Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 91/2015-T
Data da decisão: 2015-11-11  IMI  
Valor do pedido: € 3.675,31
Tema: IMI - Cláusula de salvaguarda
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 91/2015 – T

Tema: Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Autora / Requerente: A… – …, LDA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante A.T.A.)

 

1. Relatório

Em 12-02-2015, a sociedade por quotas A… – …, LDA, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, n.º …, …, … Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) n.º 2013 …, do ano de 2013, respeitante à terceira prestação, e referente ao prédio sito na Rua …, n.º …, …, …, … e Avenida …, n.º … e …, … Lisboa, registado na matriz sob o n.º … da freguesia de ....

A Requerente pede a anulação da liquidação de IMI relativa à terceira prestação do ano de 2013, alegando que não foi considerada a cláusula de salvaguarda.

A Requerente alega ainda que as liquidações violam ainda o princípio da boa-fé e o princípio da capacidade contributiva, por lhe exigirem montantes de imposto que não são devidos.

A Requerente refere ainda que se verifica uma violação do princípio da justiça, da prevalência da substancia sobre a forma, do direito à propriedade, da igualdade e da proporcionalidade.

A Requerente pede, no final, a declaração de ilegalidade da liquidação em causa, e a sua substituição por outra com respeito pela cláusula de salvaguarda, e ser a A.T.A. condenada a devolver-lhe o montante resultante da diferença entre a liquidação da primeira prestação e a liquidação da terceira prestação, que estimou em 2.545,05 €, acrescido de juros indemnizatórios.

Foi designada como árbitro único, em 13-04-2015, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-05-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 24-06-2015.

A A.T.A. refere que o prédio em causa, ao constituir-se em propriedade horizontal em julho de 2013, deixou de existir em 31-12-2013, passando a existir, em sua substituição, 22 frações autónomas juridicamente autonomizáveis, as quais, nos termos do n.º 4 do artigo 2º do Código do IMI, são consideradas individualizadamente como prédios para efeitos de IMI. Para a A.T.A., está-se perante novos prédios, não se tratando portanto, do mesmo prédio que beneficiou do regime transitório da avaliação geral de prédios urbanos aditado ao Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12-11, pela Lei n.º 60-A/2011.

E alude que a liquidação correspondente à terceira prestação de IMI de 2013 no valor de 3.675,31€, consubstancia um encontro de contas na liquidação de IMI daquele ano, no valor global de 5.935,83€, tendo em contas as duas prestações já pagas no total de 2.260,52 €.

A A.T.A. requereu ainda, na resposta, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária, assim como a dispensa da realização de alegações.

Em 08-07-2015, foi proferido despacho a agendar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT para o dia 21-10-2015, pelas 14:00 horas, atendendo a que a A.T.A. apresentou defesa por exceção.

No dia anterior à data agendada para a reunião, a A.T.A. enviou requerimento aos autos, referindo que as juristas designadas nos presentes autos não estariam presentes na reunião, em virtude do volume de trabalho distribuído. 

Na reunião compareceram a Ex.ma Dra. B e o Ex.mo Dr. C, na qualidade de mandatários da Requerente.

O representante da Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção constante da resposta da A.T.A., tendo concluído pela improcedência da exceção e defendendo a declaração de ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos.

Foi decidido na reunião prescindir-se da realização de alegações finais.

O tribunal arbitral decidiu ainda designar o dia 11-11-2015 para a prolação da decisão arbitral. Por último foi advertida a Requerente para, até àquela data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      Em 2013, a Requerente era proprietária do prédio urbano, sito na Rua …, n.º …, …, …, … e Avenida …, n.º … e …, … Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, conforme certidão predial junta ao pedido arbitral como documento 2.

2.      O referido imóvel está registado junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, em propriedade horizontal desde 04-07-2013, conforme certidão predial junto ao pedido arbitral como documento 2.

3.      A A.T.A. procedeu à liquidação da primeira prestação de IMI em 05-03-2014.

4.      A A.T.A. emitiu, em relação ao imóvel acima referido, em 01-05-2014, nota de liquidação da terceira prestação do IMI de 2013, com o n.º 2013 …, no valor de 3.675,31 €, conforme documento 1 junto ao pedido arbitral.

5.      E emitiu, n mesma data, “nota demonstrativa da liquidação” correspondente à totalidade do IMI 2013, no montante global de 5.935,83€,

6.      A Requerente procedeu ao pagamento da terceira prestação de Imposto de Selo no valor de 3.675,31 €.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos, saber se a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15º-O do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12-11, de que beneficiava um prédio em regime de propriedade total é aplicável ou não, tendo o prédio passado de propriedade vertical para propriedade horizontal.

