Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2022-T
Data da decisão: 2023-04-18  ISV  
Valor do pedido: € 2.833,99
Tema: ISV – veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da UE (artigo 8º do Código do ISV) – excepção da caducidade do direito de acção
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SUMÁRIO: O pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos no artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A…, Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28-11-2022, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A…, Lda., sociedade comercial com o NIPC … e sede na Rua …, em … (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia
    20-09-2022, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente “(…) com base na Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2021/…, de 12/11/2021, praticado pela Alfândega supra identificada, correspondente ao veículo com atual matrícula …-…-…, vem requerer a declaração de ilegalidade dos atos tributários identificados (…)” e, em consequência, requerer que seja “(…) a liquidação (…) anulada conforme peticionado e reconhecido o direito à taxa intermédia de 25% constantes na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, com as respetivas consequências legais aplicáveis, nomeadamente a devolução do valor de € 2.833,99 (dois mil oitocentos e trinta e três euros e noventa e nove cêntimos) liquidados em excesso, acrescido de juros à taxa legal aplicável”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 21-09-2022 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 10-11-2022, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 28-11-2022, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 13-01-2023, apresentou a sua Resposta (notificada a este Tribunal em 16-01-2023), tendo-se defendido por excepção e por impugnação.

 

  1.  Na mesma data, a Requerida anexou cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 16-01-2023, o Tribunal Arbitral mandou notificar a Requerente para, “(…) no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a referida matéria de excepção. Adicionalmente, e numa análise preliminar do pedido arbitral, verificou este Tribunal Arbitral que o valor atribuído ao processo (EUR 2.800,00) não corresponde ao valor do imposto cujo reembolso é peticionado (EUR 2.833,99). Neste âmbito, devendo o valor da causa corresponder à utilidade económica do interesse discutido, notifica-se a Requerente para, no prazo de 10 dias acima referido, clarificar esta questão”.

 

  1. A Requerente não se pronunciou sobre o teor do despacho referido no ponto anterior.

 

  1. Por despacho arbitral de 13-02-2023, o Tribunal Arbitral, “tendo em consideração: a) A Resposta apresentada pela Requerida (…); b) A junção aos autos, na mesma data, (…) de cópia do Processo Administrativo; c) O despacho arbitral de 16-01-2023 (…); d) O facto da Requerente não se ter pronunciado sobre a referida matéria de excepção; e) O facto de a posição das Partes estar plenamente definida nos Autos e suportada pelos meios de prova documental apresentados” decidiu “ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (…), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis (…): 1. Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT bem como dispensar as Partes da apresentação de alegações; 2. Agendar a prolação da decisão arbitral, a proferir até ao termo do prazo do artigo 21º, nº 1 do RJAT, ou seja, até ao dia 29-05-2023”, tendo ainda advertido “(…) a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente (…) e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

 

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.   A Requerente começa por referir que “no (…) dia 12/11/2021 foi emitida uma DAV com o n.º 2021/…, pela Alfândega do …, relativa a um veículo ligeiro de passageiros, equipado com motor híbrido plug-in” e que “a referida DAV reflete o valor de € 5.025,77 (…)”, liquidação de imposto que a Requerente pretende impugnar “(…) por entender que a nova redação do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão se verifica o desrespeito pelo artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”.

 

2.2.   Alega a Requerente que “(…) este tipo de veículos: a) Entre 2015 e 2020, eram tributados a 25%, tendo uma bateria carregável por ligação à rede elétrica e uma autonomia mínima, em modo elétrico, de 25 quilómetros. b) Em 2021, para serem tributados a 25%, passou a ser exigida uma autonomia em modo elétrico de pelo menos 50 quilómetros, e apresentar emissões de CO2 menores a 50g/km. Caso não reúnam os requisitos supra mencionados, os veículos serão tributados a 100%”.

 

2.3.   Prossegue a Requerente referindo que “(…) a liquidação de ISV é ilegal por se entender dever ser aplicada ao veículo, por se tratar de um veículo híbrido plug-in matriculado pela primeira vez no seu país de origem, em 2017, a redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com as referidas características, como é o caso do veículo em apreço (…)”.

 

2.4.   Segundo a Requerente, “(…) o que está em causa é uma questão de aplicação de lei no tempo conjugada com o conceito de facto gerador constante no artigo 5.º do CISV” porquanto entende que “(…) o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE (…) que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares”.

