Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 92/2014-T
Data da decisão: 2014-06-24  Selo  
Valor do pedido: € 28.398,20
Tema: IS - Verba 28 TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

I – RELATÓRIO

 

 

1 –A... –SA, com o NIPC …, com sede … , apresentou em  2014/02/06 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[1], sendo requerida a AT[2],  com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[3], relativo a um terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia e concelho de Castro Marim, onde actualmente se encontra implantado um complexo composto por 61 unidades de alojamento e 2 unidades destinadas a comércio inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...-P

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 2014/02/07.

 

 

 

 

 

3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 2014/04/09 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido, visa a requerente, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[5] no montante de €28.298,20 que incidiu sobre o valor de €2.839.820,00 correspondente ao VPT[6] do terreno para construção já identificado.

6- Invoca para o efeito, a ilegalidade das liquidações do IS, suportada, do seu ponto de vista, na inaplicabilidade da verba 28 da TGIS aos terrenos para construção, apesar do seu VPT individual ser superior a € 1.000.000,00.

7 – No seu entender, a Lei nº 55-A/2012, que aditou a verba 28 à TGIS remetendo para o CIMI[7] os conceitos usados no CIS[8], nomeadamente as de “prédios com afectação habitacional” e apelando à teleologia da norma, largamente anunciada pelo XIX Governo Constitucional, apenas pretenderia tributar as habitações de maior VPT, na lógica de equidade social e partilha de encargos fiscais.

8 – Para o ilustrar, faz citações do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre a matéria e da doutrina plasmada in “Manual de Direito Fiscal”, do Professor Saldanha Sanches, para concluir haver erro sobre os pressupostos de direito nos actos de liquidação em questão e que esta tributação será violadora do princípio da igualdade, haverá dupla tributação, o que põe em causa, para além deste princípio, os da justiça e da proporcionalidade, todos com protecção constitucional, sendo evidente a ilegalidade dos acto de liquidação aqui postos em crise e que deverão ser anulados.

 

 

 

9– Na resposta, a AT considera que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS , que compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção uma vez que na determinação do seu VPT  se tem em conta o coeficiente  de afectação de habitação, previsto no artigo 41º do CIMI,

10 – Considera ainda a AT que a expressão “prédios com afectação habitacional” usada na verba 28 da TGIS apelará a uma classificação que se sobrepõe à usada no nº1 do artigo 6º do CIMI, e pretenderá englobar não só os prédios edificados mas também os terrenos para construção, tendo em vista o elemento literal da norma, pugnando pela manutenção dos actos de liquidação aqui postos em causa, por assim o determinar a verba 28 da TGIS aditada pela Lei nº 55-A/2012.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Em requerimento de 26/05/2014,veio a AT aos autos dizer que a questão em litígio é estritamente jurídica, considerando não haver necessidade de produção de prova de quaisquer factos, além daqueles já documentalmente provados, propondo a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.

Por Despacho de 23/05/2014 notificado em 26 do mesmo mês à requerente para se pronunciar, querendo, sobre a proposta, veio em 29/05/2014 declarar a adesão ao proposto pela requerida.

Face a esta manifestação o tribunal dispensou a realização da aludida reunião e considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.

 

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III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)      Saber se os terrenos para construção, que na determinação do seu VPT lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional e apurado um valor igual ou superior a €1000000,00, caem ou não no âmbito da sujeição a IS previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro;

b)      Se a liquidação de IS aqui em causa deverá ser considerada ilegal por falta de fundamento constitucional para a sua imposição. a liquidação IS – Verba 28 da TGISseee

 

 

2 – Matéria de Facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim sob o nº … e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...-P;

b)      O referido prédio é composto por 61 apartamentos de alojamento e 2 unidades com destino a comércio;

c)      A sua implantação foi levada a efeito num terreno para construção urbana destinado a equipamento turístico;

d)     É sobre o VPT de € 2.839.820.00 do terreno em causa, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ..., que recai o IS aqui em litígio;

e)      Na atribuição do aludido VPT a AT utilizou o coeficiente de afectação habitacional previsto no artigo 41º do CIMI

 

3        – Matéria de Direito

 

a)      A requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, não concorda que, a AT, pelo facto de na avaliação do terreno para construção utilizar o coeficiente previsto no artigo 41º do CIMI, daí retire que um terreno para construção fique sujeito à tributação em IS, previsto na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.

b)      Refere ainda que segundo a teleologia da norma anunciada pelo legislador “tributação das habitações de maior valor patrimonial”, só os prédios com afectação habitacional cairiam na previsão da norma e, socorrendo-se dos ensinamentos contidos, in “ Manual de Direito Fiscal” do Professor Saldanha Sanches e do disposto no nº1 do artigo 9º do Código Civil, conclui que o procedimento da AT padece de erro sobre os pressupostos de Direito.

