Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 90/2017-T
Data da decisão: 2018-01-19  IRC  
Valor do pedido: € 33.805,80
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos – Imparidade - Dívidas de fornecedores.
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A…, S.A., NIPC…, com sede na Rua de …, n.º…, …-… Leiria (doravante, a  “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante, “IRC”) n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, relativo ao exercício fiscal de 2014, bem como da Demonstração de liquidação de Juros compensatórios n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, e da consequente Demonstração de Acerto de Contas, identificada pelo n.º 2016…, emitida em 30 de setembro de 2016, da qual resulta o montante de €33.805,80.
  2. A Requerente invoca, em síntese, que:
    1. O crédito objeto das correções efetuadas pela AT teve origem num pagamento parcial (adiantamento), efetuado à empresa B… (doravante a “B…”), para pagamento de uma máquina para fabricação de artigos de plástico (doravante a máquina), que era indispensável à sua linha produtiva.
    2. A B… entrou em situação de insolvência, tendo, inclusivamente, sido apresentado, junto da Secção de Insolvência do Tribunal de Bolonha, o respetivo pedido de insolvência.
    3. A máquina não lhe foi entregue dada a situação de insolvência da B…, pelo que sofreu uma “perda” correspondente ao valor do pagamento parcial (adiantamento) efetuado de €262.500,00, e correspondente a 30% do valor total acordado (€875.000,00).
    4. No contexto descrito, a Requerente repercutiu contabilisticamente a referida perda através do respetivo registo como crédito de cobrança duvidosa e procedeu à correspondente dedução enquanto gasto do exercício.
    5. De acordo com o artigo 35.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos (atual artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a)), são dedutíveis ao lucro tributável os valores correspondentes a créditos que cumpram os seguintes requisitos:
  1. Sejam emergentes da atividade normal da empresa;
  2. A sua cobrança seja duvidosa; e
  3. Estejam evidenciados na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa.
  1. Um crédito incobrável derivado da atividade normal de uma empresa é passível de ser deduzido ao lucro tributável do período no qual se registou essa “perda”.
  2. O valor objeto de correção - €131.250,00 – correspondente ao adiantamento do pagamento da máquina encomendada à empresa B…, consubstancia um gasto fiscalmente aceite para efeitos do artigo 35.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, uma vez que tinha por finalidade, a integração no seu processo produtivo.
  3. A desconsideração, enquanto custo dedutível, não é compatível com o princípio constitucional da tributação pelo lucro real, enquanto corolário dos princípios da justiça material e da igualdade.
  4. Tendo sido paga a totalidade da dívida, deverá ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios no seguimento da anulação da liquidação de IRC e da liquidação de Juros compensatórios.
  5. Por seu turno, a AT defende que:
    1. O gasto, refletido na contabilidade como uma “imparidade” por dívidas a receber, não cumpre os requisitos previstos na lei para ser considerado uma “perda” dedutível, já que:
      1. O valor registado como “imparidade” por dívidas a receber não pode ser considerado como um custo decorrente da “atividade normal” da Requerente. Com efeito, lançando mão, nomeadamente, do Parecer n.º 115/95 do Centro de Estudos Fiscais, a AT defende que apenas os créditos sobre clientes, resultantes das transações de bens e serviços relacionados com a atividade da empresa, são passíveis de ser considerados “créditos resultantes da atividade normal”;
      2. Tratando-se de um adiantamento, mais não foi que uma opção financeira da Requerente e, como tal, inapta a ser dedutível para efeitos fiscais.
    2. A aquisição de uma máquina não cumpre os requisitos da atividade normal da empresa, uma vez que, sendo um bem do seu ativo fixo tangível, ele destina-se a ser detido com continuidade ou permanência e não a ser vendido ou transformado no decurso normal das operações da empresa.
    3. O adiantamento a um fornecedor consiste numa mera operação de carácter financeiro, operação esta que tem vindo a ser entendida como fora do âmbito da atividade normal e, por conseguinte, não enquadrável no artigo 35.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.
    4. Tendo a Requerente afirmado que a fornecedora do bem se encontra em situação de insolvência, esta terá de diligenciar no sentido de reclamar o alegado crédito para, posteriormente, vir a ser ressarcida aquando do rateio.
    5. Para efeitos de IRC, aos rendimentos obtidos podem ser deduzidos os gastos incorridos, desde que a lei admita a sua dedução para efeitos de cálculo de lucro tributável, rectius, desde que:
  1. Hajam sido corretamente contabilizados para efeito de cálculo do resultado contabilístico, e
  2. A lei não imponha a correção para efeitos de determinação do lucro tributável,

Pelo que, a questão em análise nos presentes autos se relaciona com o correto regime de contabilização dos custos em causa - em face dos normativos contabilísticos - e da eventual correção do resultado contabilístico para efeitos de tributação em sede de IRC, importando aferir se a contabilização em causa foi efetuada de acordo com as normas e diretrizes contabilísticas vigentes.