 

2.5.   “E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV: a) Entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia; b) A partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia”.

 

2.6.   “No caso concreto, sendo a primeira matrícula do veículo de 14/06/2017, conforme DAV referida, é esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV que, por sua vez, origina a aplicação da taxa intermédia em vigor à data da primeira matrícula constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, em vigor à data (2017) (…)”.

 

  1. Nestes termos, entende a Requerente ser de concluir que “(…) a liquidação efetuada pela AT relativo ao ISV, tendo aplicado o artigo 8.º do CISV na versão de 2021 e, não na versão em vigor entre 2015 e 2020, foi efetuada em desconformidade com a lei nacional, assim como com o direito comunitário, incumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da CRP”.

 

  1. Acrescenta a Requerente que “foi apresentada reclamação por escrito (…) à Alfandega do …, na data de 01/04/2022, à qual não obtivemos resposta” e que “a 30/08/2022 foi enviada reclamação por escrito (…) à Alfândega do … (…)”, tendo a referida reclamação sido “(…) devolvida através do ofício n.º 2022…, em que (…) informam de que deve o expediente em causa ser remetido para o Tribunal Arbitral (…)”.

 

  1. Em resumo, segundo entende a Requerente, “calculados os valores constantes no artigo 8.º, n.º 1 do CISV da lei aplicável ao caso em concreto, conclui-se que o ISV a ser liquidado deve totalizar € 2.191,78 (dois mil cento e noventa e um euros e setenta e oito cêntimos), o que resulta numa devolução de € 2.833,99 face ao que foi erroneamente liquidado” referindo que “existe ainda diversa jurisprudência que sustenta o supra exposto (…)”.

 

  1. Assim, vem a Requerente requerer que seja declarada “(…) a ilegalidade do ato praticado pela AT, devendo a liquidação ser anulada conforme peticionado e reconhecido o direito à taxa intermédia de 25% constantes na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, com as respetivas consequências legais aplicáveis, nomeadamente a devolução do valor de € 2.833,99 (…) liquidados em excesso, acrescido de juros à taxa legal aplicável”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.   Começa a Requerida por referir que “a Requerente impugna a liquidação do imposto por entender que a nova redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, em desconformidade com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia”, “defendendo que a liquidação do Imposto (…) deveria ter beneficiado da redação anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), vem, a final, peticionar a anulação parcial do ato de liquidação de ISV, com reconhecimento do direito à taxa intermédia e devolução do valor de 2.833,99 €”.

 

POR EXCEPÇÃO - Da caducidade do direito de ação

 

3.2.   Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente” porquanto “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral surge na sequência da notificação da liquidação de ISV, efetuada após a aceitação da Declaração Aduaneira de Veículo que introduziu no consumo o veículo automóvel identificado na mesma declaração, apresentada pela Requerente” sendo que “(…) a introdução no consumo do veículo, identificado na DAV n.º 2021//…, deu origem ao ato de liquidação (…)” “(…) n.º 2021/…, de 12-11-2021, (…), cujo termo de prazo para pagamento terminou em 26-11-2021 (…)” “sendo que, o pedido de pronúncia arbitral (PPA) só veio a ser apresentado (…) em 20-09-2022, depois de esgotado o prazo previsto (…) para impugnação de atos tributários de liquidação, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, assim, a exceção de caducidade do direito de ação (…)”, “(…) exceção perentória que determina a absolvição do pedido (…), o que se invoca”.

 

3.3.   Não obstante, refere a Requerida que “(…) ainda que se considere que o e-mail, enviado pela declarante em 01-04-2022, configura a apresentação de reclamação graciosa, a Requerente não sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral no indeferimento tácito da sua pretensão” e, “no pressuposto de que se trata de uma reclamação graciosa, acresce que a mesma foi apresentada depois de esgotado o prazo de 120 dias previsto (…)”.

 

  1. Com efeito, alega a Requerida que “tendo o prazo de reclamação graciosa terminado em 26-03-2022, a sua apresentação em 01-04-2022 revela-se intempestiva, verificando-se, consequentemente, também, a caducidade do direito a interpor o presente pedido arbitral” sendo que “(…) até ao presente, o pedido da Requerente de análise da situação/reclamação não foi objeto de qualquer pronúncia ou decisão expressa, o que poderia constituir presunção do indeferimento tácito, permitindo-lhe o acesso à jurisdição arbitral para impugnação do ato tributário (…)”.

