Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 88/2017-T
Data da decisão: 2017-12-13  IVA  
Valor do pedido: € 703.608,52
Tema: IVA – Exportação - Falsas triangulares - Prova
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Clotilde Celorico Palma e Luís Baptista, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 25 de Janeiro de 2017, Sociedade A…, S.A., NIPC…, com sede em …, …, …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos seguintes actos de liquidação de IVA, no valor de € 703.608,52:

                                                              i.      Liquidação nº … de 2013;

                                                            ii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          iii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          iv.      Liquidação nº … de 2013;

                                                            v.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          vi.      Liquidação nº … de 2013;

                                                        vii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                      viii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          ix.      Liquidação nº … de 2013;

                                                            x.      Liquidação nº … de 2014;

                                                          xi.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xiii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xiv.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xv.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xvi.      Liquidação nº … de 2014;

                                                    xvii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                  xviii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xix.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xx.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xxi.      Liquidação nº … de 2014.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que as referidas liquidações enfermam de erro nos seus pressupostos de facto, na medida em que, nas exportações indirectas em que interveio, as mercadorias transacionadas – ovos de incubação - saíram, efectivamente, do território aduaneiro da União para um país terceiro.

 

  1. No dia 26-01-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 15-03-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-03-2017.

 

  1. No dia 16-05-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Nos termos e para os efeitos do artigo 21.º/2 do RJAT, foi prorrogado por 2 meses o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo artigo.

 

  1. Verificando-se que o PA não havia sido, oportunamente, junto pela Requerida, foi esta notificada para o efeito, o que fez, tendo sido facultado o contraditório à Requerente e fixado o prazo de 30 dias para a prolação da decisão final.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A ora Requerente é uma sociedade comercial, sob a forma de anónima, que se dedica à agricultura e pecuária, em particular à avicultura, na vertente da produção de ovos para incubação e pintos do dia.

2-      A Requerente iniciou a sua actividade a 01-06-1986, registando como actividade principal “Avicultura” – CAE 01470 - e actividade secundárias “Comércio por grosso de leite, seus derivados e ovos” – CAE 46331 – e “Comércio por grosso de animais vivos” – CAE 46230.

3-      Em cumprimento das ordens de serviço OI2015… e OI2015…, foi efectuado um procedimento interno de inspecção à ora Requerente, que teve como objecto a análise da sua situação tributária em sede de IVA, decorrente de um pedido de reembolso efectuado na declaração periódica respeitante ao mês de Dezembro de 2014, no montante de € 703.608,52, resultante de um crédito de imposto que se foi formando desde Dezembro de 2012.

4-      Nos esclarecimentos prestados pelo técnico de contas da Requerente consta que grande parte dos ovos que adquirem, cerca de 170.000,00, é produzida em aviários próprios, cuja exploração foi cedida a uma empresa do mesmo Grupo Económico, especializada na dita produção, designada comercialmente por B…, Lda.

5-      No que respeita à situação de crédito de imposto, a mesma foi justificada pelo facto de todas as transmissões serem efectuadas à taxa reduzida ou por estarem isentas, tendo, perto de 45%, como destino o mercado externo.

6-      O reembolso solicitado na declaração respeitante ao mês de Dezembro de 2014 provém de um crédito de imposto que se vinha formando desde Dezembro de 2012.

7-      Sendo que, relativamente às operações activas, com referência ao exercício de 2013, no total de um volume de negócios de € 46.320.161,38, verificou a AT que 63% das operações se destinaram ao mercado nacional e 37% teve como destino o exterior, maioritariamente o mercado intracomunitário.

8-      Quanto ao exercício de 2014, verificou ainda a AT um grande aumento de exportações, que passaram a ter um peso de 15% face ao total do volume de negócios, passando o mercado intracomunitário para 29% e o mercado interno para 55%.

9-      A AT apurou e validou que todas as exportações efectuadas directamente pela própria Requerente, sem intervenção de um expedidor/exportador, não enfermavam de irregularidades.

10-  Nas exportações indirectas, a ora Requerente emitiu a factura para as empresas C… e/ou D…– clientes intracomunitários - tendo a mercadoria, directamente, como destino um país terceiro, a Rússia ou a Ucrânia.