  1. São aceites como gastos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, os constantes da contabilidade desde que comprovados e indispensáveis, retirando-se, igualmente, do mesmo artigo que a ausência de qualquer um desses requisitos implicará a sua não consideração, pelo que tais montantes devem então ser acrescentados ao resultado contabilístico do exercício.
  2. Em suma, subsistem dois motivos para a não aceitação desta imparidade como gasto do exercício para efeitos fiscais: (i) o facto de se tratar de um bem do ativo fixo tangível e (ii) o facto de se tratar de um adiantamento.
  3. Interpretou e aplicou as normas jurídicas e fiscais de acordo com os preceitos legais e promoveu as consequentes correções, no âmbito do princípio da legalidade em que a sua atividade se conforma; e
  4. Não se registou qualquer “erro imputável aos serviços”, razão pela qual não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. THEMA DECIDENDUM

 

  1. De acordo com a matéria anteriormente expendida, cumpre definir se um adiantamento do preço para aquisição de uma máquina que fará parte integrante do ativo fixo tangível da Requerente pode ser dedutível nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
  2. Com efeito, sem prejuízo de a Requerida, no artigo 28.º da sua Resposta, referir que, no presente processo, não está em causa a aceitação como custo, mas sim considerar-se a situação em causa enquadrável no artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC (anterior artigo 35.º do Código do IRC), parece-nos que o tema de fundo a decidir é se o adiantamento do preço de uma máquina que não chegou a ser entregue, e que iria ser integrada no ativo fixo tangível da Requerente é, ou não, passível de ser considerada um custo dedutível ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC.
  3. Sem prejuízo de se tomar (mais à frente) posição quanto à qualificação como imparidade, sendo a listagem prevista no artigo 23.º, n.º 2 do Código do IRC meramente exemplificativa - o que decorre da utilização do advérbio “nomeadamente”, como adiante se desenvolve -, ainda que fosse impossível a recondução do gasto ou perda à referida lista, este sempre seria de considerar dedutível desde que incorrido ou suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
  4. Com efeito, os tribunais Portugueses têm-se pronunciado, de forma reiterada, relativamente ao facto de a listagem presente no artigo 23.º, n.º 2 do Código do IRC ser meramente exemplificativa.
  5. O STA, por exemplo, tem vindo a afirmar que:
  1. «[n]o caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade do custo, que a AT aceita, mas apenas a sua indispensabilidade. Impõe-se-nos, pois, indagar em que consiste essa indispensabilidade, uma vez que a lei, não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis constantes das diversas alíneas do referido art. 23.º – entre as quais se incluem «os encargos fiscais e parafiscais» –, exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.» (Cfr. Acs. do STA de 15/11/2017, proferido no processo n.º 0372/16 e de 28/06/2017, proferido no processo n.º 0627/16, in www.dgsi.pt) (sublinhados nossos).
  2. «[n]o art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código especificam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – “os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as “menos-valias realizadas»” [cfr. alínea l)].» (Cfr. Ac. do STA de 17/02/2016, proferido no processo n.º 01401/14, in www.dgsi.pt) (sublinhados nossos).
  3. «[t]ambém com interesse dispunha o artigo 23º, n.º 1 do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, enumerando de seguida nas diversas alíneas, e de modo exemplificativo, alguns dos custos ou perdas aos quais se deve atribuir relevância fiscal.» (Cfr. Ac. do STA de 09/09/2015, proferido no processo n.º 028/15, in www.dgsi.pt) (sublinhados nossos)
  1. Também a doutrina se tem vindo a pronunciar neste sentido. Com efeito:
    1. Refere Rui Duarte Morais, relativamente à técnica de utilização da listagem prevista no referido artigo 23.º, n.º 2 do Código do IRC, que «encaramos como sendo um compromisso entre a necessidade de previsão de um conceito indeterminado de custos ou perdas – tão variadas podem ser as situações da vida que os originam, a tornar impossível uma enumeração casuística – e a exigência de cumprir, no possível, com o princípio da tipicidade; Esta enumeração exemplificativa redunda, pois, numa maior segurança.» Acrescenta ainda o mesmo autor que o «art. 23.º, seguindo a mesma técnica utilizada relativamente aos proveitos, exemplifica alguns dos tipos de custos fiscalmente dedutíveis.”;» (Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra: Almedina, 2009, p. 91) (sublinhados nossos).
    2.  Também António Moura Portugal refere que «a jurisprudência não nega um qualquer valor à enumeração exemplificativa, mas que está longe de ser a pretendida indispensabilidade ex lege.» (Cfr. António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 271) (sublinhados nossos).
    3. No mesmo sentido, Tomás Maria Cantista de Castro Tavares sustenta que «[a] técnica legal que preside à explicitação do regime fiscal dos custos desdobra-se em duas dimensões. Com efeito, após o recorte da noção geral de gasto (art. 23º, nº 1, do CIRC), coadjuvada por um catálogo exemplificativo (nas diversas alíneas desse artigo), estabelecem-se, posteriormente, certas situações-excepções, suportadas em preceitos de igual calibre, onde se preclude a dedutibilidade fiscal de determinadas perdas (cfr., especialmente, o art. 32º e art. 41º, do CIRC).» (Cfr. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, N.º 396, Boletim da Direcção-Geral dos Impostos, outubro-dezembro, 1999, p. 111) (sublinhados nossos).
  2. E no mesmo sentido se pronuncia a AT na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente ao afirmar que «[é] pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a norma contém uma definição do tipo cláusula geral do conceito de custo, seguida de enumeração exemplificativa dos custos normalmente aceites como dedutíveis fiscalmente.» (Cfr. artigo 34.º da Resposta da Requerida).
  3. A questão de fundo parece, assim, relacionar-se mais com a possibilidade de deduzir o gasto, do que de o reconduzir a uma determinada alínea, já que a dedutibilidade do gasto implicaria a anulação da liquidação ora em análise. Sem prejuízo do referido, tal como já mencionámos, tomaremos posição quanto à qualificação como imparidade. 

