Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 556/2015-T
Data da decisão: 2016-03-09  IVA  
Valor do pedido: € 312.107,71
Tema: IVA - Acerto de Contas; valor tributável
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Ricardo Catarino e Joaquim Silvério Dias Mateus, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 27 de Agosto de 2015, A…, LDA., NIF…, com sede na Avenida…, …, …-…, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativos ao período de 1112T, no valor de € 121.259,67, e aos períodos compreendidos entre 2012 e 2013, nos valores totais de, respectivamente, € 135.468,82 e € 55.379,22.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
  2. Constituindo os designados 'reversal of uncoll accom serv fee' e 'disturbance allowance' descontos sobre o preço, como reconhecem os serviços de inspecção tributária, nada proíbe, antes tudo impõe, que fossem estes excluídos do valor tributável das facturas emitidas pela Requerente;
  3. Assim, as liquidações ora impugnadas, fundamentadas que são na aplicação do disposto no art.º 78.º do CIVA, acham-se feridas de ilegalidade, por violação do disposto na alínea b) do nº 6 do art.º 16º do CIVA;
  4. Uma vez que o cliente não pode deduzir o imposto contido nos descontos porque os descontos foram imediatamente deduzidos ao valor tributável da factura e ao respectivo imposto - são descontos concomitantes à factura - o artigo 78.º do Código do IVA não se afigura de todo aplicável ao caso dos presentes autos.
  5. Nos presentes autos, o único caso que se enquadra na previsão do artigo 78.º do CIVA - o relativo aos descontos de Abril a Setembro de 2013 - deu causa à nota de crédito n.º…, emitida à C… em 31 de Outubro de 2013, que a administração tributária não pôs em crise;
  6. Relativamente aos demais, é de concluir que o IVA não incide sobre descontos incluídos nas facturas e muito menos incide sobre lançamentos contabilísticos de quantias excluídas do valor facturado que apenas relevam como instrumento de controlo contabilístico e financeiro.
  7. Nas prestações de serviços de carácter continuado, resultantes de contratos que dêem lugar a pagamentos sucessivos, como no caso presente, considera-se que os serviços só são realizados no termo do período a que se refere o pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respectivo montante - artigo 7. º, n.º 3, do CIVA.
  8. Nesses casos, quando não seja fixada periodicidade de pagamento, o imposto é devido e toma-se exigível no final de cada período de 12 meses, pelo montante correspondente - artigo 7.º, n .º 9, do CIVA.
  9. O montante correspondente é o valor da contraprestação obtida ou a obter da C… de acordo com os serviços que efectivamente presta à C…, pelo valor que desta recebe ou tem a receber, conforme foi acordado entre as partes – artigo 16.º, n. º 1, do CIVA.
  10. A Requerente não deve liquidar IVA sobre os valores debitados ora apenas na conta da C… ora também na factura emitida à C… que não correspondem a qualquer operação tributável, mas antes a descontos, bónus ou abatimentos - artigo 16.º, n.º 6, do CIVA.
  11. O artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, deixou ilesa a anterior redacção da verba 2.15 da Lista 1 anexa ao Código do IVA, que lhe tinha sido dada pela Lei 67-A/2007, de 31.12, preservando, por isso, no âmbito da sua previsão legal, quer as provas desportivas, quer as manifestações desportivas, quer os jogos reconhecidos como desportivos.
  12. Quisesse o legislador que a verba 2.15 da Lista 1 anexa ao Código do IVA contemplasse, tão-só, as entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, e nela teria dito, simplesmente: «Bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas».
  13. Como fez, de resto, aquando da redacção originária da norma em apreço, na versão do Decreto-Lei n. º 394-B/ 84, de 26 de Dezembro - essa sim de âmbito bem mais restrito - onde quis contemplar, justamente, apenas e tão-só os «Bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas» e nada mais.
  14. Nada disso entendeu fazer o legislador em 2011 que assim não quis, decisivamente, restringir o âmbito de aplicação da verba 2.15 aos ingressos ou bilhetes de entrada.
  15. Não fosse assim, e teria seguramente o legislador revogado a norma expressa de exclusão estabelecida na alínea b), in fine, da mesma verba 2.15 da Lista l na redacção em vigor à data dos factos, em lugar de revogar apenas o segmento 'prática de actividades físicas e desportivas', incorporado apenas em 2008 no respectivo proémio.
  16. Igualmente elucidativo dessa inequívoca intenção do legislador é o confronto da verba 2.15 da Lista l anexa ao CIVA na redacção em vigor à data dos factos, com o Anexo II da Directiva 2006/112, de 28 de Novembro, que distingue as entradas em manifestações desportivas da utilização de instalações desportivas.
  17. Com esta norma, quis o legislador comunitário ressalvar a faculdade do Estado-Membro de aplicar ou não uma taxa reduzida apenas às entradas em manifestações desportivas, ou apenas à utilização de instalações desportivas, ou, assim o quisesse, a ambas.
  18. Até à entrada em vigor da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de Dezembro, Portugal quis que a taxa reduzida do IVA beneficiasse quer as entradas em manifestações desportivas, quer a contraprestação devida pela utilização de instalações desportivas a título de provas ou meras manifestações, desde que em qualquer caso estas ou aquelas consubstanciassem a prática de um jogo reconhecido como desportivo.
  19. Com o artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, a "nova" verba 2.15 da Lista 1 anexa ao CIVA, continuou, assim, a ser aplicável designadamente ao golfe.
  20. O Sr. Director-Geral dos Impostos legisla por ofício circulado, permitindo-se revogar "entendimentos" anteriores como se de lei antiga se tratassem, definir a aplicação no tempo do seu ofício circulado como se de lei nova se tratasse, prestando-se mesmo a "sanar" operações, como se um indulto fiscal pudesse conceder.
  21. O Sr. Director-Geral dos Impostos usurpou um poder (legislativo) que nenhuma lei ordinária ou constitucional lhe atribui, sendo por isso nulo o oficio circulado n.º 30124 de 14 de Fevereiro de 2011 (artigo 133º/2-a CPA) e bem assim os actos de liquidação impugnados que lhe são consequentes (art. 133°/ 2-i CPA).