11-  Do Relatório de Inspecção Tributária consta, para além do mais, que:

                                                              i.            «De acordo com o esclarecimento efectuado no ofício circulado n.º 15327/2015, de 2015/01/09, da Direcção de Serviços de Regulação Aduaneira (DSRA), no seu ponto 2.3, quando as declarações aduaneiras se refiram a mercadorias adquiridas, com isenção de IVA ao abrigo do art. 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, por um exportador sem residência ou estabelecimento estável ou domicílio noutro Estado-Membro da União Europeia a um sujeito passivo de IVA em Portugal, a certificação de saída materializa-se no documento intitulado “Certificação de saída para o expedidor/exportador” sendo também disponibilizado o documento “Certificação de saída para o fornecedor nacional”.»;

                                                            ii.            «De referir que a sujeição das mercadorias às formalidades de exportação consubstancia-se na entrega de uma declaração aduaneira a qual é objecto de autorização de saída e, posteriormente, de certificação de saída. (...) Anteriormente, para que esta situação fosse certificada pelos serviços aduaneiros e conforme é esclarecido no Ofício Circulado n.º 15309/2014, de 2014/11/10, da DSRA (entretanto revogado pela Circular n.º 8/2015 de 2015/07/27) e, de forma a assegurar que essa certificação fosse relevante, para os devidos efeitos, não só para o exportador mas, também, para o fornecedor nacional, na declaração aduaneira de exportação, para além da factura comercial do exportador, era necessário que fosse identificado o vendedor nacional e a sua factura comercial, o que deveria ser feito da seguinte forma na Casa n.º 44 constante no documento de exportação: Código: N380; Referência: número da factura do vendedor nacional; Data de emissão: data de emissão da factura do vendedor nacional; Tipo de entidade emissora: 4; Entidade emissora: número de identificação fiscal do vendedor nacional. Só com a menção destes dados no documento de exportação e, na sequência da certificação de saída, o exportador poderia entregar ao vendedor o documento aduaneiro apropriado para efeitos de comprovação da isenção do IVA exigida pelo n.º 8 do art. 29.º do CIVA.»;

                                                          iii.            «Não podendo a A… estar na posse do documento propriamente dito de “Certificação de saída para o fornecedor nacional”, deveria estar na posse do documento aduaneiro apropriado que certificou a saída das mercadorias do território nacional, com referência na casa n.º 44 do n.º da fatura emitida pela A…, com referência ao exercício de 2013 e, conforme já referido, respeitam às declarações emitidas pelo cliente, e, no exercício de 2014, para além dessas declarações, juntam apenas o NMR, ou seja, a autorização de saída que se materializa no “Documento de Acompanhamento de Exportação”, onde consta como exportador a empresa C… mas, sem qualquer referência à fatura emitida pela A… nem à sua identificação fiscal.»;

                                                          iv.            «Os comprovativos enviados pela A…, para efeitos do n.º 8 do art. 29.º são, nalguns casos, declarações emitidas pelo agente aduaneiro E…, Lda., declarando que emitiram em nome da D… um determinado despacho de exportação, referindo o n.º do NMR, a identificação do local onde foram carregadas a mercadoria e o seu destino. Noutros casos, juntam o próprio NMR, que não faz qualquer referência aos documentos emitidos pela A… nem à sua identificação fiscal.»;

                                                            v.            «Pelo exposto, a A… não enviou os documentos aduaneiros apropriados que comprovam a isenção do IVA exigidos pelo n.º 8 do art. 29.º do CIVA, pelo que, a sua falta, determina a obrigação para o transmitente dos bens (a A…) de liquidar o imposto correspondente.»

12-  Na sequência do referido Relatório, o reembolso de IVA do período de 1412, com o valor declarado de € 703.608,52 apenas deveria ser reconhecido parcialmente pelo montante de € 113.562,31.

13-  O montante total de correções compreende o valor de € 198.201,60 referente a correções realizadas ao período de 2013 e de € 391.844,61, respeitante a correções realizadas ao período de 2014.

