Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 564/2015-T
Data da decisão: 2016-05-17  IRS  
Valor do pedido: € 16.246,23
Tema: IRS - união de facto; domicílio fiscal
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Decisão Arbitral

 

Requerente – A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 31 de Agosto de 2015, A…, com o NIF…, residente na Rua…, n.º…, …, Porto, veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – doravante, “RJAT”), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção do Tribunal Singular, com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa nº …2014…- IRS 2010 e da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) com o n.º 2014…, de 17.06.2014, e das correspondentes demonstrações de liquidação de juros e de acerto de contas, no montante de € 16.246,23 (dezasseis mil, duzentos e quarenta e seis euros e vinte e três cêntimos).

2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 17 de Novembro de 2015.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 16 de Dezembro de 2015, a sua Resposta e o processo administrativo (PA).

5. Proferido despacho arbitral para pronúncia sobre dispensabilidade da reunião do artigo 18º do RJAT o Requerente pronunciou-se, em 15 de Fevereiro de 2016, no sentido da indispensabilidade de inquirição das suas testemunhas.

6. Em 30 de Março realizou-se a inquirição de testemunhas e o tribunal fixou o prazo para apresentação de alegações, escritas sucessivas (que vieram a ser apresentadas em 14 e 26 de Abril de 2016, respectivamente), e marcou a data da decisão para 17 de Maio de 2016. 

 

7. O Pedido de Pronúncia

O Requerente sustenta, em síntese:

-          Em 2010, o Requerente vivia em união de facto com a actual mulher, B…, tendo em 2011 apresentado a declaração mod. 3 do IRS indicando como estado civil a situação de união de facto.

-          Notificado pela AT de existência de incorrecção e para entregar declaração de substituição indicando o estado de solteiro, respondeu explicando a sua situação e relação com B… .

-          Informou que pertencia desde o ano de 2000 ao Conselho de Administração da C…, S.A., sediada à data no concelho do…, em Viseu, e que tinha residência em Viseu, vivendo, desde 2006, em comunhão de mesa, leito e habitação com B… .

-          Em 2008, adquirira um imóvel situado na Rua … no Porto, tendo alterado o seu domicílio fiscal para aquela morada mas mantendo em Viseu a sua relação “análoga à dos cônjuges” com B…, continuando a co- habitar o imóvel sito na…, Lote…, …, conforme recibos de arrendamento (documento n.º 10) e mantendo a B… o seu domicílio fiscal em Viseu.

-          Em 2009, o Requerente foi viver para Marselha, em França, por motivos profissionais, sendo acompanhado por B… - registada com a mesma morada em documento emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Marselha - tendo sido celebrado entre ambos, em 28 de Julho de 2009, no Tribunal d’Instance de Marseille um “Pacte Civil de Solidarité”.

-          Em 2010 regressaram a Portugal e continuaram a viver juntos, tendo ido ambos viver para o imóvel sito no Porto e, em 19 de Novembro de 2011, o Requerente e B… contraíram matrimónio (tendo-lhes mais tarde nascido dois filhos, em 12 de Abril de 2012 e 09 de Julho de 2013).

-          Os argumentos expostos, no sentido da existência de uma união de facto, foram rejeitados pela AT, pelo que, em 5 de Junho de 2012, o Requerente entregou uma outra declaração de IRS indicando estado civil de solteiro que deu origem a uma liquidação em 4.7.2012, de que apresentou pedido de revisão em 28.11.2013, de cujo projecto de indeferimento foi notificado em 2 de Outubro de 2014, mas de que desistiu porque entretanto, em 16 de Maio de 2014, apresentara nova declaração com anexo J - rendimentos obtidos no estrangeiro - que deu origem à liquidação objecto do presente Pedido. 

-          Considera ser inequívoco que preenchia em 2010 os requisitos previstos para aplicação do regime de tributação em união de facto, por reunião dos requisitos exigidos nos dispositivos da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio (nº 2 do artigo 1º e alínea d) do artigo 3.º). 

-          O artigo 14.º do Código do IRS, na redacção à data em vigor, fazia depender a aplicação do regime da união de facto “(…) da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para a verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação”, acrescentando um requisito formal ao disposto na Lei n.º 7/2011, de 11 de Maio, e o n.º 1 do artigo 19.º da LGT considerava que o domicílio fiscal do sujeito passivo é, “(…) salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual (…)”, mas o n.º 9 do mesmo artigo prevê que “A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal ocorrer dos elementos ao seu dispor”, permitindo afastar a presunção que decorre do domicílio fiscal e que não pode ser considerada absoluta e insusceptível de prova em sentido contrário (Acórdão n.º 348/97 do Tribunal Constitucional; Ac. do TCAS de 07.04.2011, proc. n.º 04550/11)

-          Também o Provedor de Justiça defende “(…)a possibilidade de ser efetuada prova de que uma união de facto existe, ainda que os sujeitos que a compõem (ou apenas um deles) não tenham, oportunamente, comunicado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a alteração do respetivo domicílio fiscal (…) (”Recomendação n.º 13/A/2013).

-          In casu, a AT deverá atender à factualidade demonstrada pelo que, efectuada a prova e ilidida (nos termos do artigo 74º da LGT) a sobredita presunção que decorre do domicílio fiscal, terá que concluir-se que o Requerente logrou demonstrar o preenchimento dos requisitos atinentes à união de facto.

-          A independência entre o domicílio fiscal e a habitação de facto tem sido posição adoptada pela jurisprudência arbitral (Processos n.º 67/2012-T, de 28.11.2012, negando presunção júris et de jure Processo n.º 103/2013-T), devendo ver-se também Acórdão do STA de 23.11.2011, processo n.º 0590/11.

-          Cabia à AT efectuar diligências para apuramento da realidade, sob pena de violar o princípio do inquisitório e da verdade material (artigos 4.º, 56.º e 87.º do CPA, 55.º e 58.º da LGT e 266.º, n.º 1, da CRP.

