Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2015-T
Data da decisão: 2016-03-14  Selo  
Valor do pedido: € 10.851,50
Tema: IS-Verba nº28 da TGIS; propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

 

A fls. 2 vem A…, viúva, com os sinais dos autos, contribuinte nº…, residente na Rua…, …-… em Lisboa, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B…, NIF…, notificada dos sete actos de liquidação de Imposto de Selo, do ano de 2014, no valor total de €10 851,50, vem deduzir pedido de pronúncia arbitrária nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:

 

OS FACTOS

 

1.º A herança indivisa de B… é composta, por imóveis, por um prédio urbano sito na Rua…, nºs…, … e…, na freguesia de…, do concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o art.º… .

2º Este prédio, não se encontra constituído em propriedade horizontal, é composto por 5 pisos, (r/c e 4 andares), com 8 (oito) divisões com utilização independente, afectas a habitação e uma a armazém e actividade industrial.

3.º O valor patrimonial tributário (VPT) do prédio foi considerado em 18-09-2013, no montante de € 1.128.920,00, e resulta do somatório dos VPT de cada divisão independente, em que cada uma tem VPT, individualmente, valor inferior a 1.000.000,00.

4.º Cada divisão de utilização independente, com afectação habitacional, tem o seguinte VPT:

r/c esquerdo            73 020,00

  1.º andar                 213 760,00

2.º andar               278.230,00

3.º andar               262.000,00

4.º andar (trz)          61.870,00

4º andar direito      131.860,00

4.º andar esquerdo    64 330,00

 

5º Em 20 de Março de 2015, foram emitidas, pela AT, sete liquidações de Imposto de Selo, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativa ao ano de 2014, cuja primeira prestação tem as datas limite de pagamento de 30 de Abril de 2015, a segunda de 30 de Junho de 2015, conforme segue.

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

R/C esq

€ 730,20

 243,40

 243,40

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

1º andar

2 137,60

712,54

712,53

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

2.º andar

2 782,30,

927,44

927,43

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

3.º andar

2 620,80

873,60

873,60

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

4.º Trz

618,70

206,24

206,23

Liquidação 2015…

Liquidação 2015…

4.ºDireito

1 318,60

439,54

439,53

Liquidação 2015…

Liquidação 2015 …

4º Esquerdo

643,30

214,44

214,43

Total

 

10 851,50

7.234,35

 

 

5º Cada uma das sete liquidações do imposto foi realizada de forma separada, com referência a cada divisão de utilização independente, e incidiu sobre a respectiva VPT individualizado.

6.º) A Requerente entende que as liquidações referidas são ilegais, com fundamentos em:

A) Erro dos pressupostos de direito, na aplicação da verba 28.1 da TGIS

B) Inconstitucionalidade da interpretação da verba 28.1, por violação do princípio da igualdade.

A) Erro dos pressupostos de direito na aplicação da verba 28.1 da TGIS

7.º A verba n.º28.1 da TGIS foi aditada pela Lei n.º 55-A, de 2012, de 29 de Outubro com a seguinte redacção

28 – propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a 1 milhão de Euros sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1% (alterada pela Lei n.º 83-2013, de 31 de Dezembro)”

8.º Dado haver prédios em propriedade horizontal propriedade total, como determinar o VPT relevante para aplicação da verba 28 da TGIS.

9.º Nos termos do n.º 2 do art.º 67.º do CIS, as matérias não reguladas no Código do Imposto de Selo, em relação à verba 28, são-no pelo CIMI

10.º Por outro lado, nos termos do n.º3 do art.º 12 do CIMI “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”

 

11.º Os andares, “retius” cada um dos andares que compõem o prédio tem um PVT inferior a € 1 000 000, entende a Requerente que as liquidações são ilegais.

 

B DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DA VERBA 28.1 POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

13º A Requerente entende, que a interpretação dada pela AT à verba 28.1 da TGIS não é conforme a Constituição, nomeadamente o seu art.º 13.º, que estabelece o princípio da igualdade, nem o princípio constante do art.º 104.º n.º 3 que estabelece que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos

14.º O legislador não pode tratar situações iguais, de forma diferente ou seja, tratar de forma diferente situações iguais.

