Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 559/2016-T
Data da decisão: 2017-02-20  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.653,75
Tema: IMT e Imposto do Selo - Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH. Alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
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DECISÃO ARBITRAL

I.         RELATÓRIO

Em 14 de setembro de 2016, a sociedade A…, SA, com o NIPC … e com sede na …, n.º…, …, em Lisboa, na qualidade de Sociedade Gestora do B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, com o NIPC … (doravante Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de nulidade, ou, subsidiariamente, a anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º…, da quantia de € 918,75 e da liquidação de Imposto do Selo (Verba 1.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) n.º…, da quantia de € 735,00, assim como a condenação da Requerida na restituição dos valores pagos por força das mesmas liquidações, acrescidos dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos legais.

Síntese da posição das Partes

a.    Da Requerente:

O “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH) ”, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009) estabeleceu, no seu artigo 8.º, o respetivo regime tributário, de acordo com o qual ficavam isentos de IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1” (artigo 8.º, n.º 7, alínea a)) e de Imposto do Selo “todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.” (artigo 8.º, n.º 8).

O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aditou ao artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH) ” os n.ºs 14 a 16, consagrando ainda o n.º 2 do seu artigo 236.º uma norma de direito transitório, dispondo que as alterações introduzidas àquele artigo 8.º se aplicariam aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014 (n.º 1), sendo igualmente aplicáveis “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.

Alega a Requerente que, tendo a aquisição da fração autónoma objeto das liquidações impugnadas sido efetuada no âmbito da redação inicial do artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”, não poderia ocorrer a sua tributação à luz das alterações introduzidas àquela norma pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, como veio a acontecer, sob pena de inconstitucionalidade, por se tratar de uma aplicação retroativa dos n.ºs 14 a 16 do citado artigo 8.º, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Sustenta a Requerente que os n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do referido Regime, vieram estabelecer, ex novo, pressupostos de cujo cumprimento depende o direito à isenção de IMT e de Imposto do Selo, inexistentes à data da aquisição do imóvel tributado, ao concretizar o conceito de “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente”, bem como as circunstâncias em que os que integram o ativo dos FIIAH deixam de beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 7, alínea a) e 8, do mesmo artigo.

Considera assim a Requerente que, tendo o artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduzido um novo regime de caducidade das isenções, a norma do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma Lei, ao determinar a aplicação retroativa daquele novo regime a situações ocorridas ao abrigo da lei anterior e já consolidadas na ordem jurídica, padeceria de inconstitucionalidade, vício que inquinaria as liquidações impugnadas, efetuadas ao abrigo do disposto no n.º 16 do artigo 8.º, do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”.

As liquidações objeto dos autos serão nulas, por ilegalidade abstrata ou, caso se entenda que tal vício gera apenas anulabilidade, deverão as mesmas ser anuladas por ilegais.

 

b.   Da Requerida:

Na sua Resposta, veio a AT invocar a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a “ilegalidade abstracta das liquidações”, decorrente da inconstitucionalidade da(s) norma(s) em causa, nos termos peticionados, pois o pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade apenas pode ser formulado pelas entidades a que se refere o n.º 2 do artigo 281.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Argui ainda a ilegitimidade passiva da Requerida, dado que a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, por se encontrar sujeita ao princípio da legalidade, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP. 

Defende ainda a AT que as alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), ao regime tributário aplicável aos FIIAH e às SIIAH, aprovado pelo artigo 102.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009) se limitou a concretizar o significado da expressão “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, passando a prever expressamente um regime de cessação do benefício fiscal, em caso de inobservância daquele requisito legal.

Que, no entanto, as referidas alterações não importam retroatividade, porquanto à data da criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto do Selo nele previstas, teriam que cumprir o pressuposto de que os móveis adquiridos fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

Que as liquidações impugnadas não importam qualquer lesão dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, pois a norma transitória constante do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu um período transitório de três anos para aplicação das alterações introduzidas ao “Regime Tributário dos FIIAH”, não se limitando a fazer cessar, de imediato, todas as isenções em curso, que não provassem possuir os requisitos legais.