 

 

  1. DECISÃO

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial cuja atividade se traduz na fabricação de embalagens de plástico (Código CAE 22220).
  2. A Requerente é sujeito passivo do regime geral de IRC e sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
  3. A Requerente considerou como gasto do exercício de 2014 a importância de €131.250,00, respeitante a Imparidade de Dívidas a Receber a qual, por conseguinte, está refletida no apuramento do lucro tributável do mencionado exercício.
  4. No decurso da sua atividade a Requerente foi alvo de procedimento inspetivo, abrangendo o IRC do exercício de 2014, tendo sido efetuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2016… .
  5. No seguimento do referido procedimento inspetivo, por Ofício datado de 29 de julho de 2016, foi também notificado à Requerente o Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, segundo o qual o procedimento inspetivo foi instaurado com o objetivo de corrigir os gastos contabilizados como “imparidade”, no montante de €131.250,00, decorrentes de um crédito de cobrança duvidosa.
  6. A Requerente exerceu o Direito de Audição Prévia, reiterando que o gasto cumpre os requisitos para a sua qualificação enquanto imparidade dedutível para efeitos fiscais, tendo a AT mantido o seu entendimento aquando da emissão do Relatório de Inspeção Tributária.
  7. Resulta, assim, do Relatório de Inspeção um Lucro Tributável corrigido de €160.521,53.
  8. Foi emitida a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, a Demonstração de Liquidação de Juros compensatórios n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, dos quais resulta um valor global de imposto e juros compensatórios a pagar no montante de €33.805,80.
  9. A Requerente procedeu ao pagamento do valor do imposto, no dia 20 de dezembro de 2016, ao abrigo do Programa Especial de Redução de Endividamento ao Estado aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro.
  10. O crédito deduzido pela Requerente e objeto das correções efetuadas pela Administração Tributária e Aduaneira teve origem num pagamento parcial (adiantamento) efetuado à empresa B…, para aquisição de uma máquina da marca C… modelo …-PRO2-L.
  11. O referido crédito encontra-se registado na contabilidade da Requerente como crédito de cobrança duvidosa.
  12. A difícil situação económica da empresa B… culminou com a apresentação de pedido de insolvência.
  13. A referida máquina, destinada à fabricação de artigos de plástico, era indispensável à linha produtiva da Requerente e seria adquirida, por esta, por um valor total de €875.000,00.
  14. O montante de €262.500,00 corresponde a 30% do valor total acordado (€875.000,00), entre a Requerente e a empresa B… .
  15. A máquina não chegou a ser entregue à Requerente, nem o sinal devolvido.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

  1. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [Cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

  1. Em especial, relativamente aos factos dados como provados nos pontos 21 a 26 foram tidos em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, que revelaram conhecimento direto dos factos tal como se consideraram provados, e depuseram de forma lógica e coerente, entre si e com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade.
  2. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente de direito ou conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

  1. Como ponto prévio – e como resulta até das considerações supra – durante o exercício fiscal de 2014, o Código do IRC teve duas versões: a primeira até 20 de janeiro de 2014 e a segunda a partir de 21 de janeiro.
  2. Até 20 de janeiro de 2014, o artigo 23.º do Código do IRC dispunha:

«1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.»

