Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 558/2015-T
Data da decisão: 2016-09-20  Selo  
Valor do pedido: € 1.428,00
Tema: IS – Verba 1.1 da TGIS; isenção prevista no artigo 269.º, alínea d), do CIRE; ineptidão do pedido; competência do Tribunal Arbitral; impropriedade do meio processual
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Decisão Arbitral

 

O Juiz-árbitro Francisco de Carvalho Furtado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formar o Tribunal Arbitral constituído em 11 de Novembro de 2015, decide o seguinte:

 

A)    Relatório

 

1.      A…, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Avenida …, n.º…, …-… … (doravante identificada como Requerente), notificada do acto de liquidação de Imposto do Selo, relativo ao ano de 2014 e praticado ao abrigo da verba 1.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), no montante global de € 1.428,00 (mil quatrocentos e vinte e oito euros), vem apresentar, ao abrigo da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação daquele acto.

 

2.      No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência ao ano de 2014, no montante total de € 1.428,00.

 

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 31 de Agosto de 2015, pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD, o que foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.

 

4.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 11 de Novembro de 2015.

 

6.      Em 22 de Dezembro de 2015, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

7.      Em 24 de Fevereiro de 2016, a Requerente respondeu às excepções invocadas pela Requerida.

 

8.      As Partes prescindiram da realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e, bem assim, da apresentação de alegações.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

a)      O artigo 269.º, do CIRE isenta de Imposto do Selo a dação em cumprimento dos bens e a cessão de bens aos credores, desde que prevista em planos de insolvência, de pagamentos, ou de recuperação ou efectuada no âmbito da liquidação da massa insolvente sem condicionar essa isenção – que é automática -, à observância de outros requisitos suplementares;

b)      Para que a Requerente tenha direito à isenção, basta que a cessão dos bens imóveis esteja prevista em plano de insolvência, de pagamentos ou recuperação;

c)      Outra interpretação tornará inútil a alínea d) do artigo 269.º, do CIRE dado que a isenção de Imposto do Selo na cessão dos bens da empresa aos credores se encontra prevista na alínea e) do mesmo artigo;

d)     O direito à isenção prevista na alínea d) do artigo 269.º, do CIRE não depende da circunstância de os bens estarem integrados e serem transmitidos em conjunto com a universalidade do estabelecimento ou empresa;

e)      Basta que a cessão de bens, que não têm de ser da empresa, estar prevista em plano de insolvência, de pagamentos ou recuperação e for efectuada aos credores;

f)       Este é o único sentido útil da norma dado que a isenção relativa à transmissão de bens afectos à actividade de empresa se encontra prevista na alínea e), do mesmo artigo 269.º, do CIRE;

g)      Nos termos do disposto no artigo 250.º, do CIRE, a contrario, o Título do CIRE onde se encontram previstos os benefícios fiscais (Título XIII), é aplicável aos processos falimentares de não empresários;

h)      A alínea d) do artigo 269.º, do CIRE isenta de Imposto do Selo a cedência de bens do devedor ao credor não distinguindo, nem se o bem cedido é de empresa ou de património insolvente de não empresário, nem o título porque a cessão deve ser efectuada;

i)        Estão verificados os pressupostos para que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios;

j)        Termina pedindo a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo.

 

Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)      Nos termos do disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a Requerente estava obrigada a juntar cópia dos actos impugnados, designadamente da decisão da reclamação graciosa;

b)      Não o tendo feito o Requerimento Inicial é inepto;

c)      A Requerente sustenta ter direito ao benefício fiscal previsto no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE;

d)     À luz da referida pretensão o meio adequado para conhecimento do pedido seria a Acção Administrativa Especial – cfr. artigo 97.º, n.º 2, do CPPT;

e)      Trata-se de uma excepção dilatória que deverá conduzir à absolvição da instância;

f)       O Tribunal Arbitral é materialmente incompetente em razão da matéria;

g)      O Reconhecimento de isenções fiscais é matéria reservada à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

h)      A incompetência material do Tribunal consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e implica a absolvição da Requerida da instância;

i)        Está em causa nos autos o reconhecimento do direito à isenção prevista nos artigos 269.º, alínea e) e 270.º, n.º 2, do CIRE;

j)        Nos autos está em causa a liquidação de um património e não a revitalização de empresa;

k)      A isenção prevista na alínea e) do artigo 269.º, do CIRE não é aplicável quando o insolvente não for uma empresa ou, tratando-se de empresário em nome individual, os bens imóveis vendidos, permutados ou cedidos não integrem o activo de empresa de que seja titular;

l)        A interpretação defendida pela Requerente está em contradição com o n.º 49.º, do preâmbulo do CIRE, de onde resulta que, relativamente aos benefícios fiscais, mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais;