-          Tenha-se também em conta a jurisprudência que permite aceitar a tese de que “para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS, verifica-se a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos quando estes tenham a mesma residência habitual [provada], independentemente do cumprimento da comunicação prevista do n.º 3 do art. 19.º da LGT” (cf. Acórdãos do TCAS de 03.05.2015, in proc. n.º 05655/12, e de 19.02.2015, in proc. n.º 08313/14, assim como Decisão CAAD 103/2013-T, de 25.11.2013).

-          Demonstrada a reunião de requisitos atinentes à verificação da união de facto, deverá ser apreciada a legalidade da liquidação de IRS relativa ao período de tributação de 2010 e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, declarando-se a respectiva ilegalidade, com reembolso do montante pago indevidamente, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, conforme disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 43.º da LGT.

 

8. A Resposta

A Requerida responde, em síntese:

-          Não assiste razão quanto à impugnação do despacho que, em 28 de Maio de 2015, manteve o acto de liquidação de IRS nº 2014…, referente a 2010, indeferiu a reclamação graciosa apresentada em 10 de Dezembro de 2014, em que Requerente alegava que vivia com B…, em comunhão de mesa, leito e habitação, em condições análogas à dos cônjuges, há pelo menos 8 anos, isto é, desde 2006.

-          É que, como resulta da factualidade exposta, o R. e B… apenas tiveram domicílio fiscal coincidente, no que releva para efeitos do IRS de 2010, no período compreendido entre Março de 2007 e Julho de 2008, logo numa situação de facto que não se enquadra na previsão do nº 2 do art. 14º do CIRS.

-          A AT não tinha ao seu dispor quaisquer elementos que lhe permitissem inferir que o Requerente aquando da declaração de IRS/Modelo 3, relativa ao ano de 2010, vivia em união de facto há mais de dois anos com B…, não se justificando a invocação do regime de prova constante do art. 74º da LGT, pois a administração tributária fundou a sua decisão nos elementos fornecidos pelo R. (e por B…), sendo ao primeiro que cabia provar que efectivamente vivia em união de facto há mais de dois anos com B… .

-          O Requerente não logrou fazer essa prova porque alterou o seu domicílio fiscal em Julho de 2008 para a Rua…, declarando, para efeitos do benefício da isenção de IMI, ser esta a sua habitação própria e permanente, enquanto B…, com quem alegadamente vivia em união de facto, não procedeu à alteração do seu domicílio fiscal.

-          É indispensável a identidade do domicílio fiscal para preenchimento dos pressupostos da união de facto sendo “obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária" e "ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária" (n°s 3 e 4 do mesmo inciso legal). “Sendo assim, entende-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não é aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos» (cf. Ac. do TCAS, de 22/1/2015, Procº 6655/13).

-          Mas mesmo que se entendesse que, para os efeitos em causa, a alteração do domicílio fiscal, perante a AT, poderia ser demonstrada por outros meios probatórios, o R. não demonstrou de forma inequívoca, que, no período relevante, para efeitos do IRS de 2010, vivia em união de facto com B… porque o documento emitido pela Junta de Freguesia de…, de 12/3/2010, não está acompanhado da declaração de ambos os membros da união de facto sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles (Lei nº 7/2001, art. 2º A), e é contraditória com outros dados, ao dizer que vivia, desde um período anterior a 12/3/2008 (“há mais de dois anos”), na Rua…, com A…, em condições análogas às dos cônjuges, quando apresentou recibos de arrendamento de um imóvel sido na…, …, Viseu, onde alegadamente terá residido durante ano de 2007 e até Dezembro de 2008 com B… (alegadamente também, em condições análogas às dos cônjuges).

-          Também o Certificado de inscrição consular não tem a virtualidade de demonstrar o pretendido pelo R., porque tanto no cadastro fiscal do R., como no de B…, não constam como “não residentes” (mas antes como “residentes” com domicílios fiscais distintos) e o “ enregistrement de la déclaration conjointe de pacte desolidarité” não está traduzido e constitui apenas uma declaração de registo de um acordo, cujos termos se desconhecem, não tendo qualquer efeito jurídico na ordem jurídica nacional e não conseguindo demonstrar que o R. e B…, para efeitos da declaração de IRS/Modelo 3, no tocante ao ano de 2010, viviam em união de facto há mais de dois anos.

-          Face ao exposto, nenhum vício pode ser imputado à liquidação em crise nem ao acto que recaiu sobre a respectiva reclamação graciosa, que fez uma correcta aplicação da lei aos factos, assim como não há fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios.

 

9. Objecto do pedido

A apreciação do presente Pedido implica saber se o Requerente poderia na declaração modelo 3 de IRS referente a 2010 ter indicado como estado civil “unidos de facto” e ser tributado em sede desse imposto pelo regime aplicável aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, de acordo com o disposto no artigo 14º do CIRS, apesar de, nesse ano e nos dois anos anteriores, ele e a pessoa como quem invoca ter vivido em condições análogas às dos cônjuges, não se encontrarem, por incumprimento da obrigação prevista do artigo 19º, nº 2, da LGT, registados no cadastro de contribuintes da Administração Tributária com o mesmo domicílio fiscal.

 

10. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

 

11. Factos provados

11.1. Em 2000 A… (Requerente) passou a integrar o Conselho de Administração da “C…, S.A.”, sediada no concelho do…, concelho de Viseu, onde desenvolvia a sua actividade profissional (documento n.º 6 junto com a P.I. e prova testemunhal).

11.2. Em 2006, o Requerente e B… passaram a viver juntos em Viseu, partilhando casa onde dormiam, faziam as suas refeições e recebiam amigos (prova testemunhal).

11.3. Nos anos de 2006, 2007 e 2008 B… tinha o seu domicílio fiscal na R…., …, Lt … Ft. …-… Viseu (doc. n.º 7, 8 junto com o Pedido e pp. 3 a 5 do projecto de despacho, enviado em 30.9.2014, pela Direcção de Serviços do IRS, referente ao Pedido de revisão oficiosa, in PA).

