Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 89/2015-T
Data da decisão: 2015-06-12  IUC  
Valor do pedido: € 1.573,03
Tema: IUC – Alienação; Presunções legais
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AS PARTES

 

Requerente:  A, NIPC …, com sede social em .., …

Requerida:    Autoridade Tributária e Aduaneira

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I -      Objecto do pedido e tramitação processual

 

Em 11 de Fevereiro de 2015, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo a declaração de ilegalidade das seguintes notas de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e respectivos juros compensatórios:

 

Período

Liquidação adicional (n.º)

Valor (€)

2009

2009 …

404,61

2010

2010 …

394,50

2011

2011 …

389,70

2012

2012 …

384,22

 

 

1.573,03

 

 

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico (n.º 1 do artigo 6.º do RJAT) foi designado como árbitro único o signatário. O tribunal arbitral singular foi constituído em 21 de Abril de 2015.

 

A Administração Tributária e Aduaneira (doravante a designar, abreviadamente, por AT) apresentou a sua Resposta em 22 de Maio. E remeteu o processo administrativo em 29 de Maio.

 

Atenta a inexistência de matéria probatória controvertida, e tendo por base os princípios da economia processual e da proibição da prática de actos sem efeito útil, o tribunal arbitral notificou as Partes, em 3 de Junho, da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de alegações finais.

 

 

As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

O processo não padece de qualquer nulidade. Não foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

II -    Enquadramento fáctico

 

A.      Factos considerados provados em face da documentação

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

a)             A Requerente era proprietária do veículo pesado com matrícula ...-...-...;

b)             Em 31 de Dezembro de 1990 a Requerente depositou os documentos de circulação junto da Direcção-Geral de Transportes Terrestres (actual Instituto da Mobilidade e dos Transportes);

c)             Em Agosto de 2001 a Requerente alienou o motor e a caixa de velocidades à sociedade «B» pelo valor de 200.000 Escudos (997,60 Euros);

d)            No apuramento do lucro tributável do exercício de 2001, a Requerente inscreveu esse valor na declaração periódica de rendimentos a título de mais-valia fiscal;

e)             Em Agosto de 2003 a Requerente alienou as restantes componentes da viatura, como sucata, a C pela importância de 150 Euros;

f)              No apuramento do lucro tributável do exercício de 2003, a Requerente inscreveu o referido valor como mais-valia fiscal;

g)             Em 11 de Dezembro de 2013 a Requerente foi notificada das notas de liquidação controvertidas;

h)             Em 27 de Março de 2014 a Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida pela AT;

i)               Em 9 de Junho de 2014 a Requerente interpôs recurso hierárquico, o qual foi igualmente indeferido pela AT (notificação à Requerente em 17 de Novembro de 2014);

j)               Em 24 de Janeiro de 2014, o IMT informa a Requerente que o depósito dos documentos de circulação não configura um procedimento de cancelamento da matrícula e envia o formulário NV-28;

k)             Que a Requerente posteriormente utiliza para solicitar o referido cancelamento, o qual é averbado em 27 de Fevereiro de 2014.

 

D.      Factos não provados

Com relevo para a apreciação do mérito, inexistem factos não provados

 

 

 

III - Síntese dos fundamentos de direito invocados pelas partes e das alegações finais escritas

 

A.      O entendimento da Requerente

A propriedade do veículo foi definitivamente transferida em 2003. Momento que antecede a exigibilidade do IUC.

Acresce que a viatura não circulava desde 1990 e as suas componentes principais (motor e caixa de velocidades) foram alienadas em 2001.

 

Uma vez transferida a propriedade da viatura, a Requerente não preenche a norma de incidência subjectiva do IUC. Independentemente de o cancelamento da matrícula ter sido averbado apenas em 2014.

 

B.      O entendimento da Requerida

O Código do IUC apresentou um elemento inovador, vertido na incidência do imposto sobre os proprietários dos veículos, “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontram registados”.

