Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 92/2012-T
Data da decisão: 2012-12-31  IRC  
Valor do pedido: € 376.864,00
Tema: Contagem do prazo de caducidade quando o período anual de tributação não coincide com o ano civil
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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária

 

 

 

Processo n.º 92/2012-T

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lino Alves de Sousa, Dra. Alexandra Coelho Martins e Dr. Filipe Romão designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27 de Setembro de 2012, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A ... (doravante “Requerente”), contribuinte número ..., com estabelecimento estável em ..., vem, nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) requerer a constituição de tribunal arbitral pedindo a pronúncia do mesmo sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (doravante “IRC”) com o n.º de liquidação ... e o número de documento de cobrança ..., no montante de € 376.864,00, já objeto de reclamação graciosa e produzido que foi o indeferimento tácito do mesmo procedimento.

 

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a anulação integral do ato de liquidação defendendo, em suma, que o mesmo ato foi praticado e notificado à Requerente depois de transcorrido o prazo de caducidade estabelecido no art.º 45º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”).

 

Em abono da sua tese afirma a Requerente que o prazo de caducidade de quatro anos deve ser contado do termo do ano fiscal, ou seja, do ano que corresponder ao período anual de tributação adotado pela Requerente. Na medida em que a Requerente tem um ano fiscal que não coincide com o ano civil (e que decorre entre 1 de Maio e 30 de Abril do ano civil seguinte), sustenta esta que o prazo de caducidade de quatro anos deve ser contado tendo como termo inicial 1 de Maio de cada ano civil (dia seguinte ao termo do seu ano fiscal).

 

Invoca ainda a Requerente o n.º 9 do artigo 8º do Código do IRC, nos termos do qual o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, sustentando que tal sucede quer coincida o período de tributação com o ano civil, quer não, e que na mesma linha se deve interpretar a expressão ano constante da primeira parte do nº 4 do artigo 45º da LGT para efeitos da contagem do prazo de caducidade.

 

A ser assim, e estando em causa nos autos o ano fiscal decorrido entre 1 de Maio de 2006 e 30 de Abril de 2007, o prazo de caducidade teria o seu termo inicial em 1 de Maio de 2007, conhecendo o seu termo em 30 de Abril de 2011. Desta forma, a liquidação sobre a qual pretende a Requerente a pronúncia deste tribunal, emitida para além daquela data, padeceria de ilegalidade por violação do art.º 45º da LGT.

 

A Requerente invoca ainda que uma interpretação do n.º 1 do art.º 45º da LGT que considerasse o termo inicial do prazo de caducidade como o primeiro dia do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto (e não o dia seguinte ao termo do prazo do ano fiscal, que pode e no caso não coincide com o ano civil) seria violadora da lei fundamental, bulindo com o princípio da legalidade e dos seus corolários da tipicidade e da proibição da analogia e com o princípio da igualdade.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”) respondeu, não suscitando qualquer questão prévia e defendendo, quanto ao mérito da pretensão da Requerente, que o pedido formulado não deve proceder.

 

Para assim concluir ancora-se a AT num argumento de literalidade, sustentando que o “ano” a que se refere o art.º 45º n.º 1 da LGT não pode ser outro que não o ano civil, e que em consequência o prazo de caducidade nos impostos periódicos tem o seu termo inicial sempre (independentemente do período anual de tributação adotado pelo sujeito passivo ser ou não coincidente com o ano civil) em 1 de janeiro do ano seguinte àquele em que o facto tributário teve lugar.

 

Para assim concluir invoca a AT que o legislador consagrou um conjunto de exceções/adaptações dos prazos de cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento para as situações em que o período de tributação seja diferente do ano civil, sendo que podia e tê-lo-ia feito (se assim o pretendesse) também para efeitos de contagem do prazo de caducidade.

 

Mais invoca a AT o elemento histórico, afirmando que da anterior redação do art.º 93º do Código do IRC decorria o mesmo regime ora vigente, que considera ser o que impõe a contagem do prazo de caducidade do primeiro dia do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto gerador.

