Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 89/2017-T
Data da decisão: 2017-07-05  IRS  
Valor do pedido: € 7.099,44
Tema: IRS - Mais-valias não residentes.
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Decisão Arbitral

 

I.                   RELATÓRIO:

A…, residente na … …, … …, França, contribuinte fiscal número…, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRS relativo ao ano de 2015, no valor de € 15.740,56, acrescido de juros compensatórios no montante de € 331,89, deduzido do valor de € 760,56, relativo à anterior liquidação de IRS já paga, bem como a condenação da Requerida no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)             Por escritura pública outorgada em 04/01/2008, a Requerente adquiriu, conjuntamente com dois filhos, em comum e em partes iguais, o prédio urbano sito na Rua …, nºs…, …, … e…, freguesia dos …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo…, pelo preço de € 285.000,00;

b)             Em 31/07/2015, a Requerente e os dois filhos venderam o indicado prédio, pelo preço de € 550.000,00;

c)             A Requerente submeteu, na qualidade de sujeito passivo não residente, declaração modelo 3 de IRS, declarando, para efeito de cálculo das mais-valias, os valores de aquisição e venda do prédio e o valor de despesas e encargos, tendo sido emitida pela Requerida a correspondente liquidação de IRS com valor a pagar de € 760,56 que a Requerente pagou;

d)             Posteriormente, a Requerida emitiu uma nova liquidação de IRS e juros compensatórios, da qual, deduzido o valor anteriormente pago pela Requerente, resultava um valor a pagar pela Requerente de € 15.311,69, que a Requerente pagou;

e)             Para efeito de cálculo do IRS devido, a Requerida tomou em consideração a totalidade da mais-valia realizada pela Requerente e não 50% do seu valor;

f)              O legislador nacional faz um tratamento diferenciado quanto à tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de imóveis em função da residência fiscal do sujeito passivo;

g)             Ao não considerar apenas 50% da mais-valia realizada pela Requerente, a Requerida violou o artigo 62º nº 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, bem como o principio da não discriminação previsto no artigo 18º do mesmo Tratado.

 

A Requerente juntou 8 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 11 de abril de 2017.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:

a)      O legislador nacional faz um tratamento diferenciado quanto à tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de imóveis em função da residência fiscal;

b)      Se o sujeito passivo for residente em território nacional, a mais-valia é considerada em apenas 50%;

c)      Se o sujeito passivo não for residente em território nacional, a mais-valia é considerada na totalidade;

d)      Os residentes noutro Estado membro da União Europeia podem optar, relativamente aos rendimentos de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, pela tributação desses rendimentos à taxa que seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português;

e)      A Requerente não fez esta opção, tendo declarado, aquando da submissão da declaração modelo 3 de rendimentos, pretender a tributação pelo regime geral;

f)       O TJUE, no acórdão de 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, chamado a pronunciar-se sobre a compatibilidade com o direito comunitário da norma constante do artigo 43º nº 1 do CIRS, pronunciou-se no sentido de que o que releva para este efeito não é o facto de este artigo excluir da limitação da incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro mas antes o facto de daí poder resultar uma carga fiscal superior à que seria aplicável a um residente para o mesmo tipo de operações;

g)       A AT limitou-se a aplicar a lei, não havendo qualquer desconformidade ou incompatibilidade com o direito comunitário.

 

A Requerida juntou 5 documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, escritas ou orais.

 

II.                SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.             QUESTÃO A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, verifica-se que a única questão a decidir é determinar se a diferenciação prevista na legislação nacional entre cidadãos residentes em Portugal e não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado membro, no que diz respeito à base de incidência de IRS das mais-valias resultantes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, viola o direito comunitário, maxime os artigos 63º e 18º do TFUE.

 

IV.             MATÉRIA DE FACTO:

a.         Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.        No ano de 2015, a Requerente residia em França;

2.        Por escritura pública outorgada em 04/01/2008, a Requerente adquiriu, conjuntamente com dois filhos, em comum e em partes iguais, o prédio urbano sito na Rua …, nºs…, …, … e …, freguesia dos …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, pelo preço de € 285.000,00;

3.        Tal prédio foi vendido, em 31/07/2015, pela Requerente e pelos dois filhos, pelo preço de € 550.000,00;

4.        Em 01/06/2016, a Requerente submeteu, na qualidade de sujeito passivo não residente, declaração modelo 3 de IRS, a qual fez acompanhar de um único anexo, o anexo G, no qual foi declarada a operação de venda do imóvel a que se alude em 2), não tendo a Requerente declarado optar pelo regime geral de tributação;

5.        A Requerida emitiu a correspondente liquidação, da qual resultou imposto a pagar pela Requerente, no valor de € 760,56, que esta pagou;

6.        Por ofício datado de 16/08/2016, foi a Requerente notificada para prestar esclarecimentos sobre “alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis ou afetação a atividade profissional”;

7.        Na sequência dos esclarecimentos prestados, verificou-se que o valor de alienação ascendia a € 145.000,00 e não aos € 95.000,00 anteriormente declarados, tendo, nessa sequência, a Requerente sido notificada para querendo, exercer o direito de audição prévia;

8.        Não tendo a Requerente exercido o direito de audição prévia, a Requerida corrigiu o valor declarado e emitiu nova declaração, da qual resultou um valor a pagar pela Requerente no montante global de € 16.072,25, sendo € 15.740,56 relativo a imposto e € 331,69 respeitante a juros compensatórios;

9.        A Requerente procedeu ao pagamento do valor global de € 15.311,69, correspondente ao valor de € 16.072,25 deduzido do valor pago aquando do envio da nota de liquidação a que se alude em 5) anterior (€ 760,56);

10.    A Requerida determinou como rendimento coletável da Requerente o valor de € 56.216,27, à qual aplicou a taxa de 28% prevista no artigo 72º nº 1 do CIRS.

