualificação da operação financeira levada a cabo pela AT (vide artigo 33.º da Resposta), e os pedidos de disponibilização de fundos juntos aos autos (doc. n.º 2), atento o princípio da substância sobre a forma, considera-se que as operações de concessão de crédito realizadas configuram-se como operações de tesouraria.

 

Tendo em conta que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 d) do Regime Geral das Instituições e Sociedades Financeiras, não são operações de concessão de crédito, “As operações de tesouraria, quando legalmente permitidas, entre sociedades que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo;” conclui-se, também, por esta via que a operação realizada entre a Requerente e a B… SGPS constitui uma operação não vedada às SGPS.

 

Por fim, importa verificar se, tal como defende a AT, não se encontra verificado o requisito temporal previsto na base legal em análise – artigo 7.º, n.º 1 g) do CIS - que apenas prevê o direito à isenção para operações financeiras realizadas por prazo não superior a 1 ano.

 

A este propósito, constata-se que a Requerente apenas demonstrou que o crédito foi concedido ab initio pelo prazo de até 12 meses, não tendo feito qualquer prova sobre a verificação à posteriori do referido requisito legal, isto é, do efectivo reembolso do crédito concedido dentro do prazo de 12 meses. Ora, o direito à isenção de IS é concedido desde que se verifiquem os requisitos formais para a sua obtenção, designadamente a expectativa de que o crédito seja concedido pelo período máximo de 12 meses. O facto tributário subjacente a este direito é, portanto, instantâneo, isto é, verifica-se desde o momento em que, estando reunidas as condições legais, o crédito concedido é utilizado. No entanto, tal não significa que o direito à isenção não continue dependente da verificação material dos seus requisitos, em especial, no que concerne ao prazo de utilização do crédito pelo período de até 12 meses.

 

Considerando que a Requerente não logrou provar ter procedido ao reembolso do crédito concedido pela B… SGPS no prazo de até 12 meses, entende-se que o pedido da Requerente de anulação dos actos de liquidação de IS identificados nos autos, com fundamento no direito à isenção previsto no artigo 7.º, n.º 1 g) do CIS, é improcedente.

 

 

  1. Verba 17.1.4 da TGIS                                       

 

 

Considerando o disposto no artigo 4.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 3.º do CPPT, importa, ainda analisar o pedido subsidiário apresentado pela Requerente. Assim, a 241.º da petição arbitral, subsidiariamente pede a Requerente a anulação dos actos de liquidação de IS, por considerar que a concessão de crédito ocorreu por tempo determinado, sendo aplicável a verba 17.1.2. da TGIS e não a verba 17.1.4 da TGIS aplicada pela AT.

 

Defende, portanto, a Requerente que as operações financeiras realizadas só podem ser tributadas com base na verba 17.1.2 da TGIS, considerando que a concessão de crédito foi realizada por tempo determinado.

 

Por considerar inaplicável o direito à isenção de IS da Requerente, nos termos previstos no artigo 7.º, n.º 1 g) da TGIS, a AT emitiu os actos de liquidação sub judice, com fundamento na sua sujeição a IS, nos termos previstos na verba 17.1.4. da TGIS. Considerou a AT que, em face do disposto na verba 17 da TGIS, na ausência de reembolso e atendendo aos fins a que se destinaram os financiamentos, a prorrogação do prazo de concessão de crédito, qualificada ab initio para efeitos da verba 17.1.2 da TGIS, constitui uma operação tributável pela verba 17.1.4 da TGIS, dado a concessão de crédito passar a configurar-se como “qualquer outro meio/forma em que o prazo não seja determinado ou determinável.”

 

Vejamos:

 

A este propósito, estatui a verba 17 da TGIS o seguinte:

 

“17 Operações financeiras:                          

17.1

Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo: (Redação da Lei nº 12-A/2010, de 30/06)

17.1.1

Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fração - 0,04%      

17.1.2

Crédito de prazo igual ou superior a um ano - 0,50%        

17.1.3

Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos -  0,60%  

17.1.4

Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 -  0.04%”

 

Decorre da análise da verba 17.1. que o legislador pretende “tributar a utilização do crédito em função do tempo pelo qual é concedido, determinando este a taxa a aplicar, independentemente da natureza jurídica das entidades concedentes e utilizadoras desses créditos, concedidos a qualquer título e sob qualquer forma,”[2]considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato”.

 

Deste modo, atentos os factos apurados, constata-se que as operações financeiras realizadas são tributáveis pela verba 17.1., estando apenas por determinar se a sujeição das operações financeiras realizadas a tributação deve ocorrer à luz do disposto na verba 17.1., nos termos da verba 17.1.2 ou 17.1.4. da TGIS.