 

  1. No dia 31-08-2015, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Autoridade Tributária.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 27-10-2015, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 11-11-2015.

 

  1. No dia 14-12-2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.

 

  1. No dia 18-01-2016, ao abrigo do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º/1/e) do RJAT, deferiu-se o requerido aproveitamento da prova testemunhal produzida na reunião de 09 de Abril de 2015 do processo n.º 741/2014-T, e, atendendo a que no caso não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º/c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Autoridade Tributária.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      A Requerente é uma sociedade por quotas e iniciou a actividade de “Aldeamentos Turísticos com Restaurante”, em 1987-12-01.

2-      O objecto social da Requerente compreende a “Promoção, construção, gestão e exploração de empreendimentos turísticos próprios, compra e venda de imóveis”.

3-      A Requerente é, e era, à data dos factos tributários, proprietária de um empreendimento turístico, sito na…, denominado “B…”, composto por 77 moradias em banda e 55 apartamentos, onde, para além do alojamento, são prestados serviços acessórios na área do desporto, lazer, alimentação.

4-      A Requerente conferiu os direitos de ocupação do empreendimento à sociedade denominada C…, com sede na …, Reino Unido, a qual gere o empreendimento através de um clube de membros.

5-      O direito de alojamento no empreendimento pertence, e pertencia, à data dos factos tributários, aos membros do clube, nos termos dos contratos celebrados entre estes e a C… .

6-      A facturação desse alojamento é, e era, à data dos factos tributários, efectuada pela Requerente à sociedade C…, com base em valores estipulados no contrato celebrado entre ambas as entidades.

7-      A Requerente explora, e explorava, à data dos factos tributários, directamente os equipamentos e instalações do clube, incluindo as instalações designadas por ”D…” que abrangem o restaurante, cabeleireiro, lojas e o bar.

8-      O empreendimento da Requerente integra todos os elementos típicos que caracterizam um qualquer estabelecimento destinado ao alojamento turístico e os serviços que nele se prestam não se distinguem, quanto à sua natureza, dos serviços prestados num hotel.

9-      O empreendimento da Requerente integra ainda algumas infra-estruturas próprias de desporto e lazer.

10-  A Requerente presta todos os seus serviços ao público em geral, mas oferece condições mais vantajosas aos designados membros do B… - …(Clube), gerido pela C…(C…) sociedade de direito inglês.

11-  O Clube foi criado pelos promotores do estabelecimento da Requerente ainda nos anos oitenta, com o propósito de agregar e fidelizar clientes e assim promover uma taxa de ocupação do estabelecimento turístico elevada e constante, independentemente da sazonalidade turística e dos ciclos da conjuntura económica.

12-  A C… detém determinados direitos, incluindo de alojamento no aldeamento, mediante uma contrapartida que paga à ora Requerente, actualizada anualmente e estabelecida por comum acordo.

13-  A qualidade de membro do Clube depende do pagamento pontual que este faça à C… e que o dispensa do pagamento de qualquer outra contraprestação pelo alojamento numa determinada moradia do aldeamento durante uma determinada semana de cada ano.

14-  A Requerente factura periodicamente à C… as semanas que vão sendo objecto de uso pelos membros do Clube de acordo com os valores que são para o efeito fixados todos os anos.

15-  Quando um membro do Clube renuncia a essa condição ou quando falte a qualquer pagamento devido à C…, e por isso não exerça ou não possa exercer o seu direito de alojamento, não é, por sua vez, devido qualquer valor pela C…, porquanto não é prestado qualquer serviço pela ora Requerente.

16-  Das regras que determinam o apuramento da contrapartida a pagar pela C…à ora Requerente consta que serão sempre observadas as "condições estabelecidas nos Títulos de Membro (Club Membership)" e que "os referidos valores [os apresentados no anexo 1] serão actualizados anualmente pela C…de acordo com as condições estabelecidas nos Títulos de Membro (Club Membership)".

17-  Nos termos das cláusulas do contrato celebrado entre a Requerente e a C…, “O direito de alojamento no empreendimento pertence aos membros do clube nos termos contratados entre estes e a C…, só podendo a A… alojar terceiros nos casos e nas condições especialmente previstos e autorizados pela C…”.

18-  De acordo com as "condições estabelecidas nos Títulos de Membro" a condição do membro e o seu inerente direito de alojamento se suspende ou se extingue, caso este falte a qualquer pagamento que lhe é cobrado pela C… .

19-  Os valores que correspondiam a alojamento que os membros não puderam ou não quiseram usar, porque não pagaram ou simplesmente porque se desinteressaram, não foram cobrados pela Requerente à C… .

20-  Esses valores eram reflectidos ora apenas na contabilidade da ora Requerente, ora também nas facturas emitidas à C…, sob a designação de “reversal of uncoll accom serv fee”.

21-  Tais valores foram tidos negativamente em conta no cálculo do valor facturado mediante a identificação de todas as semanas que não foram ocupadas pelos membros durante um determinado período por qualquer uma das referidas razões que conduziram à suspensão ou extinção dos seus direitos de alojamento no aldeamento da Requerente.

