Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 86/2012-T
Data da decisão: 2012-11-16  IRS  
Valor do pedido: € 209.660,75
Tema: Conceito de aquisição de imóveis para efeitos de mais valias
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Processo n.º 86/2012-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Lobo Xavier e Dr. Luís M. S. Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6-9-2012, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

…, contribuinte …, residente na Rua …, formulou pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS n.ºs … (juros compensatórios) respeitantes ao ano de 2006 e liquidações n.ºs … (juros compensatórios) respeitantes ao IRS 2007.

O Requerente apresentou previamente reclamação graciosa e recurso hierárquico tendo por objectivo a declaração de ilegalidade das liquidações referidas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ficou decidida, na sequência de acordo das partes, a junção dos documentos que o Requerente apresentou em 15-10-2012.

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre os documentos juntos, dizendo, em suma, que os documentos juntos comprovam a realização de obras de ampliação (construção de piscina e garagem independente) e as necessárias para as partes do prédio serem susceptíveis de utilização independente, do que entende resultar «verdadeira transformação de uma realidade jurídica e económica inexistente antes da entrada em vigor do CIRS».

As partes prescindiram de alegações orais.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em reunião de 6-9-2012, e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Em 25-5-1977, o Requerente …, adquiriu, por compra, o prédio urbano, sito na Rua de … (denominada …, aquando da apresentação do projecto inicial de construção pelo Senhor …), lote …, freguesia e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº …, livro …, inscrito na matriz urbana sob o artigo … (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Em 2-12-1994, na ficha n.º … da Conservatória de Registo Predial de Cascais, denomina-se o prédio como «…» e indica-se que é composto por «Cave, r/c, 1º andar e garagem e logradouro» e tendo a área total de 2000 m2, sendo 220 m2 de área coberta e 1780 m2 de logradouro (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e cópia da descrição nas páginas 10 e seguintes do documento do Processo administrativo com a designação «Anexo email 9 _PRG 88-102.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos);

  3. Em 1998, foram realizadas obras no prédio referido na alínea anterior, para transformar o único fogo em três fogos, por via da adaptação do espaço existente, criando-se três fracções independentes, distintas e isoladas entre si, cada uma com saída própria para a rua ou para uma parte comum do prédio; foram efectuadas adaptações interiores, sem aumento da área de habitação previamente existente, que se traduziram em vedar ao meio o corredor do 2.º andar e substituir por uma parede a porta entre a sala e a sala de jantar do 1.º andar; foi também dividida uma garagem em duas e construída uma outra nova garagem, esta com ampliação da área de construção, que ficou afecta à fracção … (artigos 13, 14, 15, 17.º, 18.º, 19.º 20.º, 22.º e 23.º do pedido de pronúncia arbitral e documentos n.ºs 7 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  4. Em 1998, para efeito de constituição da propriedade horizontal, o ora Requerente solicitou à Câmara Municipal de Cascais prévia autorização, solicitando ainda autorização para “construção de 3 garagens e uma piscina” para apoio ao edifício previamente existente, sendo duas das garagens resultante da divisão de uma garagem em duas, sem qualquer ampliação física (artigos 12.º e 13.º do pedido de pronúncia arbitral);

  5. Em 27-4-1998, a Câmara Municipal de Cascais emitiu a licença de utilização do prédio com o n.º …, de que consta que o prédio foi ampliado, sendo a ampliação a construção de 2 fogos, 3 garagens, 1 piscina e uma arrecadação (artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral, informação a fls. 5 do documento do Processo administrativo com a designação «Anexo email 10 _PRG 103- 116.pdf», cujo teor se dá como reproduzido);

  6. Em 21-9-1998, por escritura lavrada no … Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída propriedade horizontal relativamente ao prédio referido, que é aí indicado como «prédio urbano composto de uma moradia de três pisos, denominado "bons sinais ", sito na Avenida da , freguesia e concelho de Cascais, descrito na primeira secção da Conservatória do registo Predial de Cascais sob o número da dita. Freguesia» (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