 

b.        Factos não provados:

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

c.         Fundamentação da matéria de facto:

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base as alegações e prova documental junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos e cuja adesão à realidade não foi questionada.

 

V.      DO DIREITO:

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

A questão em causa nos presentes autos prende-se com a diferenciação prevista na legislação nacional entre cidadãos residentes em Portugal e não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado membro, no que diz respeito à base de incidência de IRS das mais-valias resultantes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis.

Não há qualquer dúvida que a legislação nacional prevê um regime jurídico diferente quanto à tributação das mais-valias provenientes da alienação onerosa de bens imóveis, consoante em causa esteja um cidadão residente ou não residente em Portugal.

Assim, no que diz respeito aos cidadãos residentes, dispõem os números 1 e 2 do artigo 43º do CIRS:

1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos Seguintes.

2. O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

 

Por seu turno, quanto aos não residentes em Portugal, prescreve o artigo 72º nº 1 do CIRS que “as mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributadas à taxa autónoma de 28%, salvo o disposto no n.º 4.”.

O legislador nacional prevê, assim, que, para os residentes em Portugal, as mais-valias são apenas consideradas em 50% do seu valor, ao passo que para os não residentes em Portugal as mais-valias são consideradas na sua totalidade.  

A questão centra-se, assim, em saber se tal diferenciação prevista pelo legislador nacional é ou não conforme com o direito comunitário, maxime com a liberdade de circulação de capitais e com o princípio da não discriminação, previstos nos artigos 63º e 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Sobre tal questão já se pronunciou profusamente a jurisprudência nacional, incluindo arbitral, no sentido de que o artigo 43º nº 2 do CIRS, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro, viola a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE.

Nesse sentido, veja-se, entre outros, acórdãos do STA de 16JAN2008, processo número 439/06; de 22MAR2011, processo número 1031/10; de 30ABR2013, processo número 1374/12 e, mais recentemente, de 03FEV2016, processo número 1172/14, todos in www.dgsi.pt.

Também no âmbito da jurisprudência arbitral se pronunciaram no mesmo sentido, entre outros, os árbitros nomeados no âmbito dos processos 45/2012-T, 127/2012-T e 748/2015-T, todos in www.caad.org.pt.

A questão em causa nos presentes é a mesma questão sobre a qual se debruçaram os indicados arestos, os quais foram, ademais, proferidos no âmbito da mesma legislação, pelo que não vislumbramos qualquer razão para não seguir a jurisprudência que, de forma, cremos, unânime, tem sido seguida, e com a qual concordamos e subscrevemos na íntegra.

É certo que, posteriormente ao acórdão proferido pelo TJUE em 11/10/2007, processo número C-443/06, conhecido por acórdão Hollmann, o legislador nacional, com o objetivo de adequar o sistema tributário nacional à decisão proferida neste acórdão, introduziu, através da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, a possibilidade de os residentes noutro Estado membro da União Europeia optarem, relativamente aos rendimentos referidos nos números 1 e 2 do artigo 72º do CIRS, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

Sendo igualmente certo que, conforme resultou dos factos provados – cfr. ponto 4 – a Requerente não fez esta opção.

Mas será que a falta de opção da Requerente por esta possibilidade determina a conformidade dos artigos 43º e 72º do CIRS com o direito comunitário?

Cremos que não, tanto mais que, conforme decidido pelo TJUE no acórdão Gielen, proferido em 18/03/2010, “a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente (…) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório”, sendo que “essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.

Pese embora neste aresto estivesse em causa não a violação do artigo 63º do TFUE mas do artigo 49º do TFUE, entendemos ser inteiramente aplicável à hipótese agora em apreciação a conclusão alcançada por aquele tribunal de que o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a ser discriminatório.

Pelo que, muito embora o legislador nacional tenha consagrado a possibilidade de o sujeito passivo não residente optar pela tributação aplicável aos residentes, a verdade é que tal não retira o efeito discriminatório essencial da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes, que é assim violadora dos artigos 63º e 18º do TFUE.

Em face do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no artigo 8º número 4 da Constituição da República Portuguesa, a jurisprudência do TJUE, em sede de direito comunitário, vincula os tribunais nacionais, pelo que não pode este tribunal decidir de forma diferente da já decidida, no âmbito da mesma questão de direito e da mesma legislação, pelo TJUE.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que a liquidação impugnada, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente mais de 50% do seu valor, carece de fundamento legal.

 

 

VI.   DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

a)                  Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação impugnado, na parte que considera como base de tributação das mais-valias realizadas pela Requerente mais de 50% do seu valor;

b)                 Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias que hajam sido indevidamente pagas; e

c)                  Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre os montantes indevidamente pagos, desde a data do pagamento e até efetivo e integral pagamento por parte da Requerida.

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Fixa-se o valor do processo em € 7.099,44, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 05 de julho de 2017.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.