m)    A isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE abrange os actos de venda, permuta ou cessão integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos, de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, desde que o objecto da transmissão seja a empresa ou estabelecimento desta última e não somente elementos do activo da empresa;

n)      Esta interpretação é a que está em consonância com o disposto no artigo 162.º, n.º 1, do CIRE;

o)      Não estão, no caso em apreço, verificados os pressupostos de que a Lei faz depender a isenção prevista no artigo 269.º, alínea e) do CIRE, designadamente de que da venda do activo resulte a continuação da actividade da sociedade vendedora / massa insolvente;

p)      Estão em causa benefícios fiscais atribuídos a empresas e a empresários em nome individual e estão de acordo com o princípio da prevalência da alienação da empresa como um todo, previsto no ponto 39 do preâmbulo do CIRE;

q)      A Requerida, na sua actuação, encontra-se vinculada, quer ao princípio da legalidade, quer às orientações internas;

r)       Não se encontram verificados os pressupostos para que à Requerente seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios;

s)       Termina pugnando pela procedência das excepções invocadas com a consequente absolvição da instância ou pela improcedência do pedido.

 

B)    Saneador

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Em primeiro lugar importa conhecer as excepções suscitadas pela Requerida:

 

No que respeita à Ineptidão do pedido:

 

A Requerida invoca em favor da sua tese o disposto no artigo 79.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT), do qual decorre a necessidade de o Autor (neste caso a Requerente) juntar aos autos documento comprovativo da prática do acto impugnado – in casu, a decisão proferida sobre a reclamação graciosa que antecede.

 

Ora, o referido artigo 29.º, do RJAT reporta-se a direito de aplicação subsidiária, ou seja a aplicar nas situações que não encontram regulação própria e directa no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

Sucede que o artigo 10.º, do RJAT estipula quais os elementos que devem constar do Requerimento Inicial. Neste âmbito apenas é exigida - em sintonia com o previsto no artigo 108.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, a identificação dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral. Identificação esta que a Requerente efectuou.

 

E, bem se compreende que a Lei apenas preveja a identificação dos actos impugnados na justa medida em que o artigo 74.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária determina que quando os elementos de prova estejam em poder da administração tributária, o ónus de prova considera-se satisfeito desde que o interessado tenha procedido à sua correcta identificação.

 

Improcede, pois, a excepção invocada pela Requerida.

 

No que respeita à impropriedade do meio processual e da incompetência do Tribunal em Razão da matéria:

 

Pese embora a Requerida autonomize as excepções invocadas (impropriedade do meio processual e incompetência do Tribunal em razão da matéria), verifica-se que os factos invocados para fundamentar uma e outra são os mesmos, pelo que serão aqui simultaneamente apreciadas.

A Requerida fundamenta a sua pretensão, no que à excepção de incompetência do Tribunal Arbitral diz respeito, no facto de, segundo sustenta, os autos versarem sobre o reconhecimento de direito a benefício fiscal e não a impugnação um acto tributário de liquidação.

O objecto de processo corresponde, assim, na óptica da Requerida, não à anulação de um acto tributário, mas sim de reconhecimento de benefício fiscal.

Ora, segundo a Requerida, esta matéria não se subsume no âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do RJAT, extravasando, assim, o objecto do pedido de pronúncia arbitral o âmbito de competência do Tribunal Arbitral. Deste modo, estando em causa a verificação dos pressupostos e consequente reconhecimento de um benefício fiscal o meio próprio de contestação judicial seria a Acção Administrativa de Impugnação (anteriormente designada de Acção Administrativa Especial).

Importa, pois, verificar se, em face das peças processuais, o objecto da acção é o reconhecimento de benefício fiscal, como defende a Requerida, ou o acto de liquidação de Imposto do Selo, como refere a Requerente.

Quem delimita o objecto do processo é o Autor, através do pedido formulado. Ora, da análise do Requerimento Inicial não subsistem dúvidas que a intenção da Requerente é a de impugnar e obter a anulação da liquidação.

Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Por seu turno, quanto à vinculação da Requerida à jurisdição dos tribunais arbitrais, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT que esta depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. Nesta medida, a competência da instância arbitral encontra-se, assim, delimitada, pela portaria de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa[1]. Nos termos do disposto no artigo 2.º da referida Portaria, a Autoridade Tributária e Aduaneira vincula-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nas quais expressamente se incluem as pretensões de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Conclui-se, assim, que o processo arbitral tributário tem por objecto, mediato ou imediato, o acto tributário de liquidação, enquanto acto de determinação do quantitativo do imposto a pagar (colecta), por aplicação de uma taxa à matéria colectável. Ora, a apreciação da excepção suscitada depende, por isso, da questão de saber se a Requerente impugna o acto de liquidação de Imposto do Selo ou se, pelo contrário, se limita pretender o reconhecimento de um benefício fiscal.