  7. No regime da propriedade horizontal o prédio ficou com as fracções "A', "B" e "C", a primeira, um fogo para habitação da cave e logradouro com a área de 390 m2; a segunda, um fogo em duplex, designado por duplex 1 no segundo e terceiro pisos (rés-do-chão e 1º andar) e logradouro com a área de 270 m2; a terceira, um fogo em duplex, designado por duplex 2, no segundo e terceiro pisos (rés-do-chão e 1º andar) e logradouro com a área de 330 m2 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  8. Em 3-11-1998, o Requerente participou à matriz a constituição do artigo … em propriedade horizontal, tendo o referido prédio dado origem ao artigo 11600, fracções A, B e C, inscrito no ano de 1999 (documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  9. Em 1-1-1999 as fracções referidas foram inscritas na matriz com os seguintes valores: fracção A – € 71.826,90; fracção B – € 71.826,90; fracção C – € 86.192,28 (páginas 2 dos documentos do processo administrativo com as denominações «Anexo email 7 _PRG 60- 73.pdf» e «Anexo email 8 _PRG 74- 87.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos)

  10. A fracção C referida foi vendida em 13-2-2006 pelo preço de € 450.000,00, sendo-lhe atribuído em avaliação o valor de € 478.020,00 (documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e escritura a páginas 3 a 6 do documento do Processo administrativo com a designação «Anexo email 9 _PRG 88- 102.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos);

  11. A fracção B foi vendida em 6-6-2006 pelo preço de € 400.000,00, sendo-lhe atribuído em avaliação o valor de € 241.860,00 (documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e escritura a páginas 11-14 do documento do Processo administrativo com a designação «Anexo email 8 _PRG 74- 87.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos);

  12. A fracção A foi vendida em 18-9-2007, pelo preço de € 350.000,00 (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, e escritura a páginas 11-14 do Processo administrativo com a designação «Anexo email 10__PRG 1038- 1162.pdf», cujos teores se dão como reproduzidos);

  13. Em 10-2-2010, o Requerente foi notificado pela administração tributária para exercício do direito de audição relativamente a intenção de efectuar correcções ao rendimento colectável de 2006 no montante global de € 343.408,40, correspondendo € 186.863,67 à fracção C e € 156,544,73 à fracção B; nesta notificação indicaram-se, respectivamente para as fracções C e B, como valores de aquisição, os de € 86.192,28 e € 71.826,90, actualizados para € 104.292,66 e € 86.910.55, e como valores de realização os de € 478.020,00 e € 400.000,00; relativamente aos valores de aquisição, indicou-se na notificação, além do mais, o seguinte: «Caso não existam elementos que permitam apurar com completa precisão o ano e/ou o valor de aquisição poder-se-á, ainda assim, considerar o valor patrimonial como valor mínimo de aquisição, sem prejuízo de outro ser considerado se o sujeito passivo, aquando da audição prévia, fornecer os elementos necessários à sua perfeita determinação» (documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  14. Em 10-2-2010, o Requerente foi notificado pela administração tributária para exercício do direito de audição relativamente a intenção de efectuar correcção ao rendimento colectável de 2007 no montante de € 132.263,19, relativamente à referida fracção A; nesta notificação indicaram-se, como valor de aquisição considerado, o de € 71.826,90, actualizado para € 89.783,63, e como valor de realização o de € 354.310,00; relativamente ao valor de aquisição, indicou-se na notificação, além do mais, o seguinte: «Caso não existam elementos que permitam apurar com completa precisão o ano e/ou o valor de aquisição poder-se-á, ainda assim, considerar o valor patrimonial como valor mínimo de aquisição, sem prejuízo de outro ser considerado se o sujeito passivo, aquando da audição prévia, fornecer os elementos necessários à sua perfeita determinação» (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  15. No exercício do direito de audição, o Requerente apresentou no processo de liquidação cópia de escritura de compra e venda lavrada em 1977-05-25 no Cartório Notarial de Oeiras, através da qual adquiriu e prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia e concelho de Cascais, com a finalidade de comprovar que a alienação das fracções A, B e C do artigo …, estaria excluída de tributação dada a data de aquisição, sendo aplicável o regime transitório da categoria G previsto no artigo 5.º, n.º 1, do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro (documentos n.ºs 11 e 13, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  16. Na sequência do exercício do direito de audição, a administração tributária manteve as correcções cuja intenção anunciara (documentos n.ºs 11 e 12, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  17. Em 18-4-2010, a administração tributária, com fundamento nas referidas correcções relativas às fracções B e C, liquidou adicionalmente ao Requerente IRS e juros compensatórios relativos ao ano de 2006, nos montantes de € 137.360,64 e € 15.459,65, respectivamente (liquidações n.ºs …) (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  18. Em 26-4-2010, a administração tributária liquidou adicionalmente ao Requerente, com fundamento na referida correcção relativa à fracção A, IRS e juros compensatórios nos montantes de € 53.605,12 e € 3.235,34, respectivamente, relativos ao ano de 2007 (liquidações n.ºs …) (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  19. O Requerente apresentou reclamação graciosa impugnando as liquidações referidas, que foi indeferida por despacho de 8-11-2010 (documentos do processo administrativo com as denominações «anexo email 3_ PRG 1-14.pdf» e «P86 T 2012 – Anexo email 3 de 2012-09-24_PRG 145 – 156», cujos teores se dão como reproduzidos);