Em 04-07-2013, o prédio em causa nestes autos (sito na Rua …, n.º …, …, …, … e Avenida …, n.º … e …, … Lisboa, registado na matriz sob o n.º … da freguesia de ...) foi constituído em propriedade horizontal, dando origem a 22 frações autónomas identificadas pelas letras A a X, conforme certidão predial junta com o pedido arbitral.

A A.T.A. entende que não se aplica a cláusula de salvaguarda por ter ocorrido uma alteração do tipo de prédio, que deixou de ser do tipo A – propriedade total ou com divisões – e passou a ser do tipo F – propriedade horizontal.

Para a A.T.A., “com a constituição da propriedade horizontal, o prédio passou a ficar juridicamente dividido em várias frações autónomas, cada um com individualidade jurídica própria. E ainda que mantendo-se o proprietário, este deixou de ter um direito único sobre todo o edifício, passando a ter tantos direitos quantas as frações autónomas.”

A A.T.A. alega ainda que “a modificação do regime jurídico de propriedade total para propriedade horizontal do prédio em causa tem como consequência a constituição ex novo de direitos de propriedade horizontal sobre cada uma das novas frações ou prédios”.

Na sua resposta, a A.T.A. refere também que “a nova situação jurídica haverá de traduzir-se na inscrição matricial do prédio em propriedade horizontal, nos termos do disposto no artigo 92º do CIMI, segundo o qual, a cada edifício em propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz (n.º 1), descrevendo genericamente o edifício e mencionando-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (n.º 2), concretizando-se a autonomia matricial na atribuição a cada uma das frações autónomas, pormenorizadamente descrita e individualizada, de uma letra maiúscula, segundo a ordem alfabética (n.º 3)”.

E conclui que, “nessa medida, perante os novos prédios a que correspondem as frações autónomas resultantes da constituição da propriedade horizontal, e por não se tratar do mesmo prédio que beneficiou do regime transitório da Avaliação Geral dos Prédio Urbanos (…), não existia o pressuposto objetivo para aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15º-O (…)”.

Já para a Requerente, a cláusula de salvaguarda só deixa de ter aplicação caso se altere o sujeito passivo do imposto, e “não é nem se pode considerar que seja passível de consubstanciar uma alteração do sujeito passivo a simples alteração do tipo de prédio”.

Vejamos o que dispõe a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15º-O do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12-11, aditado pela Lei n.º 60-A/2011 de 30-11:

“1 – A coleta de IMI respeitante aos anos de 2012 e 2013 e liquidado nos anos de 2013 e 2014, respetivamente, por prédio ou parte de prédio urbano objeto de avaliação geral, não pode exceder a coleta do IMI devido no ano imediatamente anterior adicionada, em cada um desses anos, do maior dos seguintes valores:

a)      75€; ou

a)      Um terço da diferença entre o IMI resultante do valor patrimonial tributário fixado na avaliação geral e o IMI devido do ano de 2011 ou que o devesse ser, no caso de prédios isentos.

2 – A coleta do IMI de prédio ou parte de prédio urbano objeto da avaliação geral, destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cujo rendimento coletável, para efeitos de IRS, no ano anterior, não seja superior a € 4898, não pode exceder a coleta do IMI devido no ano imediatamente anterior adicionada, em cada ano, de um valor igual a € 75.

3 – No caso de o sujeito passivo deixar de beneficiar do regime previsto no número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 1 relativamente à diferença entre o IMI resultante do valor patrimonial tributário fixado na avaliação geral e a coleta do IMI devido no ano imediatamente anterior.

4 – O disposto nos números anteriores não é aplicável:

a)      Aos prédios devolutos e aos prédios em ruinas referidos no n.º 3 do artigo 112.º do Código do IMI;

b)      Aos prédios que sejam propriedade das entidades referidas no n.º 4 do artigo 112.º do Código do IMI;

c)      Aos prédios em que se verifique uma alteração do sujeito passivo do IMI após 31 de dezembro de 2011, salvo nas transmissões por morte de que forem beneficiários o cônjuge, descendentes e descendentes quando estes não manifestem vontade expressa em contrário.”

 O artigo 2º n.º 4 do Código do IMI refere que para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havido como constituindo um prédio.

O artigo 12º n.º 3 do mesmo código impõe que cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.