c)      Por sua vez, a requerida entende que os terrenos para construção têm natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, o que decorrerá de uma interpretação não tanto cingida à letra da lei, mas que abarque outras realidades e que a previsão da norma não consubstancia qualquer violação constitucional.

d)     Sintetizadas as posições da requerente e da requerida, procederemos de seguida a uma análise da norma de incidência do IS sobre prédios urbanos com afectação habitacional.

e)      A verba 28 da TGIS, aditada pela Lei nº 55-A/2012,sujeita a este imposto os prédios urbanos com afectação habitacional cujo VPT, apurado nos termos do CIMI, seja igual ou superior a €1.000.000,00,vigorando para o ano de 2012 o regime transitório previsto no artigo 6º da referida Lei.

f)       O CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS ( ver nº6 do artigo 1º e nº 2 do artigo 67º ambos do CIS).

g)      Se atentarmos ao artigo 6º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

h)      Do seu nº 2 retira-se que prédios urbanos habitacionais “ são os edifícios ou construções para tal licenciados ou na falta de licença, que tenham como destino tal fim” e o seu nº 3 diz-nos que terrenos para construção “ são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.

i)        Destes conceitos poderemos desde já concluir pela existência de autonomia entre prédios urbanos “ habitacionais” e prédios urbanos “terrenos para construção”.

 

j)        O legislador do IS, ao estabelecer a tributação dos prédios urbanos “com afectação habitacional”, não concretizou o conceito, pelo que teremos, por força da remissão, de ir ao CIMI e este, como já se viu, autonomiza , entre outros, prédios habitacionais e terrenos para construção.

k)      A expressão “afectação habitacional” não é de forma alguma patente nos terrenos para construção, nem poderá, como pretende a requerida, ser entendida com expressão integradora de outras realidades.

l)        Acompanhamos a posição preconizada no processo 49/2013 que se transcreve:” A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art.6º do CIMI , tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da requerida no sentido de que o conceito de “afectação habitacional” decorre da norma do artigo 45º do CIMI. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da a da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. Segundo a requerida, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. [...]. Nestes termos, resultando do art. 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".»

m)    Se  a “ mens legislatoris” contida na Lei 55-A/2012 fosse a pretendida pela  requerida, não teria o legislador sentido a necessidade de revisitar a norma ,através da  Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro, e introduzir, expressamente, na redacção da  verba 28 da TGIS, os terrenos para construção.

n)      Na verdade, o que fica provado é que na formulação da Lei nº 55-A/2012, os terrenos para construção estavam excluídos da tributação em IS pela verba 28 da TGIS e agora, através da Lei nº 83-C/2013, passaram a ser tributados, pelo que se pode concluir que o legislador considera que a expressão “afectação habitacional” não permitia tributar os terrenos para construção  na formulação contida na verba 28 da TGIS, na redacção da Lei nº 55-A/2012.

o)      Nem se diga ainda que o facto do artigo 45º do CIMI prever a aplicação de um coeficiente de afectação habitacional na determinação do VPT dos terrenos para construção, será condição suficiente, por si só, para permitir incluí-los na norma de incidência da verba 28 aditada pela Lei nº 55-A/2012,nem tão pouco alterar a sua natureza de terreno para construção, dado que o que está aqui em causa é somente apurar o VPT que será influenciado pelo tipo das edificações a levar a efeito (que, diga-se, nem sempre são concretizadas e, na conjuntura actual a concretização é excepção).

p)      Ora, como já se viu, resulta do artigo 6º do CIMI uma distinção inconfundível entre prédios habitacionais e terrenos para construção, que impede que estes sejam tributados em IS nos termos pretendidos pela requerida.

q)      Neste sentido foram já proferidas diversas decisões arbitrais, nomeadamente, nos processos 42,48,49 e 75, todos de 2013.

r)       Aqui chegados, entende o tribunal que o conhecimento sobre se o IS em causa deverá ser considerado ilegal por falta de fundamento constitucional, sai prejudicado, apesar de acompanharmos a conclusão do senhor Professor Miguel Patrício no processo 132/2013.

 

 

IV – DECISÃO

 

 

Face ao exposto, o tribunal decide declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação do acto de liquidação do IS aqui em causa no montante de €28.398,20.

Fixar o valor do processo € 28.398.20 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[9], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[10].

 

 

 

Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em €1 530,00, de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de Junho de 2014

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[2] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[3] Acrónimo de Imposto do Selo

[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[5] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[6] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[8] Acrónimo de Código do Imposto do Selo

[9] Acrónimo de Código de Processo Civil

[10]  Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária