Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 88/2015-T
Data da decisão: 2015-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 360.494,97
Tema: IRC – dedutibilidade de gastos; art. 55.º, n.º 2 do EBF
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Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro presidente), Carla Castelo Trindade e Jorge Júlio Landeiro de Vaz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Abril de 2015, acordam o seguinte:

 

I.                   Relatório

 

1.      A…, com sede na … Rua …, em …-… …, pessoa colectiva n.° …, submeteu, em 11-02-2012, ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

2.      A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da legalidade do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.° 2014 …, no valor total de €360.494,97, relativo ao exercício de 2010.

2.1. A Requerente pede que o acto tributário de liquidação n.º 2014 … seja parcialmente anulado, por força do previsto no artigo 99.º do CPPT, e, em consequência, a redução da matéria colectável de €1.635.667,53 para €70.237,19 e que o valor da liquidação seja reduzido de €346.447,53 para €14.047,44;

3.      Em 11 de Fevereiro de 2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. Em 2 de Abril de 2015, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21 de Abril de 2015.

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a) Aceita que as actividades de formação não subsidiadas, designadamente os seminários, conferências e eventos análogos, configuram rendimentos equiparados a rendimentos da categoria B e, assim sendo, admite dever ser adicionado aos rendimentos da categoria B o montante de €123.620,45;

b) Discorda do entendimento da AT no que concerne ao enquadramento fiscal dos subsídios obtidos pela A..., associados à formação no valor de €1.776.311,23;

c) A norma prevista no artigo 55.º do EBF, invocada pela AT, não é aplicável à A..., desde logo, porque esta não é uma associação patronal ou sindical, nem uma pessoa colectiva criada por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais;

d) A não sujeição a IRC dos subsídios (auferidos pela A... no âmbito dos programas de formação que realiza, em conformidade com o previsto na alínea e) do n.º1, do artigo 2.º dos Estatutos da Associação), resulta da aplicação do n.º 3 do artigo 54.º do Código do IRC;

e) Logo, os subsídios são rendimentos não sujeitos a IRC, pelo que o acto tributário de liquidação incorre em erro de qualificação dos rendimentos provenientes de subsídios, devendo ser anulado, com fundamento na alínea a) do artigo 99.º do CPPT;

f) No entender da Requerente a AT incorre em erro quanto à qualificação dos custos, porquanto, segundo o artigo 54.º do Código do IRC, os gastos que não estejam especificamente ligados a uma determinada categoria de rendimentos são considerados comuns;

g) É o que acontece com os gastos relacionados com os projectos B…, C… e D…, por se tratar de encargos ligados quer à obtenção de rendimentos sujeitos quer à obtenção de rendimentos não sujeitos, auferidos no âmbito desses três projectos;

h) Os custos considerados pela AT como específicos de rendimentos do projecto  B…, C… e D…, são inquestionavelmente custos comuns a actividades sujeitas e a actividades não sujeitas, tal como definidos no artigo 54.º, n.º1, alínea b), do Código do IRC;

i) Ainda no entender da Requerente a AT incorre também em erro quanto à qualificação dos demais custos que considerou como específicos da categoria B, refira-se o valor de €1.677.221,26 (respeitantes a custos ligados à actividade de formação), uma vez que se a formação subsidiada é um rendimento não sujeito a IRC, os custos específicos dessa actividade não podem ser considerados, como argumenta a AT, “custos afectos a rendimentos da categoria B (quando muito seriam custos específicos dos rendimentos não sujeitos - os subsídios relacionados com as actividades de formação)” – artigo 88.º do Requerimento;

j) Tratam-se de custos comuns a actividades não sujeitas (os subsídios destinados à formação) e a actividades sujeitas a IRC (os proveitos decorrentes de formação não subsidiada, nomeadamente seminários, conferências e eventos análogos), pelo que, segundo o artigo 54.º do Código do IRC, devem ser considerados comuns aos proveitos auferidos no âmbito de actividades de formação;

l) Pelo que o acto tributário é, de acordo com a Requerente, ilegal, por violação do artigo 54.º, n.º1, alínea b), conjugado com o n.º 2 do mesmo preceito;

m) O acto tributário é também ilegal por falta de fundamentação das correcções aritméticas efectuadas;

n) O acto tributário é ainda ilegal por violação dos princípios constitucionais da segurança, da proteção jurídica e o da tributação pelo rendimento real.

 

            5. A AT apresentou resposta, defendendo-se por impugnação de facto e de direito, invocando, em síntese:

a) Não existe erro na qualificação dos rendimentos provenientes de subsídios, na medida em que não cumprem os requisitos para beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do artigo 55º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários  da formação, que não se limitam aos associados do sujeito passivo;

b) Também não existe erro na qualificação dos custos específicos, uma vez que os rendimentos descritos (subsídios à formação, formação não subsidiada, seminários, conferências e eventos análogos) são rendimentos sujeitos, pelo que todos os gastos associados aqueles, são gastos específicos de rendimentos sujeitos, enquadrados na categoria B;

c) Não há violação da alegada falta de fundamentação, nem existe violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança e da tributação do rendimento real.

 5.1. A AT requer, em consequência, que o pedido formulado pelo sujeito passivo seja julgado improcedente, por não provado, mantendo-se vigente, por legal e adequada, a liquidação de IRC efectuada.

            6. Nenhuma das partes requereu prova testemunhal.

            7. Assim, em 1 de Julho de 2015, o tribunal arbitral proferiu despacho em que convidava à junção de prova documental, notificava as partes para se pronunciarem quanto ao regime das alegações e dispensava (sob condição de que as alegações não assumissem a forma oral e em virtude de o processo arbitral se reger pelos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis) a realização da reunião do art. 18.º do RJAT, tendo sido designado o dia 15 de Outubro como data limite para pronúncia da decisão arbitral.

           8. Na sequência da notificação de tal despacho, ambas as partes vieram aos autos comunicar que prescindiam da apresentação de alegações, pelo que se confirmou a dispensa da primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

            9. As Partes não suscitaram a excepção dilatória da incompetência, pelo que o Tribunal manifestou, por despacho, emitido em 30/8/2015, a intenção de conhecer dela a título oficioso, tendo, em conformidade com o previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, convidado, no mesmo despacho, as partes a exercerem o contraditório quanto a tal matéria, bem como quanto ao valor do pedido.

Na sequência de tal notificação, o Sujeito Passivo veio esclarecer o valor do pedido, não exercendo o contraditório quanto ao mais. Optou, por outro lado, por requerer a redução do pedido àquele (declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação) quanto ao qual não se suscita o problema da incompetência absoluta em razão da matéria.

Diferentemente, veio a AT pugnar pela verificação da incompetência absoluta em razão da matéria.

O requerimento de redução do pedido foi deferido, mediante despacho proferido em 24/9/2015.

 

            II. SANEAMENTO

9.1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

9.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.3. Importa verificar, em particular, do pressuposto processual da competência do tribunal.

         a)  O sujeito passivo formula, no requerimento arbitral, três pedidos cumulativos:

              a.1- requer a anulação do acto de liquidação;

              a.2- requer que a matéria colectável seja reduzida de €1.635.667, 53 para €70.273, 19 e

              a.3- requer que o valor da liquidação de imposto seja fixado em €14.047, 44.

9.3.1. Como supra explicitado, no Relatório, as partes não suscitaram a excepção dilatória da incompetência, pelo que o tribunal manifestou a intenção de conhecer desta a título oficioso quanto aos pedidos de redução da matéria colectável e de redução da liquidação.

De harmonia com o previsto no art. 3.º, n.º 3, do C.P.C., aplicável por via do art. 29.º, n.º 1, e), do RJAT, o tribunal convidou as partes a exercerem o contraditório quanto a tal matéria. Na sequência de tal notificação, o Sujeito Passivo não se pronunciou quanto à excepção de incompetência, mas requereu a redução dos pedidos, mantendo apenas o pedido em que pugnava pela anulação de liquidação.Tal pretensão foi deferida.

A AT veio a responder ao convite do Tribunal, sustentando a incompetência absoluta do Tribunal para conhecer dos pedidos identificados sob a.2 e a.3.

            Cumpre apreciar.

Por dizer directamente respeito à avaliação da legalidade de um inequívoco acto de liquidação, o primeiro pedido formulado (em que se requer a anulação do acto de liquidação) revela-se integralmente compatível com o âmbito de competência material previsto na primeira parte do art. 2.º, n.º 1, a), do RJAT, nos termos do qual os tribunais arbitrais beneficiam de competência para “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta”.

O presente tribunal é, assim, competente para conhecer da matéria correspondente ao pedido acima identificado sob a.1.

            A circunstância de ter havido redução das pretensões originariamente formuladas, com eliminação dos demais pedidos, conduz a que tenha passado a carecer de relevo o problema da incompetência do presente tribunal quanto estes últimos. O exercício de tal faculdade eliminou, assim, a pertinência da questão de incompetência suscitada pelo Tribunal, passando a carecer de fundamento o conhecimento e decisão da correspondente excepção, cujo relevo inicial se colocava. 

Na verdade, o pressuposto da incompetência em razão da matéria afere-se em função dos pedidos deduzidos, pelo que não tem que se proceder a tal avaliação quanto a pedidos que tenham sido objecto de voluntária e admissível exclusão do objecto do processo, pelo Autor, como sucedeu na presente acção.

Aquela ponderação circunscreve-se, por isso, no caso em apreço, ao único pedido subsistente.

            Nestes termos, o tribunal declara-se competente para conhecer do objecto do presente processo.

9.4. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento dos restantes aspectos relativos ao mérito da causa.

9.5. O processo não enferma de nulidades.

III. Mérito

III.1. Matéria de facto

10. Factos provados

10.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões de mérito suscitadas, dão – se como assentes e provados os seguintes factos:

a) A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externa, sobre os exercícios dos anos de 2007 e 2008, tendo sido notificada, em Outubro de 2011, do respectivo Relatório de inspecção;

b) A Requerente foi também alvo de um outro procedimento de inspecção externa, ao que aqui importa, sobre o exercício de 2009, 2010 e 2011, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças do Porto (SIT), ao abrigo da ordem de serviço identificada como OI 2013…;

c) A abertura da Ordem de Serviço OI 2013… teve a sua origem num pedido de reembolso de IVA efectuado pela Requerente;

d) A Requerente foi notificada, em Novembro de 2013, do Relatório de Inspecção referente ao exercício de 2009, e, em Janeiro de 2014, do Relatório de Inspecção referente aos exercícios de 2010 e 2011;

e) No relatório de 2010, a AT afirma que «a A... não é uma associação de empregadores»;

f) Do art. 2.º dos Estatutos da requerente resulta que:

            “1. Para a realização do seu objeto, competirá à A...:

a) Promover o fomento do empreendedorismo junto da sociedade, do tecido económico e dos jovens em particular;

b) Promover instrumentos de facilitação do acesso e do desenvolvimento à atividade empresarial, nomeadamente através de mecanismos de incubação de empresas e de serviços comuns de apoio;

c) Dinamizar projetos de sensibilização empresarial, setorial e outros, através de eventos de promoção de produtos, serviços ou regiões;

d) Defender os interesses dos jovens empresários e empreendedores através da sua aproximação e do apoio à iniciativa privada;

e) Promover a formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral e a sua integração e relacionamento com o meio empresarial;

f) Fomentar o intercâmbio de experiências e a troca de informações;

g) Dinamizar novos projetos e relações empresariais e promover a ação dos jovens empresários e das empresas nacionais no mercado internacional, nomeadamente nas comunidades e países lusófonos;

h) Criar uma força dialogante junto dos organismos oficiais, governamentais, económicos, sociais e culturais;

i) Congregar em seu torno grupos ou organizações formais ou informais, com objetivos semelhantes, de modo a incrementar e orientar a sua atividade.»;

 

g) Entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010 não existiu qualquer alteração estatutária na A... nem existiu qualquer alteração ao nível das atividades desenvolvidas pela Associação, mormente não existiu qualquer alteração no «modus operandi» da formação realizada pela A...;

h) No relatório de inspecção ao exercício de 2010 (que fundamenta o acto tributário de liquidação impugnado), a AT afirma que «a A... é um sujeito passivo de IRC de acordo com a alínea a) do nº1 do artigo 2º do CIRC, cujo imposto incide sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS…atendendo a não exercer, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola…»;

i) Este mesmo enquadramento tributário foi expresso pela AT nos relatórios de inspecção tributária referentes aos exercícios de 2007, 2008 e de 2009;

j) Na referida acção de inspecção, e com relevância para os presentes autos, verificaram os SIT que, no exercício de 2010, a ora Requerente não dispunha da sua contabilidade organizada de acordo com as várias categorias de IRS, não estando o registo dos custos efectuado de modo a distinguir os encargos específicos de cada categoria de rendimentos dos demais encargos não específicos;

k) No mencionado relatório de inspecção tributária referente ao exercício de 2010 a AT fez constar que a A... não cumpriu com a obrigação assessória prevista no artigo 116º do Código do IRC, nele afirmando que “Atendendo aos balancetes disponibilizados, verifica-se que a contabilidade geral, considerando o Plano de Contas utilizado, não se encontra estruturada para que sejam identificados os diferentes tipos de rendimentos obtidos: isentos, não sujeitos e sujeitos (por categoria de IRS). Relativamente aos rendimentos salienta-se que as prestações de serviços se encontram subdivididas em isentas de IVA e sujeitas a IVA, que por sua vez se encontram subdivididas em sede e núcleos regionais - Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo (LVT), Alentejo (ATO) e Algarve (ALG). No que respeita aos gastos, as diferentes rubricas encontram-se subdivididas em sede e núcleos regionais”;

l) Deste modo, entendeu a Administração Tributária que o Plano de Contas utilizado não se encontra estruturado nem organizado, de modo a evidenciar:

·         As várias categorias de rendimentos consideradas para efeitos de IRS;

·         Os registos de encargos, organizados de modo a que se distingam os encargos específicos de cada categoria de rendimentos sujeitos a imposto;

·         Os demais encargos que, no todo ou em parte, são dedutíveis ao rendimento global.

m) Tal como demonstrado pelo quadro seguinte que consta do Relatório de Inspecção:

Conta n.o

Designação

2010

2011

 

   

Valor

%

           

 

72

Prestações de Serviços

 

 

 

 

722

Outros Rendimentos

 

 

 

 

7221

Isentas de IVA

6.452.697,67

57%

5.126.318,62

62%

7222

Sujeitas a IVA

4.139.378,05

36%

2.517.598,65

31%

723

Outros Rendimentos Não Sujeitos

86.471,58

1%

82.679,82

1%

Soma

10.678.547,30

94%

7.726.597,09

94%

78

Outros rendimentos e ganhos

 

 

 

0%

782

Descontos de pronto pag. obtidos

0,00

0%

61,09

0%

783

Recuperação de dívidas a receber

13.340,51

0%

0,00

0%

786

Rendimentos e ganhos nos restantes ati. fina.

2.454,90

0%

9.731,57

0%

787

Rendimentos e ganhos em inv. não fina.