  1. A partir de 21 de janeiro de 2014, o artigo 23.º do Código do IRC passou a estar redigido do seguinte modo:

«1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.Ver jurisprudênciaVer informações vinculativas

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade;

i) Provisões;

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros;

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.».Ver jurisprudência

  1. Ainda com relevância para o caso concreto, o artigo 35.º do Código do IRC (atual artigo 28.º-A do Código do IRC) dispunha até 20 de janeiro de 2014 que:

«1Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;».

  1. Sendo que, a partir de 21 de janeiro de 2014, deixou de ser o artigo 35.º a reger a matéria para passar a ser o artigo 28.º-A do Código do IRC:

«1- Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;».

 

Vejamos a questão de fundo:

 

  1. A Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”) determina que a tributação das empresas deve assentar fundamentalmente sobre o seu rendimento real (Cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
  2. A dedutibilidade de gastos e perdas é uma decorrência do princípio constitucional da capacidade contributiva na medida em que este impõe a tributação do rendimento líquido das sociedades, o que implica a dedução das despesas relativas à obtenção do rendimento (Cfr. António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal Portuguesa, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 31, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2015, p. 299).
  3. Neste sentido, Tomás Maria Cantista de Castro Tavares afirma que a «capacidade contributiva clama, desde logo, por um imposto sobre o rendimento real. Aliás, no que respeita à tributação das empresas, esta consideração foi elevada à dignidade constitucional expressa (cfr. o nº 2 do art. 104º da CRP). O legislador, entre duas soluções típicas possíveis, isto é, incidência sobre os lucros reais ou normais (médios), optou por aquela equação em detrimento desta. Por conseguinte, tributam-se os réditos realmente verificados no seio da empresa, em lugar dos que se obteriam em condições habituais (invariavelmente, além ou aquém da realidade).», acrescentando que «o arquétipo da tributação do rendimento real e efectivo comunica a esse desiderato duas notas essenciais, por incidência sobre o rendimento líquido e acréscimo. Em geral, o rendimento pode ser encarado em termos brutos ou líquidos, consoante a revelação do empobrecimento empreendido. O primeiro modelo ignora os gastos conexos com a constituição do rédito (ou, pelo menos, não os apura com profundidade e total exactidão). Na tributação das receitas líquidas, pelo contrário, o imposto abarca a riqueza efectivamente gerada num dado período, por dedução aos proveitos (componentes positivas) de todos os custos ligados à sua obtenção (componentes negativas). Ora, bem vistas as coisas, a tributação de acordo com a capacidade económica apenas se realiza neste último modelo, pois só ele traduz, com rigor, o lucro real.» (Cfr. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, N.º 396, Boletim da Direcção-Geral dos Impostos, outubro-dezembro, 1999, pp. 31 e 32).      
  4. Também Rui Duarte Morais defende que «seguindo o que julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.» (Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra: Almedina, 2007, p. 80). 
  5. Desta feita, a desconsideração de custos deve rodear-se dos devidos cuidados, já que implica, igualmente, arredar ou limitar a aplicação de um princípio constitucional.
  6. Por outro lado, tem vindo a ser defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, incluindo deste tribunal arbitral, que os sujeitos passivos gozam de uma ampla margem de discricionariedade na consideração do que deve, ou não, ser considerado como dedutível aos resultados apurados.
  7. Com efeito, de acordo com o STA:
    1. O «critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador não para permitir à Administração Tributária intrometer-se na gestão da empresa ditando como deve aplicar os seus meios mas para impedir a consideração fiscal de gastos que ainda que consabido como custos não se inscrevam no âmbito da empresa.
      Rui Duarte Morais defende in Apontamentos IRC Almedina Coimbra 2007 pp87 que o custo tem de considerar-se indispensável” sempre que o encargo que o origina derivou de “uma genuína motivação empresarial – o entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social”.
      Na esteira aliás de António Moura Portugal que in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa Coimbra Editora 2004 pp1133 e segs sustenta que a indispensabilidade tem de ser interpretada em função do objecto societário. Deixando de ser tolerável a utilização do critério de razoabilidade como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. A indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária o qual por natureza não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal que se não deve imiscuir muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte.
      Os custos indispensáveis equivalem assim os gastos contraídos no interesse da empresa. 
      A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se sempre que por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas as operações societárias se insiram na sua capacidade por subsunção ao respectivo escopo societário e em especial desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma directa ou indirecta.
      Os custos que nos termos do artigo 23 do CIRC relevam fiscalmente serão todos aqueles que directamente interfiram no objecto social prosseguido pela impugnante.»
      (Cfr. Ac. do STA de 05/11/2014, proferido no processo n.º 0570/13, in www.dgsi.pt).