 

  1. Contudo, prossegue a Requerida, “(…) no PPA não é feita qualquer alusão ao indeferimento tácito do pedido formulado junto da alfândega, antes se referindo que, em 30-08-2022, foi enviado um requerimento para a alfândega, a qual veio a ser devolvida à Requerente (…)”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) não se fundamentando no indeferimento tácito para poder impugnar a liquidação em sede arbitral, não pode a Requerente apresentar pedido arbitral porquanto, o mesmo, é manifestamente extemporâneo”.

 

POR EXCEPÇÃO - Da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

 

  1. Nesta matéria, alega a Requerida que “(…) decorre do pedido de pronúncia arbitral (PPA) (…) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 (…)”, “sendo expressamente referido que a Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (…)”.

 

  1. Prossegue a Requerida referindo que “(…) resulta clara a pretensão da Requerente (…) que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente quer, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra”.

 

  1. Neste âmbito, entende a Requerida que “(…) tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT”.

 

  1. Alega a Requerida que, “(…) no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” e “não resultando do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que define os tipos de pretensões que podem ser apreciados pelo tribunal arbitral em matéria tributária, a competência para sindicar o ato que ora foi submetido a este tribunal”.

 

  1. Por outro lado, atento o consagrado na Lei de Autorização Legislativa (…), ao abrigo da qual foi instituída a arbitragem em matéria tributária, que refere que o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…) conclui-se, em face do que veio a ser estabelecido no RJAT, que, efetivamente, o legislador optou por não contemplar neste a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária” pelo que, para a Requerida, “não se suscitam, assim, quaisquer dúvidas (…)”“(…) que o tribunal arbitral é incompetente para apreciar as pretensões que ora lhe foram submetidas” citando para o efeito doutrina e jurisprudência do STA e do CAAD.

 

  1. Assim, conclui a Requerida que “(…) o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a exceção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral”, “decorrendo, assim, do supra exposto a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido da Requerente” determinando “(…) a absolvição da Entidade Requerida da instância (…)”.

 

  1. Não obstante, refere a Requerida que “caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via” porquanto peticionando a Requerente “(…) que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.º e do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito” entende a Requerida que “(…) tal pedido (…) consubstancia por parte da Requerente uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra”.

 

  1. Alega a Requerida que “(…) a liquidação é sempre efetuada de acordo como o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica uma nova liquidação com o processamento de outra Declaração Aduaneira de Veículos, em sua substituição, revestindo esta a natureza de uma liquidação substitutiva” e “(…) pugnando a Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de um novo ato de liquidação”, “resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão da Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada”.

 

  1. E, nesta medida, segundo entende a Requerida, “(…) o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária (…), uma vez que não está em causa a intimação para um comportamento do seu direito, a qual não resulta diretamente da lei”, atribuição que, segundo alega a Requerida, “(…) não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (…)”, pelo que “(…) face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral (…) deve a Requerida ser absolvida da instância (…)”.

 

 

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

  1. Segundo entende a Requerida, “(…), a ora Requerente apresentou em 12-11-2021 a Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2021//…, da Alfândega do …,, para regularização fiscal do veículo ligeiro de passageiros, da marca Porsche, modelo 971, com o chassis n.º …, com primeira matrícula alemã de 14-06-2017, e ao qual veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…” sendo que, “o cálculo do imposto foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos da tabela A do artigo 7.º e tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (…)”.

 

  1. Refere a Requerida que “da liquidação n.º 2021/…, de 12-11-2021, resultou o apuramento do montante de imposto de 5.025,77 €, a título de ISV”.

 

  1. Confirma a Requerida que “por correio eletrónico de 01-04-2022, enviado à Alfândega do …, a ora Requerente veio pedir a análise da situação (…)” e “em 30-08-2022 a Requerente remeteu à Alfândega do … um requerimento peticionando a declaração de ilegalidade do ato tributário com fundamento no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e no CPPT (…), o qual foi devolvido para que (…) fosse apresentado junto do Centro de Arbitragem Administrativa”, tendo a Requerente apresentado “em 22-09-2022 (…) o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a ilegalidade parcial da liquidação de ISV e a restituição do montante 2.833,99 €, acrescido de juros”.

 

  1. Vem alegar a Requerida contra a posição assumida pela Requerente que “(…) o ISV, cujo regime se encontra previsto no CISV, é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”.