432.579,76

4%

70.713,27

1%

788

Outros

230.054,30

2%

407.004,25

5%

Soma

678.429,47

6%

487.510,18

6%

79

Juros, dividendos e outros rendimentos

457,92

0%

25,14

0%

Soma

457,92

0%

25,14

0%

Total Rendimentos

11.357.434,69

100%

8.214.132,41

100%

62

Fornecimentos e Serviços Externos

8.608.622,75

76%

5.769.768,46

70%

63

Gastos com pessoal

760.600,70

7%

1.113.563,35

14%

64

Gastos de depreciação e de amortização

295.432,69

3%

280.918,94

3%

65

Perdas por imparidade

57.452,92

1%

258.542,95

3%

68

Outros gastos e perdas

1.251.180,71

11%

533.760,02

6%

69

Gastos e perdas de financiamento

148.785,01

1%

150.425,93

2%

Total Gastos

11.122.074,78

98%

8.106.979,65

99%

Resultado Liquido

235.359,91

2%

107.152,76

2%

 

 

 

 

n)      Decorre ainda do Relatório de Inspecção que:

“Os factos descritos evidenciam que o sujeito passivo, utilizou o enquadramento em IVA, a que sujeitou os rendimentos obtidos, para proceder ao seu enquadramento em sede de IRC. Entre o conjunto de rendimentos, considerados não sujeitos pelo sujeito passivo estão os rendimentos obtidos com formação, conferências, seminários e eventos similares, os quais não se encontram referenciados no n.º 3 (não sujeitos) e no n.º 4 (isentos) do art. 54º do CIRC.”

o) Para o ano de 2010, a Requerente efectuou o apuramento por categorias de rendimentos conforme o quadro seguinte:

RENDIMENTOS POR CATEGORIA-A...

ANO 2010

rendimentos não sujeitos

6.659.420,40

rendimentos categoria B

4.667.843,10

rendimentos categoria E

457,92

rendimentos categoria F

20.713,27

rendimentos categoria G

9.000,00

RENDIMENTOS TOTAIS

11.357.434,69

 

 

p) Não se encontrando, a contabilidade da A..., estruturada segundo as várias categorias de rendimentos (tal como definidas no IRS) e não estando, o registo dos encargos, efectuado de modo a distinguir os encargos específicos de cada categoria de rendimentos dos demais encargos não específicos, a AT procedeu, no âmbito de todas as acções inspectivas efectuadas aos cinco exercícios, à requalificação dos rendimentos por categorias (de IRS) e separou os encargos que entendeu estarem associados a certo tipo de rendimentos dos outros encargos gerais;

q) Na acção inspectiva efectuada aos exercícios de 2007 e 2008 a AT entendeu que os rendimentos auferidos pela A... nos anos de 2007 e de 2008 provenientes de subsídios para realizar ações de formação eram rendimentos não sujeitos a IRC, (cfr. doc. 2., v.g. págs 25 e 26) e por esse motivo a AT, na inspecção efectuada aos exercícios de 2007 e 2008, não efectuou qualquer correcção (requalificação) no que concerne a este tipo de rendimentos;

r) A AT corrigiu o apuramento efectuado pela A... no que concerne aos rendimentos não sujeitos a imposto, tendo desconsiderado como rendimentos não sujeitos a IRC o valor de €1.899.931,68, requalificando-os como rendimentos sujeitos a IRC (categoria B), conforme resulta do quadro seguinte:

RENDIMENTOS POR CATEGORIA - Ano 2010

A...

AT

rendimentos não sujeitos

6.659.420,40

4.759.488,72

rendimentos categoria B

4.667.843,10

6.567.774,78

rendimentos categoria E

457,92

457,92

rendimentos categoria F

20.713,27

20.713,27

rendimentos categoria G

9.000,00

9.000,00

 RENDIMENTOS TOTAIS

11.357.434,69

11.357.434,69

 

s) Em sede de fundamentação para tal requalificação, a AT invocou que «estes proveitos resultam fundamentalmente das seguintes operações económicas: realização de seminários, conferências e eventos análogos, prestação de serviços de formação (subsídios), cedência de espaço e outras prestações de serviço».

t) Os rendimentos requalificados pela AT correspondem aos discriminados no quadro seguinte:

Descritivo Contabilidade

Conta Contabilidade

Anexo 1

Formação e outras actividades não subsidiadas

Formação e outras actividades integralmente subsidiadas

TOTAL

PROVEITOS PROJ …/2010/23

72211

Folha 2 -  Proj … …/2010/22

 

6.848,10

6.848,10

PROVEITOS » PROJ …/2010/823

72211

Folha 2 - Proj … …/2010/823

 

15.440,86

15.440,86

PROVEITOS PROJ. …/2010/61

72211

Folha 2 (VS) -Proj. … …/2010/61

 

15.635,76

15.635,76

PROVEITOS PROJ. …/2010/31

72211

Folha 2 (VS) -Proj. … …/2010/31

 

1.247,31

1.247,31

PROVEITOS PROJ. …/2010/31

72211

Folha 2 (VS) -Proj. … …/2010/31

 

623,65

623,65

PROVEITOS PROJ. …/2010/31

72211

Folha 2 (VS) -Proj. … …/2010/31

 