    2. «(…) o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo “o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora” (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
      Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2001, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.»
      (Cfr. Ac. do STA de 24/09/2014, proferido no processo n.º 0779/12, in www.dgsi.pt).
    3. O «[…] critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. (...) O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável. Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.» (Cfr. Ac. do STA de 29/03/2006, proferido no processo n.º 01236/05, in www.dgsi.pt).
  8. Também este Tribunal Arbitral tem produzido jurisprudência idêntica, decidindo que:
    1. «(…) comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária e Aduaneira realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida pela Requerente.» (Cfr. Ac. do CAAD de 20/07/2017, proferido no processo n.º 79/2017-T, in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
    2. «[b]asta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.» (Cfr. Ac. do CAAD de 02/12/2013, proferido no processo n.º 101/2013-T), in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
    3. «[t]endo em conta a jurisprudência dos tribunais superiores (devidamente citada pelas partes, em especial pela Requerida [nomeadamente, Acórdão do STA 186/06, de 12/7/2006; 107/11 de 30/11/2011; 1077/08, de 20/5/2009; 246/02, de 10/7/2002 e Acórdão do TCA Sul 5251/11, de 24/4/2012, consultados em www.dgsi.pt]) e os ensinamentos da doutrina que se debruçou sobre o assunto (abundantemente citada pelas partes, nomeadamente pela Requerida) inclusive um trabalho de que o árbitro é autor (Tomás Cantista Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos, CTF 396, Outubro-Dezembro de 1999 e António Portugal, A dedutibilidade dos custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004), podemos estabelecer os seguintes corolários, aceites por todas estas fontes, relativamente ao caso dos autos: 1. O art. 23.º do CIRC contém uma cláusula aberta, que carece de interpretação e aplicação ao caso concreto (sem que o Fisco possa entrar num juízo de oportunidade ou de discricionariedade técnica), pela qual só são fiscalmente aceites os custos indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. 2. A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta. 3. A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa. 4. O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa. 5. O art. 23.º do CIRC intima não apenas uma conexão causal adequada entre o custo e o proveito (nos referidos termos económicos), mas conexiona-se também alternativamente (como indica o vocábulo “ou”) com a manutenção da fonte produtora – no sentido de uma ligação económica entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade e sua atividade. 6. No que tange aos encargos financeiros, são custos fiscais os juros de capitais alheios aplicados na exploração – como indica a al. c) do n.º 1, do art. 23.º do CIRC, que na estrutura da norma (exemplos nas alíneas e princípio geral no corpo do n.º 1) se assume como a concretização do princípio geral: o juro é indispensável quando o capital alheio for aplicado na exploração. 7. O art. 23.º do CIRC quer apenas recusar a aceitação fiscal dos custos, que embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais. Trata-se de situações claramente abusivas, pois tais gastos não se inscrevem no âmbito da sua atividade – foram contraídos não no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios (por exemplo, camuflar gastos pessoais dos administradores). 8. O custo fiscal exige um interesse próprio e egoístico da sociedade que regista o custo: esse interesse tem de existir autonomamente e não pode ser diluído no interesse coletivo ou do grupo. Estas considerações habilitam a resolução da situação concreta.» (Cfr. Ac. do CAAD de 08/07/2013, proferido no processo n.º 12/2013-T, in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/) (sublinhados nossos).
  9. Neste mesmo sentido, tal como referido, se tem vindo, igualmente, a pronunciar a doutrina:
    1. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, «[a] noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.», ou seja, defende o Autor que a noção «legal de indispensabilidade entre as componentes positivas e negativas do rendimento, pelo contrário, apenas intima uma relação de causalidade económica, no sentido da admissibilidade fiscal dos encargos reputados de indispensáveis pelo órgão de gestão, dado que contribuem, ainda que indirecta ou mediatamente, para a percepção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, este desiderato verifica-se sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade do fim das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção no respectivo escopo estatutário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção do lucro, ainda que de forma indirecta ou mediata.»  (Cfr. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Lisboa: Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, outubro-dezembro, 1999, p. 167).
    2. Também José Casalta Nabais refere que «o princípio da livre disponibilidade económica exige que se permita, com a maior amplitude possível, a livre decisão do indivíduo em todos os domínios da vida, e que a limitação dessa liberdade de decisão apenas seja admitida quando, do seu exercício sem entraves, resultem danos para a colectividade, ou quando o estado tenha de tomar precauções para que se possa conservar e manter essa mesma liberdade de decisão.» (Cfr. José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos: Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo, Coimbra: Almedina, 2009, p. 204).