Da análise ao pedido de pronúncia arbitral resulta que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral pedindo a anulação da liquidaçãocfr. artigo 49.º do Requerimento Inicial.

Ou seja, requer-se a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo.

 

Por todo o exposto resulta que, ao contrário do que refere a Requerida, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é o acto tributário de liquidação e não o reconhecimento de um benefício fiscal.

 

Tanto assim é que a própria Requerente, na delimitação do objecto da acção arbitral, circunscreve a instauração do respectivo processo à anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2014, indicando como valor da utilidade económica do pedido o valor global da liquidação no montante de € 1.428,00, que corresponde à aplicação da taxa de imposto à colecta.

Soçobra, por isso, a argumentação invocada pela Requerida relativamente à incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Estando em causa a impugnação de um acto de liquidação é forçoso concluir que o meio processual utilizado é, à luz do disposto nos artigos 97.º, do CPPT e 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o correcto pelo que improcede também esta excepção invocada pela Requerida.

 

O Tribunal é, pois, competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

Não se verificam nulidades ou outras questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, o conhecer do mérito do pedido.

 

C)    Objecto da Pronúncia Arbitral

 

Vem colocada ao Tribunal a seguinte questão, nos termos atrás descritos:

1 – A isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 269.º, alíneas d) e e), do CIRE é aplicável num enquadramento factual de liquidação da massa insolvente, em que o insolvente é uma pessoa singular e em que não é transmitida a empresa ou estabelecimento desta, mas apenas um activo da massa insolvente?

 

2 – Estão verificados os pressupostos de que a Lei faz depender o direito a juros indemnizatórios?

 

D)    Matéria de facto

 

D.1 – Factos provados

 

Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos

 

a)      No âmbito do processo n.º …/13…. TBVFR que correu termos junto do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, foi declarada a insolvência de B…- cfr. Doc. 2 junto ao Requerimento Inicial;

b)      À Requerente foi, no âmbito do referido processo, e enquanto credora hipotecária, transmitido o prédio urbano sito no lugar da …– …- Lote…, pelo valor de € 178.500 (cento e setenta e oito mil e quinhentos euros) - cfr. Doc. 2 junto ao Requerimento Inicial;

c)      A transmissão concretizou-se na modalidade de venda por propostas em carta fechada – cfr. Doc. 2, junto ao Requerimento Inicial;

d)     No âmbito da transmissão ocorrida foi liquidado Imposto do Selo no montante de € 0,00 (zero euros) - cfr. Doc. 2 junto ao Requerimento Inicial;

e)      Por referência à transmissão do bem imóvel o Serviço de Finanças de … notificou da liquidação de Imposto do Selo no valor de € 1.428,00 (mil, quatrocentos e vinte e oito euros) - cfr. Doc. 1 junto ao Requerimento Inicial;

f)       Em 16 de Outubro de 2014 a Requerente pagou o Imposto do Selo liquidado pela Autoridade Tributária e Aduaneira - cfr. Doc. 3 junto ao Requerimento Inicial;

g)      Em 13 de Fevereiro de 2015 a Requerente apresentou reclamação graciosa em que pede a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo praticado no valor de € 1.428,00 – cfr. procedimento administrativo;

h)      Por despacho de 25 de Maio de 2015 do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de … –…, a reclamação graciosa foi indeferida – cfr procedimento administrativo;

i)        A decisão foi notificada em 3 de Junho de 2015 – cfr. procedimento administrativo.

j)        Em 28 de Agosto de 2015 a Requerente apresentou o Requerimento Inicial que deu origem ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental referida, junta aos autos e, no processo administrativo apenso.

 

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

 

E)    Do Direito

 

Como resulta das peças processuais pertinentes, a questão decidenda versa sobre a interpretação do artigo 269.º, do CIRE. Com efeito, a Requerente considera que o acto de liquidação de Imposto do Selo que constitui o objecto dos autos é ilegal por violar a referida disposição legal. Ao longo do Requerimento Inicial, a Requerente faz alusão quer à alínea d), quer à alínea e) da referida disposição legal. Não obstante no artigo 43.º do Requerimento inicial, a Requerente parece invocar que o acto de liquidação é ilegal por violação da alínea d), do artigo 269.º do CIRE.

 

De acordo com os cânones gerais de hermenêutica jurídica, designadamente em face do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável na interpretação da lei fiscal ex vi n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” Importa, também, ter presente que o pensamento legislativo a considerar pelo intérprete dever ter um mínimo de correspondência verbal na letra da Lei e, bem assim, a assunção de que o legislador se soube expressar em termos adequados. Por fim, e no que à interpretação da Lei tributária importa, sendo usados termos de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm.

