Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 561/2015-T
Data da decisão: 2016-03-15  Selo  
Valor do pedido: € 19.266,84
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, S. A., contribuinte n.º … (doravante designada por Requerente), apresentou em 31/08/2015, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita, nomeadamente, a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2014.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 02/11/2015 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 17/11/2015 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 19/11/2015 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.Em 15/12/2015 a Requerida apresentou a sua resposta na qual sustenta que as liquidações em crise não violaram qualquer preceito legal ou constitucional.

 

1.6.A Requerente em 11/01/2016 apresentou requerimento no qual solicita a junção da procuração forense com ratificação do processado, como havia protestado fazer no seu pedido de pronúncia arbitral.

 

1.7.O tribunal em 23/02/2016, decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu prazo para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e agendou para o dia 15/03/2016 a prolação da decisão final.

 

1.8.A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 08/03/2016, pugnando pela anulação dos actos em crise.

 

1.9.A Requerida nas suas alegações finais escritas de 15/03/2016 defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado totalmente improcedente.

 

2.      SANEAMENTO

 

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, o do Selo. Como também se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

3. OBJECTO DO LITÍGIO

 

A Requerente entende que as liquidações de Imposto do Selo com fonte na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e respeitantes ao ano de 2014 são ilegais, na medida em que tal verba não é aplicável aos prédios urbanos em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente que não integrem nenhum andar ou divisão cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja superior a € 1 000 000,00.

Mais concretamente, defende que a incidência objectiva é delimitada pela espécie do prédio – prédio urbano habitacional e pelo VPT utilizado para efeito de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) – igual ou superior a € 1000 000,00, e, como tal, no caso concreto, os andares ou divisões que compõem o prédio, susceptíveis de utilização independente, configuram cada um, um verdadeiro prédio no conceito do art. 2.º, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

Acrescenta que a opção pelo tratamento normativo de tais andares ou divisões com utilização independente, semelhante às fracções autónomas de um prédio constituído sob o regime da propriedade horizontal resulta das regras respeitantes à determinação do seu VPT, à sua consideração na inscrição matricial (art. 12.º, n.º 3 do CIMI) e à regra de cobrança (art. 119.º, n.º 1 do CIMI).

Assim, conclui que o prédio objecto de incidência da verba 28.1 da TGIS é, in casu, cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e o VPT a atender é o de cada um desses andares ou divisões.

Adita ainda à sua argumentação que também se alcança a conclusão supra referida quando se recorre aos motivos que estiveram na génese da previsão legislativa da verba 28.1 da TGIS. Ou, dito de outro modo, criar uma tributação especial sobre as propriedades de elevado valor, incidindo «…sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros».

Subsidiariamente à alegação do vício de violação de lei, invoca ainda que o art. 28.1 da TGIS é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, corolário e expressão do princípio da igualdade previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP), porquanto, proprietários com idêntica riqueza e capacidade contributiva têm tratamento distinto em sede de incidência da verba em análise.

Em tal âmbito sustenta que, no que tange à incidência objectiva, se a verba 28.1 da TGIS prevê que estão sujeitos a Imposto do Selo, a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais com VPT constante da matriz, igual ou superior a € 1 000 000,00, está a tributar-se uma categoria específica de prédios e, como tal, violadora do princípio da igualdade fiscal, na sua dimensão de uniformidade.

No domínio da inconstitucionalidade, a Requerente defende ainda que a interpretação efectuada viola o princípio da progressividade, previsto nos artigos 103.º e 104.º, n.º 1 e 3, ambos da CRP, visto que a verba da TGIS em análise não reveste qualquer grau de progressividade, limita-se a tributar a uma única taxa os prédios urbanos que preencham os elementos da sujeição.

Finalmente, peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que os actos em crise decorrem de erro imputável aos serviços da Requerida e do qual resultou o pagamento de imposto totalmente indevido.