Analisando comparativamente o regime de IMI aplicável às frações autónomas de prédio em propriedade horizontal e às unidades suscetíveis de utilização independente de prédio em propriedade vertical, teremos que concluir pela identidade dos regimes. Veja-se que, não obstante a natureza jurídico-formal ser distinta, o regime tributário destas figuras é exatamente o mesmo. Como se lê no acórdão do CAAD no processo 174/2015, onde se lê que:

“a) os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total estão sujeitos às mesmas regras de inscrição na matriz, tal como dispõe o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI acima referido;

b) os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total estão sujeitos às mesmas regras e procedimentos de avaliação, determinando-se expressamente na alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do CIMI que, caso as partes que compõem o prédio em propriedade total sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras”.

 

Além disso, o artigo 119º n.º 1 do Código do IMI menciona que a liquidação de IMI discrimina os prédios, as suas partes suscetíveis de utilização independente e respetivo VPT. Assim, e tal como se refere no acórdão do CAAD do processo n.º 174/2015-T, é o “legislador a determinar que a liquidação de imposto deve ser feita individualizadamente, considerando cada realidade económica e não cada realidade jurídica”.

Vejamos ainda que a base de incidência do IMI é determinada exatamente da mesma maneira, ou seja, corresponde ao VPT individual de cada fração autónoma ou parte independente, constante da matriz. Assim, e tal como refere o acórdão do CAAD do processo n.º 174/2015-T, “a liquidação é feita de forma individualizada e autónoma em função de cada uma das partes independentes do prédio, sejam ou não frações autónomas”.

Verificando-se que para efeitos de IMI o legislador optou por equipar os prédios antes e depois da constituição da propriedade horizontal, não se justifica a desconsideração da cláusula de salvaguarda pela simples alteração da natureza do prédio em questão nos termos já expostos.

Por outro lado é vasta a doutrina do CAAD no sentido de equiparar os prédios em propriedade vertical e os prédios em propriedade horizontal com utilização independente, em sede de imposto de selo, em obediência ao princípio da igualdade fiscal.

Também o princípio da legalidade fiscal (103.º, 2 CRP) impõe que não se possa restringir o sentido da lei ou aplicara a analogia (11.º, 4 LGT) em matéria de garantias dos contribuintes. Não referindo a lei taxativamente como fundamento para a exclusão da cláusula de salvaguarda a mudança no regime do prédio, não é legítimo que se fundamente a exclusão da cláusula sem base expressa na lei.

A decisão da ATA, tal como foi justificada, enferma aliás de um vício de fundamentação, nos termos do art.º 77.º LGT.

A liquidação objeto do pedido, ao exigir imposto sem aplicação da cláusula de salvaguarda, viola ainda o princípio da boa-fé e o princípio da capacidade contributiva.

Dos restantes princípios invocados pela Requerente, também estará a ser violado, a nosso ver, o do princípio da justiça e da igualdade, na medida em que duas situações materialmente idênticas poderiam ter uma tributação substancialmente diferenciada, pela mera modificação do regime do prédio, sem que para isso haja expressão legal.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, o princípio estará a ser violado na medida em que por força da alteração do regime do prédio, a A.T.A. exclui a aplicação da cláusula de salvaguarda que tinha por objetivo uma aplicação progressiva do novo regime legal, levando a uma tributação exagerada na esfera da Requerente.

Já quanto ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, o mesmo, não estará, a nosso ver, a ser violado.

Refira-se ainda que uma vez que a Requerente só levanta nos autos a ilegalidade parcial da liquidação de IMI 2013, correspondente à terceira prestação, e não a ilegalidade da liquidação global correspondente a esse ano, e notificada na mesma data, cingiremos a decisão à liquidação da terceira prestação de IMI, nos termos identificados pela Requerente.

No restante, a conclusão pela ilegalidade da não aplicação da cláusula de salvaguarda deixa prejudicadas a apreciação das demais questões suscitadas nos autos.

 

4. Dos juros indemnizatórios

A Requerente pediu a condenação da A.T.A. a devolver o tributo indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, o erro que afeta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que praticou os atos de liquidação por sua iniciativa, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Como resulta do referido artigo 43.º n.º 1 da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende do pagamento de dívida tributária em montante indevido.

Enfermando de ilegalidade a liquidação de IMI n.º 2013 …, correspondente à terceira prestação de IMI do ano de 2013, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento em excesso até ao integral reembolso por parte da AT, nos termos dos artigos 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)      julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de IMI n.º 2013 …, no valor de 3.675,31€;

b)      condenar a A.T.A. no reembolso do valor pago em excesso pela Requerente;

c)      condenar a A.T.A. no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento do excesso de IMI de 2013 até à data do seu reembolso à Requerente.

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 3.675,31€.

 

7. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, a suportar pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

Braga, 11 de novembro de 2015.

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

O árbitro singular

 

Suzana Fernandes da Costa