15.º Na discussão da proposta da Lei 96/XII na Assembleia da Republica, o fundamento da medida, chamando a contribuir de forma mais gravosa, os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, foi fazendo incidir nova taxa especial, sobre as casas de valor superior a um milhão de euros.

16.º Porém tributar de forma diferente, exclusivamente para o imposto de selo, constitui uma violação do princípio constitucionalmente consagrado

17.º Termina a requerente pedindo:

que o presente pedido seja julgado procedente e declarada a ilegitimidade das sete liquidações de Imposto de Selo, relativo ao ano de 2014, no total de € 10 851,50, com anulação das referidas liquidações e demais consequências legais.

b) o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes  da prestação de garantias bancárias, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da LGT.

18º Notificada nos termos e para os efeitos do art.º 17.º do RJAT, a Autoridade Tributária apresentou resposta, defendendo-se por impugnação e por excepção, com os seguintes fundamentos:

19.º A Autoridade Tributária entende não assistir razão à Requerente pelas seguintes razões:

20.º À data, a requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descrito como “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000 000,00

21.º Com referência ao ano de 2014, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2 da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 e cuja norma de incidência refere prédios urbanos avaliados nos termos do CIMI, com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 e, nos termos do seu 28.1, afectação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança para pagamento das liquidações em causa.

22.º Ora, o que está em causa são notas de cobrança, que resultam da aplicação directa da norma legal que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer interpretação subjectiva ou discricionária.

23.º O conceito de prédio consta do n.º1 do art.º 2º que no seu n.º 4 estatui que no regime de propriedade horizontal, cada fracção é havida como constituindo um prédio, donde um prédio em propriedade total é diverso do regime de propriedade total.

24.º Para efeitos de constituição da matriz, art.º 12.º n.º 3 do CIMI que estatui o conceito de matriz, diz-nos, para efeitos de registo dos dados matriciais que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário

25.º De acordo com o nº 1 do artº 119º do Código do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo, discriminando as partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e coleta imputada a cada concelho de localização dos prédios.

26.º Sendo devido o imposto não são devidos juros indemnizatórios, por não existir erro imputável aos serviços que agiram no estrito cumprimento da norma legal

27.º Na opinião da AT, não há violação do princípio da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva, conforme foi determinado no acórdão do Tribunal Constitucional, em recurso interposto pela Requerente no Pº 219/2013 do CAAD

28.º A Requerente coloca em causa o VPT do prédio por se tratar dum prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e, como tal, não possuírem VPT superior a € 1 000 000,00

29.º Defende que não há norma que, no caso de propriedade total, estipule que o PVT corresponde à soma das várias partes, norma que constitui um vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, não existindo qualquer disposição legal que faça depender o PVT, da soma das respectivas partes.

30.º A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, resulta da conjugação de dois fatores:

 a afectação habitacional

o VPT ser superior a € 1 000 000,00

31.º Uma vez que o prédio está em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas (que nos termos do nº 4 do art.º 2.º do CIMI só existam na propriedade horizontal).

32.º Entende pois a AT, que o erro de direito sobre os pressupostos ser julgado improcedente, mantendo-se as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta interpretação.

33.º A Requerente entende ainda que ocorre uma violação dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva o que não se vislumbra, uma vez que não existe qualquer descriminação.

34.º A propriedade horizontal e a vertical são institutos jurídicos que o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, sem que essa discriminação deva ser considerada arbitrária, podendo ser imposta para coerência do sistema fiscal,

35.º O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1, consiste na propriedade de prédios urbanos, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00

36.º A constituição em propriedade horizontal, determina a divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das fracções que a constituem, sendo que o prédio em propriedade total, constitui para todos os efeitos uma única realidade jurídico-tributária, pelo que não pode concluir a alegada violação do princípio da igualdade quando, na verdade estamos perante realidades distintas.

37.º Conclui que se mantêm integralmente válidas e legais as notas de cobrança do imposto de selo da verba 28 da TGIS de 2014.