14-  A Requerente foi notificada, em 1 e 2 de Março de 2016, das liquidações adicionais, feitas com base nas correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária, com os n.ºs…, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …, referentes aos períodos 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11 e 12 de 2013 e 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10 e 11 de 2014, respectivamente.

15-  As quais originaram as referidas liquidações adicionais referentes aos períodos de 08, 09, 10, 11, 12 de 2013 e 01, 02 e 03 de 2014, imposto a pagar no montante total de € 234.036,93, o que a Requerente pagou tempestivamente.

16-  Ao passo que nas liquidações referentes aos períodos de 04, 05, 06, 07 de 2013 e 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10 e 11 de 2014 foi compensado com o imposto a reportar, ou seja, não apresentavam qualquer valor a pagar por parte da Requerente, conforme o seguinte quadro:

 

17-  Em 14 de Março de 2016, em lugar de apenas ter sido reembolsado à ora Requerente o montante de €113.562,30, acabou por lhe ser reembolsado o valor de € 347.599,08.

18-  Face ao engano, a AT veio - ainda no decurso desse mesmo mês de Março - a notificar a ora Requerente para efectuar a restituição da quantia de € 234.036,77, acrescida de juros compensatórios e custas processuais, o que aquela fez, em prazo.

19-  A ora Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças da …, em 29 de Junho de 2016, reclamação graciosa contra as liquidações adicionais que foram originadas pelas correcções realizadas em sede de inspecção.

20-  Para cada uma das transmissões de bens realizadas para os clientes russo e ucraniano em causa foram solicitados, pagos e obtidos, por parte da ora Requerente, junto da Câmara de Comércio e Industria Portuguesa, os respectivos certificados de origem.

21-  A Requerente emitiu as respectivas facturas de venda à C… .

22-  Foram ainda solicitados e obtidos pela Requerente, junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, os certificados veterinários obrigatórios para permitir a entrada dos ovos para incubação em território da Federação Russa.

23-  Os referidos certificados referem que os ovos para incubação são todos provenientes de explorações (aviários) pertencentes à Requerente e que o destino final era a cidade de …, na Federação Russa, e identificam ainda o meio de transporte utilizado.

24-  A Requerente preencheu e emitiu os correspondentes CMR.

25-  A Requerente preencheu e submeteu os documentos de acompanhamento de exportação, das quais consta o respectivo número de NRM para cada uma das transmissões de bens realizadas, o código N380 e é assinalada como Alfândega de Origem …, que corresponde ao posto aduaneiro cujo território abrange as instalações da impugnante sitas no …, e como ponto de saída do espaço comunitário quer a Letónia (LV00240), quer a Alfândega de Medininkai (LTVK2000), na Lituânia.

26-  O número de ovos transportados que consta de cada uma das facturas emitidas por parte da Requerente coincide com o número indicado em sede do campo 6 do certificado de origem emitido pela Câmara de Indústria e Comércio.

27-  O peso total dos ovos indicado nos certificados de origem coincide com o peso indicado no campo 11 dos CMR, assim como com a indicação de peso que consta do respectivo NRM.

28-  Todos os NRM emitidos relativamente às transacções abrangidas pela declaração relativa ao período 201412, no montante de €1.008.149,00 referem o nome da Requerente e o número da factura correspondente, junto ao Código N380.

 

A.2. Factos dados como não provados

1-      A Requerente, nos períodos a que se reportam as liquidações objecto da presente acção arbitral, apresentou a sua contabilizada organizada de acordo com a legislação fiscal e comercial, sem revelar omissões ou erros.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

O facto dado como não provado resulta da circunstância, explicitada no RIT e aceite pela Requerente, de que no campo 7 das declarações periódicas em causa constam facturas emitidas para o cliente C…, constatando-se que o recebedor da mercadoria seria o próprio cliente, sendo que as facturas emitidas para aquele cliente foram declaradas no campo 7 das respectivas declarações periódicas, quando deveriam ter sido registadas no campo 8, dado tratarem-se de exportações.

 

B. DO DIREITO

 

            A questão jurídica que se coloca nos autos prende-se, essencialmente, com saber se, face à matéria de facto dada como provada, estão, ou não, preenchidos os pressupostos do artigo 29.º/8 do Código do IVA, que dispõe que:

8 - As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.