 

Finalmente a AT invoca ainda que existem outras situações, para além dos casos da adoção de um período anual de tributação diferente do ano civil, em que o período de tributação não coincide com o ano civil, como é o caso de cessação de atividade, considerando a AT que em tais situações o art.º 45º da LGT não poderá deixar de ser interpretado no sentido de o prazo de caducidade se iniciar no termo do ano civil da ocorrência do facto tributário.

 

  1. Pressupostos processuais

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído nos termos dos art.ºs 5º, n.º 3 a) e 6º, n.º 2 a) do RJAT e é materialmente competente nos termos do art.º 2º, n.º 1 a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.º 4º; art.º 10º, n.º 2 do RJAT e art.º 1º da Portaria 112º-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Questão decidenda

 

Cumpre pois apreciar e decidir, sendo apenas uma a questão dirimenda a dar resposta:

 

Como deve contar-se o prazo de caducidade em impostos periódicos como é o IRC aqui em causa nas situações em que o contribuinte tenha um período anual de tributação não coincidente com o ano civil: o prazo em causa conta-se do termo do ano fiscal (como pretende a Requerente) ou do termo do ano civil (como sustenta a AT)?

 

  1. Fundamentação de facto

 

Em matéria de facto relevante dá o presente Tribunal por assentes os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade não residente com estabelecimento estável em Portugal (cf. art.º 10º da p.i. e art.º 3º da Resposta);

 

  1. Que legalmente adotou um ano fiscal diferente do ano civil, decorrendo o seu ano fiscal entre 1 de maio e 30 de abril do ano civil seguinte (cf. art.º 10º da p.i. e art.º 3º da Resposta);

 

  1. Relativamente ao período de tributação decorrido entre 1 de maio de 2006 e 30 de abril de 2007 a Requerente não apresentou, em devido tempo, a declaração de rendimentos a que se refere o art.º 120º do Código do IRC (declaração modelo 22) (cf. art.º 15º da Resposta);

 

  1. A AT emitiu a liquidação de IRC n.º ... em 1 de abril de 2008, no valor de € 1.515,35 (cf. art.º 15º da Resposta);

 

  1. Em 13 de outubro de 2011 a Requerente apresentou a declaração de rendimentos do exercício em causa, nela apurando um imposto a pagar no valor de € 376.864,00 (cf. art.º 4º e 16º da Resposta e cf. documento junto aos autos pela AT a pedido deste Tribunal);

 

  1. O imposto autoliquidado não foi pago pela Requerente (cf. art.º 5º da Resposta);

 

  1. A AT emitiu a liquidação n.º ..., com data de 13 de outubro de 2011, na sequência da entrega da declaração de rendimentos referida em 5) supra (como resulta do ofício n.º ..., de 11 de abril de 2012, junto ao processo administrativo e tributário junto pela AT aos autos e como resulta do doc. n.º 2 junto à p.i., que a AT denomina “Demonstração de Liquidação de IRC”);

 

  1. Da mesma liquidação consta um valor de imposto a pagar (coleta) praticamente idêntico (diferente em apenas um cêntimo) ao apurado pela Requerente na autoliquidação de 13 de outubro de 2011 - € 295.626,27 - apurando-se ainda o mesmo valor no que respeita a tributações autónomas - € 750,75 (cf. declaração modelo 22 submetida pela Requerente junta aos autos pela AT a pedido deste Tribunal e liquidação contestada, junta como doc. n.º 2 à p.i.);

 

  1. Contudo, na liquidação oficiosa que emitiu a AT apura uma derrama no valor de € 29.562,63 (que a Requerente não apurou em autoliquidação) e faz constar da liquidação um valor de € 52.440,05 relativo a juros compensatórios (cf. declaração modelo 22 submetida pela Requerente junta aos autos pela AT a pedido deste Tribunal e liquidação contestada, junta como doc. n.º 2 à p.i.);

 

  1. Além da sobredita liquidação a AT emitiu ainda um documento denominado “demonstração de acerto de contas”, de que faz constar o “aviso/notificação de cobrança” através do qual notifica a Requerente para o pagamento da quantia de € 376.864,35 (cf. doc. n.º 2 junto à p.i., segunda página);

