Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 564/2014-T
Data da decisão: 2014-12-03  Selo  
Valor do pedido: € 84.043,17
Tema: IS – verba 28.1; terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Carlos Lobo e Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam na seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 29 de Julho de 2014, a HERANÇA INDIVISA POR ÓBITO DE A, NIF …, legalmente representada pelo cabeça de casal B, com domicílio na Rua … Porto, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação do IMPOSTO DE SELO (IS) previsto na Verba 28 da TGIS relativo ao ano de 2013 e com referência aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da freguesia de …, concelho do Porto, correspondentes aos documentos de cobrança nº 2014…, relativo ao prédio …, no valor de €44.562,36, e nº 2014…, relativo ao prédio …, no valor de €39.480,81.

  

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que os terrenos para construção, como são aqueles a que se referem as liquidações em apreço, não integram o âmbito de incidência da norma aplicada, e que os actos tributários impugnados não cumprem o nível de fundamentação legalmente exigido.

 

  1. No dia 30 de Julho, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 16 de Setembro de 2014, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 1 de Outubro de 2014.

 

  1. No dia 29 de Outubro de 2014, a Requerida, depois de notificada para o efeito e dentro do prazo para que o foi, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, e sustentando, em suma, que os actos tributários em questão nos autos são “actos em massa” e que, nessa perspectiva cumprem com a fundamentação que lhes é exigível. Mais sustenta a AT que os terrenos “para construção”, com potencial habitacional, integrarão o âmbito de incidência da norma aplicada.

 

  1. Posteriormente, notificadas para o efeito, ambas as partes vieram aos autos comunicar que prescindiam da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como da apresentação de alegações, pelo que a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dispensada, atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e que o processo arbitral se rege pelos princípios da economia processual e proibição da prática de actos inúteis, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-A Requerente era, em 31 de Dezembro de 2013, a única proprietária dos prédios urbanos inscritos na matriz predial sob os artigos … e …, da freguesia de …, concelho do Porto.

 

2-Na respectiva caderneta predial, e naquela referida data, os bem imóveis referidos são descritos como terrenos para construção, e neles não existem edificações ou construções, pelo que não possuem, nem podiam possuir, licença de utilização para habitação.

 

3-Também na data de 31 de Dezembro de 2013, os referidos imóveis tinham, nas respectivas matrizes, os seguintes Valores Patrimoniais Tributários:

 

                                                              i.      Artigo … - €4.456.236,19;

                                                            ii.      Artigo … - €3.948.080,67.

 

4-A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança nº 2014…, relativo ao prédio …, no valor de €44.562,36, e nº 2014…, relativo ao prédio …, no valor de €39.480,81, tendo como prazo limite para o pagamento da 1.ª prestação, o mês de Abril de 2014.

 

5-A Requerente pagou, no mês de Abril de 2014, a primeira prestação do IMI liquidado relativamente a cada um dos imóveis referidos, no valor total de €28.014,39.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

Não tendo sido arguidos vícios que conduzam à nulidade ou inexistência dos actos impugnados, nem tendo sido expressamente requerido que, na apreciação das questões suscitadas, o Tribunal siga uma ordem determinada, cumprirá conhecer, nos termos do artigo 124.º do CPPT, do vício “cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”, o que no caso será o alegado erro nos pressupostos dos actos impugnados.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;”

A questão que se coloca nos autos, face ao regime referido, é a de saber se os prédios, como os da Requerente, que na respectiva matriz constam como terrenos para construção, e que, efectivamente, não contém em si qualquer construção afecta à habitação, se enquadram, ou não, na norma referida.

Ora, as disposições acima referidas contêm um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária, que é o conceito de “prédio com afectação habitacional”.

No n.º 2 do artigo 6.º do CIMI é utilizada a expressão «prédios habitacionais», definindo-os como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou que, na falta de licença, tenham como destino normal fins habitacionais.

No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS (“prédio com afectação habitacional”) com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI (“prédios habitacionais”), aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

Acresce que, no mesmo artigo, se distingue claramente entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção.

Seguindo de perto outros acórdãos do CAAD proferidos sobre esta mesma matéria, bem como jurisprudência do STA[1], entende-se aqui que a palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, deve significar «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Assim, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que possa ser considerado um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim.

Assim, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção.

Acresce que, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, foi a verba 28.1 TGIS expressamente alterada, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, o que reforça a referida convicção de que tais prédios não eram abrangidos pela redacção vigente até 31.12.2013.

Assim, os prédios da Requerente sendo terrenos para construção, não serão, portanto, prédios com afectação habitacional actual. Ou seja, não se verifica assim, à data do facto tributário, a afectação a um fim habitacional.

Deste modo, entende-se que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação (artigo 135.º do CPA).

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à fundamentação dos actos tributários ora anulados.

 

*

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações indevidamente pagas pela Requerente, designadamente a do mês de Abril de 2014, bem como outras que se venham a verificar como pagas, se necessário em execução de sentença.

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data dos pagamentos efectuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os actos tributários objecto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data dos pagamentos, até à integral restituição dos montantes pagos;

b)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €2.754,00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €84.043,17, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

3 de Dezembro de 2014

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Carlos Lobo)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins)

 

 



[1] Cfr. p. ex. o Ac. de 29-10-2014, proferido no processo 0505/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt, onde se lê que: “Não tendo o legislador definido o conceito de prédio urbano com afectação habitacional mas resultando do artigo 6º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados para efeitos de incidência do Imposto de Selo como prédios urbanos com afectação habitacional.”.