 

  1. Adicionalmente reitera a Requerida que “o ISV não é um imposto harmonizado na União Europeia (UE), não se encontrando, assim, o seu regime, regulamentado ao nível europeu, como ocorre relativamente aos impostos especiais de consumo incidentes sobre outros produtos (…), nem existindo, de qualquer modo, como, aliás, até sucede no caso dos impostos incidentes sobre o consumo harmonizados, harmonização das taxas em sede de ISV, não estando sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE”.

 

  1. Assim, defende a Requerida que “os Estados-Membros são (…) livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional, sendo que esta última constitui requisito essencial para a circulação do veículo no Estado-Membro onde irá ser realmente utilizado, no caso em Portugal”.

 

  1. Nestes termos, segundo alega a Requerida, “(…) constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, “resultando do exposto que (…) o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto (admissão de veículo em território nacional destinado a matrícula em Portugal) e a apresentação da DAV n.º 2021//…, de 12-11-2021”.

 

  1. Por outro lado, quanto à exigibilidade do imposto, (…), o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada com a apresentação da DAV, determinando o n.º 3 (…) que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível” pelo que, conclui a Requerida que “(…) a introdução no consumo de um veículo efetuada num outro Estado-Membro, que se quer regularizar agora em território nacional, não pode relevar ou ser considerada, como é pretendido pela Requerente, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto (…)” concluindo “(…) que, in casu, somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar (…)”.

 

  1. Alega ainda a Requerida que “(…) preconizando a Requerente a aplicação da uma taxa reduzida/isenção parcial, sempre se dirá que (…) consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, sendo consideradas como benefícios fiscais, nomeadamente, (…) as reduções de taxas (…)”.

 

  1. E, segundo entende a Requerida, “(…) no que concerne ao regime dos benefícios fiscais propriamente dito, há, desde logo, que ter em consideração a definição de benefício fiscal (…), representando vantagens/benefícios atribuídos aos sujeitos passivos, tendo em vista a realização de um determinado comportamento”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, no que diz respeito “(…) à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais, como se aludiu, se incluem as reduções de taxas (…), o artigo 12.º do EBF estabelece que os mesmos devem reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo” pelo que “(…) tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efetuada em 2021, (…), a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da UE”, “relevando, no entanto, a data da matrícula anterior, no contexto da tributação em sede de ISV, para determinação da desvalorização dos veículos, em função dos anos de uso dos mesmos, para a consequente aplicação das percentagens de redução previstas nos artigos 7.º e 11.º do CISV”.

 

 

 

  1. Assim, entende a Requerida que não podia, “(…) em 2021, ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (como se verifica no caso em apreço) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (…) à data da introdução no consumo em Portugal”.

 

  1. E, conclui a Requerida, “(…) não havendo lugar à aplicação de taxa reduzida, o veículo foi tributado de acordo com a tributação regra, nos termos da lei, e conforme decorre do prescrito no EBF” sendo que “(…) aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor (…), não se suscita qualquer dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º do CISV atualmente em vigor”.

 

  1. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) não reunindo as características de cuja verificação a lei faz depender a aplicação da taxa de 25%, o veículo tem de ser tributado pela taxa geral de 100% da tabela A (…), tal como veio a suceder, não enfermando a liquidação efetuada de qualquer ilegalidade”.

 

  1. Refuta ainda a Requerida a alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, invocada pela Requerente, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, porquanto, segundo entende a Requerida, “(…) só existe uma violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional”.

 

  1. Assim, segundo a Requerida, “(…) assentando a Requerente a sua pretensão no pressuposto erróneo de que a taxa aplicada ao veículo o discrimina negativamente pelo facto de tal veículo ser proveniente de outro Estado-Membro, reivindicando (…) a concessão de um benefício fiscal (taxa reduzida) consagrado numa norma que deixou de vigorar no final de 2020, não se poderá concluir que a tributação em causa assenta numa alegada violação do artigo 110.º do TFUE”.

 

  1. Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE”.

 

  1. Quanto ao pedido de restituição de quantia certa de imposto, refere a Requerida que “(…) conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (…), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV”.

 

  1. No que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, alega a Requerida que “(…) ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder (…) não poderá (…) aquele proceder” porquanto “(…) o direito a juros indemnizatórios (…) pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido” o que, no caso em análise, segundo a Requerida, não se verifica.