38.º Finalmente a requerida entende para o pedido de indemnização por alegada prestação da garantia indevida, entende a AT que o Tribunal Arbitral é incompetente não apenas por estarmos perante a legalidade de um acto tributário, mas pelo facto de no CPTP constar o meio processual especialmente previsto para o efeito.

39.º Termina considerando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, dada a legalidade das notas de cobrança emitidas, absolvendo-se a Requerida do pedido.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

a) O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente nos termos do artigo 2.º.n.º 1 alínea) do RJAT

b) As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr.artigos 4.º e 10,n.2 do RJAT e n.º 1 da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março)

 

c) O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

A)-Factos provados

 

Como matéria de facto relevante dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

a)      A Requerente era proprietária, à data do facto tributário no presente processo, de um imóvel em propriedade total

b)      A AT liquidou, com referência ao ano económico de 2014, e à verba n.º 28.1 da TGIS, com a VPT total, calculado com base no somatório dos VPT atribuídos cada parte ou divisão independente, com valor superior a € 1 000 000,00

B- Factos não provados

Com relevo para a decisão não existem factos que se considerem não provados.

 

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

a) Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria aprovada e não provada (cfr. 123, n º 2, do CPPT e art.º607.º n.º 3 do CPCivil) aplicável “ex vi” art,º 29.º, nº1,alínea a) e e) do RJAT.)

b) Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa, são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da questão de direito.

c) Delimitados os factos, há que conhecer a questão de direito suscitada pela Requerente, que consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjectiva do IS, prevista na verba 28 da TGIS, no caso dos prédios em propriedade vertical compostos por diversos andares com divisões ou partes suscetíveis de utilização independente.

d) Sobre a garantia em caso de prestação indevida o art.º 53.º da Lel Geral Tributária prevê será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos.

 

 

Cumpre decidir.

1)- A questão fundamental é apurar se o VPT dum prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões susceptíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário, de cada divisão, se obtém somando os VPT de todas as divisões como pretende a AT, com a oposição da Requerente.

2.º) Ora, entendemos que a AT não tem razão.

3.º) De facto, a diferença entre um prédio em propriedade total e um prédio em propriedade horizontal é apenas jurídica, já que são fisicamente iguais. Em ambos os casos são inscritos separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

 4.º)Tributar a mesma realidade material de forma diferente apenas com base na realidade jurídico-formal violaria o princípio da igualdade tributária

5.º) Se o prédio em causa estivesse constituído em propriedade horizontal não seria tributado em Imposto do Selo

Assim, tendo em conta a letra da lei temos como elementos para que sejam tributados os imóveis que reúnam os seguintes elementos:

Os imóveis sejam detidos em propriedade, usufruto e direito de superfície

Sejam prédios urbanos

Estejam afectos a habitação

Tenham valor patrimonial tributário constante da matriz igual ou superior a 1.000.0000€

O cálculo é efectuado sobre o valor patrimonial que é utilizado para efeitos de IMI.

Atendendo a que, no presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado imposto de Selo por aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS, tem um VPT inferior a 1.000.000,00,€ concluiu-se pela ilegalidade dos respectivos atos de liquidação.

 

Em caso de prestação indevida de garantia, o art.º 53.º da Lei Geral Tributária prevê a indemnização, total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2-O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

… … … … … …

             

a)      DECISÃO

 

Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral

a)      Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade com a consequente anulação dos atos de liquidação de imposto de selo atrás devidamente identificados;

b)       Julgar improcedente o pedido de indemnização, a título de encargos com a prestação de garantias bancárias

 

VALOR DO PROCESSO:

 

De harmonia com o disposto na artº 306, nºs 1 e 2, do CPC e 97º-A do n.º 1 alínea a) do CPPT e n.º 3, nº2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 10.851,50.

 

CUSTAS

As custas na importância de € 918,00 (Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária) ficam integralmente a cargo da Requerida (artigo 22.º 4 do Regulamento do CAAD em matéria de arbitragem tributária)

 

Notifique-se

 

Lisboa, 14 de Março de 2016

 

 

O Árbitro,

 

 

 

Fernando Pinto Monteiro