 

  1. Da mesma forma que emitiu a “demonstração de liquidação de juros”, de que fez constar o período de contagem e a taxa dos juros compensatórios incluídos na liquidação contestada (cf. doc. n.º 2 junto à p.i., terceira página);

 

  1. A liquidação contestada foi notificada à Requerente em 2 de novembro de 2011 (conforme afirma a Requerente no art.º 2º da p.i. e não foi contestado nem contraditado pela AT);

 

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação em causa em 4 de janeiro de 2012, que é tramitada junto da AT sob o n.º ... (cf. doc n.º 3 junto à p.i. e cf. processo administrativo junto pela AT aos autos);

 

  1. O procedimento de reclamação graciosa n.º ... não foi objeto de decisão (conforme o demonstra o processo administrativo junto pela AT aos autos e como resulta, a contrario, da inexistência nestes autos de informação nesse sentido);

 

  1. Em 30 de julho de 2012 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos (cf. sistema informático do CAAD).

 

Os factos acima elencados foram dados como provados com fundamento nos documentos juntos aos autos e referidos e nas afirmações constantes da p.i. apresentada pela Requerente e da Resposta submetida pela AT, cuja correspondência à realidade não se contesta.

 

Não existem fatos relevantes para a decisão da causa que não tenham resultado provados.

 

  1. A ilegalidade do ato de liquidação

 

No que respeita ao mérito da causa a questão que é objeto do presente processo é apenas a de saber como deve contar-se o prazo de caducidade quando o período anual de tributação não coincida com o ano civil (como sucede no caso em apreço).

 

Não está em causa aqui saber das consequências legais decorrentes da falta de pagamento do imposto autoliquidado, em simultâneo com a entrega da respetiva declaração de rendimentos – falta referida no artigo 5.º da resposta da AT.

 

Não está igualmente em causa a autoliquidação efetuada pela Requerente, que indiscutivelmente foi corrigida pela AT, que emitiu a liquidação adicional aqui em crise.

 

Como resulta dos factos assentes (cf. pontos 8) e 9) do probatório) a AT corrigiu os valores apurados em autoliquidação pela Requerente (como a lei lhe permite que faça - cf. art.º 90º, n.º 10 e 99º, n.º 1 do Código do IRC), alterando o valor da derrama e liquidando e integrando em tal liquidação juros compensatórios.

 

Assim, a liquidação aqui em causa foi emitida na sequência da apresentação pela Requerente da declaração anual de rendimentos (como bem afirma a AT no processo administrativo - cf. ofício n.º ..., de 11 de abril de 2012) mas por iniciativa da própria AT, que corrigiu os valores declarados e veio cobrar as diferenças apuradas (cf. n.º 10 do art.º 90º do Código do IRC) - e não por iniciativa da Requerente, como pretende erradamente a AT no art.º 5º da sua Resposta.

Assim, em face dos termos da p.i. e da resposta, a questão essencial a resolver por este Tribunal é apenas a de saber se sofre, ou não, de ilegalidade, por caducidade, a sobredita liquidação.

 

A este propósito importa convocar os preceitos legais relevantes nesta matéria, que em seguida se transcrevem:

 

Artigo 45.º da LGT

Caducidade do direito à liquidação

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(...)

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

(Redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

 

Artigo 101º do Código do IRC

Caducidade do direito à liquidação

A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos no artigo 45º e 46º da Lei Geral Tributária.

 

 

 

No caso dos autos o período anual de tributação em causa decorreu entre 1 de maio de 2006 e 30 de abril de 2007 e a liquidação aqui em causa foi emitida pela AT com data de 13 de outubro de 2011 (como resulta do probatório).

 

Concatenando os dois preceitos é evidente que o direito de liquidar o IRC aqui em causa caducou se não tiver sido validamente notificada a liquidação em crise à Requerente no prazo de quatro anos (art.º 45º, n.º 1 da LGT) contados a partir do termo do ano dentro do qual se verificou o facto tributário (art.º 45º, n.º 1 da LGT).