 

O elemento literal é claro e directo. Ao utilizar a expressão “considerando-se como tais” a norma fiscal deixa bem vincada a inexistência de uma presunção. Logo, ao proprietário não assiste o direito de apresentação de prova em contrário, dado inexistir uma presunção passível de ilisão.

 

No ordenamento jurídico-fiscal abundam outras situações análogas, em que o legislador estabelece normas de incidência, objectivas ou subjectivas, em função de uma dada factualidade abstracta. E sem que aos sujeitos passivos assista o direito de, mediante elementos probatórios idóneos, afastar a norma de incidência.

Precisamente por não estarmos perante a figura da presunção.

 

Verifica-se, assim, uma coincidência entre o elemento literal e o espírito do legislador: considerar como sujeito passivo o proprietário em nome do qual a viatura foi registada.

 

O princípio da capacidade contributiva não se apresenta como absoluto, havendo que operar a sua concordância prática com outros princípios valorativos. Como é o caso dos princípios da simplicidade e da eficiência.

 

O registo é uma peça essencial para definir o âmbito de actuação da AT, na medida em que não lhe cabe a gestão do Registo Automóvel. Antes se limitando a receber a informação constante das bases de dados do Registo e IMT, a quem compete a actualização da informação referente aos negócios ou actos jurídicos realizados pelos proprietários. Cabendo a estes a acção de impulsionar a realização dos registos, de modo a manter os registos de propriedade devidamente actualizados.

 

 

 

Acresce que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade e registo do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional, sendo devido até ao cancelamento da matrícula. Cessando o facto gerador o registo desse cancelamento.

 

No que tange às facturas apresentadas pela Requerente, as mesmas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático, conforme consta das decisões arbitrais n.º 63/2014-T, n.º 150/2014-T e n.º 220/2014-T.

 

Citando a primeira das referidas decisões, “o que a Requerente pretende nestes autos não é meramente ilidir uma presunção fiscal. É ilidir a presunção de veracidade dos factos que se encontram registados publicamente, e que se encontram registados para finalidades de interesse público, presunção esta da qual qualquer pessoa deve poder valer-se, sob pena de inutilidade do registo”.

 

E “(…) o que a Requerente teria de provar, a fim de ilidir a presunção que decorre, quer do artigo 3 , n.º 1 do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela, Requerente, não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas, pois é este o facto que resulta da presunção registal”.

 

Ora “o que a Requerente apresenta como prova, porém - facturas não assinadas pelo comprador e cópias de extractos contabilísticos de conta de cliente - são unicamente documentos particulares, de carácter comercial, e unilaterais, i.e., para emissão dos quais não se verificou qualquer intervenção do comprador”.

 

 

IV -   Do direito

O cerne da questão controvertida pode ser encerrado na seguinte pergunta: o IUC configura um imposto sobre a propriedade ou sobre o registo de propriedade?

 

O que implica a análise de duas questões prévias e concorrentes:

i)     O n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC constitui uma presunção legal susceptível de ilisão?

ii)    Em caso afirmativo, quais os meios probatórios idóneos e adequados ao afastamento da presunção?

 

Na perspectiva da Requerente, os documentos de circulação da viatura foram entregues em 1990, as peças principais foram alienadas em 2001 e a propriedade da viatura automóvel foi transferida em 2003. E não sendo a Requerente proprietária da viatura, a mesma não preenche a norma de incidência subjectiva do Código do IUC.

 

Já para a Requerida o Código do IUC faz recair a incidência do imposto sobre o proprietário em nome do qual o registo se encontra efectuado. Pelo que a transferência da propriedade só releva após o consequente registo.

 

Ainda que se admitisse que a transferência da viatura seria susceptível de coarctar a liquidação do IUC, as facturas emitidas pela Requerente constituem documentos privados, internos e unilaterais. Não estando aptos a provar a transferência da propriedade de um bem.