11.4. O Requerente teve em 2007 e parte de 2008 domicílio fiscal na R…., …, Lt … …Ft …-… Viseu (Doc. nº 6, 8 e 15 e PA, projecto despacho revisão oficiosa, p. 6).

11.5. Em 25 de Julho de 2008, o Requerente procedeu à alteração do seu domicílio fiscal para Rua…, nº … …, …-…, correspondente a prédio que então adquiriu e para o qual pediu isenção de IMI ao abrigo do artigo 46º, nº 1, do EBF, invocando tratar-se de prédio destinado a habitação própria e permanente (Doc. nº 6 e 8 – certidão – e PA, projecto despacho revisão oficiosa, p. 6, PA4, fls. 169 e ss).

11.6. O apartamento sito na …, …, … Ft …-… Viseu foi objecto, durante os anos de 2007 e 2008, de um contrato de arrendamento entre a sociedade C…, S.A e D…(cf. documentos n.º 9 e 10, juntos com o Pedido).

11.7. Em 2008, mesmo após aquisição do prédio no Porto, o Requerente continuou a sua actividade profissional em Viseu e a habitar nesta cidade, com B… (docs. 6, 10 e prova testemunhal).

11.8. Em 2009, A… foi viver e trabalhar para Marselha, em França, sendo acompanhado por B… (doc. nº 12 e prova testemunhal).

11.9. Em 6 de Fevereiro de 2009, o Consulado Geral de Portugal em Marselha emitiu o certificado de inscrição consular nº … válido por cinco anos em nome de B… com residência em…, …, …, …, …, Marseille (documento n.º 12 junto com a P.I.).

11.10. Em 28.07.2009 o Requerente e B… celebraram um “Pacte civil de solidarité”, no Tribunal d’Instance de Marseille (Doc. nº 11 junto com o Pedido).

11.11. Em 12 de Março de 2010, a Junta de freguesia de … emitiu um documento atestando que B…, segundo declarações da própria, residia na Rua…, …, …há mais de dois anos (Documento nº 13 junto com o Pedido).

11.12. Em 4 de Julho de 2011, B… alterou o seu domicílio fiscal em Portugal para R…, nº … B, …-… Porto (projecto de despacho referente ao Pedido de revisão oficiosa, p. 6, in PA).

11.13. Em 19 de Dezembro de 2011 o Requerente e B… casaram em…, Carregal do Sal (documento n.º 14 junto com a P.I.) vindo a nascer ao casal dois filhos, em 12 de Abril de 2012 e 9 de Julho de 2013 (art. 42º Pedido e prova testemunhal).

11.14. Em 05 de Abril de 2011, o Requerente e B…, conjuntamente, submeteram uma declaração de rendimentos/modelo 3 referente a 2010, em que assinalaram viverem em união de facto (arts. 4º e 5º do Pedido e PA).

11.15. Em 26 de Dezembro de 2011, o Requerente foi notificado do despacho para o exercício do direito de audição, do qual constava o seguinte: Devendo, de igual modo, “(…) entregar declaração de substituição sozinho, sem o SP B, alterando o estado civil para ´Solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente’, em virtude de não reunir as condições para entregar como ‘Unido de facto’, a SP B deve realizar o mesmo procedimento” (cf. documento n.º 4 junto com a P.I.) .

11.16. Em 24 de Janeiro de 2012, o Requerente exerceu o direito de audição prévia argumentando no sentido da aplicação do regime da união de facto relativamente ao exercício de 2010 (documento n.º 5 junto com a P.I.).

11.17. Face à rejeição dos argumentos invocados em audição (despacho de 08.02.2012 notificado, em 13.02.2012), o Requerente submeteu, em 05.06.2012, nova Declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, juntando-se os Anexos A e H, e indicando o estado civil de solteiro, no Quadro 6.

11.18. A declaração referida no número anterior originou a liquidação n.º 2012…, de 04.07.2012, com imposto a reembolsar no montante de € 71,72, (documento n.º 15 junto com a P.I.), a que o Requerente reagiu apresentando, em 28.11.2013, um pedido de revisão do ato tributário da liquidação de IRS n.º 2012…, onde continuou a sustentar a existência de união de facto (documento n.º 16 junto com a P.I.).

11.19. Em 16 de Maio de 2014, o Requerente apresentou uma declaração de substituição (Modelo 3 de IRS) referente ao exercício de 2010, procedendo à entrega adicional do Anexo J – rendimentos obtidos no estrangeiro - e indicando o estado civil de solteiro, no Quadro 6. (art. 50.º do Pedido, art. 11º da Resposta e PA4, pp. 166 a 168).

11.20. Em 16 de Outubro de 2014 o Requerente, notificado do projecto de indeferimento do pedido de revisão referido em 11.18., respondeu que, face à entrega da declaração de substituição referida no número anterior, o processo de revisão deveria ser extinto (art. 54º do Pedido e documento n.º 17 junto com a P.I., PA2, p. 83).

11.21. A declaração de rendimentos apresentada em 16 de maio de 2014 veio a originar a liquidação n.º 2014…, de 17 de Junho de 2014, na qual se apurou imposto a pagar no montante de € 14.476,80, acrescido de juros compensatórios no valor de € 1.769,43, num total de € 16.246,23 (documento n.º 1 junto com a P.I.).

11.22. Por discordar da legalidade da liquidação referida no número anterior, por nela ter declarado o estado civil “solteiro” e não “Unidos de facto” com B…, o Requerente apresentou, em 10 de Dezembro de 2014, reclamação graciosa, a que veio a ser atribuído o n.º …2014… – IRS/2010 (12/2015) (documento n.º 2 junto com a P.I. e PA1, p. 2 e ss).

11.23. Sobre a reclamação graciosa referida no número anterior foi elaborado projecto de decisão, notificado para audição prévia por ofício nº … da Direcção de Finanças do …, em 10 de Abril de 2014, que, na ausência de resposta, foi convertido, em 28 de Maio de 2015, em despacho final de indeferimento, notificado por ofício nº…, recebido em 03 de Junho de 2015 (documentos n.º 3 e 4 juntos com o Pedido e PA4, fls 171 a 178).

