Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 88/2014-T
Data da decisão: 2014-07-04  Selo  
Valor do pedido: € 10.118,30
Tema: Propriedade vertical – Verba 28.1 TGIS
Versão em PDF

Decisão Arbitral

Processo n.º 88/2014-T

 

Autora / Requerente: A…

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 04-02-2014, A.., contribuinte n.º …, residente na Rua …, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de …, contribuinte fiscal n.º …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano em propriedade total sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.

A Requerente pede a anulação dos referidos atos de liquidação de Imposto de Selo por erro nos pressupostos de facto e de direito e falta de fundamento legal.

A Requerente alega que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um prédio em propriedade total e contém 9 pisos e 22 divisões com utilização independente, e uma vez que nenhuma das frações tem valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 €, não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 19-05-2014, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, e defendendo que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente.

Foi designada como árbitro único, em 21-03-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 08-04-2014.

Foi agendada a reunião do tribunal arbitral para o dia 02-07-2014 pelas 16:00 horas. Em 22-05-2014, a AT requereu a dispensa da realização da reunião e a dispensa da produção de alegações. Ouvida a Requerente, que se pronunciou no sentido da aceitação da dispensa da reunião, da produção e prova e da realização de alegações, foi decidido pelo tribunal em 03-06-2014, dispensar-se a realização da reunião, uma vez que não existiam exceções a apreciar, tendo sido também dispensada a realização de alegações. Foi nessa data ainda fixada como data para prolação da decisão o dia 04-07-2014.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. A Herança Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia,
  2. O prédio encontra-se em propriedade total com andares e divisões suscetíveis de utilização independente, não se encontrando constituído em regime de propriedade horizontal;
  3. Em 14-07-2013, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações de Imposto de Selo relativas a parte dos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio supra identificado no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário:

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 1º D do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 1º E do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 460,90 €, relativa ao 1º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.090 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 2º D do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 2º E do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 460,90 €, relativa ao 2º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.090 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 3º D do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 3º E do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 460,90 €, relativa ao 3º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.090 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 4º D do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 489,20 €, relativa ao 4º E do referido imóvel, cujo VPT é de 48.920 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 460,90 €, relativa ao 4º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.090 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 5º D do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 5º E do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 465,50 €, relativa ao 5º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.550 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 6º D do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 6º E do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 465,50 €, relativa ao 6º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.550 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 7º D do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 494,10 €, relativa ao 7º E do referido imóvel, cujo VPT é de 49.410 €;

- liquidação n.º 2013 … no valor de 465,50 €, relativa ao 7º F do referido imóvel, cujo VPT é de 46.550 €.

  1. O prazo limite de pagamento destas liquidações terminou em 30-11-2013.
  2. Das referidas liquidações consta que o valor patrimonial total do prédio é de 1.011.830,00 €.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente.

 

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 50/2013-T, 132/2013-T, 181/2013-T e 183/2013-T, que seguiremos de perto.

 

3.2. Questão do valor patrimonial tributário relevante para aplicação da verba 28.1 da TGIS

Segundo a Autoridade Tributária, num prédio em propriedade vertical (ou não constituído em regime de propriedade horizontal) o critério para a determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação.

Já para a Requerente a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS deve ser aferida não pelo valor total do prédio mas pelo valor atribuído a cada uma das partes, em função do VPT respetivo, devendo seguir o mesmo critério da determinação do IMI.

 Vejamos:

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

 c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

Por sua vez, o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

A norma de incidência refere-se a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Por sua vez o art.º 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, e determina que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.” vd. alínea a) do nº 1) do art.º 6.º CIMI.

Como se lê no acórdão CAAD 50/2013-T, em que foi Relator a Dra Maria do Rosário Anjos, “na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio”.

Há assim que concluir que  para o legislador é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a  verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Relativamente à determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, o critério adotado pela AT não se afigura conforme ao princípio da legalidade fiscal nem ao princípio da igualdade fiscal. 

Uma vez que o CIS remete para o CIMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Daí decorre que o respetivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes,

Por este facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo.

Assim que se conclua como no acórdão CAAD 50/2013-T, segundo o qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS.

Resulta assim da lei que só haveria lugar a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não ocorre nos presentes autos.

O critério defendido pela AT, que tem em conta a soma das partes, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão ao por remissão, em sede de Imposto de Selo.

Acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o Imposto de Selo a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 –“sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.

Assim, a adoção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

No caso dos autos o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contém vários andares e divisões com utilização independente destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS.

Olhando agora à ratio legis do preceito em questão na verba 28.1 TGIS e citando o acórdão CAAD 50/2013-T “o legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” 1

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

Há assim que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Decorre da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal respeitando os princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

O princípio da igualdade fiscal determina que se deva tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Ora não se justifica o tratamento diferenciado das frações ou partes de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, desde que as frações ou partes tenham utilização independente.

Assim se conclui que é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão.

Em conclusão, a matéria coletável que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário determinado nos termos do CIMI para cada prédio no sentido tributário deste termo, neste se compreendendo pois, as frações autónomas a par dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente.

 

Quanto ao valor das liquidações

As liquidações objeto de pedido arbitral totalizam 10.118,30 € e não 10.118,03 €, havendo um lapso de soma no pedido arbitral.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade  das liquidações de Imposto de Selo n.º 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 .., 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 …, 2013 ….

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas  nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 10.118,30 €.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, devidas pela Autoridade Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 4 de julho de 2014.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

 

 

Suzana Fernandes da Costa