 

Princípio da equivalência económica

O Código do IUC, logo no seu artigo 1.º, consagra o princípio da equivalência enquanto regra estruturante deste tributo. Vertido na oneração das externalidades negativas, de cariz ambiental e viário, decorrentes da fruição de um bem (viatura automóvel) por determinados sujeitos passivos.

 

O n.º 1 do artigo 3.º identifica esses sujeitos passivos como os proprietários dos veículos, “considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Num primeiro momento, poderíamos considerar que o Código do IUC adopta o conceito de “imposto do registo”, fazendo recair o tributo sobre os sujeitos passivos nos termos em que os mesmos se encontrarem identificados para efeitos de registo.

 

Todavia, o princípio da equivalência é reafirmado no n.º 2 desse artigo 3.º, quando se dispõe que “são equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação”.

Impondo-se aos locadores, independentemente da modalidade do contrato de locação, a obrigatoriedade de identificação “dos utilizadores dos veículos locados”, conforme o artigo 19.º do Código do IUC.

 

Note-se que o texto normativo fica aquém da norma de incidência subjectiva plasmada no artigo 3.º, na medida em que a obrigatoriedade de identificação do beneficiário da fruição da viatura automóvel deve ser estendida a outras entidades, que não apenas os locadores. Basta pensar num contrato de compra e venda, em que o vendedor mantém a reserva de propriedade até ao pagamento integral do preço.

 

Termos em que a leitura literal do n.º 1 do artigo 3.º carece de ser conjugada com objectivo último da legislação: lograr que o encargo tributário recaia sobre os beneficiários da utilização de viaturas automóveis, de modo a dirimir as externalidades negativas impostas à comunidade nos planos ambiental e viário.

 

Admitir o contrário, implicaria aceitar que o IUC onerasse os proprietários constantes do registo e, consequentemente, liberando os reais usufrutuários económicos dos bens.

Contrariando o princípio da equivalência que, insiste-se, o Código do IUC eleva à categoria de regra estruturante e conformadora deste tributo.

 

 

 

Acresce que a “concretização de uma regra de igualdade tributária” acolhida na parte final do artigo 1.º, constitui, precisamente, o corolário do princípio da equivalência. In casu, enquanto conformador do princípio da capacidade contributiva, o qual exige que o tributo seja suportado pelos sujeitos passivos que revelem um benefício decorrente da fruição de um bem.

 

Assim se compreendendo o alargamento da norma de incidência pessoal aos locatários e utilizadores dos bens sob reserva de propriedade. Sob pena de o IUC recair sobre sujeitos passivos que não provocam custos ambientais e viários decorrentes da fruição de viaturas que disponibilizaram a terceiros. Caso em que o pressuposto pessoal da tributação se verificaria, material e substantivamente, em esfera alheia.

Facto que, a ocorrer, colidiria frontalmente com o princípio da equivalência.

 

O registo como presunção legal

Não oferece dúvidas que o Código do IUC se apoia no elemento registal, utilizando-o para efeitos de fixação do facto gerador e da incidência subjectiva, bem como para os fins instrumentais de autoliquidação ou liquidação oficiosa do imposto.

 

Mas, como vimos a propósito do princípio da equivalência, a dependência do registo automóvel não é absoluta. Constituindo uma presunção legal. E, enquanto tal, susceptível de ilisão.

 

A Requerida apresentou diversos exemplos em que o legislador recorre a ficções. Seja por motivos de simplificação ou praticabilidade, seja como forma de evitar situações de potencial fraude ou evasão fiscal.

 

Conforme resulta do Código Civil, a presunção constitui um mecanismo para, partindo de um facto conhecido, firmar um facto desconhecido.

Contrariamente, a ficção consiste em considerar como idênticas, situações que se sabe resultarem de quadros factuais divergentes. Ou, no sentido oposto, considerar como divergentes situações que apresentam um quadro factual coincidente.

 

Recuperando um dos exemplos identificados pela AT, temos o caso da sujeição a IMT dos contratos-promessa em que as partes convencionem a possibilidade de o promitente-adquirente ceder a sua posição contratual. Situação que o Código do IMT equipara à transmissão onerosa de imóveis.