Não sendo controverso que está unicamente em causa no presente processo aferir da verificação da comprovação “através dos documentos alfandegários apropriados” das exportações declaradas pela Requerente, o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para um Estado terceiro à união, ou seja, e no caso, para a Rússia e para a Ucrânia.

 

*

            Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”        .

            Aplicando tal disposição ao presente caso, e tendo presente que está em causa um direito do contribuinte a uma isenção de imposto, será pacífico, crê-se, que o ónus da prova dos pressupostos do direito que pretende exercer impenderá sobre aquele.

            No entanto, dispõe o artigo 350.º/1 do Código Civil, aplicável nos termos do artigo 2.º/d) da LGT, que “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”.

            No caso, e com interesse para a questão, dispõe o artigo 75.º/1 da LGT que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.

            A referida presunção poderá ser ultrapassada por duas vias, a saber:

-          afastando-a – impedindo que a mesma opere – pela demonstração de qualquer das circunstâncias elencadas no n.º 2 do mesmo artigo 75.º da LGT;

-            ilidindo-a, pela prova do contrário do que se presume, nos termos do n.º 2 do também já referido artigo 350.º do Código Civil.

            Compulsados os factos dados como provados e não provados, verifica-se que não resultou provado que Requerente, nos períodos a que se reportam as liquidações objecto da presente acção arbitral, apresentou a sua contabilizada organizada de acordo com a legislação fiscal e comercial, sem revelar omissões ou erros.

            Com efeito, no campo 7 das declarações periódicas em causa constam facturas emitidas para o cliente C…, constatando-se que o recebedor da mercadoria seria o próprio cliente, sendo que as facturas emitidas para aquele cliente foram declaradas no campo 7 das respectivas declarações periódicas, quando deveriam ter sido registadas no campo 8, dado tratarem-se de exportações.

Face ao disposto no supra-citado artigo 75.º/1 da LGT, e tendo em conta os factos apontados, não se poderão presumir verdadeiras e de boa-fé, quer as declarações periódicas de IVA apresentadas, nos termos da lei, pela Requerida.

Deste modo, o ónus da prova que impende sobre a Requerente, de demonstrar os pressupostos do direito à isenção que pretende exercer, não se poderá considerar preenchido pela via presuntiva.

 

*

            Aqui chegados, cumprirá verificar se a Requerente logrou fazer a comprovação “através dos documentos alfandegários apropriados” das exportações declaradas pela Requerente, o que se trata de apurar é se os bens em questão foram, ou não, efectivamente expedidos ou transportados para um Estado terceiro à união, ou seja, e no caso, para a Rússia e para a Ucrânia.

            A AT entendeu que não, porquanto, em suma, considerou que “a sujeição das mercadorias às formalidades de exportação consubstancia-se na entrega de uma declaração aduaneira a qual é objecto de autorização de saída e, posteriormente, de certificação de saída. (...) Anteriormente, para que esta situação fosse certificada pelos serviços aduaneiros e conforme é esclarecido no Ofício Circulado n.º 15309/2014, de 2014/11/10, da DSRA (entretanto revogado pela Circular n.º 8/2015 de 2015/07/27) e, de forma a assegurar que essa certificação fosse relevante, para os devidos efeitos, não só para o exportador mas, também, para o fornecedor nacional, na declaração aduaneira de exportação, para além da factura comercial do exportador, era necessário que fosse identificado o vendedor nacional e a sua factura comercial, o que deveria ser feito da seguinte forma na Casa n.º 44 constante no documento de exportação: Código: N380; Referência: número da factura do vendedor nacional; Data de emissão: data de emissão da factura do vendedor nacional; Tipo de entidade emissora: 4; Entidade emissora: número de identificação fiscal do vendedor nacional. Só com a menção destes dados no documento de exportação e, na sequência da certificação de saída, o exportador poderia entregar ao vendedor o documento aduaneiro apropriado para efeitos de comprovação da isenção do IVA exigida pelo n.º 8 do art. 29.º do CIVA.”.