 

O que o preceito não diz e cabe por isso a este Tribunal apreciar e decidir é se o termo do ano em que se verificou o facto tributário (que marca o início da contagem do prazo de quatro anos de caducidade) é o termo do ano civil (31 de dezembro de 2007 - caso em que o prazo de caducidade terminaria em 31 de dezembro de 2011 e a liquidação em crise não padeceria do vício que lhe vem imputado) ou é o termo do ano fiscal (30 de abril de 2011 - caso em que o ato que se aprecia seria ilegal por decurso do prazo de caducidade).

A respeito da contagem do prazo de caducidade, nos impostos periódicos o legislador definiu como data marcante o termo do ano dentro do qual se verificou o facto tributário, enquanto nos impostos de obrigação única definiu como data marcante a própria data em que o facto tributário ocorreu.

 

No caso do IVA e das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo - impostos de obrigação única - o legislador estabeleceu uma exceção à regra geral antes estabelecida e definiu como data marcante para o início da contagem do prazo de caducidade o início do ano civil seguinte ao da ocorrência, respetivamente, da exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

Esta é uma diferença terminológica que a Requerente aponta e que não podemos nem devemos, segundo as regras da boa exegese, ignorar.

 

O elemento gramatical não pode simplesmente ser ignorado, até porque na determinação do sentido e alcance da norma a que se refere o art.º 11º, n.º 1 da LGT deve o intérprete observar as regras e princípios gerais estabelecidos no Código Civil, que precisamente manda presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art.º 9º, n.º 3 do Código Civil).

 

Porque assim é, onde o legislador fiscal usou diferente terminologia (usando num caso a palavra ano e no outro a locução ano civil) é de presumir que quis do ponto de vista semântico usá-la, e que por isso onde o legislador disse diferente quis dar significados e consequências diferentes.

 

Ora, se o legislador distinguiu (por uso de terminologia diferente) o momento a partir do qual deve ser contado o prazo da caducidade nos impostos periódicos e nos casos de IVA ou das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo é porque o quis fazer. Assim, ano é para estes efeitos (ou pode ser) diferente de ano civil.

 

De resto, a razão de o legislador se referir expressamente a ano civil nos casos do IVA e das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo parece fácil de descortinar. É que tratando-se de impostos de obrigação única relativamente aos quais o legislador quis estabelecer uma exceção quanto ao momento do início da contagem do prazo de caducidade, não poderia deixar de o fazer por referência a uma data concreta, neste caso coincidindo com o início do ano civil seguinte ao da ocorrência da exigibilidade do imposto ou do facto tributário, ou seja, dia 1 de Janeiro.

 

Já no caso dos impostos periódicos, o legislador referiu-se a um período anual, podendo este coincidir com o ano civil (regra geral), ou com outro período anual de tributação adotado pelo contribuinte, como acontece neste caso.

 

Atenta a matéria de que tratamos, o ano a que se refere o inciso legal acima transcrito não pode ser outro que não o ano fiscal, pelo que se deixa antever que nos inclinamos para considerar que aquela norma estabelece um prazo de caducidade de quatro anos contados, nos impostos periódicos, do termo do período anual de tributação adotado Requerente.

 

Mais, interpretar esta regra como o faz a AT significa afirmar que onde o legislador escreveu “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário” queria dizer “a partir do termo do ano civil em que se verificou o facto tributário”.

 

Ora, tal significa precisamente violar o preceito fundamental de hermenêutica jurídica consagrado no n.º 3 do art.º 9º do Código Civil, já que implica concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento de forma adequada (escrevendo ano onde queria escrever ano civil).

 

Entendemos que precisamente aquele preceito leva a conclusão contrária e impede essa interpretação, porque onde o legislador quis dizer “ano civil” (a propósito da contagem do prazo de caducidade nos casos do IVA e das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo) escreveu-o de forma clara.