11.24. Em 31 de Agosto de 2015 foi apresentado no CAAD o presente Pedido de pronúncia arbitral.

 

12. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

13. Fundamentação dos factos provados e não provados

A fixação da factualidade teve por base as peças juntas pela Requerente (Pedido de pronúncia arbitral, documentos juntos com o Pedido, alegações) e Requerida (Resposta, Processo administrativo junto aos autos, alegações) assim como os depoimentos, com coerência interna e global, prestados pelas testemunhas apresentadas pelo Requerente que revelaram conhecimento concreto e pessoal dos factos sobre que foram ouvidos.

 Os factos provados mostram-se suficientes para decisão do processo.

 

14. Aplicação do direito

14.1. Os factos a enquadrar juridicamente

Da factualidade fixada conclui-se não ser controvertido que o Requerente e B…:

- Entre Março de 2007 e Julho de 2008, tiveram domicílio fiscal em Viseu, numa mesma morada que corresponde ao apartamento objecto de contrato de arrendamento em que figura como arrendatária a empresa a cuja administração pertencia o Requerente; 

- A partir de Julho de 2011, voltaram a ter um domicílio fiscal comum, no Porto, em casa adquirida em Julho de 2008 pelo Requerente;

- Casaram um com o outro em Dezembro de 2011.

 

Apesar da falta de consenso sobre os factos ou seus efeitos, o tribunal considera que com base na factualidade fixada, se conclui que:

- O Requerente e B… viveram na mesma casa em Viseu nos anos de 2007 e 2008, sendo que em 2008, apesar de o Requerente ter, em Julho, adquirido no Porto um imóvel destinado a habitação própria e permanente, manteve- se a trabalhar na área de Viseu, e, de acordo com a convicção adquirida pela conjugação de toda a prova produzida, manteve, igualmente, de facto a sua habitação habitual em Viseu;

- O Requerente e B… viveram juntos em França durante 2009, tendo outorgado em Agosto desse ano, em Marselha, um Pacto que, face à lei francesa, é um acordo com efeitos em grande parte idênticos aos que derivam do casamento;

- A junta de freguesia de…, no Porto, passou em Março de 2010 (data distante ainda da apresentação da declaração de IRS) um atestado no sentido de que B… residia então na Rua…, no Porto.

 

Admite-se que existiram várias contradições na argumentação do Requerente ao longo do processo administrativo: o documento da junta de freguesia de … atesta que B… dizia, em Março de 2010, residir na freguesia há mais de dois anos, o que, sem explicação complementar, parece pouco conciliável com a residência em Viseu em 2008 e em França em 2009 (admitindo-se, contudo, que a justificação seja, pelo menos em parte, o facto de o Requerente ter ido trabalhar apenas temporariamente para França, e por isso não alterarem ambos o seu estatuto de residentes em Portugal). Mas atendendo a toda a prova produzida – documental e testemunhal – o tribunal criou a convicção de que o Requerente e B… têm vivido em condições idênticas aos cônjuges desde, pelo menos, 2007.

 

Tendo, porém, o Requerente adquirido, em meados de 2008 um prédio destinado a habitação própria e permanente no Porto, e alterado o seu domicílio fiscal para essa morada, enquanto a companheira manteve o domicílio fiscal em Viseu, coloca-se a questão de saber se a falta de coincidência de domicílio fiscal no ano de 2010 e nos dois anos anteriores impede a sua tributação conjunta no ano de 2010.

 

14.2. O regime legal em causa – dúvidas de interpretação

Estando em causa a liquidação de IRS, cujo facto tributário é complexo e de formação sucessiva, referente a 2010, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificava no último dia do ano a que o imposto respeita (nº 7 do artigo 13º do CIRS).

 

À data, o artigo 14.º do CIRS, sob a epígrafe “Uniões de facto”, dispunha: « 1- As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens. 2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos. 3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias».

 

União de facto, é segundo a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, a situação de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos” (nº 2 do artigo 1º). A Lei previa que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na dita lei têm direito à aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (alínea d) do art.3.º), estabelecendo que “Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível” (artigo 2.º-A).

 

Confrontando as normas dos dois diplomas, verifica-se que a opção pelos contribuintes em união de facto, por um regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, para além da assinatura por ambos da respectiva declaração de rendimentos, pressupunha a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação (n.º 2 do art. 14.º do CIRS).

 

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art. 19.º, n.º 1 da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é, no caso das pessoas singulares, salvo disposição em contrário, o local da residência habitual. Na redacção vigente em 2010, o artigo 19º dispunha ainda que “É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária” (nº 2), sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária” (nº 3). No nº 6 previa: “ A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”.

 

A partir de certa altura[1] surgiram diferendos entre contribuintes e administração tributária acerca da interpretação conjugada destas normas, vindo a verificar-se a existência de duas correntes de interpretação jurisprudencial: uma faz “depender a aplicação do regime de união de facto em sede de incidência pessoal de IRS da identidade de domicílio fiscal – art. 14º n.º 2 CIRS”, considerando que “para o preenchimento dos pressupostos da união de facto constante da Lei 7/2001 de 11/5, a identidade de domicílio fiscal é determinante”, enquanto a outra entende que “por referência ao previsto nos artigos 13º e 14º do CIRS“ (…) a lei não impõe como condição o domicílio fiscal dos Impugnantes mas o da residência do agregado familiar”, e esta verifica-se quando os contribuintes “apesar de terem domicílios fiscais diferentes, não cessaram a coabitação”[2].

 

14.3. Ponderação dos argumentos em presença 

Tomemos como paradigmáticas das teses em presença, duas decisões proferidas sobre a matéria pelo TCAS, o Acórdão de 22 de Janeiro de 2015 in proc. 6655/13 (Desembargadora Bárbara Tavares Teles) e o Acórdão de 5 de Março de 2015, no proc. 5655/12 (Relatora Desembargadora Cristina Flora).