  20. O Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa (documento do processo administrativo com a designação «P86 T 2012 – Anexo email 6 de 2012-09-24_RH 1- 14»

  21. Por despacho da Senhora Directora de Serviços do IRS de 3-4-2012, manifestando concordância com Informação n.º …/12, o recurso hierárquico relativo ao IRS e juros compensatórios do ano de 2006 foi indeferido (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral e página 12 do documento do processo administrativo com a denominação «P86 T 2012 – Anexo email 9 de 2012-09-24_RH 43 – 48», cujos teores se dão como reproduzidos);

  22. Na Informação n.º …/12 refere-se, alem do mais, o seguinte:

9. Assim, os prédios que, de facto, já estivessem divididos em fracções autonomizadas e independentes entre si, não perderiam o anterior tratamento fiscal apenas em virtude da formalização de uma situação já existente. Do mesmo modo, entendeu-se que as obras de reparação ou de beneficiação dos imóveis não poderiam, só por si, dar origem a novas realidades de facto que justificassem qualquer alteração da titularidade ou do conteúdo do direito de propriedade existente em 1988-12-31 nem, por conseguinte, impediriam que os ganhos com a respectiva alienação pudessem beneficiar da exclusão tributária prevista no art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

Contudo, já não nos parece possível extrapolar o entendimento constante da Circular nº 8 nem a exclusão tributária prevista no art. 5º do mencionado DL nº 442-A/88 às situações em que as obras realizadas no imóvel não se destinam à sua reparação ou beneficiação mas antes à sua transformação consciente e deliberada numa realidade jurídica e económica não existente antes da entrada em vigor do CIRS, cuja alienação gerou ganhos sujeitos a tributação nos termos gerais deste Código.

10. Ora, analisadas as alegações do contribuinte, nenhuma dúvida nos resta de que, independente da extensão das mesmas, as obras realizadas em 1998 visaram transformar (e não apenas beneficiar ou reparar) um imóvel unifamiliar em três fracções totalmente autónomas entre si (com três saídas autónomas para a rua ou para partes comuns, com três cozinhas e com todas as demais condições legalmente previstas para a sua autonomização jurídica) e o direito de propriedade sobre um único bem no direito de propriedade sobre três bens que o próprio contribuinte tornou, física e juridicamente, autónomos e distintos. Nessa medida, será difícil deixar de concluir que, em virtude das alterações jurídicas e de facto realizadas no e sobre o imóvel em 1998, o conteúdo do direito de propriedade adquirido em 1977 e, bem assim, a realidade jurídica e económica inicialmente consequência da conclusão defendida é, precisamente, a aplicabilidade à situação em análise da regra geral de tributação dos rendimentos de mais-valias prevista no CIRS.

11. Assim, não nos resta senão confirmar a impossibilidade de aplicação da exclusão tributária, prevista no art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, aos ganhos auferidos com a alienação das três fracções do prédio urbano identificado na matriz com o nº , da freguesia e concelho de Cascais, o que nos leva também a confirmar o sentido da decisão recorrida.

12. Por fim, cumpre ainda referir que, atento o teor da informação contida nas fls. 147 a 152 do processo de reclamação graciosa, que segundo o oficio de notificação do indeferimento terá sido anexa ao mesmo, não nos parece possível confirmar que o despacho recorrido padeça da alegada falta de fundamentação. Aliás, a este propósito, será de referir que a invocação de "falta de fundamentação" é desmentida pelo próprio mandatário do contribuinte, quando refere no ponto 2 do seu recurso hierárquico, que "só pode o ora recorrente lamentar os argumentos descabidos que fundamentam a posição da AF" (sublinhado nosso).

13. Quanto à alegada violação dos princípios do inquisitório e da colaboração, será de remeter para o disposto no art. 74º, nº 1 da LGT, norma a partir da qual se poderá concluir que coube ao contribuinte o ónus da prova dos factos e direitos por ele invocados, não podendo a insuficiência ou falta de produção de prova consubstanciar qualquer violação, por parte da Administração, de qualquer dos princípios invocados pelo contribuinte.