Que é manifesto que, desde o início do “Regime Tributário dos FIIAH”, sempre o benefício poderia cessar desde que deixassem de se verificar os respetivos pressupostos, acrescendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º, do EBF, a alienação do prédio a que respeitam as liquidações em apreço sempre determinaria que ficariam sem efeito as isenções de que o Requerente beneficiou aquando da sua aquisição.

Por outro lado, defende a AT que, ainda que a norma transitória do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, fosse inconstitucional, tal não importaria a nulidade das liquidações, mas tão só a sua anulabilidade, sendo a ilegalidade abstrata invocada apenas fundamento para oposição à execução fiscal e não para impugnação judicial.

Conclui a AT pugnando pela sua absolvição da instância ou, caso assim se não entenda, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com absolvição de todos os pedidos nos termos em que são formulados.

 

Por despacho arbitral de 19 de janeiro de 2017, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, e convidadas as Partes a produzir Alegações escritas sucessivas pelo prazo de 10 dias, com início na Requerente, tendo sido designado o dia 20 de fevereiro de 2017 para prolação da decisão arbitral.

As Partes não produziram Alegações.

 

II. SANEAMENTO

1.    O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 7 de dezembro de 2016, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.    As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.    O processo não padece de vícios que o invalidem.

4.    A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e tendo ainda em conta os factos invocados pelas Partes, fixa-se como segue:

A) Factos provados

1.    A fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia e concelho de …, destinada a habitação, foi adquirida pelo “B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL”, em 31 de dezembro de 2013, pela quantia de € 91 875,00;

2.    Aquando da aquisição da fração autónoma identificada, o adquirente beneficiou das isenções de IMT e de Imposto do Selo, nos termos do artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a) e 8, respetivamente, do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH;

3.    Em 15 de junho de 2016, o “B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL” dirigiu requerimento ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças de…, no qual informou da alienação da fração autónoma antes identificada e solicitou a liquidação de IMT e de Imposto do Selo ora objeto dos presentes autos;

4.    Em 16 de junho de 2016, foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as liquidações de IMT n.º…, da quantia de € 918,75 e de Imposto do Selo (verba 1.1, da TGIS) n.º…, no montante de € 735,00, referentes à aquisição do direito de propriedade sobre a referida fração autónoma pelo “B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL”, em 31 de dezembro de 2013, com isenção daqueles impostos;

5.    As liquidações impugnadas foram pagas em 17 de junho de 2016.

 

B) Factos não provados

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

III.2 DO DIREITO

1.    Questões prévias

Na Resposta transmitida aos autos, veio a AT invocar a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a inconstitucionalidade abstrata das normas constantes dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH, aditados pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, bem como da norma transitória do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma Lei, nos termos peticionados, pois o pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade apenas pode ser formulado pelas entidades a que se refere o n.º 2 do artigo 281.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como a ilegitimidade passiva da Requerida, dado que a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, por se encontrar sujeita ao princípio da legalidade, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP. 

Entende este tribunal arbitral que o que resulta da petição inicial não é o pedido da declaração de inconstitucionalidade abstrata das referidas normas da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, mas sim a apreciação da legalidade das concretas liquidações de IMT e de Imposto do Selo que se impugnam, emitidas com base nas referidas normas.

Deste modo, e ainda que a Requerida se encontre vinculada ao princípio da legalidade, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, impeditivo da recusa de aplicação de quaisquer normas legais com fundamento na sua inconstitucionalidade, impende sobre os tribunais “o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão submetida à sua apreciação estão ou não em conformidade com os preceitos constitucionais[1].

Estando em causa a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas, não se dão por verificadas as exceções invocadas pela Requerida.