22-  A Requerente foi alvo de acções inspectivas de âmbito geral, ao abrigo das ordens de serviço nºs OI2012… e OI2014… nas quais lhe foram efectuadas correcções, em sede de IVA, que originaram os actos de liquidação adicional objecto da presente acção arbitral.

23-  No relatório realizado no âmbito da primeira daquelas acções inspectivas, e no que que releva para o presente processo, a inspecção, consta que:

                                                              i.             “aos serviços que são faturados pelo SP em determinado mês, são deduzidos diversos montantes, quer na fatura (situação 1), quer diretamente no lançamento contabilístico (que não corresponde diretamente à fatura, apenas ao valor líquido, conforme situação 2).”;

                                                            ii.            “no caso da faturação das receitas de alojamento devidas pela C… Ltd, o SP funciona numa ótica de caixa, sendo reconhecido como ganho apenas o valor líquido da operação, quando o procedimento correto seria:

- Faturar o montante decorrente das prestações de serviços mensais, reconhecer contabilisticamente esse ganho e liquidar o correspondente IVA;

- Emitir nota de crédito a regularizar as situações faturação indevida ou de redução do valor faturado, como é o caso de descontos, desde que contabilísticas e fiscais.”;

                                                          iii.            “que nas situações em que os valores deduzidos se referem a suspensões e resignações dos membros, que o SP designa por "Reversai Of Uncoll Acoom Serv Fee", entende-se que essa dedução aos ganhos não cabe ao SP, porquanto o cliente do SP é a empresa de direito inglês "C… Ltd" com sede na…, Reino Unido e não os sócios do clube de membros, que usufruem dos serviços de alojamento e serviços complementares prestados pelo SP e que celebraram um contrato com a C… Ltd.”;

                                                          iv.            “No que se refere ao designado pelo SP por "Disturbance Allowance", ou seja, reduções ao preço praticado em função da altura do ano, as mesmas estejam previstas no dossier de preço de transferência elaborado pelo SP no ponto 5.3.2.,e em termos práticos, consubstancia um desconto sobre o preço praticado.”;

                                                            v.            “O IVA funciona segundo o método do crédito de imposto (...) Ou seja, ao IVA apurado nas operações ativas deduz-se o suportado nas operações passivas, não há lugar a encontro de contas.”;

                                                          vi.            “As regularizações ao nível da retificação do valor tributável ou do imposto encontram-se previstas no artigo 78º do Código do IVA, concluindo-se que a prática do SP não respeita o estipulado neste artigo, pelo que as regularizações efetuadas são indevidas.”;

                                                        vii.            “Procede-se ao apuramento das correções em IVA, imputando os montantes a corrigir aos períodos das faturas em que foram indevidamente deduzidos:

                                                      viii.            “Depois de analisada a contabilidade do SP, constatou-se em 2011 foi aplicada a taxa reduzida nos serviços relacionados com a prática do golfe, nomeadamente nos "green-fees" (valor cobrado ao golfista pela pratica da modalidade desportiva no campo de golfe), Nos documentos de receita consta que o IVA se encontra incluído, referindo a taxa de 6%.

Foi verificado que a contabilidade confere com as declarações periódicas (DP's) apresentadas pelo SP e que, o campo 3 (Imposto liquidado - taxa reduzida), contém os montantes de IVA liquidado nas contas 24331181 (IVA liq- vendas -tx 6% MN) e 24331281 (Iva Liq - Op.Gerais –Tx 6% MN).

Na conta 24331181 encontra-se contabilizado o IVA liquidado, à taxa reduzida, nas vendas de golfe e na conta 72438 - Golfe tx 6% a receita correspondente, cujos extratos constam no processo do contribuinte (de março a dezembro).

                                                          ix.            “Conforme se referiu, em 2011 aos serviços de desporto, incluindo o golfe, deverá ser aplicada a taxa normal de IVA, ou seja, 23%.

Tendo o SP aplicado 6%, deverá ser liquidado adicionalmente 17% sobre a base tributável, conforme consta do quadro que compõe o anexo 1 (6 folhas impressas frente e verso, no total de 12 páginas) ao presente projeto de relatório e que se resume no quadro seguinte:

24-  No âmbito da segunda das referidas acções inspectivas, a inspecção afirmou que:

                                                              i.            “Os elementos analisados permitem concluir que os rendimentos objeto de faturação pelo SP ao cliente C… Ltd, relativamente ao serviço prestado no âmbito do contrato celebrado entre as partes se encontram reconhecidos na conta SNC 72.22 -Alojamento 23%.

No entanto, analisado o extrato da referida conta, constatou-se que foram efetuados lançamentos a débito e a crédito que não correspondem aos montantes mencionados nas faturas.”;

                                                            ii.            “Verifica-se que o montante inscrito nas faturas corresponde à diferença entre o montante contabilizado a crédito (rendimento) na conta SNC 72.22 e os contabilizados a débito (deduções ao rendimento) da mesma conta, em cada mês.”;

                                                          iii.            “Conclui-se que, no caso da faturação dos rendimentos de "accomodation services" devidas pela C… Ltd, o SP funciona numa ótica de caixa, sendo reconhecido como ganho apenas o valor líquido da operação, quando o procedimento correto seria:

- Faturar o montante decorrente das prestações de serviços mensais, reconhecer contabilisticamente esse ganho e liquidar o correspondente IVA;

- Emitir nota de crédito a regularizar as situações faturação indevida ou de redução do valor faturado, como é o caso de descontos, desde que respeitadas as condicionantes contabilísticas e fiscais

                                                          iv.            “Acresce ainda que as situações de deduções ao valor do rendimento, de acordo com o explicado pelo SP na resposta à notificação de 05 de fevereiro, se referem a suspensões e resignações dos membros e entende-se que essa dedução aos ganhos não cabe ao SP, porquanto o cliente do SP é a empresa de direito inglês " C… Ltd" com sede na…, Reino Unido e não os sócios do clube de membros, que usufruem dos serviços de alojamento e serviços complementares prestados pelo SP e que celebraram um contrato com a  C… Ltd”;

                                                            v.             “para a elaboração dos quadros referidos, foi tido em consideração que a fatura nº … de 2012 foi anulada na totalidade pela nota de crédito nº … de 2012 e que os réditos reconhecidos na conta 72.22 através dos documentos nº … e … de 31-12-2012, com o descritivo "remittances" foram objeto de faturação em 2013 (faturas nº … e…)”;

                                                          vi.            “Em 2013 foi tido em atenção que, conforme se referiu, do total das faturas nº … e … de 2013, apenas € 225.153,66 e € 280.207,56 (valores líquidos) se referem a "accomodation services" e que ao somatório dos montantes a débito do quadro em anexo n°2 de e 389.641,58 foi deduzido o valor das notas de crédito nº … e …(65.796,54 e 83.065,85).”;

                                                        vii.            “Decorrente do enunciado no ponto 111.1.3 e no que respeita à faturação das "Accomodation services" verifica-se o seguinte:

                                                      viii.            O IVA funciona segundo o método do crédito de imposto, ou seja, (...) ao IVA apurado nas operações ativas deduz-se o suportado nas operações passivas, não há lugar a encontro de contas.

As regularizações ao nível da retificação do valor tributável ou do imposto encontram-se previstas no artigo 78º do Código do IVA, concluindo-se que a prática do SP não respeita o estipulado neste artigo, pelo que as regularizações efetuadas são indevidas.

Ou seja, quando é efetuado o lançamento a crédito na conta SNC 72.22 alojamento 23% é efetuada a correspondente liquidação de IVA na conta SNC 24331221 - IVA liquidado Op. Gerais - tx 23% MN (lançamento a crédito desta conta). Aquando do lançamento a débito na mesma conta de réditos 72.22, é também efetuado o lançamento a débito na conta de IVA SNC 24331221 - IVA liquidado Op. Gerais - tx 23% MN, o que constitui uma regularização a favor do SP, embora não seja utilizada uma conta de IVA regularizações (2434 ___ )_ Em 2013 foi também utilizada a conta SNC 24341222 - IVA Reg F/E - OG Tx23 – Pr. Ser.”;

                                                          ix.            “Procede-se ao apuramento das correções em IVA, imputando os montantes a corrigir aos períodos em que foram efetuados os movimentos contabilísticos a débito das contas de rendimentos (72-22) e de IVA liquidado:

”;

                                                            x.            “Como se verifica no quadro que compõe o anexo 2, através do doc. …foi reconhecido o rendimento a crédito da conta 72.22 no valor de € 409.468,40 e a débito foram contabilizados € 16.571,93 (14,52+2.975,87+13.581,54), o que corresponde ao valor líquido de € 392-896,47.Foi liquidado IVA sobre este montante através do doc. Nº … de 31-05-2012, Logo, falta liquidação de IVA de € 3,811,53

”.

25-  A ora Requerente discriminava contabilisticamente o valor total das receitas que obteria da C… se à C… não tivesse de conceder quaisquer descontos - que registava a crédito na respectiva conta de proveitos - do valor dos descontos efectivamente concedidos – que na mesma conta registava a débito.

26-  O valor facturado correspondia ao valor efectivamente devido pela C…, ou seja, ao saldo entre receita máxima possível e os abatimentos a conceder nos termos estipulados entre as partes.

27-  A Requerente incluiu nas suas facturas n.ºs …/2011 e …/2011, de 30 de Novembro de 2011 e de 31 de Dezembro de 2011, respectivamente, ambas emitidas à C…, sob a rubrica “reversal of uncoll accom serv fee” valores negativos de € 57.203,25, € 24.230,08, € 74.623,46 e € 78.551,34, na factura de Novembro, e de € 84.225,44 na factura de Dezembro.

28-  Para além disso, a ora Requerente incluiu também, nas mesmas facturas n.ºs …/2011 e …/2011, sob a rubrica “disturbance allowance”, valores negativos de € 25.306,95, na factura de Novembro, e de € 26.150,52 na factura de Dezembro.

29-  Os primeiros valores têm subjacentes serviços de alojamento que não chegaram a ser prestados aos membros no decurso de 2011, discriminados nos mapas de apuramento da C… .

30-  Os segundos têm subjacentes, um desconto concedido à C… que incide sobre o preço do alojamento dos membros do Clube nos meses de época baixa.

31-  No ano de 2013, o valor definitivo dos descontos à C…, designadamente a título de “reversal of uncoll accom serv fee” foi somente apurado pelas partes no último trimestre do ano.

32-  Por essa razão, os valores facturados em Janeiro, Fevereiro e Março de 2013 (época baixa) incluíram apenas os descontos estimados de “disturbance allowance”, no total de € 74.756,10.

33-  Os valores facturados à C… entre Abril e Setembro de 2013 não contemplaram nenhuma redução imediata.

34-  Porque subsequentes à emissão das respectivas facturas, ao contrário de todos os demais casos em causa nestes autos, os descontos e abatimentos de Abril a Setembro de 2013 foram incluídos na nota de crédito n° …/…, emitida à E… em 31 de Outubro de 2013, pelo valor de € 65.796,54.