    3. António Moura Portugal defende que a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica (Cfr. António Moura Portugal, A dedutibilidade…op. cit., p. 279).
    4. Na mesma senda, Rui Duarte Morais sustenta que «[o]s sujeitos passivos são, pois, livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e montante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica. Temos, como princípio inerente à ideia de Estado Fiscal, a não interferência da administração na gestão das empresas. A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial, feito pela administração fiscal ou pelos tribunais.», frisa ainda que «[s]e à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável.» (Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Coimbra: Almedina, 2007, pp. 85 a 87).   
  10. Tomando como ponto inicial a letra da lei (artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC), que determina que «são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» e tendo em consideração a doutrina e jurisprudência acima identificadas, consideramos não existir qualquer razão para que o gasto incorrido pela Requente não seja considerado dedutível para efeitos fiscais, i.e., para que o gasto se considere enquadrado no artigo 23.º do Código do IRC.
  11. O facto de a máquina não ter chegado a ser entregue não deverá obstar ao enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC. Tal como já foi referido acima, sendo este ponto reiterado por diversos autores, ainda que se tratasse de um ato falhado do ponto de vista da gestão – o que não foi demonstrado, ou sequer invocado de forma assertiva - o gasto continuaria a ser dedutível.
  12. Assim, em rigor, o que sucedeu foi a afetação de fundos da sociedade (da Requerente) tendente à aquisição de uma máquina que não chegou a ser entregue, mas que seria incluída na atividade da Requerente. Em todo o caso, os fundos foram efetivamente utilizados (gastos) e foram-no no contexto de uma atividade empresarial.
  13. Sempre se dirá, até, que os fundos foram consumidos num contexto que ocorre com alguma reiteração na vida societária dada a conjuntura económica registada num passado recente.
  14. Naturalmente, dedicando-se a Requerente à fabricação de embalagens de plástico a aquisição de uma máquina necessária à respetiva fabricação não poderá ser considerada anormal, uma vez que, não apenas se relaciona com a atividade, como é essencial à mesma, assumindo-se como uma condição para o fabrico dos produtos vendidos pela Requerente. Será, assim, tão normal, no âmbito da atividade da Requerente a venda de produtos, como a compra de matérias-primas ou de instrumentos de fabrico. 
  15. Com efeito, “normalidade” não deve ser confundido com “regularidade”. O facto de a aquisição de ativos fixos não ser, na atividade da Requerente, tão regular como a venda dos artigos fabricados, não torna a aquisição de ativos fixos anormal face à sua atividade.
  16. Por outro lado, caso a máquina tivesse sido efetivamente adquirida, o seu custo sempre seria dedutível. Assim, os fundos efetivamente despendidos para a aquisição da máquina, mas que, por razões não imputáveis à Requerente, não se traduziram numa aquisição efetiva, terão que ser dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
  17. Repete-se, fundando-se, no essencial – e sem prejuízo de algumas extensões relativas a benefícios fiscais e / ou alguns casos de não dedutibilidade expressos - a dedutibilidade dos gastos e perdas no princípio constitucional da capacidade contributiva, decorrendo quer do artigo 13.º, quer do artigo 104.º, n.º 2 ambos da CRP, teriam que ser ponderosas as razões para limitar o respetivo direito à dedução. Ora, no caso concreto, nada aponta para uma afetação abusiva ou promíscua dos recursos societários.
  18. Desta feita a “perda” incorrida pela Requerente é dedutível. É esta, com efeito, a questão de fundo que importava essencialmente apreciar, porquanto sendo o montante dedutível a liquidação de IRC efetuada pela Requerida, no que à desconsideração deste gasto se refere, deve ser anulada.
  19. O facto de se tratar de um adiantamento não altera o enquadramento a seguir, já que este foi igualmente consumido no âmbito da atividade empresarial.
  20. Acresce ao referido que o enquadramento específico (enquanto imparidade), efetuado pela Requerente, nos parece legítimo e adequado, já que o valor do adiantamento registado na contabilidade difere do valor recuperável. Isto porque a máquina não chegou a ser entregue e o adiantamento não chegou a ser reembolsado.
  21. Vejamos então se um pagamento parcial (adiantamento) para a aquisição de uma máquina para fabricação de artigos de plástico pode ser considerado uma “imparidade” nos termos e para os efeitos do artigo 23.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRC, nos casos em que, por factos não imputáveis à Requerente, a máquina não tenha sido entregue, nem o montante devolvido.
  22. Neste contexto, a Requerida invoca, no essencial, que o gasto não foi incorrido no âmbito da “atividade normal” da Requerente (sendo um ativo fixo tangível e tratando-se de um adiantamento). Será, assim, este o ponto que abordaremos com maior detalhe.
  23. Uma vez que a atividade da Requerente se traduz na fabricação e venda de embalagens de plástico (CAE 22220), a compra de uma máquina para a fabricação de artigos de plástico tem uma relação direta com a atividade da Requerente.
  24. A Requerente adquiriu à empresa B… uma máquina para o regular funcionamento do seu objeto social.
  25. Perante a circunstância de a B… não ter tido condições para cumprir com a  obrigação de entrega da máquina, a Requerente registou na sua contabilidade um crédito de cobrança duvidosa.
  26. Nos termos do artigo 35.º do Código do IRC – as perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis - «1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;» (negritos e sublinhados nossos).