 

2.    A questão a decidir

A questão controvertida na presente ação arbitral consiste em saber se a aquisição de um imóvel por um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), em data anterior a 1 de janeiro de 2014, com as isenções previstas no artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a) (IMT) e 8 (Imposto do Selo), do “Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (SIIAH)”, adiante, de forma simplificada, Regime Especial dos FIIAH, pode ser tributada antes do decurso do prazo de três anos estabelecido pelo n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), se tal imóvel tiver sido alienado, fora das situações previstas no artigo 5.º daquele Regime Especial dos FIIAH.

 

3.    O direito aplicável

O artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, estabeleceu o regime tributário aplicável aos FIIAH que viessem a ser constituídos durante os cinco anos subsequentes à sua entrada em vigor, relativamente aos imóveis por aqueles adquiridos para arrendamento habitacional.

Concretamente no que respeita ao IMT e ao Imposto do Selo, estatuíram os n.ºs 7 e 8 daquele artigo 8.º, que

7 – Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 – Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.”

 

O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio aditar ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, os n.ºs 14 a 16.º, com a seguinte redação:

Artigo 8.º - [...]

(…)

14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

 

Concomitantemente, o n.º 2 do artigo 236.º, da citada Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu uma norma de direito transitório, definindo os termos da aplicabilidade dos novos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aos imóveis por aqueles adquiridos em data anterior a 1 de janeiro de 2014.

É a seguinte a redação do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro:

Artigo 236.º - Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

1 – (…)

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

 

Para além das normas acabadas de referir, cumpre ainda convocar o artigo 10.º, do Código do IMT (Reconhecimento das isenções) e os artigos 7.º (Fiscalização) e 14.º (Extinção dos benefícios fiscais), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

 

4.    As liquidações de IMT e de Imposto do Selo impugnadas

Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas, exclusivamente à luz da norma ao abrigo das quais foram emitidas, isto é, do n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, e da norma de direito transitório do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, considerando a sua inconstitucionalidade, por retroatividade na aplicação a uma situação ocorrida inteiramente no âmbito de lei anterior.    

Invoca a Requerente, para tanto, a natureza de impostos de obrigação única, quer do IMT, quer do Imposto do Selo, cujo facto tributário, temporalmente localizado, se esgota na prática do ato de aquisição do imóvel, e no facto de lhe ter sido reconhecida a isenção daqueles impostos aquando da aquisição da fração autónoma ora objeto de tributação, direito adquirido e já cristalizado na sua esfera jurídica à data das alterações ao Regime Especial dos FIIAH.

Contrapõe a AT que, desde o seu início, sempre o Regime Especial dos FIIAH definiu com clareza os pressupostos que condicionavam a atribuição das isenções de IMT e de Imposto do Selo aos FIIAH, com referência aos imóveis por aqueles adquiridos, “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” e que, independentemente das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, sempre a AT poderia, no âmbito do dever de fiscalização dos pressupostos dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 7.º (atual n.º 1), do EBF, decidir pela manutenção das isenções ou pela reposição do regime da tributação regra (artigo 14.º, n.º 1, do EBF) e que, nos termos do n.º 2 do citado artigo 14.º, do EBF, “quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.

Vejamos de que lado está a razão:

No que respeita à chamada “ilegalidade abstrata da liquidação”, definida jurisprudencialmente como a situação em que “ a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação[2], que constitui fundamento quer de oposição à execução fiscal, quer de impugnação judicial, nos termos dos artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e 99.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), respetivamente, dir-se-á que, no caso concreto dos presentes autos, à data dos factos a que respeita a obrigação tributária, os impostos em questão (IMT e Imposto do Selo) se encontravam em vigor, encontrando-se também prevista quer a sua liquidação, quer a cobrança da respetiva receita.

Falece, neste aspeto, a argumentação da Requerente.