            Por seu turno, a Requerida afirma que um prédio em propriedade total, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é diverso de um prédio em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas. Assim, o art. 12.º do CIMI prevê o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita única e exclusivamente à forma de registar os dados matriciais.

            Acrescenta ainda na sua resposta que a tese da Requerente de que não existe qualquer norma que estipule que o VPT de um prédio composto por vários andares ou divisões, susceptíveis de utilização independente, corresponda à soma das respectivas partes, é destituída de sentido, porquanto, embora a liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da TGIS) se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, como são disso exemplo andares ou divisões susceptíveis de utilização independente que não são havidos como prédio para efeitos de Imposto do Selo.

            Em tal linha de argumentação ainda refere que o que resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária. Assim, a sujeição ao Imposto do Selo nesta hipótese resulta da conjugação de dois elementos: i) a afectação habitacional e ii) o VPT inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1 000 000,00.

Por isso defende, relativamente ao caso sub judice que, encontrando-se o prédio em regime de propriedade total e não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua essa qualificação (porque da noção de prédio do art. 2.º, n.º 4 do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são consideradas como tal), as liquidações não padecem do vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito.

Para além do mais, enumera a Requerida um rol de argumentos para defender que a interpretação efectuada da verba 28.1 da TGIS não viola o princípio constitucional da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

Em concreto, refere que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição do prédio na sua totalidade. Em segundo lugar, as normas sobre a inscrição matricial, o procedimento de avaliação e ainda as relativas à liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em propriedade total ao regime da propriedade horizontal. Em suma, sustenta que estamos perante dois regimes jurídico-civilísticos diferentes e a lei fiscal respeita-os.

Assim, se a verba 28.1 da TGIS constitui uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos de facto e de direito e a diferente valoração e tributação de um prédio em propriedade total face a um constituído em regime de propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras, não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade constitucional, visto que estamos perante realidades distintas e valoradas pelo legislador de forma diferente.

Finalmente, a Requerida salienta que a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a um critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, em contexto de crise económica, visando de tal modo a máxima eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes. Deste modo, observa que a opção por este mecanismo de obtenção da receita, face ao princípio da proporcionalidade, apenas seria juridicamente censurável se resultasse indefensável. Condição que, no seu juízo, não se verifica, visto que a medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1 000 000,00.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

4.1.1. A Requerente é proprietária do imóvel inscrito na matriz predial sob o n.º …, urbano, freguesia de…, Lisboa.

4.1.2. Tal imóvel compreende, nomeadamente, 14 andares ou divisões com utilização independente, inscritos do seguinte modo:

a) CV 81, com um VPT de € 16 227,08, habitação;

b) CV 83, com um VPT de € 241 708,78, habitação;

c) RC 83, com um VPT de € 241 708,78, habitação;

d) RC 81E, com um VPT de € 12 699,45, habitação;

e)1 81, com um VPT de € 24 693,38, habitação;

f) 1 83, com um VPT de € 258 702,73, habitação;

g) 2 81, com um VPT de € 24 693,38, habitação;

h) 2 83, com um VPT de 258 580, 03, habitação;

i) 3 81, com um VPT de 24 693,38, habitação;

j) 3 83, com um VPT de € 258 580,03, habitação;

l) 4 81, com um VPT de € 24 693,38, habitação;

m) 4 83, com um VPT de € 257 506,40, habitação;

n) 5 81, com um VPT de € 24 693,38, habitação;

o) 5 83, com um VPT de 257 506,40, habitação.