 

  1. Por despacho da Senhora Directora de Serviços do IRS de 8-5-2012, manifestando concordância com Informação n.º …/12, foi rectificado o despacho de indeferimento de 3-4-2012, passando a ser negado provimento ao recurso hierárquico relativo ao IRS e juros compensatórios dos anos de 2006 e 2007 (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral e página 1 e seguintes do documento do processo administrativo com a denominação «P86 T 2012 – Anexo email 11 de 2012-09-24_RH 64 – 69»), cujos teores se dão como reproduzidos);

  2. Para efectuar as correcções à matéria colectável derivadas da venda das fracções referidas e para decidir a reclamação graciosa e o recurso hierárquico a administração tributária baseou-se exclusivamente no exame das escrituras de compra e venda das fracções, na análise da licença de utilização n.º … emitida pela Câmara Municipal de Cascais, na consulta da matriz predial do imóvel com o artigo n.º … e na análise da certidão do registo predial do imóvel referido (anterior à constituição da propriedade horizontal) e das fracções (artigo matricial n.º …) (parecer emitido para decisão do recurso hierárquico, a páginas 13 do documento do processo administrativo com a denominação «P86 T 2012 – Anexo email 8 de 2012-09-24_RH 29 – 42», cujo teor se dá como reproduzido);

  3. Em 3-6-1992, a administração tributária emitiu a Circular n.º 8, da Direcção de Serviços do IRS, com o seguinte teor:

 

Relevância fiscal do regime da propriedade horizontal e das obras de conservação e ampliação na alienação onerosa de imóveis – Código do IRS – Artº 10º

 

Razão das instruções

Tendo surgido dúvidas sobre a tributação em sede de IRS dos ganhos resultantes da alienação onerosa de fracções autónomas de prédio adquirido antes da entra em vigor do Código do IRS (89-01-01) e que foi objecto depois desta data da constituição em regime de propriedade horizontal e de obras de beneficiação e ampliação foi, por despacho de 92-04-15, de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento sancionado o seguinte entendimento:

 

Propriedade horizontal

1 – A constituição do regime de propriedade horizontal sobre um prédio não determina modificação na titularidade do direito de propriedade, pelo que se este se constituiu antes da entrada em vigor do Código do IRS, a alienação onerosa de qualquer fracção não está sujeita a tributação no âmbito da Categoria G.

 

Obras de reparação e benfeitorias

2 – As obras de reparação e as benfeitorias efectuadas no imóvel pelo seu proprietário não alteram o conteúdo do seu direito de propriedade nem modificam a respectiva titularidade.

Nestes termos a posterior alienação onerosa do prédio reparado ou beneficiado não integra a previsão normativa da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS, desde que a sua aquisição se tenha verificado antes da entrada em vigor deste Código e a sua alienação não estivesse já sujeita a tributação em Mais-Valias, atento o disposto no nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

 

Obras de ampliação

3 – Apenas as obras de ampliação ou outras que originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada nos termos do nº 2 do artigo 13º do Código da Contribuição Autárquica, deverão ser consideradas como factos modificativos, não apenas do conteúdo originário do direito, como também da titularidade da parte ampliada susceptível de utilização independente, a qual se reportará à data relevante, para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação.

 

Sujeição a tributação da parte ampliada

4 – Em consequência, sempre que a data relevante para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação na parte ampliada de um prédio, susceptível de utilização independente, tenha ocorrido após a entrada em vigor do Código do IRS, a posterior alienação onerosa daquela parte, separada ou conjuntamente com o prédio em que se integra, é abrangida pela previsão normativa da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS, não lhe podendo aproveitar a exclusão tributária prevista no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro.

 

Âmbito da aplicação

5 – O presente entendimento é de aplicação exclusiva às situações em que a alienação onerosa de bens imóveis não gere rendimentos fiscalmente qualificáveis como comerciais ou industriais.

O DIRECTOR-GERAL

Francisco Rodrigues Porto

 

Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseou-se nos documentos e afirmações das partes indicados para cada um dos pontos.

Relativamente aos factos indicados nas alíneas c) e d), aceitou-se a versão dos factos apresentada pelo Requerente, já apresentada no exercício do direito de audição, na reclamação graciosa e no recurso hierárquico, porque, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha impugnado os factos genericamente, não indicou nem no presente processo nem na reclamação graciosa nem no recurso hierárquico qualquer outra versão em alternativa.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Violação de lei, relativa a normas de incidência

 

A primeira questão colocada pelo Requerente é a de as normas de incidência não abrangerem a situação dos autos.