  27. Ora, resulta do artigo supra transcrito que são dedutíveis os créditos que preencham três requisitos: (i) resultem da atividade normal da empresa; (ii) a sua cobrança seja duvidosa; e (iii) estejam evidenciados na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa.
  28. No que respeita ao primeiro requisito (i) (créditos resultantes da atividade normal da empresa), parece resultar evidente da factualidade provada que a máquina adquirida era absolutamente essencial para a prossecução do objeto social da Requerente, inserindo-se, na opinião deste Tribunal, no conceito de atividade normal do sujeito passivo, conforme se defendeu supra.
  29. A atividade normal abrange os atos que permitem a realização direta ou indireta do objeto da sociedade. Por exemplo, uma sociedade que se dedica à Compra e Venda de imóveis tem que comprar os imóveis para, posteriormente, os revender.
  30. Com efeito, consistindo a atividade normal da Requerente na fabricação para venda de embalagens de plástico, a compra de uma máquina para a fabricação de artigos de plástico, ou seja, a aquisição de um ativo necessário à realização do objeto, é uma aquisição relacionada com a atividade normal da empresa. Neste sentido, determinou o TCA-S que «os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas”).» (Cfr. Ac. do TCA-S de 23/02/2010, proferido no processo n.º 03751/10, in www.dgsi.pt).
  31. No mesmo sentido, o Ac. do TCA-S: «[a]ssim, e antes de mais, os créditos têm que resultar da actividade normal da empresa e tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas.» (Cfr. Ac. do TCA-S de 15/06/2010, proferido no processo n.º 03976/10, in www.dgsi.pt).
  32. Igualmente noutro acórdão: «[a]ssim, e antes de mais, os créditos têm que resultar da actividade normal da empresa e tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas.» (Cfr. Ac. do TCA-S de 03/12/2015, proferido no processo n.º 01108/16, in www.dgsi.pt).
  33. Atividade normal não é assim apenas o ato de realização ou obtenção de rendimento, não é apenas a última fase do processo, em que existe um contacto com a procura, mas todos os atos tendentes à realização do fim específico da entidade, incluindo os preparatórios, ou os situados a montante da venda, i.e., os contactos com os fornecedores.
  34. As dívidas de fornecedores devem, dessa forma, ser igualmente consideradas como resultando da atividade normal dos sujeitos passivos.      
  35. O artigo 28.º-A do Código do IRC não faz qualquer referência à atividade operacional do sujeito passivo, ou sequer a clientes, apenas se refere a “dívidas a receber” na respetiva epígrafe, e a “créditos resultantes da atividade normal”.
  36. Efetivamente, seria chocante que uma dívida de cliente fosse considerada uma imparidade, correspondendo à atividade normal do sujeito passivo, enquanto uma dívida de um fornecedor para a aquisição de um ativo indispensável à atividade a jusante não o fosse.
  37. Por outro lado, e no que respeita ao segundo requisito (ii) (a sua cobrança seja duvidosa), o devedor, no caso concreto a B…, tinha pendente um processo de insolvência, o que, nos termos do artigo 36.º em vigor à data dos factos (atual artigo 28.º-B n.º 1, alínea a) do Código do IRC, confirma que o crédito era de cobrança duvidosa).
  38. Finalmente, no que respeita ao terceiro requisito (iii) (e estejam evidenciados na contabilidade como créditos de cobrança duvidosa), o crédito foi evidenciado como de cobrança duvidosa na contabilidade.
  39. Tal como invocado pela Requerida (Cfr. artigo 40.º da Resposta) a dependência do direito fiscal face ao direito contabilístico é apenas parcial.
  40. Assim, ainda que do ponto de vista contabilístico se possa discutir a exata qualificação do adiantamento, o que está em causa nos autos é o enquadramento para efeitos de IRC.  
  41. Neste sentido, José Casalta Nabais sustenta que «o lucro tributável das empresas tem por base o resultado contabilístico, mas não se reconduz a este, pois o lucro fiscal tem em conta também as variações patrimoniais positivas e negativas não reflectidas no resultado contabilístico. O que significa que, na determinação ou apuramento do lucro tributável das empresas, não segue o CIRC nem o modelo da dependência total, em que haveria coincidência do resultado contabilístico com o resultado fiscal, nem o modelo da autonomia, em que o lucro tributável seria apurado de maneira totalmente autónoma face ao resultado contabilístico. Antes adopta um modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade. Uma não coincidência que bem se compreende, pois, enquanto o lucro contabilístico é determinado com base em princípios, normas e regras do referido direito contabilístico e tem por destinatários os utentes das demonstrações financeiras das empresas (isto é, os investidores, os trabalhadores, os financiadores, os fornecedores e outros credores comerciais, os clientes, o Governo e seus departamentos e o público em geral), o lucro fiscal guia-se pelos princípios e normas do direito fiscal e tem por destinatário sobretudo o Estado, mais precisamente a administração tributária.» (Cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2010, pp. 588 e 589). 
  42. Na verdade, são geralmente fins de combate à evasão fiscal ou a situações irregulares ( “extra-sistema”) que justificam a não dedutibilidade de um gasto, o que não parece estar em causa nos presentes autos.
  43. Assim, tendo em consideração o exposto acima parece, de facto, adequado enquadrar o gasto como uma imparidade.  
  44. Ou seja, parecem verificar-se os requisitos para a consideração do gasto como dedutível enquanto imparidade, reconduzível ao artigo 23.º, n.º 2, alínea h) do Código do IRC.