4.1.3. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, relativas ao ano de 2014, em relação a cada um de tais andares ou divisões, com afectação habitacional, no montante global de € 19 266,84 e que se decompõem da seguinte forma:

a) CV 81, no montante de € 162,27;

b) CV 83, no montante de € 2417,09;

c) RC 83, no montante de € 2417,09;

d) RC 81E, no montante de € 126,99;

e)1 81, no montante de € 246,93;

f) 1 83, no montante de € 2587,03;

g) 2 81, no montante de € 246,93;

h) 2 83, no montante de € 2585,80;

i) 3 81, no montante de € 246,93;

j) 3 83, no montante de € 2585, 80;

l) 4 81, no montante de € 246,93;

m) 4 83, no montante de € 2575,06;

o) 5 81, no montante de € 246,93;

p) 5 83, no montante de € 2575,06.

4.1.4. O imóvel identificado em 4.1.1. não se encontrava constituído sob o regime de propriedade horizontal a 31 de Dezembro de 2014.

 

4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

4.2.1. A Requerente procedeu ao pagamento do valor total das liquidações objecto dos presentes autos no montante de € 19 266,84.

4.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

4.4. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUE SE CONSIDERA PROVADA

            A matéria de facto dada como não provada resulta da falta de junção aos autos de quaisquer comprovativos de pagamento de Imposto do Selo do ano de 2014 e relativos aos andares e divisões identificados em 4.1.3. da presente decisão arbitral.

 

 

5. O DIREITO

 

Em primeiro lugar, são três as questões que o tribunal tem de conhecer: i) apurar se a sujeição à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS deve ser concretizada pelo VPT correspondente a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente, ou se, pelo contrário, pela soma do VPT de cada uma de tais partes, ii) determinar se a interpretação que conclui que a incidência da verba 28.1 da TGIS se verifica quando a soma do VPT de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente de um imóvel em propriedade vertical é superior a € 1 000 000,00, viola o princípio constitucional da igualdade e da capacidade contributiva ou o da progressividade e iii) analisar se a Requerente tem direito aos juros indemnizatórios.

Assim, há, desde logo, que verificar se a sujeição à verba 28.1 da TGIS deve ser determinada pelo VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente ou pela soma de cada uma de tais partes.

Para concretizar tal tarefa há que procurar a norma cujas partes dissentem na sua interpretação.

O art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e a verba 28 da TGIS dispõem que se encontram sujeitos a tributação: «Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio habitacional (…) –  1 %...».

Deste modo, é necessário perscrutar o conceito de «prédio habitacional» a que alude a norma em interpretação e o de «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI». Ora, não sendo possível resolver a questão com recurso ao CIS é por força da estatuição do art. 67.º, n.º 2 de tal diploma necessário aplicar as normas do CIMI.

Consequentemente, dispõe o art. 2.º do CIMI sobre o conceito de prédio:

«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

 3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio».

O conceito de prédio em sede de IMI é, como sabemos, dotado de maior amplitude em relação aqueloutro vertido no art. 204.º, n.º 2 do Código Civil (CC) e engloba três elementos, mais concretamente, um de natureza física, o segundo de carácter jurídico e o último de natureza económica, J. SILVÉRIO MATEUS/L. CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o património imobiliário. O Imposto do Selo, Engisco, 2005, pág. 101 a 103 e JOSÉ MARTINS ALFARO, Código do Imposto Municipal sobre Imóveis – Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2004, pág. 118 a 123. O primeiro exige a referência a uma fracção de território, abrangendo, designadamente, edifícios e construções nela incorporados com carácter de permanência. O elemento de carácter jurídico exige que a coisa, móvel ou imóvel, pertença ao património de uma pessoa singular ou colectiva. Em terceiro lugar, o elemento de natureza económica exige que a coisa tenha um valor económico.

No que concerne ao conceito de prédio urbano, o art. 6.º do CIMI descreve as suas várias categorias, sendo fundamental para a subsunção em cada uma delas, a natureza da utilização, isto é, o fim a que o mesmo se destina. E, nada na economia do art. 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI impede que se classifiquem as partes de um prédio em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com uma utilização habitacional, como «prédio habitacional».