 

A esta conclusão não obsta o facto de a expressão “ano civil” ter surgido apenas em alteração introduzida em 2002 no n.º 4 do art.º 45º da LGT, e com base nesta circunstância argumentar-se que a diferença terminológica se justificaria por se tratar de uma alteração posterior ao preceito em que se utilizou uma formulação diferente e mais precisa para enunciar o mesmo regime, e não uma intenção do legislador de aplicar um regime diferente.

 

Desde logo, e como referido, a diferença terminológica justifica-se por, num caso, o legislador usar a expressão ano para se referir a um período anual de tributação - seja ele o ano civil ou não -, e noutro caso, o legislador usar a expressão ano civil para se referir a uma data concreta, a saber, o início do ano civil seguinte ao da ocorrência da exigibilidade do imposto ou facto tributário.

 

Por outro lado, se fosse “intenção clara do legislador em uniformizar a contagem dos prazos de caducidade”, como afirma a AT no art.º 41º da sua Resposta, e uma vez que alterou o referido n.º 4 da norma, tê-lo-ia feito na totalidade, introduzindo “ano civil” em ambos os casos (para a contagem do prazo de caducidade nos impostos periódicos e no IVA - falamos em IVA porque foi a propósito do prazo de caducidade deste imposto que foi em 2002 introduzida a alteração em que passou a constar a expressão “ano civil”). Só assim teria uniformizado o regime.

 

Acontece que precisamente não uniformizou, e a única conclusão a retirar dessa omissão é precisamente que não o quis fazer, pelos motivos já expostos.

 

Invoca ainda a AT o elemento histórico, afirmando que da anterior redação do art.º 93º do Código do IRC decorria o mesmo regime ora vigente, que considera ser o que impõe a contagem do prazo de caducidade do primeiro dia do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto gerador.

 

Em primeiro lugar importa referir que desde a entrada em vigor do DL 472/99 de 8/11 (que efetuou a adaptação dos vários códigos à LGT), o Código do IRC passou a remeter para os prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da LGT.

 

Assim, para a análise do elemento histórico, teremos de recuar à redação do artigo 79º do Código do IRC anterior à entrada em vigor do referido DL 472/99 de 8/11, nos termos da qual, “Só poderá ser liquidado IRC até ao fim do quinto ano seguinte ao da ocorrência do facto gerador do imposto, devendo a correspondente liquidação ser notificada, dentro do mesmo prazo, ao contribuinte”.

 

Ora, tal redação também não faz qualquer referência ao ano civil, limitando-se a estabelecer que o prazo de caducidade é de cinco anos e termina no final do quinto ano seguinte àquele em que ocorrer o facto gerador do imposto, pelo que não poderá ser utilizado para suportar a tese da AT.

 

Conclui-se pois que da letra do n.º 4 do art.º 45º da LGT as regras e cânones de hermenêutica jurídica que a lei manda observar ditam que a melhor interpretação é a que conclui que nos impostos periódicos o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do referido art.º 45º deve contar-se a partir do termo do ano fiscal.

 

Interpretação diversa poderia aliás bulir, como refere a Requerente, com o principio da igualdade, que decorre da lei fundamental (cf. art.º 11º da CRP) e tem consagração legal no art.º 55º da LGT.

 

Como é doutrina e jurisprudência assente e não contestada nesta matéria a caducidade é um “prazo máximo peremptório, durante o qual o direito à liquidação deve ser exercido, findo o qual a situação jurídica se consolida nela definitivamente, não podendo mais esse direito ser exercido.

 

A caducidade assume-se assim como o termo natural da eficácia dos direitos em virtude de se ter chegado ao limite do seu termo de duração pois que a lei, ao fixar a caducidade, fá-lo por razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular do direito, atendendo apenas à necessidade de definir com brevidade a situação jurídica (...) (João Ricardo Catarino - Caducidade do direito à liquidação: limites e garantias do regime suspensivo previsto no artigo 46.º da lei geral tributária - Estudos em memória do Prof JL Saldanha Sanches, vol V, Coimbra Editora, 2011, pgs 181-196).