 

No primeiro caso[3] (Processo 6655/13), o TCAS considerou que «a lei faz depender a aplicação do regime da união de facto em sede de incidência pessoal de IRS da identidade do domicílio fiscal – art. 14º nº 2 CIRS, ao contrário do que vem dito na sentença da 1ª Instância. O conceito usado pelo legislador na norma de incidência pessoal de IRS supra referida é o de domicílio fiscal e não qualquer outro como residência do agregado familiar, morada habitual, paradeiro ou outro. Apesar do conceito de agregado familiar que vem consagrado no art. 13º do citado código, a verdade é que para o preenchimento dos pressupostos da união de facto constante da respectiva Lei 7/2001 de 11/05, a identidade do domicílio fiscal é determinante. Essa identidade não se verifica no caso em concreto, nos anos em causa e pelo período exigido de dois anos na lei, uma vez que nos autos tal não resulta provado, salvo a partir de 14/03/2006. Sendo assim, é manifestamente insuficiente para provar que, nos anos abrangidos pelos actos de liquidação impugnados os Recorridos tenham vivido em união de facto há mais de dois anos com identidade de domicílio fiscal. A este propósito a lei estabelece que é "obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária"" "ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária" (n°s 3 e 4 do mesmo inciso legal). Sendo assim, entende-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não é aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos». Ora, o Recorrido não comunicou a alteração do domicílio fiscal para Braga, juntamente com a Recorrida, apesar de ter sido alegadamente por seus motivos profissionais tal aconteceu, e a Recorrida apenas voltou a comunicar a alteração do domicílio fiscal para Sines em 2006, tornando assim ineficazes a alegadas mudanças de residência em comum. Durante esses períodos não lograram provar a união de facto por dois anos consecutivos.».

 

No segundo caso (05655/12)[4], o TCAS considerou[5]:

«O conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º, n.º 1 da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual. É a residência habitual que integra o conceito de domicílio fiscal. Deste modo, verificando-se a residência habitual do sujeito passivo, pessoa singular, num determinado local, então, esse é o seu domicílio fiscal, independentemente da sua comunicação à AT. Ou seja, a previsão legal não faz depender o conceito de domicílio fiscal de qualquer comunicação, mas tão-somente da “residência habitual”. A obrigatoriedade da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária apenas vem prevista, autonomamente, no n.º 3 daquele preceito legal, sendo que no n.º 4 estabelece-se que é ineficaz a sua mudança enquanto não for comunicada à administração tributária. Ora, trata-se tão-somente de uma questão da eficácia da mudança de domicílio, da sua produção de efeitos perante a AT, que não afecta a substânciae nem sequer integra, o conceito legal de domicílio fiscal previsto no n.º 1 do art. 19.º da LGT. Dito de outro modo, o domicílio fiscal de um determinado sujeito passivo pessoa singular que é o local da sua residência habitual, não deixa de o ser por não ter sido comunicado à AT. Por conseguinte, para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS, verifica-se a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos quando estes tenham a mesma residência habitual [provada], independentemente do cumprimento da comunicação prevista do n.º 3 do art. 19.º da LGT. A ausência daquela comunicação relevará, in casu, para efeitos de prova do domicílio fiscal, que caberá aos sujeitos passivos, face a ineficácia da mudança de domicílio que resulta do disposto do n.º 4 do art. 19.º da LGT. Com efeito, o incumprimento da comunicação prevista no n.º 3 do art. 19.º poderá ter como consequência jurídica a exigência da prova da identidade de domicílio [residência habitual] por parte da AT, pois nos termos do n.º 4 o incumprimento daquela obrigação conduz à ineficácia da mudança de domicílio. Porém, uma vez feita a prova da identidade do domicílio fiscal, como aquela exigência legal não é constitutiva do direito dos Impugnantes, então há que concluir que o incumprimento daquela comunicação não a obsta que os Impugnantes optem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens previsto no n.º 1 do art. 14.º do CIRS (nesse sentido, vide, o recente Ac. do TCA Sul de 19/02/2015, proc. n.º 08313). Em suma, vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual [prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento obrigação de comunicação prevista no n.º 3 do art. 19.º da LGT] verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto n.º 2 do art. 14.º do CIRS. In casu, pese embora apenas em 26/11/2008 tenha sido comunicada à AT a alteração do domicílio fiscal do Impugnante, resulta provado através do depoimento das testemunhas exarado na fundamentação da sentença (que de resto não vem colocado em causa pela Fazenda Pública nas conclusões de recurso), que ambos os Impugnantes viviam na mesma casa há mais de 2 anos, em condições análogas aos cônjuges, pelo que, verifica-se a identidade de domicílio fiscal para efeitos do n.º 2 do art. 14.º do CIRS, e deste modo, o recurso da Fazenda Pública não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.» (sublinhados nossos).

 

Analisando a evolução dos institutos e normas em causa[6], assim como os argumentos expendidos na jurisprudência e ainda a argumentação do Provedor da Justiça em duas Recomendações (nº 1/A/2013 e 13/A/2013) sobre a matéria, concluímos, na linha da interpretação acolhida pelos Acórdãos proferidos pelo TCAS nos processos nºs 05655/12 e 08313[7]:

-          A lei portuguesa consagra o regime da união de facto – situação em que duas pessoas vivem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos - sem exigir a realização de nenhuma formalidade especial (contrato escrito ou registo) e admitindo, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, qualquer tipo de prova (nº 1 do artigo 2º-A da Lei nº 7/2011, de 11/05, com redacção da Lei nº 23/2010, de 30/08).

-          O artigo 14.º do Código do IRS ao fazer depender a opção dos sujeitos em situação de união de facto pelo regime de tributação aplicável aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, da identidade de domicílio fiscal comum, coloca a questão de saber até que ponto tal exigência significa que a falta do domicílio fiscal comum impede a prova de que as pessoas em causa vivem “em condições análogas às dos cônjuges”.