            A Requerida sustenta tal entendimento, na presente acção arbitral referindo que a documentação referida no RIT, e não junta aos presentes autos, “eram os únicos elementos probatórios capazes de evidenciar, sem o mínimo de neblina, a saída dos bens para países fora da União.”, ou seja, que “somente o documento de certificação de saída ou o documento de exportação com os elementos indicados constituem OS elementos alfandegários apropriados – referido no artigo 29.º, n.º 8 do CIVA - para atestar a efectiva saída das mercadorias do território aduaneiro da União.”, pelo que “não tendo a Requerente apresentado, na esmagadora maioria das transmissões em apreço, o dito certificado de saída junto dos serviços inspectivos da AT, que era (...) o documento próprio para atestar a saída das mercadorias do território aduaneiro da União, outra hipótese não restava àqueles serviços senão o de promover a tributação dessas operações em sede de IVA.”, concluindo que “a Requerente não apresentou elementos probatórios que, sem a menor sombra de dúvida, garantissem a saída dos ovos de incubação da União para países terceiros.”.

            Ressalvado o muito e devido respeito, considera-se que a posição de base da Requerida nesta matéria, assenta em três equívocos fundamentais.

            O primeiro é o de que a eventual (e que aqui não cabe discutir) existência de documentos abstractamente aptos a “evidenciar, sem o mínimo de neblina” e/ou “sem a menor sombra de dúvida” o preenchimento de pressupostos legais de determinada norma, não é impeditivo da possibilidade de tal demonstração poder ser, em concreto, efectuada por outros meios, sempre que a lei, por força de imperativos impreterivelmente ligados a razões de combate à fraude e evasão fiscal, não disponha de outro modo, como, de resto, resulta da abundante jurisprudência acerca da documentação dos custos como pressuposto da sua dedutibilidade em IRC[2].

            O segundo equívoco em que, sempre ressalvado o respeito devido, assenta a posição em causa, é o de que se, reconhecida pela AT essa existência de documentação abstractamente apta a “evidenciar, sem o mínimo de neblina” e/ou “sem a menor sombra de dúvida” o preenchimento de pressupostos legais de determinada norma, lhe é legítimo, e até recomendável, fixar de modo geral e abstracto a aceitação de tal documentação para os respectivos efeitos, propiciando previsibilidade e segurança aos contribuintes, já não lhe será legítimo, por essa forma e por esses motivos, excluir outros meios de prova que a lei não precluda.

            O terceiro equívoco, também salvaguardado o respeito devido, é o de que a prova a fazer pela Requerente tenha de “evidenciar, sem o mínimo de neblina” e/ou “sem a menor sombra de dúvida” os pressupostos da norma de que se pretende prevalecer.

            Com efeito, e sem qualquer apoio legal, a posição em causa pretere o princípio da livre apreciação da prova, que, como é consabido, assenta num juízo de razoabilidade à luz de critérios de normalidade, conducente à prova dos factos que, à face a tais critérios, não sejam susceptíveis de colocar uma dúvida razoável acerca da sua verificação.

            Posto isto, e no caso, considera-se que, devidamente interpretada a norma em questão, do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA aplicável, não resulta da mesma a imposição de uma prova legal, na forma determinada pela AT, que redunda numa violação do princípio da livre apreciação da prova, tal como formulado no artigo 607.º/5 do Código de Processo Civil, que prescreve que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos...”.

            Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-06-2015, proferido no processo 1534/09.7TBFIG.C1, por exemplo, “Em certos casos, a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar de certo meio de prova e, portanto, a relevância que deve dar a esse mesmo meio de prova. É nisto que consiste a prova legal ou tarifada.”.

            Ora, não é isso que se passa no artigo 29.º/8 do CIVA aplicável.

            Daí que sem prejuízo da bondade do juízo operado pela AT sobre a aptidão da documentação por si definida a “evidenciar, sem o mínimo de neblina” e/ou “sem a menor sombra de dúvida” o preenchimento de pressupostos legais da norma em questão, julga-se que os meios de prova admissíveis para o efeito não começam nem acabam naquela, podendo o Tribunal tirar a conclusão do preenchimento dos pressupostos da norma, com base noutros meios de prova.