 

Ainda a propósito do prazo de caducidade afirma lapidarmente o Supremo Tribunal Administrativo que este instituto “tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis.”(cf. acórdão daquele Tribunal proferido em 16/10/2012 no processo n.º 05594/12).

 

Se é apenas de certeza e segurança jurídica que aqui tratamos (como vem defendendo a melhor doutrina e jurisprudência antes citada) não se vê porque deva o prazo de caducidade ser diferente e maior em todos os casos em que o ano fiscal do contribuinte em causa seja diferente do ano civil.

 

Na realidade, interpretar a regra do n.º 1 do art.º 45º da LGT no sentido de que o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano civil significa que para todos os contribuintes cujo ano fiscal termine em qualquer data diferente e anterior a 31 de dezembro a AT disporá sempre de um período superior a 4 anos para liquidar adicionalmente o imposto periódico (os quatro anos contados do termo do ano civil acrescidos do tempo decorrido entre o termo do período de tributação e o fim do ano civil).

 

No caso concreto, a interpretação da AT levaria a que esta pudesse até 31 de Dezembro de 2011 liquidar adicionalmente IRC relativo ao período decorrido entre Maio e Dezembro de 2006, quando relativamente a um contribuinte cujo ano fiscal coincidisse com o ano civil, a AT apenas o pudesse fazer com referência ao período decorrido a partir de 1 de Janeiro de 2007.

 

Não se vê que um contribuinte que haja legitimamente adotado um ano fiscal diferente do ano civil tenha uma menor necessidade ou direitos diferentes (e menores) à certeza e segurança jurídicas que fundamentam o estabelecimento do prazo de caducidade.

 

Conclui-se pois que a melhor interpretação, também em nome do princípio da igualdade, é aquela que estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano fiscal.

 

Refira-se que não acompanhamos a Requerente quando invoca o n.º 9 do artigo 8º do Código do IRC, nos termos do qual o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, sustentando que tal sucede quer coincida o período de tributação com o ano civil, quer não, e que na mesma linha se deve interpretar a expressão “ano” constante da primeira parte do nº 4 do artigo 45º da LGT para efeitos da contagem do prazo de caducidade.

 

Efetivamente, entendemos que no caso em análise está-se perante uma situação distinta. Não há dúvida que em sede de IRC o facto gerador do imposto se verifica sempre no último dia do período de tributação, coincida este ou não com o ano civil.

 

O mesmo se verifica quando, coincidindo o período de tributação anual com o ano civil, o período de tributação no ano em questão seja inferior ao período de um ano por ocorrer antes do termo do ano civil a cessação da atividade. Tal decorre expressamente do referido nº 9 do artigo 8º do Código de IRC.

 

E também não parece haver dúvida que a duração efetiva do período de tributação é relevante para vários efeitos fiscais, nomeadamente para a contagem do prazo de apresentação das declarações de rendimentos e outras obrigações acessórias.

 

Contudo, daí não podemos extrapolar a mesma conclusão para efeitos do início da contagem do prazo de caducidade. Efetivamente, enquanto o nº 9 do artigo 8º do Código do IRC se refere ao “período de tributação”, a primeira parte do nº 4 do artigo 45º da LGT refere-se ao “termo do ano em que se verificou o facto tributário”.

 

Assim, entendemos que, nos termos da redação do nº 4 do artigo 45º da LGT, mesmo quando o período de tributação no ano em questão seja inferior ao período de um ano por ocorrer antes do termo desse ano a cessação da atividade, o prazo de caducidade apenas se inicia no termo desse ano.

 

Seguindo o mesmo raciocínio, também não podemos acompanhar a AT quando invoca que existem outras situações, para além dos casos da adoção de um período anual de tributação diferente do ano civil, em que o período de tributação não coincide com o ano civil, como é o caso de cessação de atividade, sustentando que o artigo 45º da LGT não poderá deixar de ser interpretado no sentido de o prazo de caducidade se iniciar no termo do ano civil da ocorrência do facto tributário.