35-  O valor de € 65.796,54 corresponde à diferença entre o total definitivo dos descontos do ano até Setembro de 2013, inclusive, de € 140.552,64, e o valor estimado dos descontos de “disturbance allowance” para Janeiro, Fevereiro e Março de € 74.756,10, pelo que a nota de crédito n.º …/…, de 31 de Outubro de 2013, reflectiu os descontos de Janeiro a Setembro de 2013, no total de € 140.552,64 expurgados dos descontos já concedidos a título provisório em Janeiro, Fevereiro e Março de 2013, no valor total de € 74.756,10.

36-  Relativamente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2013 a ora Requerente retomou o seu procedimento anterior; isto é, de imediato incluiu nas respectivas facturas o valor dos descontos a que a C… tinha direito.

37-  Deste modo, no dia 31 de Outubro de 2013 a ora Requerente lançou a crédito na conta da C… o montante de € 377.600,32 que corresponde ao total das receitas que obteria se nenhum membro tivesse renunciado a essa condição ou faltado a qualquer pagamento devido à C… e se Outubro não fosse um mês de época baixa.

38-  No mesmo dia, a Requerente lançou a débito na mesma conta, os valores de € 2.862,95, a título de “disturbance allowance”, e de €10.602,99 (“suspension of members”) e €3.574,88 (“resignation of members”), a título de “reversal of uncoll accom serv fee”.

39-  A factura n.º…, de 31 de Outubro de 2013, foi emitida à C… pelo valor de € 360.559,50, acrescido de IVA.

40-  No dia 28 de Novembro de 2013 a ora Requerente lançou a crédito na conta da C… o montante de € 264.331,33 que corresponde ao total das receitas que obteria se nenhum membro tivesse renunciado a essa condição ou faltado a qualquer pagamento devido à C… e se Novembro não fosse um mês de época baixa.

41-  No mesmo dia, a Requerente lançou a débito na mesma conta, o valor de € 21.309,53, a título de “disturbance allowance”, e de € 13.867,27 (“suspension of members”) e € 5.860,79 (“resignation of members”), a título de “reversal of uncoll accom serv fee”.

42-  A factura n°…, de 28 de Novembro de 2013, foi emitida à C… pelo valor de € 223.293,74, acrescido de IVA.

43-  No dia 30 de Dezembro de 2013 a ora Requerente lançou a crédito na conta da C… o montante de € 176.845,88 que corresponde ao total das receitas que obteria se nenhum membro tivesse renunciado a essa condição ou faltado a qualquer pagamento devido à C… e se Dezembro não fosse um mês de época baixa.

44-  No mesmo dia, a Requerente lançou a débito na mesma conta, o valor de € 12.900,70, a título de “disturbance allowance”, e de € 13.867,27 (“suspension of members”) e € 6.420,61 (“resignation of members”), a título de “reversal of uncoll accom serv fee”.

45-  A factura n.º …, de 30 de Dezembro de 2013, foi emitida à C… pelo valor de € 143.657,30, acrescido de IVA.

46-  Dado que o seu empreendimento não dispõe de campos de golfe, a ora Requerente estabeleceu parcerias com um leque de empresas que os exploram, no sentido de complementar a sua oferta e assim corresponder à procura integrada de serviços de hotelaria e de golfe.

47-  Em 2011, a Requerente contratou com as seguintes empresas condições preferenciais de acesso dos seus clientes aos seguintes campos de golfe:

 

 

 

 

 

 

 

NIF

EMPRESA

CAMPOS DE GOLFE

E…, S.A

F…, S.A

…, …, …

G…,S.A

H…, S.A

I…,S.A

…, …, ….

J…, S.A

K…, S.A

L…, S.A

…, …

M…,S.A

…, …, …, …, …, …, …

N…

O…, Lda

…, …

P…, S.A

Q…, S.A

….

R…, S.A

S…, S.A

T…, S.A

…, …

U…,Lda

V…, Lda

 

48-  Os clientes da Requerente puderam fazer uso de qualquer um dos referidos campos de golfe, o que possibilitou a ora Requerente reforçar a sua oferta.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, e os depoimentos prestados na reunião de 09 de Abril de 2015 do processo n.º 741/2014-T, onde as testemunhas inquiridas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que se pronunciaram.

 

 

B. DO DIREITO

 

Em causa no presente processo, estão correcções efectuadas em sede de IVA, relativo aos anos de 2011, 2012, e 2013, respeitantes a dois tipos de situação, a saber:

a)      IVA relativo à prestação de serviços de alojamento; e

b)      IVA relativo à venda de golfe.

Vejamos, cada uma delas.

 

*

i.

            Relativamente às correcções relativas à prestação de serviços de alojamento, contratada entre a Requerente e a C…, as mesmas assentam, essencialmente, no entendimento plasmado em ambos os relatórios de inspecção, segundo o qual “o SP funciona numa ótica de caixa, sendo reconhecido como ganho apenas o valor líquido da operação, quando o procedimento correto seria:

- Faturar o montante decorrente das prestações de serviços mensais, reconhecer contabilisticamente esse ganho e liquidar o correspondente IVA;

- Emitir nota de crédito a regularizar as situações faturação indevida ou de redução do valor faturado, como é o caso de descontos, desde que contabilísticas e fiscais.”.

            Desta premissa, retirou a Autoridade Tributária, nas correcções em questão, a consequência de exigir à Requerente IVA não facturado nem recebido por esta, relativo a uma base tributável igualmente não facturada, nem recebida ou, sequer, cobrada, pela Requerente.

            Ou seja: verificando a Autoridade Tributária que a Requerente usava a sua contabilidade para, no fundo, registar as operações de cálculo do valor final a exigir, nos termos da relação contratualmente estabelecida com o destinatário dos serviços por si prestados, utilizou os valores iniciais, e não os valores finais, para fixar a base tributável do imposto exigível.