            A esta conclusão não obsta, crê-se, a circunstância suscitada pela Requerida, de que “desde sempre que o artigo 796.º-E das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC) – que remonta de 02-07-1993 – prevê que são as autoridades aduaneiras quem certifica a saída das mercadorias ao declarante.”, desde logo por duas ordens de razão.

            Assim, em primeiro lugar, a norma do artigo 29.º/8 do CIVA aplicável, ao falar em “documentos alfandegários apropriados”, permite a leitura de que haja mais do que um tipo de documento alfandegário apto à prova em questão.

            Por outro lado, a norma do CAC referida, prevê, como reconhece a própria Requerida “que são as autoridades aduaneiras quem certifica a saída das mercadorias ao declarante.”, e no caso a Requerente não foi a declarante perante as autoridades aduaneiras, o que a Requerida também reconhece, ao referir que os “elementos (...), na certa, e a existirem, estarão: 1) ou na posse da C… e da D…; 2) ou na posse do despachante oficial que tratou de toda a burocracia envolvida.”.

            Deste modo, e aqui chegados, cumpre então apreciar a prova apresentada pela Requerente, no sentido de apurar se a mesma é apta, ou não, a demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, se, remetendo para as questões pertinentemente formuladas pela Requerida como epicentro do litígio:

- Terão de facto os bens em dissídio saído da União?

- Ou, ao invés, foram antes colocados em circulação em território nacional, beneficiando de uma isenção a que não tinham direito nos termos da lei?

            Conforme resulta da matéria de facto provada, apura-se, para além do mais, o seguinte:

                                                              i.            para cada uma das transmissões de bens realizadas para os clientes russo e ucraniano em causa foram solicitados, pagos e obtidos, por parte da ora Requerente, junto da Câmara de Comércio e Industria Portuguesa, os respectivos certificados de origem;

                                                            ii.            a ora Requerente emitiu a factura para as empresas C… e/ou D…– clientes intracomunitários - tendo a mercadoria, directamente, como destino um país terceiro, a Rússia ou a Ucrânia.22;

                                                          iii.            Foram solicitados e obtidos pela Requerente, junto da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, os certificados veterinários obrigatórios para permitir a entrada dos ovos para incubação em território da Federação Russa;

                                                          iv.            Os referidos certificados referem que os ovos para incubação são todos provenientes de explorações (aviários) pertencentes à Requerente e que o destino final era a cidade de …, na Federação Russa, e identificam ainda o meio de transporte utilizado;

                                                            v.            A Requerente preencheu e emitiu os correspondentes CMR.

                                                          vi.            A Requerente preencheu e submeteu os documentos de acompanhamento de exportação, das quais consta o respectivo número de NRM para cada uma das transmissões de bens realizadas, o código N380 e é assinalada como Alfândega de Origem …, que corresponde ao posto aduaneiro cujo território abrange as instalações da impugnante sitas no …, e como ponto de saída do espaço comunitário quer a Letónia (LV00240), quer a Alfândega de Medininkai (LTVK2000), na Lituânia.

                                                        vii.            O número de ovos transportados que consta de cada uma das facturas emitidas por parte da Requerente coincide com o número indicado em sede do campo 6 do certificado de origem emitido pela Câmara de Indústria e Comércio;

                                                      viii.            O peso total dos ovos indicado nos certificados de origem coincide com o peso indicado no campo 11 dos CMR, assim como com a indicação de peso que consta do respectivo NRM.

Face a este quadro de facto, não restam quaisquer dúvidas razoáveis a este Tribunal que as mercadorias em causa deixaram, de facto, o território comunitário, com destino à Federação Russa e à Ucrânia e, pelo contrário, nada indica que “ao invés, foram antes colocados em circulação em território nacional, beneficiando de uma isenção a que não tinham direito nos termos da lei”.

Efectivamente, nenhuma circunstância objectiva justifica que a Requerente se tenha dado à despesa e ao trabalho de produzir toda a extensa documentação que apresentou, e que conjugadamente aponta claramente no sentido de que as exportações se realizaram com o destino declarado, sem que a AT, ainda que remotamente, suscite quaisquer indícios ou, sequer, suspeitas de possibilidades de verificação de situações de fraude ou evasão fiscal, nem, muito menos, coloque em causa a autenticidade do acervo documental apresentado.