 

Efetivamente, tal como referido, é um facto que no caso da cessação de atividade, o período de tributação não coincide com um período de um ano, e que o prazo de caducidade se deve iniciar apenas no termo desse ano, como decorre expressamente do nº 4 do artigo 45º da LGT. O que já não decorre expressamente do nº 4 do artigo 45º da LGT, é que o “termo do ano” que aí se refere corresponda ao “termo do ano civil”.

 

Tal como já detalhadamente fundamentado supra, entende este tribunal que a expressão “ano” constante da primeira parte do nº 4 do artigo 45º se deve entender como correspondendo ao período de tributação anual que tenha sido adotado pelo contribuinte, ou seja, o ano fiscal, e como tal, para um contribuinte que tenha adotado um período anual de tributação distinto do ano civil, o prazo de caducidade começará sempre a contar do termo desse ano fiscal, ainda que ocorra a cessão de atividade antes desse termo.

 

A título de exemplo, para um contribuinte que, como a Requerente, tenha adotado um ano fiscal de 1 de maio a 30 de abril do ano civil seguinte, se cessar a sua atividade em 30 de dezembro, o prazo de caducidade apenas começará a contar a partir de 30 de abril do ano civil seguinte.

 

Não ignora este Tribunal a jurisprudência produzida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no proc 0367/09 (em acórdão de 09/11/2011), citada pela AT na sua Resposta. Contudo, e com o devido respeito por aquele douto Tribunal, não podemos acolher a posição que aí se defendeu.

 

No trecho relevante afirma aquele Tribunal que

(...)Neste domínio, é ponto assente que estamos manifestamente perante um imposto periódico (IRC) em que a caducidade da liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, que significa que, considerando a data de 31-03-2001 neste âmbito, é o dia 31-12-2001 que marca o início do prazo em apreço, o que equivale a dizer que a AF tinha de proceder à sua liquidação e notificar esta ao sujeito passivo até 31-12-2005 por força do regime estabelecido no art. 45º nºs 1 e 4 da LGT que é o aplicável.

 

Como resulta do que se transcreveu, o Tribunal afirma que o prazo de caducidade deve contar-se a partir do termo do ano civil (quando o contribuinte tinha também naquele caso adotado um período de tributação diferente do ano civil) porque isso decorre do art.º 45º da LGT, mas não aduz qualquer argumento em favor dessa sua tese.

 

Não podemos pois subscrever posição idêntica, com os argumentos acima deixados, ainda que com o devido respeito por aquele Tribunal, que é muito.

 

O Supremo Tribunal Administrativo proferiu ainda acórdão no processo n.º 0340/12, no mesmo processo, em que a decisão é de não admissão do recurso interposto mas em que se pronuncia lateralmente a propósito do mérito da questão.

 

Pode pois ler-se em tal aresto (proferido em 10/10/2012 no referido proc 0340/12) que “Não estando a decisão das instâncias ostensivamente errada nem se podendo afirmar que é juridicamente insustentável a tese que nelas foi sufragada, não se suscitando, sequer, fundadas dúvidas sobre a bondade da decisão por inexistir divisão de correntes doutrinais ou jurisprudenciais susceptíveis de gerar incerteza e instabilidade na resolução da questão, a admissão desta revista não se pode ancorar numa hipotética necessidade de intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas.

 

Dito de outro modo, não se visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista como “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, sendo manifesto que o que a Recorrente pretende é submeter a questão a uma tripla instância.

 

Por outro lado, tendo presente o decidido no acórdão recorrido, temos que a questão em análise não se apresenta como particularmente difícil ou confusa do ponto de vista jurídico, não demandando a sua resolução a realização de operações exegéticas de especial dificuldade jurídica, reconduzindo-se a uma tarefa de interpretação da norma contida no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, que não revela especial complexidade, até porque o seu exame não tem suscitado dúvidas ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina face ao teor do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, onde se estipula que o facto tributário se considera verificado no último dia do período de tributação (quer este período coincida ou não com o ano civil) e do n.º 4 do artigo 45.º da LGT, segundo o qual o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

 

O que tudo nos leva a concluir no sentido de que tal questão não reveste uma “relevância jurídica fundamental” face à definição que acima deixámos explicitada.