 

Trata-se não de uma presunção, mas antes de uma ficção. Nestes casos, o legislador não ignora que a mera possibilidade de ceder a posição contratual, não constitui uma transmissão onerosa da propriedade ou de direitos reais menores. Mas, sabendo da divergência entre a transmissão de direitos reais e a mera previsão da cessão contratual, atribui-lhe idêntico efeito em sede de IMT.

 

 

 

Alinhamos com a jurisprudência uniforme do CAAD nesta matéria: o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC não configura uma ficção. Mas, outrossim, uma mera presunção legal.

O que, inclusive, se manifesta nas decisões arbitrais referenciadas pela Requerida. Na medida em que, partindo da presunção legal, rejeitam o seu afastamento mediante a apresentação de facturas comerciais.

 

O Tribunal Constitucional, apreciando a presunção absoluta e inilidível plasmada no artigo 26.º do CIMSISD (acórdão n.º 211/03), salienta que “(…) o legislador em nome de razões de eficiência da Administração Fiscal e do combate à evasão e à fraude neste domínio apela a presunções como técnica de melhor surpreender a realidade fáctica decorrente das diversas situações da vida avalizadas por critérios de normalidade socorrendo-se desse modo de factos conhecidos para afirmar outros que desconhece e assim ultrapassar as dificuldades probatórias que a determinação da matéria colectável inevitavelmente levanta”.

 

No entanto esse processo técnico há-de compaginar-se com o respeito pelo princípio da igualdade por seu turno a congraçar-se com o princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um (…)”.

No caso em apreço, haverá que adicionar o princípio da equivalência, em torno do qual o legislador edificou o IUC.

 

Em conclusão, o legislador, para efeitos de recorte da norma de incidência subjectiva do IUC, estabeleceu uma presunção legal de propriedade a partir dos elementos constantes do registo automóvel. Assim se devendo interpretar a expressão “considerando-se como tais”.

 

Conclusão esta, que é consonante com o princípio-regra da natureza meramente publicitária do registo.

 

Ilisão da presunção legal de propriedade

Estatui o artigo 73.º da Lei Geral Tributária que as presunções legais consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

Para ilidir a presunção legal, a Requerente apresentou a seguinte documentação:

i)       Depósito dos documentos de circulação em 1990;

ii)      Facturas de venda em 2001 e 2003 de peças e sucata, respectivamente;

iii)     Declaração periódica de rendimentos do exercícios de 2001, em que apura uma mais-valia fiscal coincidente com o valor de alienação constante da factura de 2001;

iv)     Declaração Anual de 2003, da qual consta uma mais-valia fiscal de valor idêntico ao da factura emitida em 2003 (conforme o respectivo mapa fiscal); e

v)      Pedido de cancelamento de matrícula, suportado na entrega da viatura para sucata em 2003.

 

 

 

Foi a propriedade do veículo transferida em 2003, sem que o novo proprietário tenha actuado no sentido de alterar o registo ou, como seria de esperar dado tratar-se de sucata, cancelar a matrícula?

 

A resposta é afirmativa em face dos factos provados.

 

Desde logo, na medida em que a Requerente apresenta, de forma coerente e consistente, informação comercial e fiscal.

Concretamente, apresenta a emissão de duas facturas (informação comercial) e declaração periódica de rendimento de 2001 e declaração anual de 2003 e mapa fiscal de apuramento de mais e menos-valias fiscais (informação fiscal).

 

Das declarações fiscais extrai-se, directamente, a mais-valia resultante da venda da viatura. Com efeito, e dado que esta já se encontraria totalmente depreciada, o respectivo valor de aquisição contabilístico e fiscal seria nulo (e, naturalmente, continuaria nulo por aplicação de factores de correcção monetária).

Razão pela qual o valor de venda constante das facturas é inteiramente coincidente com a importância facturada.