-          A não alteração pelos contribuintes do seu domicílio fiscal é susceptível de punição, como infracção fiscal, por falta de apresentação ou apresentação fora do prazo legal das declarações ou fichas do NIF das pessoas singulares assim como as inexactidões ou omissões nelas praticadas (n.º 4 do artigo 117.º e n.º 4 do artigo 119.º, ambos do RGIT, respectivamente).

-          Sendo justificadas as exigências em matéria tributária relacionadas com a necessidade de evitar abuso ou evasão fiscal, designadamente a obrigação de comunicação do domicílio fiscal (artigos 19º, nº 2 da LGT e 43º do CPPT), há que avaliar, tendo em conta designadamente o disposto no artigo 19º, nº 3 da LGT, se o incumprimento atempado de tal obrigação impede a utilização de direitos cuja titularidade dependa do referido domicílio fiscal, e em que medida se pode atribuir a esse registo comum de domicílio fiscal uma formalidade ad substantiam.

-          Face à evolução do conceito de família, com reconhecimento da família constituída através da união de facto (artigos 36.º, n.º 1 e 67.º da CRP) e seu reflexo nas normas do Código do IRS, deve esta realidade merecer, quanto à capacidade contributiva, idêntico tratamento ao possibilitado, através do sistema de tributação conjunta dos rendimentos de todos os membros do agregado familiar e pela consagração do “quociente conjugal” (artigo 69.º, do Código do IRS), especialmente favorável aos agregados familiares em que apenas um dos membros a quem incumbe a sua direcção obtém a totalidade ou a maior parte do rendimento.  

-          Contendo o nº 2 do artigo 14.º do Código do IRS (norma de incidência pessoal), a presunção de que, não tendo os sujeitos passivos o domicílio fiscal comum pelo período ali mencionado, não podem ser considerados como unidos de facto, para efeitos de aplicação de um regime de tributação - que lhes pode ser mais vantajoso e pelo qual podem optar, na declaração de rendimentos - deve entender-se que se trata de uma presunção ilidível (art. 73º da LGT).

-          Assim, poderão os contribuintes ilidir a presunção que tenha sido aplicada à sua situação concreta, através de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou arbitral, fazendo prova da coabitação dos unidos de facto durante mais de dois anos, por outros meios que não apenas pela identidade de domicílio fiscal, porque embora o domicílio fiscal comum possa prefigurar meio de prova qualificada, esta não se configura no caso como exclusiva.[8]

 

14.4. Conclusão sobre a situação dos autos

14.4.1. Quanto à legalidade do acto de liquidação do imposto

Tendo o presente tribunal considerado que, apesar de não coincidência de domicílio fiscal do Requerente e de B… durante todo o período correspondente ao ano de 2010 e aos dois anos anteriores, foi feita prova nos autos de que, durante o referido período, tinha havido coabitação de ambos em condições idênticas às dos cônjuges, decide-se, com a fundamentação acima exposta, declarar a ilegalidade da liquidação de IRS objecto dos autos, referente ao ano fiscal de 2010. 

 

14.4.2. Quanto ao despacho que indeferiu a respectiva reclamação graciosa 

Quanto à anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pedida também pelo Requerente, será um efeito da anulação do próprio acto tributário de liquidação, que constitui o objecto real do Pedido de pronúncia[9]

 

Porém, a apreciação da forma como a administração decidiu a reclamação graciosa adquire relevância com vista à avaliação da culpa da administração no prejuízo com o pagamento do imposto (juros indemnizatórios). Analisando, brevemente, os termos da reclamação graciosa que correu com o nº …2014…, e que foi indeferida, por despacho de 28-05-2015, verifica-se que o Reclamante defendia que, com base nos documentos por si apresentados, a AT deveria considerar demonstrado o preenchimento dos requisitos atinentes à união de facto, com destruição da presunção derivada da conjugação dos artigos 14º, nº 2 do CIRS e 19º da LGT, e inversão do ónus da prova (art. 74º da LGT). Invocava que o princípio do inquisitório obrigava a AT a conhecer oficiosamente dos requisitos para a união de facto, alegando que a descoberta da verdade material deve ser prosseguida sem estar subordinada à iniciativa do autor do pedido, quer dizer proceder às diligências (…) convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir sobre coisa diferente ou mais ampla que a pedida, quando o interesse público assim o exigir”(artigos 56º e 67º do CPA). Concluía que a AT, ao não aceitar a submissão de uma única Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS pelo casal, e indeferir todos os pedidos do Reclamante, incorria na violação dos artigos 4.º, 56.º e 87.º do CPA, artigo 58.º da LGT e artigo 266.º, n.º 1 da CRP.

 

Ora, os contribuintes, ao não terem mantido durante os anos relevantes para aplicação do IRS referente a 2010, ou seja, 2008, 2009 e 2010, identidade de domicílio fiscal, tinham, para ilidir a presunção contida no nº 2 do artigo 14º do CIRS, que apresentar provas suficientes, claras e não contraditórias, de que tinha havido durante o período em questão, coabitação de ambos, de forma idêntica à dos cônjuges. Acontece, porém, que, face a dúvidas, insuficiências e contradições de documentos juntos e elementos constantes de registos da AT, se considera justificado que a prova efectuada em sede de processo administrativo não se tenha mostrado suficiente para destruir a presunção derivada da conjugação dos artigos 14º, nº 2 do CIRS e 19º da LGT, conduzindo à inversão do ónus da prova. Nem é curial considerar exigível à administração que, por iniciativa própria, tivesse que desenvolver todas as diligências necessárias a provar a verdade material sobre a invocada coabitação em condições análogas às dos cônjuges do Requerente com B… .

 

14.4.3. Quanto aos juros indemnizatórios

A Requerente solicita o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artigo 43º da LGT.

 

O nº 1 do artigo 43º da LGT prevê que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e o nº 2 acrescenta que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com ao legalmente devido" e o nº 2 acrescenta que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

 

Como entendemos que o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral (n.º 5 do art. 24.º do RJAT), resta saber se houve ou não erro imputável aos serviços.