 

Finalmente, também se não vislumbra uma especial “relevância social” na resolução da dita questão, por não se detectar um interesse comunitário significativo nessa apreciação e resolução, tendo em conta que se trata de norma que vigora na ordem jurídica há mais de vinte anos e a sua interpretação nunca foi, ao que saiba, questionada junto dos tribunais por quaisquer outros sujeitos passivos.

 

Por todo o exposto, não correspondendo o recurso excepcional de revista à introdução generalizada de uma nova instância de recurso e não podendo ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao acórdão recorrido sem a verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA, não pode ser admitido o presente recurso.”

 

Temos pois que o Supremo Tribunal Administrativo, ainda que afirmando não ver na decisão recorrida qualquer erro grosseiro não aprecia o recurso por entender que a posição sufragada é uma posição possível e que a questão decidenda naqueles autos não tem especial relevância nem é discutido na doutrina ou dirimida judicialmente de forma repetida, o que motiva a rejeição do recurso.

 

Concluímos que aquele tribunal superior não se pronunciou sobre a questão, limitando-se a admitir como plausível a decisão recorrida que não justifica por isso a sua revista.

 

Entendemos por isso que a jurisprudência citada, que não se ignora, não é de montante a conduzir a conclusão diversa daquela a que aqui chegamos.

 

Por último, refira-se ainda que não acompanhamos a Requerente na conclusão de que a interpretação pretendida pela AT seria violadora dos princípios comunitários da não discriminação entre sujeitos passivos residentes e não residentes e da livre circulação de capitais.

 

É que a Requerente faz decorrer a invocada violação de tais princípios de um tratamento desigual a que seriam votados os não residentes face aos residentes, sendo imposto aos primeiros um prazo de caducidade mais longo que aos segundos.

 

Ora, a interpretação segundo a qual o prazo de caducidade se contaria, nos impostos periódicos, do fim do ano civil (e não do ano fiscal), levaria a nosso ver a um tratamento diferenciado (e por isso não permitido pela CRP e pela LGT como acima de deixou dito) entre contribuintes com o ano fiscal coincidente com o ano civil face aos que adotaram um ano fiscal diferente do ano civil.

 

Contudo, não haveria qualquer descriminação entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, já que o tratamento dispensado pela lei, nesta interpretação, a dois contribuintes com um ano fiscal diferente do ano civil, sendo um residente e outro não residente, seria precisamente o mesmo.

 

Por outras palavras, para dois contribuintes com o mesmo ano fiscal (suponha-se a começar em 1 de maio e terminar em 30 de abril do ano civil seguinte, como é o caso da Requerente) sendo um residente e outro não, o prazo de caducidade seria exatamente o mesmo, pelo que não existiria entre um e outro, em função da sua residência fiscal, qualquer tratamento discriminatório.

 

Não colhe por isso, nesta parte, o argumentário da Requerente.

 

Não nos pronunciamos nesta sede sobre as questões levantadas nos requerimentos apresentados após a petição inicial, na medida em que, ainda que pudessem contender com a legalidade da liquidação apreciada (na medida em que se alega a existência de prejuízos fiscais reportáveis não considerados pela AT na liquidação em crise), fica o seu conhecimento prejudicado pela solução dada à questão ora apreciada.

 

  1. Decisão

 

Face ao que vem exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de anulação da liquidação n.º ..., com data de 13 de outubro de 2011, no valor de € 376.864,00, com fundamento em vício de violação de lei (dos art.ºs 93º do Código do IRC e 45º da LGT), por ter sido emitida para além do prazo de caducidade que terminou em 30 de abril de 2011 (quatro anos contados sobre o termo do ano fiscal em causa que ocorreu em 30 de abril de 2007).

 

Valor do processo: € 376.864,00 (trezentos e setenta e seis mil, oitocentos e sessenta e quatro euros)

 

Custas: Nos termos do art.º 22º, n.º 4 do RJAT fixa-se o montante das custas em € 6.426 (seis mil quatrocentos e vinte e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.

 

 

 

Os Árbitros

 

31 de dezembro de 2012