É, pois, este exercício interpretativo que importa, agora, promover.

 

Em primeiro lugar, a atentas as regras de exegese jurídica, importa atentar no elemento literal das normas relevantes. Nos termos da alínea d), do artigo 269.º do CIRE é isenta de Imposto do Selo a dação em cumprimento dos bens da empresa e a cessão de bens aos credores.

 

No que ao presente caso importa, há que analisar se estamos perante uma cessão de bens aos credores, como invoca a Requerente nos artigos 43.º a 45.º, do Requerimento Inicial. A cessão de bens aos credores é um instituto previsto nos artigos 831.º e seguintes do Código Civil e que se caracteriza por: Dá-se a cessão de bens aos credores quando estes, ou alguns deles, são encarregados pelo devedor de liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir entre si o respectivo produto, para satisfação dos seus créditos. Conforme explica Vaz Serra (cessão de bens aos credores; Bol, n.º 72 – citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Volume II, 4.ª Edição, pág. 115) não se trata, porém, de uma cessão, no sentido rigoroso do termo, visto continuarem os bens a pertencer ao devedor, enquanto não forem alienados. Decorre, ainda, do regime legal deste instituto que a cessão não impede a execução dos bens cedidos, por outros credores, enquanto não tiverem sido alienados.

 

No caso em apreço, e de acordo com a matéria de facto provada, o bem da devedora foi transmitido à Requerente através de venda por proposta em carta fechada, tendo-se cancelado todos os ónus e encargos que recaiam sobre esse mesmo bem. E, nos termos do disposto no artigo 165.º, do CIRE estamos perante uma aquisição por parte do credor garantido. Essa é também a conclusão que se alcança do disposto nos artigos 799.º e seguintes do Código de Processo Civil. Com efeito, o credor garantido apresenta um preço para aquisição do bem incluído na massa insolvente.

 

Em face do que se deixa exposto, e atenta a obrigatoriedade de aos termos de outros ramos do direito dever ser atribuído o sentido que aí têm, parece curial que se conclua que os factos que caracterizam o caso em apreço não se encontram previstos na alínea d) do artigo 269.º do CIRE.

 

Com efeito, apenas a cessão de bens aos credores – instituto previsto nos artigos 831.º e seguintes do Código Civil e que não se confunde com qualquer transmissão da propriedade de bens em favor dos credores – é isenta de Imposto do Selo. No caso em apreço não existe cessão de bens aos credores mas uma aquisição por parte do credor garantido nos termos do disposto nos artigos 799.º e seguintes do Código de Processo Civil e 165.º, do CIRE, situação que não beneficia da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea d) do artigo 269.º, do CIRE.

 

O acto de liquidação em apreço não viola, pois, o disposto na alínea d) do artigo 269.º, do CIRE.

 

Não obstante, a Requerente também alude à isenção prevista na alínea e), do mesmo artigo 269.º do CIRE. Não tem, contudo, também, razão neste aspecto. Como doutamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 25 de Setembro de 2013, proferido no Processo n.º 866/13: “De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do activo da empresa».

II – Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa.”

 

Com efeito, e como bem sustenta o Supremo Tribunal Administrativo ao intérprete e julgador estão vedadas interpretações que não tenham o mínimo de correspondência na letra da Lei. Ora esta é clara na circunscrição do benefício fiscal de isenção de Imposto do Selo às situações que se relacionem com elementos do activo da empresa. No caso dos autos, como no apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo, está em causa um bem que fazia parte do acervo patrimonial de uma pessoa singular e relativamente ao qual não existe qualquer indício de ter sido afecto a actividade profissional. Assim sendo, os factos que caracterizam os autos não se encontram previstos na alínea e) do artigo 269.º, do CIRE pelo que o acto de liquidação praticado não violou a referida disposição legal.

Improcedem, pois, as questões suscitadas pela Requerente, não padecendo o acto de liquidação dos vícios que lhe são imputados.

 

Sendo o acto de liquidação legal, não existe pagamento indevido do imposto pelo que também não estão verificados os pressupostos, previstos no artigo 43.º, da LGT, para que à Requerente possa ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios. Improcede, pois, também neste segmento, o pedido formulado.

 

Decisão

 

Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido formulado e consequentemente manter na ordem jurídica o acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado e condenar a Requerente no pagamento das custas.

 

Fixa-se o valor da acção em € 1.428,00 (mil quatrocentos e vinte e oito euros), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Setembro de 2016

 

O Árbitro,

 

Francisco de Carvalho Furtado

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 



[1] Cfr. a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.