            Ressalvado o respeito devido, não lhe assistirá qualquer razão.

            Com efeito, e desde logo, não se poderá, em caso algum, perder de vista que os tributos fundam-se e têm, necessariamente, a sua justificação na ocorrência de um facto tributário, e a sua medida na quantificação daquele, enquanto manifestações de capacidade contributiva.

            É certo, e consabido, que o IVA é um tributo que comporta especiais exigências formais, justificadas pelo seu mecanismo de funcionamento, essencialmente assente na factura. Daí que, por vezes, razões de forma imponham a tributação em sede daquele imposto, desfasada do facto tributário, ou da sua quantificação, positivamente confirmados. Simplesmente, tais situações impõem-se, sempre, em função da essencialidade da factura, e, como tal, fundando-se na facturação indevidamente emitida e posta em circulação pelo sujeito passivo, geradora de riscos patrimoniais, ao nível da obrigação de reembolso de imposto, a jusante.

            O que impressiona, no presente caso, é que, com base em argumentos de ordem estritamente formal, a Autoridade Tributária – que não raro pugna abnegadamente pela prevalência da substância sobre a forma – pretende exigir tributo, com base em capacidade contributiva da qual não só não suspeita como, efectivamente, saberá que não existe.

            De facto, não resulta minimamente dos autos, pelo contrário, que a Requerente haja auferido, tenha direito, ou, sequer, pretenda ter direito, à base tributável formulada pela Autoridade Tributária. Por outro lado, a facturação da Requerente não deu azo a qualquer risco de obrigação de reembolso a jusante, que justifique a colocação a seu cargo de responsabilidades potenciais da Autoridade Tributária, derivada do não cumprimento dos deveres legais que, em tal matéria assistem aos sujeitos passivos.

            Deste modo, a pretensão impositória da Autoridade Tributária assenta, de forma exclusiva, numa interpretação das normas respeitantes à forma de contabilização e facturação de uma realidade que não põe em causa, interpretação essa que, pelo menos em parte, se tem por não acertada, por lado, e que, mesmo que fosse aceitável, nunca deveria ser tida como legitimadora da tributação pretendida mas, unicamente, fundamento de eventual responsabilidade contraordenacional, pelo não cumprimento dos deveres acessórios eventualmente violados, já que em caso algum, por definição, a obrigação de imposto pode gerar-se a título de sanção pela violação de deveres ou obrigações, ainda que de natureza tributária.

            O sistema normal de liquidação do IVA, que é o que está em causa no presente processo, assenta na liquidação do imposto ao adquirente de bens ou serviços, pelo fornecedor ou prestador, e na subsequente autoliquidação do imposto a entregar à Autoridade Tributária, pelo sujeito passivo, deduzindo ao imposto liquidado o imposto por si suportado a montante. A Autoridade Tributária poderá e deverá proceder à correcção oficiosa do imposto devido, liquidando oficiosamente imposto, quando uma de duas situações se der:

i.                    quando o imposto autoliquidado, seja diferente, para menos, à diferença entre o imposto liquidado a jusante na facturação emitida pelo sujeito passivo, e o imposto suportado a montante, titulado por facturas emitidas na forma legal;

ii.                  quando a facturação emitida e na posse do sujeito passivo seja desconforme à realidade, por, no último caso, não corresponder a imposto e despesa efectivamente suportada por aquele, para aplicação no seu processo produtivo, ou, no primeiro, o imposto liquidado nas facturas ser inferior ao devido, ou o valor tributável ser superior ao facturado.

            Ora, estando no caso dos autos, manifestamente, a última das referidas hipóteses, para que fosse legítima a correcção operada, era necessário que a Autoridade Tributária demonstrasse que, de facto, o valor tributável das operações praticadas pelo sujeito passivo, corresponde ao que foi considerado para efeitos do cálculo do imposto exigido.

A este propósito, dispõe o artigo 16.º/1 do CIVA que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.”.

Deste modo, em suma, para que as correcções ora em causa fossem legais à luz da norma em questão, teria a Autoridade Tributária de demonstrar que o valor da contraprestação obtida ou a obter pela Requerente, era, de facto, aquele relativamente ao qual foi liquidado imposto.

Como se escreveu no acórdão do STA de 22-04-2015, proferido no processo 0879/14[1], “No imposto do IVA, tanto a possibilidade de cobrança do imposto, como a possibilidade de dedução do imposto apurado, está intimamente conexionada com a existência de uma concreta transacção comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços, relativamente à qual se possa fazer o cálculo concreto do imposto exacto que deve incidir sobre essa mesma transacção.”.

Ora, no caso, não só a Autoridade Tributária não demonstra que, de facto, o valor recebido ou a receber pela Requerente é aquele sobre o qual liquidou imposto, como até se indicia o contrário, ou seja que, de facto, o imposto correspondente à contraprestação obtida ou a obter pela Requerente foi, efectivamente, o liquidado por aquela.

Não quer isto dizer – frise-se – que seja indiferente a forma como um sujeito passivo contabiliza e/ou factura as suas operações tributáveis, desde que o imposto correspondente seja liquidado e entregue à Fazenda Pública. Com efeito, o incumprimento das normas relativas à contabilidade e facturação poderá gerar, desde logo, a entrega de imposto indevidamente mencionado nas facturas emitidas (cfr. artigo 2.º/1/c) e 97.º/3 do CIVA), para além de, independentemente de tal obrigação de entrega, responsabilidade contraordenacional. O que tal incumprimento não pode, como se disse já, é gerar a obrigação de imposto, já que se paga imposto por deter ou manifestar capacidade contributiva, e não por se violarem deveres tributários acessórios.