A situação fáctica é, em suma a seguinte, como resulta da matéria de facto fixada e da versão apresentada pelo próprio Requerente:

– adquiriu um prédio em 1977;

– em 1998 efectuou obras de adaptação interiores do prédio de forma a poderem ser criadas três unidades distintas, cada uma com saída própria para a rua ou para uma parte comum, sem aumento da área de habitação previamente existente;

– foi também dividida uma garagem em duas e construída uma outra nova garagem, esta numa área em que anteriormente não havia qualquer construção, que ficou afecta a uma das fracções;

– uma piscina já anteriormente construída pelo Requerente ficou destinada a servir a parte habitacional;

– na sequência das alterações houve, em 1999, uma nova inscrição matricial para as fracções criadas;

– em 2006 e 2007 o Requerente vendeu as fracções.

 

O art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, criou um regime transitório para os rendimentos enquadráveis na categoria G, relativa a «incrementos patrimoniais» (art. 1.º, n.º 1, do CIRS), em que se incluem as mais-valias [arts. 9.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do mesmo Código].

No n.º 1 do seu art. 5.º estabelece-se que um «Regime transitório da categoria G», nos seguintes termos:

 

1 – Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46.673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. (Redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho)

 

Os ganhos realizados com a transmissão de prédios urbanos não estavam sujeitos a imposto de mais-valias, à face do Código do Imposto de Mais Valias, pois, nos termos do seu art. 1.º, a sua incidência limitava-se a «transmissão onerosa de terreno para construção», «transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição» e «trespasse de locais ocupados por escritórios ou consultórios afectos ao exercício de profissões constantes da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional».

Assim, tendo o prédio sido adquirido pelo Requerente em 1977, é inquestionável que, se tivesse sido vendido sem qualquer alteração, os ganhos obtidos com a sua transmissão ficariam abrangidos pela delimitação negativa de incidência de IRS feita no n.º 1 daquele art. 5.º.

No entanto, o prédio não foi vendido no estado em que se encontrava em 1-1-1989, data da entrada em vigor do CIRS, pois foram realizadas obras interiores autonomizando três fracções e construída uma garagem em área não abrangida pela construção adquirida em 1977, pelo que a questão que se coloca é a de saber se a referida delimitação negativa de incidência abrange também os ganhos obtidos com a transmissão destas fracções e nova garagem.

No que concerne à construção de uma piscina, independentemente da relevância que ela pudesse ou não ter para efeito desta questão, não se provou que ela tivesse sido construída antes da entrada em vigor do CIRS, pelo que está afastada a possibilidade de ser considerada para efeito de mais-valias, em face do disposto no transcrito n.º 1 do art. 5.º do DL n.º 442-A/88.

O art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece, além do mais, que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de» «alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».

O art. 46.º do mesmo Código, relativamente à determinação do «valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis», estabelece, na redacção vigente antes da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa ou o que lhe serviria de base caso fosse devida (n.ºs 1 e 2) e que «o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele» (n.º 3).

Como se conclui deste n.º 3, a construção de imóveis é considerada uma forma de aquisição relevante para efeito de mais-valias, pelo que o conceito de aquisição não se restringe à aquisição derivada.

Em face deste enquadramento jurídico, conclui-se que está subjacente aos actos impugnados o entendimento da Administração Tributária de que ocorreu «construção», em 1998, das fracções vendidas, inscritas na matriz predial em 1-1-1999.

A Administração Tributária emitiu, em 3-6-1992, a Circular n.º 8, transcrita na matéria de facto, que a vincula perante os contribuintes, por força do disposto no art. 68.º, n.º 4, alínea b), da LGT, na redacção inicial.

Por isso, antes de mais, importa apreciar se a Administração Tributária violou o entendimento que adoptou na referida Circular.

Refere-se naquela Circular que

– «a constituição do regime de propriedade horizontal sobre um prédio não determina modificação na titularidade do direito de propriedade, pelo que se este se constituiu antes da entrada em vigor do Código do IRS, a alienação onerosa de qualquer fracção não está sujeita a tributação no âmbito da Categoria G»;

– «apenas as obras de ampliação ou outras que originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada nos termos do nº 2 do artigo 13º do Código da Contribuição Autárquica, deverão ser consideradas como factos modificativos, não apenas do conteúdo originário do direito, como também da titularidade da parte ampliada susceptível de utilização independente, a qual se reportará à data relevante, para efeitos de inscrição matricial e de sujeição a tributação».