Relevante é, repete-se, a sua utilização. E a conclusão diferente não é possível chegar pela interpretação do art. 2.º, n.º 4 do CIMI que eleva cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal à categoria de prédio. Na verdade, também neste último normativo não se consegue vislumbrar nenhum fundamento para discriminar entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, no que tange à sua subsunção como prédios urbanos e habitacionais, de acordo com toda a economia da verba 28 da TGIS. Por outras palavras, se o legislador não tratou diferentemente os prédios em propriedade vertical em relação àqueles constituídos em propriedade horizontal, não deve o intérprete fazê-lo[1].

Bem pelo contrário, a inscrição matricial e a determinação do VPT demonstram a similitude de tratamento legislativo. Com efeito, as partes dotadas de independência económica devem, cada uma delas, ser objecto de inscrição matricial separada e, consequentemente, deverá de igual modo constar autonomamente o respectivo VPT, cfr. art. 2, n.º 4, art.  7.º, n.º 2, al. b) e art. 12.º, n.º 3 todos do CIMI. O que tem refracção em sede de liquidação, na medida em que existirá uma por cada andar ou divisão objecto de utilização separada.

Revertendo tal interpretação para os presentes autos, existem 14 andares ou divisões com utilização habitacional independente que, à data do facto tributário, isto é, 31 de Dezembro de 2014, ainda não se encontrava constituído em propriedade horizontal e, por conseguinte, desde logo, dúvidas não existem que os mesmos devem ser classificadas como prédios habitacionais de natureza urbana.

Importa ainda dilucidar o outro segmento gráfico da verba do CIS em interpretação, ou seja, o «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A este respeito, como já se descreveu, o CIMI prevê a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente no que tange à inscrição matricial e à especificação do respectivo VPT. Tal observação é igualmente válida a propósito da consequente liquidação, como dispõe o art. 113.º, n.º 1 e o art. 119.º, n.º 1, ambos do último diploma citado. Com efeito, se o imposto é liquidado «…com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios (nosso sublinhado) e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes (nosso sublinhado)…» e o documento de cobrança deve conter a «…discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta…», tal significa que, não só o VPT para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a considerar é aquele objecto da inscrição matricial separada, como também nada obsta à qualificação como «prédio habitacional» de andares ou divisões com utilização independente.

Ora, se nenhum dos andares ou divisões com afectação habitacional ultrapassava o VPT de € 1 000 000,00, não pode ser aplicável ao caso sub judice a norma de incidência em crise, sob pena de ilegalidade. Repete-se, relevante é, para recortar o âmbito de tal norma, que as partes dissentem na sua interpretação: i) que o andar ou divisão susceptível de utilização independente tenha um VPT superior a € 1 000 000,00 e ii) que tenha uma afectação habitacional.

É esta também a conclusão da jurisprudência relativamente à delimitação da incidência da verba 28. 1 da TGIS quando observa que: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação», conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/9/2015, proferido no âmbito do processo n.º 047/15 e em que foi Relator o Conselheiro FRANCISCO ROTHES.

Assim, se o tribunal acolheu o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, prejudicado fica o conhecimento da questão aqui identificada como ii).

Por último, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios pela Requerida em função de erro imputável aos seus serviços.

Na verdade, o art. 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Conhecendo a questão, a ilegalidade dos actos em crise é imputável à Requerida, perante a falta de amparo normativo aquando da sua prática. Contudo, os autos não demonstram a existência de qualquer pagamento efectuado pela Requerente, assim, única e exclusivamente, com tal fundamento não pode o tribunal reconhecer o direito a tais juros.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação dos actos objecto de pronúncia, com todas as consequências legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 19 266,84 (o correspondente à soma das liquidações objecto de pronúncia), nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 1224, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido procedeu integralmente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Março de 2016

 

O árbitro,

 

Francisco Nicolau Domingos



[1] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013 – T, de 29/10/2013, na qual assumiu as funções de árbitro a Dra. MARIA DO ROSÁRIO ANJOS.