De facto, embora a Requerida, tabelarmente, faça constar da sua Resposta “que, se impugnam estes e os restantes documentos apresentados pela Requerente quer na fase administrativa, quer agora, em sede arbitral, porquanto não estão habilitados a provar que as mercadorias comerciadas pela Requerente foram, efectivamente, alvo de exportação.”, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2016, proferido no processo 7467/15.0T8PRT.P1, “Para impugnar um documento não basta à parte dizer que o impugna, sendo necessário que indique um fundamento concreto que justifique pôr em causa esse meio de prova apesentado pela parte contrária.”. 

De resto, reconhece a Requerida que “foram enviados os CMR comprovativos da entrega da mercadoria [no país terceiro], mas todos eles estão emitidos em nome da C…, não havendo qualquer referência à Requerente, nem aos documentos por ela emitidos, não se conseguindo, por esse motivo, fazer a ligação das operações.

Não lhe assiste, todavia, razão.

Com efeito, e retomando os exemplos eleitos na Resposta da Requerida, não se tem por correcto que “no que concerne ao documento de acompanhamento de exportação, vulgo “NMR”, fls. 41 do PA, como expedidor, surge a C…, oriunda da Dinamarca; como destinatário, surge a Federação da Rússia; e, como declarante/representante, surge F…” e “nenhum destes ou outros elementos ínsitos no NMR permitem estabelecer um nexo causal com a factura n.º 2206016386, emitida pela Requerente à sociedade C…, sendo que o documento de acompanhamento de exportação (NMR) não lhe faz menção, olvidando de modo similar a designação e o NIF do vendedor nacional.”.

Com efeito, a factura 2206016386 menciona um peso bruto de 20520kg, e um peso líquido de 18720kg, coincidindo com o peso bruto e líquido constante, não só do certificado de origem da CE, mas também do NRM. Por sua vez, o CMR respectivo, menciona o mesmo peso bruto, e coincidindo nos demais elementos do NRM (vendedor, comprador, local de destino), menciona a factura n.º 2206016386.

Não é também correcto, o afirmado pela AT, de “que o CMR n.º LIS…, fls. 42 do PA, documento de transporte por camião dos ovos de incubação desde Portugal até à Dinamarca, também não serve para demonstrar que a mercadoria saiu do território aduaneiro da União, (d)ado que, como expedidor, tem inscrito a ora Requerente e como destinatário tem inscrito a sociedade C…, não havendo qualquer referência à Federação Russa.”, já que o campo 13 do dito CMR contém instruções do expedidor, destinadas a entrega na Federação Russa.

O mesmo se diga relativamente à consideração da Requerida de que “do certificado de origem, a fls. 43 do PA, (...) inexistem elementos que permitam ligar a saída da mercadoria do território português para um país terceiro.”, já que, como atrás se apontou, o tipo de mercadoria e o respectivo peso líquido e bruto coincidem com o constante quer da factura n.º 2206016386, quer com o do CMR n.º LIS…, quer com o do NMR respectivo.

            Suscita ainda a Requerida a questão, sobre “por que razão, em sede de exportações indirectas - ou seja, naquelas exportações em que o expedidor/exportador é uma outra empresa (v.g. C… ou D…) que não a Requerente -, não tem a Requerente consigo (...) precisamente a mesma documentação que possui para (e que legitimaram) as exportações directas.” quando em “todas as exportações directas, isto é, todas as exportações efectuadas directamente pela própria sociedade, sem intervenção de um expedidor/exportador,(...) a ora Requerente disponibilizou justamente àqueles serviços ou o documento de certificação de saída”, concluindo que “quer se estivesse perante exportações directas, quer se estivesse perante exportações indirectas, os documentos a apresentar teriam sido os mesmos”, sendo que “o que aconteceu, tendo, como se demonstrou em sede inspectiva, apresentado (para as exportações directas) autênticos certificados de saída, enquanto nas indirectas somente apresentou os Documentos de Acompanhamento de Exportação, vulgo NMR.” e que, ainda no entendimento da Requerida, “a lei definia com rigor os elementos documentais aptos a essa prova, elementos, esses, que a Requerente não podia desconhecer, uma vez que no âmbito das exportaçõees directas realizadas para Angola e São Tomé e Príncipe, ocorridas nos mesmos períodos de imposto, logrou, precisamente, apresentar junto da AT as certificações de saída correspondentes.