623,65

623,65

PROVEITOS …/2008/23

72211

Folha 2 - Proj … …/2008/23

 

154.956,07

154.956,07

PROVEITOS …/2008/23

72211

Folha 2 - Proj … 005530/2008/23

 

98.563,58

98.563,58

PROVEITOS …/2008/23

72211

Folha 2 - Proj … …/2008/23

 

10.677,79

10.677,79

PROVEITOS …/2008/823

72211

Folha 2 - Proj … …/2008/823

 

20.426,98

20.426,98

PROVEITOS …/2008/22

72211

Folha 2 - Proj .. …/2008/22

 

-959,05

-959,05

PROVEITOS …/2008/22

72211

Folha 2 - Proj … …/2008/22

 

133.540,57

133.540,57

PROVEITOS - … » …./2008/876

72211

Folha 2 - … …/2008/876

 

-2.523,47

-2.523,47

PROVEITOS FORMAÇÃO …. – NORTE

72211

Folha 2 (VS) -Proj. .. …/2010/31

 

440.666,88

440.666,88

PROVEITOS FORMAÇÃO … – CENTRO

72211

Folha 2 (VS) - ...... centro

 

217.064,18

217.064,18

PROVEITOS FORMAÇÃO …. – ALENTEJO

72211

Folha 2 (VS) - Formação … ato

 

31.535,15

31.535,15

PROVEITOS …/2010/22

72211

Folha 2 (VS) - Formação … norte

 

103.490,43

103.490,43

PROVEITOS PROJ. …/2010/861

72211

Folha 2 (VS) -Proj. … …/2010/861

 

27.735,02

27.735,02

Proveitos … EMPRESA …

72211

Folha 2 - … empresa …

 

36.472,14

36.472,14

PROVEITOS PROJ … / 2009 / 876

72211

Folha 2 (VS) - Proj. …  …/2009/876

 

20.166,90

20.166,90

PROVEITOS DO PROJ … / 2010 / 976

72211

Folha 2 - Proj … …/2010/976

 

3.949,38

3.949,38

PROVEITOS … »…/2010/23

72211

Folha 2 - Proj … …/2010/23

 

61.283,15

61.283,15

PROVEITOS …/20010/23

72211

Folha 2 (VS) - Proj. … …/2010/23

 

3.594,24

3.594,24

PROVEITOS …/2010/22

72211

Folha 2 (VS) - Proj. … …/2010/22

 

30.414,26

30.414,26

PROVEITOS PROJ. …/2010/923

72211

Folha 2 - Proj … …/2010/22

 

1.100,60

1.100,60

Sem.,Conf.,Event Análogos

72211

Folha 1 e Folha 2 - Seminários, conferências e eventos análogos

64.420,36

 

64.420,36

Sede

72211

Folha 2 - Formação inst….

 

216.083,38

216.083,38

B.. e Acções Complementares

72211

Folha 2 (VS) – B… e Acções Complementares

353,99

 

353,99

72211

Folha 2 (VS) - …

820,00

 

820,00

PROVEITOS D…

72211

Folha 2 (VS) – D…- Projeto …

32.404,00

 

32.404,00

Proveitos …

72212

Folha 2 (VS) - …

 

398,41

398,41

Semin.Conf. e Eventos Analogos

72213

Folha 2 (VS) - Seminários, conferências e eventos análogos

1.075,00

 

1.075,00

Proveitos …

72213

Folha 2 (VS) - …

 

3.214,82

3.214,82

Semin,Conf. e Eventos Analogos

72214

Folha 2 (VS) e Folha 3 - Actividades comuns gerais

7.225,00

 

7.225,00

Lisboa

72214

Folha 2 (VS) e Folha 3 - Actividades comuns gerais

922,1

 

922,10

Proveitos …

72215

Folha 3 - …

 

10.000,00

10.000,00

Sem.,Conf. e Eventos

72216

Folha 3 - …s conferências e eventos análogos/…

16.400,00

 

16.400,00

Proveitos … …

72216

Folha 3 –

…/…/Seminarios conferências e eventos análogos/…

 

1.996,51

1.996,51

Proveitos …

72216

Folha 3 - …/…/Seminarios conferências e eventos análogos/…

 

34.870,70

34.870,70

Proveitos …

72216

Folha 3 - …/…/Seminarios conferências e eventos análogos/…

 

21.856,56

21.856,56

Programa … (…)

72216

Folha 3 …/…/Seminarios conferências e eventos análogos/…

 

204,02

204,02

Proveitos Planet Design

72216

Folha 3 - …/…/Seminarios conferências e eventos análogos/….