Assim como não assiste razão à Requerente, ao afirmar que, tratando-se de impostos de obrigação única, o facto objeto de tributação, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, se esgotou na data da aquisição da propriedade do prédio pelo Fundo: é que, embora a aquisição onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis constitua o facto tributário acolhido pelas normas de incidência objetiva de cada um daqueles impostos (cfr. respetivamente, o artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMT, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo e verba 1.1., da Tabela Geral a ela anexa), ela não determina, por si só, o nascimento da obrigação tributária, se o facto tributário ficar paralisado perante a existência de um requisito negativo da tributação[3], como é a isenção. Nestes casos, só com a extinção do benefício fiscal se produz o facto tributário ou, nas palavras do legislador do EBF, é reposto o regime da “tributação-regra”.

Nem o reconhecimento, a pedido do Fundo e em data anterior à da aquisição da fração autónoma objeto das liquidações de IMT e de Imposto do Selo impugnadas, nos termos do artigo 10.º, do Código do IMT, das isenções constantes dos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial do FIIAH, determinaria que tais isenções ficassem definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária, uma vez que elas sempre estiveram, desde a criação do Regime Especial dos FIIAH pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, condicionadas à verificação do requisito de os prédios urbanos ou frações autónomas dos prédios urbanos adquiridos pelos FIIAH, se destinarem “exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

Porém, resulta da factualidade provada que as liquidações impugnadas foram emitidas a requerimento do sujeito passivo, no qual se informa expressamente os serviços locais da AT da alienação da fração autónoma a que as mesmas liquidações se reportam. Não restam, pois, dúvidas, de que, com a alienação do imóvel tributado, lhe foi dado destino diferente daquele que era pressuposto da manutenção da isenção reconhecida aquando da sua aquisição, em dezembro de 2013.

Nem se pode, por outro lado, invocar a especialidade do regime criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que, na ótica da Requerente, determinaria a definitiva cristalização das isenções concedidas, pois na omissão do legislador quanto às causas da caducidade das isenções de IMT e de Imposto do Selo previstas nos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, deverá entender-se serem aplicáveis as constantes da Parte I, do EBF, extensíveis a todos os benefícios fiscais (artigo 1.º, do EBF).

Assim, atendendo aos poderes de fiscalização da AT no que respeita ao “controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (artigo 7.º, do EBF, na redação em vigor à data dos factos), sempre esta poderia, na ausência de verificação de tais pressupostos, determinar a reposição do regime da tributação regra.

Concluindo-se, pelos motivos que antecedem, que as liquidações objeto dos presentes autos sempre poderiam ser emitidas pela AT, independentemente das alterações introduzidas pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, ou da norma transitória do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma lei, que determinou a aplicação daquelas alterações aos imóveis adquiridos pelos FIIAH em data anterior a 1 de janeiro de 2014, a apreciação da constitucionalidade das referidas normas da Lei do Orçamento do Estado para 2014 torna-se irrelevante para a decisão da causa.

Conclui-se ainda que, não configurando as liquidações ora impugnados atos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo, por não terem determinado o pagamento dos tributos em medida superior ao legalmente previsto, devem as mesmas manter-se na ordem jurídica.

Mostrando-se devidos os impostos liquidados, fica prejudicada a apreciação da questão relativa aos juros indemnizatórios peticionados.

 

IV. DECISÃO:

De harmonia com os fundamentos de facto e de direito expostos, decide-se julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade ou de anulação dos atos tributários de liquidação de IMT n.º…, da quantia de € 918,75 e da liquidação de Imposto do Selo (Verba 1.1, da TGIS) n.º…, da quantia de € 735,00, que deverão manter-se.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1 653,75 (mil seiscentos e cinquenta e três euros e setenta e cinco cêntimos).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 20 de fevereiro de 2017.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] - Assim, J. J. Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. II, 4.ª Edição revista (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 519.

[2] - Cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/04/2014, no recurso n.º 076/14.

[3] - Considerando a isenção como “pressuposto negativo, [que] obstará que se constitua um vínculo jurídico de imposto”, cfr. MARTINEZ, Pedro Soares, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1993, págs. 188 e 189.