 

Esta coerência documental abala a interpretação da factura como um documento interno e unilateral. Antes a posicionando como um elemento probatório apropriado, que a Requerente relevou para efeitos contabilísticos e fiscais.

 

Com efeito, a Requerente emitiu as facturas exigidas para efeitos de IVA. E, no ano seguinte, aquando do apuramento do lucro tributável do exercício, apurou a mais-valia fiscal decorrente dessas transmissões onerosas.

Não havendo, assim, qualquer motivo para duvidar da idoneidade das facturas enquanto elemento probatório da transmissão da propriedade da viatura.

 

Neste capítulo, haverá que regressar às presunções legais, mormente ao n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária. Ao abrigo do qual se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos escritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (…)”.

 

Os documentos apresentados pela Requerente são consistentes com a presunção legal.

Já a Requerida começa por salientar que “as pretensas facturas se mostram desconformes àquilo que a lei fiscal exige no tocante aos requisitos legais exigidos para a sua emissão (artigo 36.º/5 do Código do IVA)”.

 

Seria, todavia, importante que identificasse tais desconformidades. O que não fez.

 

 

 

Na verdade, as facturas cumprem os requisitos fiscais constantes do artigo 35.º do Código do IVA, conforme a redacção vigente à data da prática das operações comerciais. E que, à data, permitia a emissão de facturas manuais.

Os demais elementos exigidos no Código do IVA estão igualmente presentes. Designadamente, a identificação do transmitente e adquirente, a descrição da operação, a taxa de IVA aplicável e o valor do IVA liquidado.

 

Das facturas consta ainda informação quanto à entrega dos bens e aos locais de descarga.

 

Acresce que a Requerente submeteu as suas declarações fiscais de IRC em conformidade com as facturas por si emitidas. E estas declarações, recebidas pela Requerida AT, beneficiam de presunção legal de verdade.

 

A não ser assim, teríamos de admitir o absurdo de a Requerente, para além de emitir facturas que não titulam operações comerciais, submeter declarações de IRC em que apura mais-valias fiscais resultantes de operações inexistentes.

 

Face ao exposto, se é verdade que as facturas não constituem contratos de compra e venda, não menos certo é que os contratos de compra e venda se regem pelo princípio da liberdade da forma. E a declaração para efeitos de registo também não titula um contrato de compra e venda. Que, no limite, até poderia nem existir ou ter sido simulado.

 

Certo é que as facturas e declarações fiscais, para além de beneficiarem de uma presunção legal quanto à sua veracidade, vão no claro sentido de evidenciar a transmissão onerosa de peças e sucata em 2001 e 2003. E a concomitante transmissão da propriedade da viatura em 2003.

 

O IUC é um imposto de periodicidade anual. O período de tributação reporta-se ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários. O imposto é exigível no primeiro dia do período de tributação.

 

Uma vez transmitida a propriedade em 2003, os factos geradores subsequentes passam a verificar-se num momento em que o sujeito passivo é o adquirente da viatura. Aquele que, a partir de 2003, é o proprietário do bem.

 

Dito de outra forma, à data da exigibilidade do IUC (2009 a 2012) a Requerente não era sujeito passivo do imposto.

 

 

 

 

V -    Decisão

Aplicando-se as considerações supra ao caso sub juditio, logo se evidencia a ilegalidade das liquidações de IUC e respectivos juros compensatórios.

 

Termos em que, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral; e

b)    Anular os actos tributários de liquidação de IUC e respectivos juros compensatórios.

 

A Requerida AT solicita a dispensa do pagamento de juros indemnizatórios, sem que, todavia, a Requerente haja formulado tal pedido. Ficando assim prejudicada a análise deste tema.

 

Fixa-se o valor do processo em 1.573,03 €.

Custas pela Requerida no valor de 306 €.

 

Notifique-se as partes.

 

Lisboa, 12 de Junho de 2015

O Tribunal Arbitral Singular

 

 

 

 

 

 

José Luís Ferreira