 

  1. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. Além do exposto acima, a Requerente peticiona igualmente o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso do referido montante.
  2. Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
  3. Por conseguinte, e conforme o estatuído no artigo 100.º da LGT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT: «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
  4. Assim, e não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para delinear o âmbito material de competência dos tribunais arbitrais, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreende no seu escopo os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
  5. Com efeito, é esta a interpretação que melhor se coaduna com o propósito subjacente à criação dos tribunais arbitrais em matéria tributária, i.e., que estes constituíssem um meio alternativo de resolução de litígios e, por conseguinte, alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
  6. Saliente-se que apesar de o processo de impugnação judicial consubstanciar um contencioso de mera anulação de atos tributários, é admissível a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, conforme o preceituado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
  7. Nos termos do artigo anteriormente mencionado: «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» (negritos e sublinhados nossos).
  8. Mais ainda, decorre do próprio artigo 24.º, n.º 5 do RJAT que «[é] devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»
  9. Neste sentido, refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa que: «apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99º e 124º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços.», acrescentado o mesmo autor que «[…]particularmente em processos que estavam pendentes nos tribunais tributários há mais de dois anos e em que os contribuintes utilizaram a faculdade prevista no artigo 30º do RJAT, não seria razoável entender que podiam ser apreciadas pelos tribunais arbitrais apenas as questões da legalidade dos atos de liquidação impugnados nos processos de impugnação judicial e não também a apreciação dos pedidos de condenação em juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, o que se reconduziria a que o processo de impugnação judicial tivesse de se manter, necessariamente com suspensão da instância até transitar em julgado a decisão arbitral, apenas para apreciar estes pedidos indemnizatórios, cuja apreciação depende da decisão sobre a legalidade dos atos de liquidação.» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra: Almedina, 2017, pp. 95 e 97).
  10. No que concerne ao âmbito das decisões arbitrais, os tribunais arbitrais em funcionamento no CAAD têm, reiteradamente, condenado no pagamento de juros indemnizatórios (neste sentido e a título de exemplo, Ac. do CAAD de 09/05/2017, proferido no processo n.º 680/2016-T; Ac. do CAAD de 17/12/2014, proferido no processo n.º 321/2014-T; Ac. do CAAD de 08/07/2013, proferido no processo n.º 12/2013-T; Ac. do CAAD de 24/09/2012, proferido no processo n.º 39/2012-T; Ac. do CAAD de 05/07/2012, proferido no processo n.º 22/2012-T - in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/). 
  11. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios implica, necessariamente, a existência de erro imputável aos serviços «entendido este como o “erro sobre os pressupostos de facto e de direito imputável à Administração Fiscal» como se regista no presente caso (Cfr. Ac. do CAAD de 28/08/2017, proferido no processo n.º 30/2017-T, in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).
  12. No caso em apreço, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
  13. No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, ao errar no enquadramento legal a seguir, incorreu em erro nos pressupostos de direito.      
  14. Tem, assim, a Requerente direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal relativamente à liquidação que é anulada, calculados desde a data em que foi efetuado o pagamento do imposto respetivo.      

 

 

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, relativo ao exercício fiscal de 2014, bem como da Demonstração de liquidação de Juros compensatórios n.º 2016…, de 30 de setembro de 2016, e da consequente Demonstração de Acerto de Contas, identificada pelo n.º 2016…, emitida em 30 de setembro de 2016, da qual resulta o montante de €33.805,80;
  2. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto ora anulado, até ao reembolso integral da quantia paga.

 

 

D. VALOR DO PROCESSO

 

  1. Fixa-se o valor do processo em €33.805,80, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. CUSTAS

 

  1. Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de janeiro de 2018

 

O Árbitro

 

 

(Leonardo Marques dos Santos)