Por outro lado, não obstará ao quanto se expôs, nem terá aplicação no caso, a invocada norma do artigo 78.º do CIVA.

A este respeito, diga-se desde logo que os relatórios de inspecção são omissos quanto a qual das diversas hipóteses plasmadas no artigo em questão se reporta.

Não obstante, sempre se pode concluir que nenhuma das várias hipóteses ali previstas, acolhe a situação sub iudice. Assim, como se escreveu no Acórdão do CAAD proferido no processo arbitral 741/2014-T[2]:

“o artigo 78.º CIVA reporta-se a regularizações, posteriores à emissão de facturas, como resulta explicitamente do seu n.º 1, ao estabelecer, na redacção vigente em 2011, que «as disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo».

No caso em apreço, no momento da emissão da factura foi efectuado uma redução, relativa a «disturbance allowance» e, por isso, a emissão da factura deveria ser efectuada, com foi, abatendo o valor do desconto ao valor global do serviço prestado, como decorre do artigo 16.º, n.º 6, alínea b), do CIVA que estabelece que «do valor tributável referido no número anterior são excluídos: (...) b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos».

Assim, tendo as facturas referidas sido emitidas quando já havia lugar à redução, esta norma dá suporte legal à não consideração do valor da redução, ao valor da transacção.”.

            Mesmo tendo em conta o procedimento da Requerente, de facturar valores provisórios mensalmente, e acertar, no fim do ano o valor da prestação global que lhe é devida, ou de descontos, por “disturbance allowance”, não havendo, como é o caso, indícios de que se trata de uma actuação fraudulenta ou visando a erosão da base tributável[3], haverá sempre que concluir que se trata de um procedimento contratual e, consequentemente, fiscalmente permitido, no âmbito da faculdade que é reconhecida às partes de conformar as respectivas relações económicas do modo que, do seu ponto de vista, se lhes afigura mais prático ou adequado, não havendo qualquer justificação material para impor, como pretende a Autoridade Tributária, um procedimento distinto.

            Por outro lado, não é susceptível de ser ratificado, o entendimento de que “as situações de deduções ao valor do rendimento, de acordo com o explicado pelo SP na resposta à notificação de 05 de fevereiro, se referem a suspensões e resignações dos membros e entende-se que essa dedução aos ganhos não cabe ao SP, porquanto o cliente do SP é a empresa de direito inglês "C…" com sede na…, Reino Unido e não os sócios do clube de membros, que usufruem dos serviços de alojamento e serviços complementares prestados pelo SP e que celebraram um contrato com a C… Ltd”. Com efeito, não obstante a relação dos membros do clube, suspensos ou exonerados, ser com a C…, nada obsta a que, como acontece, sendo esse o acordo das partes, o preço dos serviços a prestar pela Requerente à C…, seja ajustado em função das suspensões e exonerações que, em cada momento, se verifiquem.

            Assim, atendendo a que, como tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.” (Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11), e que, como tal, o Tribunal se tem de ater, na apreciação da legalidade dos actos em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naqueles, pelo que, desde logo por isso, não obstarão também ao supra concluído, as alegação de que não foi “demonstrada a existência de uma conexão inequívoca entre os descontos e as operações a que respeitam.[4], de que os “lançamentos têm de ser suportados em documentos apropriados”, notando-se ainda que são os próprios relatórios de inspecção reconhecem que a Requerente praticou “reduções ao preço”, sendo que as correcções operadas não decorrem de qualquer dúvida relativa à “conexão (...) entre os descontos e as operações a que respeitam”, ou à documentação das operações, mas, exclusivamente, ao entendimento de que os procedimentos contabilísticos e de facturação praticados pela Requerente não foram os considerados correctos.

            Face a todo o exposto, haverá que concluir pela ocorrência de erro nos pressupostos de facto e, consequentemente, de direito, que implica a anulabilidade daqueles, na parte ora em apreço.

*

ii.

Já no que diz respeito às liquidações adicionais de IVA relativas à venda de golfe, importando um total de € 36.092,74, face ao que tem sido a jurisprudência entretanto formada pelo STA[5], haverá que concluir pela falta de razão da Requerente.

Com efeito, concluiu, nesta matéria, aquele alto Tribunal que:

“I - O chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.

II - Essa “taxa de utilização do campo” não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre a mesma incidia, no ano de 2011, IVA à taxa normal de 23%.”.

            É certo que a jurisprudência em questão, não abordou uma circunstância, que poderia ser central na posição a tomar, que se prende com o teor do Ofício-Circulado n.º 30088/2006, de 19 de Janeiro, que divulgou que “no âmbito de aplicação da citada verba não se incluem apenas os respectivos bilhetes de ingresso mas, igualmente, a utilização de instalações destinadas à prática desportiva e a espectáculos ou outros divertimentos públicos.”, e que, conjugado com o elemento histórico da interpretação apontará no sentido de que, quando a redacção não o referia expressamente, se entendia que a utilização de instalações destinadas à prática desportiva estava incluída na verba em questão.

            Não obstante, atenta a contundência do acervo jurisprudencial formado, e a prevalência de que a jurisprudência do STA goza sobre a jurisprudência arbitral tributária, decorrente do regime do artigo 25.º/2 do RJAT, considera-se ser de acatar tal jurisprudência, que não reconhece fundamento à pretensão da Requerente, nesta matéria.