 

  1.  Nestes termos, termina a Requerida a sua Resposta, peticionando que “(…) deve a AT, atentas as exceções invocadas, ser absolvida da instância ou do pedido, ou o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente”.

 

 

 

  1. SANEADOR

 

4.1.   Foi suscitada a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido a qual, a proceder, determinaria a absolvição da Requerida do pedido de pronúncia arbitral.

 

4.2.   A análise desta excepção será efectuada preliminarmente no Capitulo 6. desta Decisão (Matéria de Direito) mas desde já se antecipa aqui que a mesma não procede pelo que se conclui que este Tribunal Arbitral é competente para proceder à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

4.3.   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, estando devidamente representadas.

 

4.4.   Foi igualmente suscitada pela Requerida, na sua Resposta, a excepção da caducidade do direito de acção, a qual será também analisada no Capítulo 6. desta Decisão, mas que aqui se antecipa que será considerada procedente.

 

  1. No que diz respeito ao valor do pedido, a Requerente peticiona que a liquidação de imposto impugnada seja anulada e, em consequência, seja devolvido o valor de imposto alegadamente cobrado em excesso (que quantifica em EUR 2.833,99), acrescido de juros à taxa legal aplicável, mas atribui ao pedido o valor de EUR 2.800,00. Assim, dado que o valor da causa deve corresponder à utilidade económica do interesse discutido, o valor do pedido é corrigido para EUR 2.833,99.

 

  1. Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.   A Requerente é uma sociedade por quotas cujo objecto social é a “representação e comércio de produtos diversos e aquisição de bens imóveis para revenda”.

 

  1. Em 12-11-2021 a Requerente apresentou, na qualidade de operador sem estatuto, na Alfândega do …, a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) para introdução no consumo, do veículo ligeiro de passageiros usado, oriundo da Alemanha, da marca Porsche, modelo 971 (Panamera 4E Hibride Executive), movido a elect./gasolina, cilindrada 2894 cc., com 47.633 kms, com a matrícula definitiva …, atribuída em 11-10-2018 e primeira matrícula em 14-06-2017 (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. À DAV referida no ponto anterior foi atribuído o nº 2021/… (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. No Quadro E da DAV acima identificada, atinente às características do veículo, no item 51 (relativo à Emissão de partículas) consta o valor de 0,0048 g/Km e no item 50 (relativo à Emissão de Gases CO2) consta o valor de 56g/Km (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. À viatura identificada nos pontos anteriores foi atribuída, em 22-11-2021, a matrícula nacional …-…-…, conforme resulta da DAV acima identificada (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. Nos quadros T e V da DAV acima identificada constam, igualmente, a identificação do acto de liquidação de imposto (nº 2021/…), bem como a data da liquidação
    (12-11-2021), o montante liquidado (EUR 5.025,77) e a data da respectiva cobrança
    (12-11-2021), ou seja, dentro do prazo (até 26-11-2021) (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. Em relação à viatura acima identificada foi apurado um valor bruto de ISV de
    EUR 8.932,20, ao qual foram deduzidas as parcelas de EUR 3.906,43 (relativa à redução da componente cilindrada) e a parcela de EUR 42,71 (relativa à redução da componente ambiental) tendo assim sido apurado ISV a pagar no montante de EUR 5.025,77, pago pela Requerente em 12-11-2021 (em conformidade com cópia da DAV anexada pela Requerente e documentação do processo administrativo).

 

  1. A Requerente não concorda com o montante de imposto liquidado e quantifica um valor líquido de ISV a pagar (deduzidas as parcelas da componente cilindrada e da componente ambiental) de EUR 2.191,78, em conformidade com a posição que defende.

 

  1. Em consequência, a Requerente considera indevido o montante da diferença, ou seja, EUR 2.833,99.

 

  1. Em 01-04-2022, a Requerente enviou o seguinte email à Alfândega do …, solicitando a correção da liquidação de ISV aqui impugnada (em conformidade com cópia da documentação do processo administrativo):

 

 

  1. Em 17-06-2022, a Requerente envia novo email para a Alfândega do … referindo que “no seguimento do email infra, por erro ou por omissão, até à data não obtivemos resposta”.