 

Analisadas as verbas 17.1.2 e 17.1.4 da TGIS verifica­-se que as operações financeiras realizadas serão tributadas pela verba 17.1.2. caso se entenda, como a Requerente, que o crédito foi concedido, pelo período de até 12 meses, considerando-se prorrogado o período de concessão do crédito, pelo mesmo tempo, na ausência de reembolso ou se, tendo em conta a ausência de reembolso, o prazo de utilização do crédito não é determinado ou determinável, como defende a AT.

 

Ora, conforme resulta da análise das verbas em discussão, o prazo a considerar para efeitos de aplicação das taxas é aquele que for estipulado na data do contrato, verificando-se o facto gerador com a utilização do crédito. Na data do contrato, ou seja, dos pedidos de financiamento apresentados pela Requerente, encontrava-se estipulado o prazo de até 12 meses.

 

Não tendo ocorrido reembolso dentro desse prazo, deve entender-se, nos termos da verba 17.1. da TGIS, que houve uma prorrogação do crédito e do prazo do contrato. Tendo em conta que não existe qualquer facto que revele que as partes envolvidas na operação financeira alteraram o prazo do contrato inicial, passando este prazo a ser indeterminado ou indeterminável, entende-se que o contrato de concessão de crédito se renovou nos mesmos termos, isto é, pelo período de até 12 meses.

 

Com a prorrogação do contrato surge um novo facto gerador, e necessariamente uma nova liquidação de IS. Esta nova liquidação de IS deverá incidir sobre o saldo devedor apurado nessa data, pela taxa correspondente ao prazo inicialmente fixado (ou ao prazo fixado a partir daí).

 

Na ausência de qualquer facto novo que revele um novo prazo de concessão do crédito diferente do resultante dos documentos juntos (vide doc. n.º 2), deverá entender-se que o crédito foi concedido pelo mesmo período de tempo, devendo a liquidação de IS incidir sobre o saldo devedor da Requerente, à data da prorrogação do prazo de concessão de crédito, ou seja, à data da utilização do crédito não reembolsado.

 

Na verdade, atenta a factualidade apurada, verifica-se que a B… SGPS disponibilizou fundos financeiros à Requerente, com base em pedidos expressos de disponibilização financeira sempre por um período inferior a 12 meses (vide documentos n.º 2). É certo, também que resultou da factualidade apurada não ter a Requerente efetuado o reembolso das quantias disponibilizadas no âmbito do presente processo, nesse prazo. Contudo, tal não significa que o crédito não tenha sido inicialmente concedido à Requerente por um período de até 12 meses, tendo-se por verificado o facto gerador do IS no momento da utilização do crédito.

 

A qualificação da operação financeira analisada para efeitos da verba 17.1.4. da TGIS implicaria, desde logo, ignorar a vontade expressa pelas partes, no âmbito do negócio realizado, e a transformação de um facto tributário instantâneo num facto tributário continuado. Tendo em conta os factos alegados pela AT e os factos apurados nos presentes autos não é possível concluir que as operações financeiras realizadas foram feitas por prazo indeterminado/indeterminável, mesmo considerando a força do princípio da substância sobre a forma na análise da realidade em discussão.

                                                                                   

Encontrando-se o presente Tribunal vinculado ao princípio da legalidade, conclui-se pela procedência do pedido subsidiário deduzido pela Requerente, considerando que não existe nenhuma evidência de que a vontade inicial da Requerente tenha sido diferente daquela que expressamente formalizou, nem de quaisquer factos que pudessem desconfigurar a operação financeira que resulta dos documentos juntos aos autos, como subsumível na verba 17.1.2 da TGIS. Em consequência, os actos de liquidação impugnados com fundamento na obrigação de pagamento de IS sobre as operações financeiras realizadas, de acordo com a taxa prevista na verba 17.1.4, são ilegais.

 

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IS, relativos ao ano 2013 e 2014, com fundamento no direito à isenção de IS prevista no artigo 7.º, n.º 1 g) do Código do IS;
  2. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IS, relativos ao ano 2013 e 2014, com fundamento em erro de direito;
  3. Não condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, na falta de prova do pagamento das quantias liquidadas.

 

 

  1.  VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 222.208,50.

 

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de abril de 2018

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

 

                                                      (José Baeta de Queiroz)          

 

 

 

 

(Magda Feliciano)

 

 

 

(José Ramos Alexandre)

 

 

 

O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).

 



[1] Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, José Maria Fernandes Pires, 3.ª Edição , 2015, pp. Pag. 471.

[2] António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, in Tributação do Património, IMI-IMT e IS (Anotados e Comentados), pp. Pag. 719.