 

Na presente decisão, o tribunal decidiu pela ilegalidade da liquidação por discordar da interpretação da administração acolhida nas referidas instruções de Julho de 2008, que terão condicionado a declaração modelo 3 de IRS efectuada pelo Requerente, em 2014, contra vontade própria, onde declarou o estado de solteiro em vez de “união de facto” e que fundamenta a liquidação objecto do presente Pedido de pronúncia arbitral.

Mas a aplicação da lei depende não apenas da interpretação das normas aplicáveis como da interpretação da factualidade.

 

Os contribuintes, ao não terem mantido durante os anos relevantes para aplicação do IRS referente a 2010, ou seja, 2008, 2009 e 2010, identidade de domicílio fiscal, tinham, para ilidir a presunção contida no nº 2 do artigo 14º do CIRS, que apresentar provas suficientes, claras e não contraditórias, de que tinha havido durante o período em questão, coabitação de ambos, de forma idêntica à dos cônjuges.

 

Como já referido existiram contradições e situações pouco esclarecidas e que poderiam até levantar dúvidas relativamente a outras situações tributárias. Foi na apreciação da prova produzida nos autos, que o presente tribunal adquiriu, com ajuda da prova testemunhal, a convicção, de que os contribuintes tinham vivido, efectivamente, em condições idênticas às dos cônjuges, com residência habitual comum, no ano de 2010 e nos dois anos anteriores.

 

Assim, e na sequência do já acima referido, o tribunal considera que a imprecisão de alguns documentos e declarações do Requerente assim como respectivo confronto com elementos em poder da administração, justificam que não se possa imputar a liquidação apenas a uma errada interpretação do direito aplicável sustentada pela Requerida[10], impedindo um juízo de culpa que fundamente uma compensação através de pagamento de juros indemnizatórios.. Pelo que se decide não serem estes devidos.

 

15. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS (imposto e juros compensatórios), datado de 17-06-2014, relativo ao ano de 2010, com o n.º 2014…, com demais efeitos legais designadamente a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa. 

b)      Considerar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

c)      Condenar a Requerida em custas.

 

16. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o € 16.246,23 (dezasseis mil, duzentos e quarenta e seis euros e vinte e três cêntimos).

 

17.Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224.00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

Lisboa, 17 de Maio de 2016.

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1] Segundo análise do Senhor Provedor de Justiça (in Recomendação nº1/A/2013), muitos contribuintes que viviam em união de facto, não tiveram durante anos problemas com a aplicação do artigo 14º do CIRS (aditado ao CIRS pela Lei n.º 30-G/2000, de 29/12, como artigo 14.º- A), tendo os problemas surgido com as instruções da Direcção de Serviços do IRS, de 14/07/2008, que determinavam, que pela conjugação do artigo 14.º do CIRS e da Lei n.º 7/2001, de 11/5, a aplicação às uniões de facto do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens aos unidos de facto dependia da verificação cumulativa de condições objectivas e concretamente estipuladas na lei, que eram a identidade de domicílio fiscal há mais de dois anos e durante o período de tributação e a assinatura, por ambos, na respectiva declaração de rendimentos. Este esclarecimento quanto à interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 14.º do CIRS terá pretendido evitar situações de abuso diagnosticadas no exercício daquela opção por contribuintes que não preenchiam os requisitos legais da união de facto (cf. Recomendação do Provedor de Justiça nº13/A/2013).

[2] Cf. síntese efectuada pelo MP acerca da oposição de decisões no recurso 0761/15, STA (acórdão de 16-12-2015). Este Acórdão – que admitiu recurso excepcional de revista ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA – reconheceu a existência da invocada oposição, expondo-a da seguinte forma: «Em suma, a questão que os Recorrentes pretendem dirimir com esta revista é a de saber se, na ausência de comunicação à administração tributária de idêntico domicílio fiscal, as pessoas que vivem em união de facto podem, ainda assim, beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (previsto no art. 14º do CIRS) caso façam prova, como fizeram nos autos, de que tiveram o mesmo local de residência habitual e comum durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação. Tal questão, embora nunca tenha sido colocada ao STA, foi já por diversas vezes suscitada perante o Tribunal Central Administrativo, não tendo aí obtido unanimidade de posições, como se pode ver pela leitura do acórdão recorrido (proferido em 22/01/2015, no proc. nº 06655/13) em confronto com a leitura dos acórdãos proferidos em 5/03/2015, no proc. nº 05655/12 (com um voto de vencido) e em 19/02/2015, no proc. nº 08313/14, ambos em sentido contrário, isto é, que sustentaram a posição de que “Provando-se que os dois contribuintes vivem há mais de vinte anos em condições análogas às dos cônjuges e na mesma casa, apesar de não terem comunicado a mudança de domicílio fiscal devem poder beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos casados»  e que se estribam, em síntese, na seguinte motivação jurídica: ”Para efeitos do disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS, verifica-se a identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos quando estes tenham a mesma residência habitual [provada], independentemente do cumprimento da comunicação prevista do n.º 3 do art. 19º da LGT. // A ausência daquela comunicação relevará para efeitos de prova do domicílio fiscal, que caberá aos sujeitos passivos, face a ineficácia da mudança de domicílio que resulta do disposto do nº 4 do art. 19º da LGT.// Vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual [prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento obrigação de comunicação prevista no nº 3 do art. 19º da LGT] verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto nº 2 do art. 14º do CIRS.”.

[3] Tratava-se de uma situação em que os serviços da Direcção de Finanças de Setúbal tinham, em 2008, levantado problemas relativamente a liquidações de IRS de dois contribuintes, em união de facto entre 2004 e 2007, porque os domicílios fiscais nesses anos, e nos dois anos anteriores, haviam sido diferentes – um em Braga outro em Sines. Os contribuintes invocavam que viviam maritalmente e em condições análogas às dos cônjuges desde Março de 2002 com domicilio fiscal no concelho de Sines mas que, por motivos profissionais, um deles tinha ido a certa altura viver para Braga e o outro seguiu-o mais tarde, onde ficaram dois anos, tendo depois ambos regressado a Sines.