 

  1. Não tendo obtido qualquer resposta, por parte da Alfândega do …, quanto aos email identificados nos pontos anteriores, a Requerente enviou, em 30-08-2022, à referida Alfândega, um pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário aqui impugnado, com os mesmos fundamentos (reconhecimento do direito a ser aplicada à taxa intermédia de 25% constantes na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, com as respetivas consequências legais aplicáveis, nomeadamente a devolução do valor de € 2.833,99 (…) liquidados em excesso)”.

 

 

A Alfândega do …, através do Ofício nº 2022…., de 02-09-2022, veio notificar a Requerente que “(…) nos termos do (…) RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante envio (…) ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa”.

 

  1. A Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 20-09-2022.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos nas peças processuais, e tendo em consideração as excepções suscitadas pela Requerida, cumpre a este Tribunal Arbitral determinar se:

6.1.1. É materialmente competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral;

6.1.2. Se verifica a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela AT;

6.1.3. Se nenhuma das excepções proceder, determinar se a liquidação impugnada viola o disposto no artigo 8º do CISV e o artigo 110º do TFUE e, neste caso, se necessário, determinar se deverá este Tribunal submeter a questão ao TJUE, através do reenvio prejudicial, sugerido pela Requerida

 

6.2.   De acordo com o disposto no artigo 576º, 1 do CPC, “as exceções são dilatórias ou perentórias”, sendo que nos termos do seu nº 2 (no que ao processo arbitral é aplicável), “as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância (…)” e nos termos do seu nº 3 “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.

 

6.3.   O artigo 577º do CPC refere que “são dilatórias, entre outras, (…) a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal (…)”.

 

6.4.   Embora o legislador do CPC actualmente em vigor não tenha mantido expressamente a ordem de conhecimento das excepções dilatórias, a verdade é que o conhecimento dos pressupostos processuais deve continuar a ser efectuado de acordo com uma determinada precedência lógica, nomeadamente, apreciar, em primeiro lugar, aquelas que digam respeito ao Tribunal (como é o caso da incompetência absoluta).

 

6.5. Por outro lado, em consonância com o disposto no nº 2 do artigo 608º do CPC, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

 

6.6. Assim, atentas as referidas regras, analisemos em primeiro lugar a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida porquanto, como é sabido, a excepção dilatória da incompetência material do tribunal, caso proceda, obsta a que este conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância [vide artigos 60º, nº 2, 96º, 97º, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), todos do CPC].

 

Da excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral

 

6.7.   Defende a Requerida a incompetência material do Tribunal Arbitral, para tanto invocando, em síntese, que a Requerente (i) não peticiona a ilegalidade do ato de liquidação de ISV, antes defendendo a aplicação à hipótese dos autos do artigo 8º nº 1 d) do Código do ISV, na redação em vigor à data da primeira matrícula do veículo em causa e (ii) não invoca qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando apenas a emissão de uma nova liquidação que aplique um beneficio que não está consagrado para o veículo do Requerente, por não preencher os requisitos previstos para o efeito.

 

6.8.   Por outras palavras, entende a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral formulado visa unicamente o reconhecimento do direito da Requerente à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, pretendendo, assim, usufruir do beneficio fiscal previsto no artigo 8º do Código do ISV e, em consequência, a condenação da Requerida à emissão de uma nova liquidação, pedidos esses que a Requerida entende não se incluem no elenco de pretensões que podem ser apreciadas pelo Tribunal Arbitral em matéria tributária.

 

6.9.   Nesta matéria, refira-se desde já que este Tribunal Arbitral não acolhe a posição defendida pela Requerida, pese embora não resultem dúvidas sobre o facto de o reconhecimento de direitos e a condenação da Requerida à emissão de nova liquidação não se incluírem no elenco, taxativo, de matérias submetidas à jurisdição de um Tribunal Arbitral.

 

6.10. Mas não é esse o pedido formulado pela Requerente que invoca, sem qualquer margem para dúvidas, a ilegalidade da liquidação efetuada, peticionando a sua anulação parcial, com as necessárias consequências, designadamente a condenação da AT na devolução do imposto pago em excesso e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

6.11. E a apreciação da legalidade de uma liquidação insere-se (sem qualquer dúvida) no âmbito de competência material de um Tribunal Arbitral.

 

6.12. Analisemos.

 

6.13. Em termos gerais, a competência do Tribunal, como já vimos, constitui um pressuposto processual sendo, assim, um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.