            Ora, ressalvado sempre o respeito devido a outras opiniões, a resposta a tal questão é relativamente linear, e a própria Requerida acaba por apontá-la, nomeadamente ao admitir que a documentação que pretendia “ou não (...) foi facultado pelo expedidor ou pelo representante alfandegário”, e que os “elementos que, na certa, e a existirem, estarão: 1) ou na posse da C… e da D…; 2) ou na posse do despachante oficial que tratou de toda a burocracia envolvida.”.

            Ou seja: os documentos em questão, que a AT pretendia, no caso das exportações indirectas, e ao contrário do que aconteceu nas exportações directamente efectuadas pela Requerente, não foram produzidos nem ficaram na posse da Requerente, mas de terceiros, sendo que, na medida em que, como se viu, não decorre do teor do artigo 29.º/8 do CIVA aplicável que fosse imperativa a posse dos mesmos (daí, até, a necessidade, de a AT ter vindo, por via de circulares, esclarecer que tal documentação permitirá, à luz dos seus critérios, certificar, “evidenciar, sem o mínimo de neblina” e/ou “sem a menor sombra de dúvida” o preenchimento de pressupostos legais da norma em questão), se terá de ter por legítimo o facto de a Requerente não ter diligenciado pela obtenção de tal documentação nas exportações indirectas em que interveio, confiando que a abundante documentação que reuniu fosse suficiente, como se considera que é, para demonstrar a efectividade das exportações.

            Assim, face ao exposto e tudo considerado, julga-se que as correcções operadas pela AT e contestadas pela Requerente na presente acção arbitral enfermam de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo, como tal ser anuladas.

 

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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, os erros que afectam as liquidações objecto da presente acção arbitral são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou aqueles actos de liquidação ilegais por sua iniciativa.

Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia indevidamente paga, até ao reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, deduzido do pagamento entretanto feito pela AT € 113.562,31.

 

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            A Requerida suscita ainda a questão de que “Atendendo a que a Requerente impugna verdadeiros actos de liquidação adicionais, deve o valor económico do processo ser reduzido para € 590.046,21, isso de acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.”.

            Considera-se, todavia, e sempre ressalvado o respeito devido, que não lhe assiste razão.

            Com efeito, no caso, a AT liquidou, efectivamente imposto (IVA), no valor indicado pela Requerente, €703.608,52, que é a soma dos valores que expressamente consta das liquidações notificadas à Requerente, e contra as quais esta se insurge, no campo 2 – “Valor da liquidação correctiva”.

            O que se passou, foi que, para efeitos de cálculo dos pagamentos a efectuar pela Requerida, a AT deduziu valores que considerou devidos àquela, e que não são contestados no processo, obtendo um valor a pagar (ou a não pagar), que é obviamente distinto do valor do imposto efectivamente liquidado adicionalmente pela AT, e cuja legalidade foi nos presentes autos de acção arbitral apreciada, constituindo o critério do seu valor, nos termos das normas aplicadas e indicadas infra.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a) Anular os seguintes actos de liquidação de IVA, no valor de € 703.608,52:

                                                              i.      Liquidação nº … de 2013;

                                                            ii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          iii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          iv.      Liquidação nº … de 2013;

                                                            v.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          vi.      Liquidação nº … de 2013;

                                                        vii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                      viii.      Liquidação nº … de 2013;

                                                          ix.      Liquidação nº… de 2013;

                                                            x.      Liquidação nº … de 2014;

                                                          xi.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xiii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xiv.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xv.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xvi.      Liquidação nº … de 2014;

                                                    xvii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                  xviii.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xix.      Liquidação nº … de 2014;

                                                        xx.      Liquidação nº … de 2014;

                                                      xxi.      Liquidação nº … de 2014.

  1. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €10.404,00.

 

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 703.608,52, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €10.404,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa 13 de Dezembro de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Luís Baptista)

 

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr., p. ex. Ac. do TCA-Sul de 22-11-2011, proferido no processo 04633/11.