            Serão insusceptíveis de alterar tal entendimento as alegação da Requerente, segundo as quais “Na medida em que a aplicação do ofício circulado n.º 30124 reveste eficácia externa em liquidações adicionais como aquela que vai impugnada nos presentes autos, está o dito ferido de vício manifesto de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade vertido no artigo 103.º e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 alínea i), ambos da Constituição da República” e “O Sr Director-Geral dos Impostos usurpou um poder (legislativo) que nenhuma lei ordinária ou constitucional lhe atribui, sendo por isso nulo o oficio circulado no 30124 de 14 de Fevereiro de 2011 (art. 133º/2-a CPA) e bem assim os actos de liquidação impugnados que lhe são consequentes (art. 133°/2-i CPA).”.

            Com efeito, como escreveu o Tribunal Constitucional no seu Ac. 42/2014[6]:

 “não encontramos fundamento para afirmar o relevo paramétrico do sentido normativo acolhido pela Administração Tributária e vazado na referida circular, em termos de suportar a formação de efeitos vinculativos dos particulares – que não se confunde com a sua irrelevância na formação da vontade dos contribuintes, nem com força persuasiva reforçada, em virtude dos privilégios executivos conferidos à Administração – e, sobretudo, que constituam critério ou padrão normativo conformador da atuação jurisdicional dos Tribunais, quando chamados a apreciar litígios no respetivo campo de regulação (cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4ª edição, 2010, p. 226). Este tem sido, ainda, o entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplo os Acórdãos de 16/01/2002, proferido no processo n.º 26638, e de 7/07/2004, proferido no processo n.º 1784/03 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), marcando igualmente outros ordenamentos jurídicos, como o alemão e o italiano (assim, João Taborda da Gama, ob.. cit, p. 161, nota 8, e Ana Paula Dourado, ob. cit., pp. 726, nota 2178, e 727).”.

            Também já no Acórdão 583/2009 do mesmo Tribunal[7], se tinha escrito que:

“Há, porém, uma outra questão obstativa que cumpre apreciar e para a qual o recorrente e a recorrida já deram, por antecipação, o seu contributo. É ela a de saber se o conteúdo prescritivo da referida “Circular” constitui objecto idóneo para o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. (…)

Desde o acórdão n.º 26/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 26 de abril de 1985) que o Tribunal Constitucional, com vista a proceder à identificação do objeto idóneo dos processos de fiscalização de constitucionalidade, vem adotando um conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de controlo que a Constituição lhe comete. Cabem neste conceito de norma os atos do poder público que contenham uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamentos”. Mas, como é de um conceito de controlo finalisticamente ordenado a assegurar o sistema de proteção jurídica típica do Estado de direito democrático constitucional que se trata, não basta que o instrumento em causa vincule a Administração a adotar, na prática de atos individuais e concretos de aplicação e enquanto o não alterar, um determinado critério que tenha estabelecido. É necessário que esse critério seja dotado de vinculatividade também para o outro sujeito da relação (heteronomia normativa) e constitua um parâmetro que o juiz não possa deixar de considerar enquanto não fizer sobre ele um juízo instrumental de invalidade. Se o “critério de decisão” é de origem administrativa e só vincula no seio do serviço administrativo de que emana, não há necessidade do tipo de proteção jurídica e de afirmação da supremacia da Constituição que justifica a intervenção do Tribunal Constitucional.

Ora, um problema frequentemente colocado no direito fiscal é o da relevância normativa das chamadas orientações administrativas. Trata-se, como diz Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª ed., pág. 201 (embora afirmando que isso não lhes retira a qualidade de normas jurídicas): 

“[…] de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos.

Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de atuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).

É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Esses atos, em que avultam as “circulares”, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais.

A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.º 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68.º da LGT), não altera esta perspetiva porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa. É certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributáriacomentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa-fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).

Consequentemente, faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional.”.

            Devem, assim, e pelo exposto, que se subscreve, na medida em que a Circular não é o fundamento da imposição tributária à Requerente, sendo-o, antes, a lei interpretada à luz da Circular, ser indeferidas as pretensões de inconstitucionalidade e usurpação de poder, apresentadas pela Requerente, não se vislumbrando também qualquer razão - sendo que, de resto, nenhuma é apresentada – para proceder a qualquer reenvio prejudicial, conforme sugerido pela Requerente, que não formula, sequer, qualquer questão a formular ao TJUE.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)      Anular os actos de liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativos ao período de 1112T, no valor de € 85.166,93, e aos períodos compreendidos entre 2012 e 2013, nos valores totais de, respectivamente, € 135.468,82 e € 55.379,22;

b)      Manter os actos de liquidação adicional em causa, na parte restante;

c)      Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em €637,00 o montante a cargo da Requerente, e em € 4.871,00 o montante a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €312.107,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.508,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, supra fixado, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

9 de Março de 2016

 

O Árbitro Presidente

 

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(João Ricardo Catarino)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)



[1] Disponível em www.dgsi.pt.

[3] Pelo contrário: tratando-se de acertos para menos, o que houve foi uma antecipação no pagamento de imposto. Com efeito, se no fim do ano a Requerente fez acertos para menos, foi porque durante o ano facturou a mais, tendo, consequentemente, liquidado e pago imposto mais cedo do que seria devido, se facturasse tudo apenas no final do ano, ou se facturasse, em cada mês, apenas o montante que, contratualmente, era devido pela adquirente dos seus serviços.

[4] Cfr. artigo 38.º (segundo, numerado por lapso) da Resposta.

[5] Cfr. Acs. de 08-04-2015, proferidos nos processos 0744/14, 0745/14 0797/14, de 22-04-2015, proferidos nos processos, 0747/14 e 0763/14.

 

[7] Idem.