 

47.506,89

47.506,89

PROVEITOS …/2008/23

78811

Folha 8 (VS) - Projeto … …/2008/23

 

2.174,95

2.174,95

PROVEITOS …/2008/22

78811

Folha 8 (VS) - Projeto … …/2008/22

 

35,25

35,25

PROVEITOS …/2008/822

78811

Folha 8 (VS) - Projeto … …/2008/822

 

5.395,61

5.395,61

TOTAL

 

 

123.620,45

1.776.311,23

1.899.931,68

%

 

 

7%

93%

100%

u) Entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010 não existiu qualquer alteração legislativa, no Código do IRC ou em legislação avulsa, susceptível de afectar o enquadramento tributário dos rendimentos auferidos pela A... provenientes de subsídios destinados a realizar ações de formação;

v) A Administração Tributária procedeu também a diferente imputação dos gastos;

x) A diferença no apuramento dos gastos específicos de determinadas categorias de rendimentos, realizada pela Requerente e pela AT resulta evidenciada no quadro seguinte:

 

CUSTOS (ANO 2010)

A...

Correcção AT

 Correcção AT

Custos específicos da actividade não sujeita

238.551,87

5.602.408,53

5.840.960,40

Custos específicos  (Categoria B)

191.570,37

4.280.764,96

4.472.335,33

Custos específicos  (categoria F)

 

 

 

Custos específicos  (categoria G)

 

 

 

Custos comuns

10.691.952,67

-9.883.173,49

808.779,05

Custos totais

11.122.074,78

 

         11.122.074,78  

 

 

z) Em sede de fundamentação quanto às correcções realizadas pela AT no que diz respeito aos custos, esta invocou que: «atendendo à informação disponibilizada pela A..., dos respectivos centros de custo, considera-se existir informação suficiente para efectuar uma distribuição do valor total dos custos suportados, pelos rendimentos obtidos (sujeitos e não sujeitos ou isentos). Assim determinam-se os custos específicos dos rendimentos sujeitos auferidos, conforme quadro seguinte:

a.)    B… e C…:

 

 

2121111-B… Nacional e Acções complementares

2121121 B… Internacional

 

Conta

Rendimento

%

Custo

Rendimentos sujeitos - Cat. B

72221 a 78814

  1.757.485,18  

53%

  1.625.175,17  

Rendimentos não sujeitos

72211

  1.584.614,61  

47%

  1.465.318,93  

Soma

 

  3.342.099,79  

100%

  3.090.494,10  

     

 

 
 

aa) Assim, a AT estabeleceu como critério para apuramento dos custos específicos relativos ao evento B…, o que resulta do quadro seguinte:

 

A

B

C

D

E = C X D

B… (Tipo de rendimentos obtidos )

Rendimento

% =Tipo de rendimento / Total dos Rendimentos

Custos imputados ao centro de custos B…

Critério de determinação dos custos específicos

Rendimento B… sujeito a imposto (Cat B)

  1.757.485,18  

53%

 

  1.625.175,71  

Rendimento B,,, não sujeito (subsídios)

  1.584.614,61  

47%

 

  1.465.318,93  

Total

  3.342.099,79  

100%

     3.090.494,10  

  3.090.494,10  

 

bb) Os dados constantes do quadro da alínea anterior evidenciam que a AT calculou a percentagem dos rendimentos não sujeitos no total dos rendimentos auferidos no âmbito do projecto B… (47%) e calculou a percentagem dos rendimentos sujeitos no total dos rendimentos auferidos no âmbito do projecto B… (53%);

cc) bem como que, em seguida, a AT multiplicou o total dos custos relacionados com o projecto B… pela percentagem que os rendimentos sujeitos a IRC representam no total dos rendimentos do B… e apurou os custos que, no entender da AT, são específicos dos rendimentos sujeitos a IRC. O mesmo raciocínio foi utlizado para apurar os custos que, no entender da AT, são específicos dos rendimentos não sujeitos a IRC;

dd) Assim, a AT usou como como critério de repartição do valor desses custos um pro-rata do valor dos rendimentos;

ee) O mesmo critério de qualificação de custos específicos foi seguido para os projectos designados por «C…» e «D…», conforme se evidencia, respectivamente, nos quadros 12 e 13 do relatório de inspecção;

ff) A AT afirma no relatório de fiscalização aos exercícios de 2007 e 2008 que «devido à especificidade e falta de um sistema contabilístico de repartição de custos por categorias de rendimento ou de informação extra - contabilística auxiliar, só foram considerados custos específicos para os rendimentos não sujeitos. Os custos específicos considerados para este tipo de rendimentos, foram os relacionados com as reduções e devoluções dos incentivos de exploração recebidos, bem como o custo proporcional das amortizações dos activos imobilizados que foram sujeitos a subsídios»;

gg) E acrescenta o referido relatório de inspecção que «os custos proporcionais das amortizações dos bens que receberam subsídios foram considerados como custos específicos dos rendimentos não sujeitos, uma vez que os proporcionais dos subsídios recebidos, contabilizados na conta 79821, foram considerados, nos termos do artigo 49º nº3 do CIRC, como rendimentos não sujeitos»;

hh) No relatório da acção inspectiva aos exercícios de 2007 e de 2008, a AT concluiu que os únicos custos especificamente ligados à actividade não sujeita são os relacionados com as reduções e devoluções de subsídios recebidos, bem como o custo proporcional das amortizações dos activos imobilizados que foram adquiridos com fundos provenientes de subsídios auferidos pela A.... Mais concluiu, nesse mesmo relatório, pela inexistência de custos específicos relacionados com a actividade sujeita a IRC;