 

6.14. A competência do Tribunal, como qualquer outro pressuposto processual, é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor (pedido e causa de pedir), sendo que a competência em razão da matéria contende com as diversas espécies de tribunais, comuns ou especiais, estatuindo-se as normas delimitadoras da jurisdição desses tribunais de acordo com a matéria ou o objecto do litígio.

 

6.15. No que diz respeito aos Tribunais Arbitrais, conforme resulta do disposto no artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) a sua competência compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta [alínea a)] e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais [alínea b)].

 

6.16. Por outro lado, a competência dos Tribunais Arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária (AT) à jurisdição dos Tribunais constituídos nos termos do RJAT.

 

 

 

6.17. Nesta matéria, o artigo 4º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

 

6.18. Considerando aqueles preceitos legais, e tendo em consideração a pretensão da Requerente de que seja anulada a liquidação de ISV em crise, concluiu-se pela viabilidade de apresentação de pedido de pronúncia arbitral relativo ao referido acto de liquidação, sendo este Tribunal Arbitral competente para o apreciar, considerando-se assim como não verificada a excepção de incompetência suscitada.

 

6.19. Nestes termos, será este Tribunal Arbitral competente para conhecer o pedido arbitral pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

Da exceção de caducidade do direito de ação invocada pela AT

 

6.20. Invoca ainda a Requerida na sua Resposta a excepção da caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que, à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, o prazo previsto para impugnação de actos tributários de liquidação estava já esgotado, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo.

 

6.21. Neste âmbito, tendo em consideração que a excepção da caducidade do direito de acção pode determinar, a proceder, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral (excepção peremptória), torna-se necessário analisar esta excepção porquanto a procedência da mesma terá consequências no conhecimento do mérito daquele pedido.

 

6.22. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29º do RJAT), “as exceções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”.

 

6.23. Cumpre decidir.

 

6.24. Resulta dos factos dados como provados que o prazo de pagamento da prestação tributária terminou em 26-11-2021 (vide ponto 5.8.) e que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 20-09-2022 (vide ponto 5.16.), tendo a Requerente apresentado um email em 01-04-2022 a questionar a legalidade da liquidação efectuada.

 

6.25. Nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 (entretanto revogado) do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.

 

6.26. Por outro lado, prescreve o artigo 102º nº 1 do CPPT (no que ao caso interessa), que a impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte [alínea a)], pelo que a Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de apresentar impugnação do acto de liquidação de ISV em crise, no prazo de 90 dias contado do termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação, ou seja, a contar do dia 27-11-2021.

 

6.27. Contudo, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral (impugnação) relativa ao referido acto de liquidação somente em 20-09-2022, ou seja, muito depois do termo do prazo de 90 dias contados desde 27-11-2022 (que acabaria em 25-02-2022).

 

6.28. E, refira-se quanto ao email de 01-04-2022 apresentado junto da Alfandega do …, mesmo que se pudesse entender que o mesmo configurou uma reclamação graciosa da liquidação (o que não se entende), pensar que o princípio da justiça fiscal material imporia a convolação daquele email apresentado pela Requerente como reclamação graciosa, tal não se revela possível, porque também aquele email (encarado como reclamação graciosa) é extemporâneo.

 

6.29. Com efeito, a reclamação graciosa pode ser deduzida, nos termos do disposto no artigo 70º do CPPT, com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no nº 1 do artigo 102º do CPPT (no caso, em conformidade com o acima referido no ponto 6.26., contado do termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação, ou seja, a contar do dia
27-11-2021, o que daria prazo até 27-03-2022.

 

6.30. Assim, à data da sua apresentação (01-04-2022) também já se tinha esgotado o prazo de 120 dias contado da data do pagamento voluntário da liquidação de ISV em crise, em conformidade com o exposto no ponto anterior.[2]

 

6.31. De tudo quanto ficou exposto, resulta manifesta a extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente pelo que procede a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, ficando assim prejudicado o conhecimento do mérito do pedido.

 

6.32. Em consequência, este Tribunal Arbitral absolve a Requerida do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.33. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.34. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.35. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

7.      DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral;

7.1.2.     Julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção, com a consequente intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a absolvição da Requerida do pedido;

7.1.3.     Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 2.833,99.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Abril de 2023

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] E, refira-se ainda que, com as necessárias adaptações, “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a extemporaneidade da reclamação (…) conduz à sua necessária improcedência (…)” e que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva” (neste sentido, vide teor da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 114/2019-T, de 15 de Julho de 2019 (da signatária).