 

[4] Estava em causa a liquidação de IRS referente a 2009 de dois contribuintes que haviam apresentado declaração no estado de situação de união de facto, mas que a AT identificara como não tendo o mesmo domicílio fiscal nos dois anos anteriores. Os contribuintes invocavam que viviam juntos desde 1995 e tinham um filho em comum, mas um deles tinha tido durante algum tempo domicílio fiscal numa loja onde trabalhava mas que não apresentaria condições de habitabilidade.

[5] O Acórdão foi aprovado com voto de vencido de um dos subscritores da decisão do proc. 6655/13, reafirmando: «Contrariamente ao entendimento que fez vencimento no presente acórdão, considero que o legislador, no artº.14, nº.2, do C.I.R.S., ao referir que o regime de tributação dos sujeitos passivos casados (cfr.nº.1 da norma) depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto (cf. dois anos - artº.1, nº.2, da Lei 7/2001, de 11/5), está utilizar o conceito de domicílio fiscal e não qualquer outro como residência do agregado familiar, morada habitual, paradeiro ou outro, Tendo o recorrido actualizado o domicílio fiscal somente em 26/11/2008, não se sabendo, sequer, qual esse domicílio em concreto, não podem os recorridos socorrer-se do regime previsto no citado artº.14, do C.I.R.S., relativamente ao ano de 2009.».

 

[6] Após a alteração da Lei 82-E/2014, de 31 de Dezembro, o artigo 14º, nº 2 do CIRS dispõe que “A existência de identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto, e durante o período de tributação, faz presumir a existência de união de facto quando esta seja invocada pelos sujeitos passivos”. O Ofício Circulado nº 20183 da AT, de 3 de Março de 2016, confirma que com a nova redacção é admitida a prova da união de facto e o período mínimo da mesma por dois anos, por qualquer meio legal admissível Apesar de insistência do mesmo ofício circulado em que esta interpretação só vale depois de 1 de Janeiro de 2015, por corresponder à entrada em vigor da nova redacção, cremos, pelas razões que expomos, não existirem razões para não se entender que já anteriormente a presunção poderia ser ilidida.

[7] Cf. sumário da decisão de 19 de Fevereiro de 2015, no processo 08313/14: «I – As pessoas que vivem em união de facto necessitam, para beneficiar do direito a serem tributadas segundo o regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens estabelecido no artigo 14.º do CIRS, de comprovar que essa união de facto perdura há, pelo menos, dois anos, que possuíram durante esse período de tempo o mesmo domicílio fiscal e apresentarem declaração de rendimentos assinada por ambos os sujeitos passivos unidos de facto. II – Sendo o domicílio fiscal das pessoas singulares, em regra, o local da residência habitual e, consequentemente, esta residência habitual o lugar determinado para o exercício de direitos e cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (art. 19.º, n.º 1, al. a), Lei Geral Tributária), é essa identidade que deve ser respeitada pelo sujeito passivo e é essa a identidade que deve ser respeitada pela Administração Fiscal, designadamente para apurar se estão ou não preenchidas as condições que a lei exige para que duas pessoas que vivem em união de facto beneficiem do regime consagrado no artigo 14.º n.º 1 do CIRS.III – Não sendo a comunicação da alteração de domicílio fiscal um elemento constitutivo do direito referido em I-, não pode a omissão dessa formalidade constituir fundamento para o não reconhecimento desse mesmo direito. IV – Tendo resultado provado que, quando os Impugnantes apresentaram as declarações conjuntas de rendimentos para efeitos de IRS, viviam há mais de vinte anos em condições análogas às dos cônjuges e que ao longo de todos esses anos ambos residiram na mesma casa, devem julgar-se verificados os requisitos plasmados no artigo 14.º n.ºs 1 e 2 do CIRS.»

 

[8] Parecem muito pertinentes as observações feitas pelo Provedor de Justiça na Recomendação 13/A/2013, depois de reconhecer como louvável a preocupação com a luta contra a fraude e evasão fiscal: «Acresce que esta prevalência da forma sobre a substância acaba, curiosamente, por abrir a porta às situações de fraude que pretende evitar. É que a declaração, para efeitos fiscais, de um mesmo domicílio fiscal ao longo de dois ou mais anos – que a AT erige em prova única e essencial da união de facto - não é, evidentemente, garantia da existência de uma verdadeira união de facto. Cidadãos que coabitem com meros objetivos de partilha de despesas, sem que vivam em condições análogas às dos cônjuges, não reúnem certamente os requisitos exigidos pela Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto e têm, aos olhos da AT, uma especial facilidade em «provar» uma «união de facto» inexistente. Comparativamente, os cidadãos que disponham de prova fortemente indiciadora da vivência em comum nos termos exigidos pela lei supra mencionada – escrituras de compra e venda de imóveis destinados à habitação das quais consta a morada comum de ambos, correspondência dirigida a cada um dos sujeitos passivos, para aquela mesma morada, muita dela referente a filhos comuns, para referir apenas dois exemplos - mas que não tenham oportunamente atualizado o seu domicílio fiscal, estão, pela AT, absoluta e definitivamente privados da possibilidade de fazer prova da sua união de facto.».

[9] Entendendo que “o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise (…)”(Acórdão do STA 18 de Maio de 2011, proc. n.º 0156/11). Também Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, pp. 120 e ss, e Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, pp. 242 e 269.

 

[10] Porque o pagamento de juros indemnizatórios não visaria compensar a Requerida pela interpretação acolhida, em abstracto, nas instruções da administração tributária de 2008, encontrando-se previsto para o caso de culpa no erro da liquidação em concreto. E a correcta liquidação, neste caso, pressuporia a clareza da situação de facto e a elisão da presunção baseada na (não) identidade de domicílio, o que consideramos ter sido apenas conseguido no julgamento dadas as dúvidas existentes (cf., p. ex., relação entre os factos provados, 11.5, 11.7 e 11.11).