ii) A informação de apoio à gestão estava organizada da mesma forma em 2007 em 2008 e em 2010, ou seja, «os centros de custos» em 2007 em 2008 e em 2010 estão organizados exactamente com a mesma nomenclatura e é exactamente o mesmo propósito que está subjacente à alocação (imputação, repartição) dos custos;

jj) Entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010 não existiu qualquer alteração legislativa, no Código do IRC ou em legislação avulsa, susceptível de afectar o enquadramento tributário dos encargos suportados pela A... destinados a realizar ações de formação;

kk) Entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010 não existiu qualquer alteração estatutária na A... nem existiu qualquer alteração ao nível das actividades desenvolvidas pela Associação, mormente não existiu qualquer alteração no «modus operandi» da formação realizada pela A...;

ll) No ano de 2010, a A... não beneficiou de qualquer incremento patrimonial obtido a título gratuito e os rendimentos por si auferidos ascenderam a €11.357.434,69, sendo que o total dos encargos desse mesmo ano foi de €11.122.074,78, com o que se apurou um resultado contabilístico de €235.359,91, que a AT não pôs em causa na actividade inspectiva e que se evidencia no quadro seguinte:

 

Registos Contabilísticos

Exercício 2010

Total dos Rendimentos

11.357.434,69

Total dos Encargos

11.122.074,78

Resultado Antes de Impostos

235.359,91

 

 

mm) A matéria colectável apurada pela AT no ano de 2010 foi de €1.635.667,53. O excesso do resultado fiscal (€1.635.667,53) comparativamente com o resultado contabilístico antes de impostos (€235.359,91) no valor de €1.400.307,62 (€1.635.667,53-€235.359,91)  resulta da requalificação, efectuada pela AT, das categorias de rendimentos e da requalificação dos encargos (como específicos ou como gerais) incorridos no exercício;

 

nn)Na sequência das correcções acima mencionadas, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, no valor total de € 360.494,97, referente ao ano de 2010;

 

10.2. A decisão quanto à matéria de facto constante das alíneas anteriores resulta das posições assumidas pelas partes e da prova documental junta pelas mesmas (nomeadamente do processo administrativo junto aos autos).

10.3.Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa.

III.2. Matéria de direito

1. No que diz respeito à qualificação do tipo de rendimentos, a questão central a decidir respeita a avaliar da legalidade da requalificação feita pela Administração Tributária.

Cabe, em primeiro lugar, apurar em que se traduziu tal requalificação e qual o objecto do litígio no que se relaciona com este aspecto.

Tendo a Requerente indicado, a título de rendimentos não sujeitos, o valor de €6.659.420,40 e a título de rendimentos da categoria B o valor de €4.667.843,10, a AT veio a considerar como valor de rendimentos não sujeitos o montante de €4.759.488,72 e como valor de rendimentos da categoria B, o montante de €6.567.774,78. A AT operou, assim, a requalificação de rendimentos correspondentes à quantia de €1.899.931,68, transferindo-os da categoria de rendimentos não sujeitos para a categoria B.

           A Requerente concorda com tal requalificação no que diz respeito ao valor de €123.620,45, discordando, porém, quanto à requalificação do valor remanescente, correspondente a €1.776.311,23. É, assim, apenas este o valor relativamente a cuja requalificação existe litígio e quanto ao qual as partes requerem a decisão do tribunal.

         Apurado o objecto do conflito, cabe, em segundo lugar, verificar que tipo de rendimentos está em causa.

         Não existe, a este nível, divergência entre as partes, ambas concordando tratar-se de rendimento correspondente a subsídios associados à formação (cfr. art. 29.º da petição inicial,  arts. 30.º e 31.º da resposta e 2.º parágrafo da p. 12 do relatório de inspecção).

         Com importância para a resolução da questão em análise afigura-se, em terceiro lugar, a qualificação da pessoa colectiva que a A... representa. Também quanto a este aspecto as partes não divergem, ambas concordando estar em causa uma pessoa colectiva de direito privado que, consequentemente, não corresponde a pessoa colectiva de direito público, nem a associação sindical. Não existe também divergência quanto ao facto de as acções de formação (subsidiadas) prestadas pela A... não terem por destinatários exclusivos os respectivos associados. Verifica-se, ainda – e também quanto a este aspecto as partes não discordam – que a prestação de actividade de “formação profissional dos seus membros e da comunidade em geral” se revela compatível com os fins estatutários da requerente, em particular com a competência prevista na al. e) do art. 2.º dos referidos estatutos.

          Cabe, em quarto lugar, enquadrar legalmente estes elementos de facto, de modo a poder concluir quanto à sua adequada qualificação, sob o ponto de vista fiscal.

         Afigura-se, a este nível, correcta a qualificação efectuada pela AT quando exclui que se possa considerar aplicável, no caso concreto, o benefício fiscal previsto no n.º 2 do art. 55.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

         Com efeito, de acordo com tal norma:

         “Ficam isentos de IRC os rendimentos das associações sindicais e das pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais, derivados de acções de formação prestadas aos respectivos associados no âmbito dos seus fins estatutários.

         Ora, no presente caso, embora a prestação de acções de formação seja realizada no âmbito dos fins estatutários da Requerente, esta não corresponde ao tipo de pessoa colectiva previsto na lei – não é associação sindical, nem pessoa colectiva pública, de tipo associativo, criada por lei para assegurar a disciplina e representação do exercício de profissões liberais. Também não se cumpre a segunda condição (de aplicação do benefício fiscal) prevista no referido artigo, já que as acções de formação não foram prestadas apenas aos associados da A....

         Estas razões eliminam, desde logo, sem necessidade de outras considerações, a possibilidade de se considerar aplicável à Requerente o benefício fiscal em causa.       

         Bem andou, assim, a AT quando considerou que se “não cumprem os requisitos para [a Requerente] beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do art. 55.º do EBF, quer quanto à natureza do sujeito passivo, quer quanto aos destinatários da formação, que não se limitam aos associados do sujeito passivo” (cfr. art. 31.º da resposta – a expressão entre parêntesis rectos nossa).

         A AT ficou, porém, por aqui, no que diz respeito ao apuramento da possibilidade de haver um tratamento fiscal especial dos rendimentos em análise. Considerando que os mesmos não se encontravam isentos de IRC de acordo com o art. 55.º, n.º 2 do EBF, enquadrou-os no regime geral de tributação, como “componentes positivas na determinação do rendimento…”, (art. 31.º da resposta e 2.º parágrafo da p. 12 do relatório de inspecção), afirmando que “nos termos da alínea g) do n.º 2 do art. 3º do Código do IRS, tais subsídios consideram-se rendimentos empresariais” (2.º parágrafo da p. 12 do relatório de inspecção).

         Cabe, contudo, verificar se, apesar de, no caso sub judice, não se aplicar a causa de isenção de IRC prevista no referido art. 55.º, n.º 2, do EBF, se aplica ou não, a este rendimento, a causa de não sujeição a IRC prevista no art. 54.º, n.º 3, do CIRC. Esta é até uma operação que deve ser anterior àquela porquanto como se sabe a isenção pressupõe sujeição a imposto. Assim, caso se conclua pela não sujeição não haverá portanto necessidade de se saber se há ou não isenção.

Segundo esta norma, aplicável a “pessoas colectivas e outras entidades residentes que não exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola” (epígrafe da Secção, onde se inclui o artigo em causa):

            “Consideram-se rendimentos não sujeitos a IRC as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários.

            Confrontando os elementos do caso com a norma em causa, apura-se que se cumpre, quer o requisito legal relativo ao sujeito passivo (a A... é uma pessoa colectiva residente que não exerce, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola), quer o requisito relativo ao tipo de rendimento (estão em causa subsídios).

            Reunindo-se os pressupostos de aplicação do art. 54.º, n.º 3, do IRC, esta regra deverá ser aolicada ao caso da Requerente não sendo, em consequência, os rendimentos sobre os quais agora se decide qualificados como rendimentos da categoria B mas sim como rendimentos não sujeitos a IRC.

            Julga-se, assim, procedente, a invocação, pela Requerente, da ilegalidade da liquidação, com base em errónea qualificação dos rendimentos em apreço.

2. Carece de igual modo, de fundamento legal a requalificação dos gastos feita pela Administração Tributária.

A requalificação efectuada pela Requerida, dos gastos específicos da actividade, sujeita e não sujeita, perde sentido, uma vez que, de acordo com o artigo 54.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, em conjugação com o n.º 2 do mesmo preceito, os gastos que não estejam ligados àquelas categorias de rendimentos, devem ser considerados como gastos ou custos comuns.

         Ora, a Administração Tributária e Aduaneitra limita-se, a através da aplicação de uma percentagem que reflecte o peso relativo dos rendimentos sujeitos, a converter custos considerados comuns em alegados custos específicos, quando não é feita qualquer prova de que se trate de gastos exclusivamente relacionados com a obtenção de rendimentos da categoria B, como seria exigível.

         No caso de gastos comuns, para determinação da matéria colectável, a sua dedução aos rendimentos sujeitos deve ser feita nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 54.º do CIRC, como defende a Requerente.

            Termos em que procede o alegado pela Requerente quanto à ilegalidade da requalificação dos custos feita pela Administração Tributária e Aduaneira.

        III.3.Questões prejudicadas

            Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade resultante do erro na qualificação quer dos rendimentos quer dos custos, que assegura efectiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao acto tributário em causa.

            Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugando, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse. 

IV. DECISÃO

Termos em que acorda este Tribunal em:

Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, relativa ao exercício de 2010, tal como delimitado pela Requerente, com a consequente anulação (parcial) da referida liquidação.

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2, do C.P.C., do art.  97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do art. 3.º , n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 360.494,97.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do previsto nos arts. 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem, no art. 2.º, no n.º 1, do art. 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do art. 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6 120,00 a pagar pela Autoridade Tributária .

 

Notifique-se.

Lisboa, 13 de Outubro de 2015.

 

O Árbitro-Presidente,

(Fernanda Maçãs),

 

O Árbitro Vogal,

(Carla Castelo Trindade)

 

O Árbitro Vogal,

(Jorge Júlio Landeiro de Vaz)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.