 

Como se vê pela referência que, para além das obras de ampliação, se faz a «outras que originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada nos termos do nº 2 do artigo 13º do Código da Contribuição Autárquica», a Administração Tributária não violou o entendimento a que se vinculou, pois, no caso em apreço, para além de obras de «ampliação» (uma garagem em área em que não havia qualquer construção), o Requerente efectuou «outras», que deram origem a três partes do prédio susceptíveis de utilização independente e inscrições matriciais separadas.

Na verdade, nos termos do n.º 2 do art. 13.º do Código da Contribuição Autárquica, «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente será considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discriminará também o respectivo valor tributável».

Porém, embora vinculativas para a Administração Tributária perante os contribuintes, as orientações genéricas constantes de circulares não vinculam os Tribunais, que apenas devem obediência à Lei (art. 203.º da CRP).

Por isso, importa apreciar se aquele entendimento está em sintonia com a lei.

No que concerne a irrelevância da mera alteração jurídica da propriedade plena para propriedade horizontal, a posição adoptada pela Administração Tributária é essencialmente correcta, pois quando não há qualquer alteração material da utilização do prédio, designadamente ampliação ou criação de partes susceptíveis de utilizações independentes, estar-se-á perante o mesmo prédio, pertencente ao mesmo titular do direito de propriedade. Em situações deste tipo, apesar da alteração jurídica que consubstancia a constituição da propriedade horizontal, não há mesmo uma alteração prática do conteúdo do direito de propriedade, pois o prédio continua fisicamente no estado em que se encontrava e o único proprietário de todas as fracções continua a poder exercer integralmente em relação à globalidade do prédio todos os poderes de proprietário que dispunha anteriormente, uma vez que as limitações inerentes ao complexo de direitos que caracterizam a propriedade horizontal apenas podem existir quando a titularidade de fracções pertencer a pessoas diferentes. ( 1 )

Assim, a constituição ou não de propriedade horizontal é irrelevante para efeitos de concluir pela aquisição de um novo direito de propriedade sobre um imóvel através de «construção», para efeitos de mais-valias.

Por isso, o que releva para efeitos de apurar se há aquisição de um novo direito de propriedade gerado através de construção pelo proprietário é apenas o tipo de obras realizadas, havendo aquisição quando se puder afirmar que o direito de propriedade deixou de ter o conteúdo que tinha anteriormente. Isto é, estaremos perante um imóvel construído pelo sujeito passivo quando o resultado das obras efectuadas puder ser considerado como um imóvel diferente do preexistente.

Na interpretação daquele conceito de «aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos», não tem de se entender que apenas a construção total dos imóveis seja relevante, nem será razoável tal entendimento, pois não haverá razão para distinguir entre as situações de construção totalmente nova de um prédio e outras em que houve construção a partir de ruínas ou com manutenção apenas de uma parte insignificante de um prédio pré-existente).

A tese do Requerente de que as obras de melhoramento, grandes ou pequenas, não relevam para efeito de determinar a aquisição de um direito de propriedade novo (alteração do direito de propriedade preexistente) carece de razoabilidade, pois, em última análise, reconduzir-se-ia a que se pudesse transformar uma barraca num palácio, ficcionando, para efeitos fiscais, sem qualquer correspondência com a realidade, que não tinha havido alteração do direito de propriedade.

Por isso, sem fazer apelo a analogia, poderá e deverá densificar-se, através de mera interpretação declarativa, o alcance daquele conceito de «aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos», esclarecendo em que situações se deverá entender que as obras efectuadas pelo sujeito passivo em imóvel seu geram um novo direito de propriedade, preenchendo o conceito de aquisição para efeito de mais-valias.

Na clarificação deste conceito, tendo em mente a coerência global do sistema fiscal, inerente ao princípio da unidade do sistema jurídico, não é inadequado ter em conta o regime jurídico regulador da Contribuição Autárquica, como se ponderou na decisão da reclamação graciosa.

Na verdade, não seria congruente um sistema fiscal em que se desse relevância a obras de modificação de prédios para efeitos de contribuição autárquica e se entendesse, para outros efeitos, que o direito real respectivo se manteve inalterado.

À face do art. 14.º, n.º 1, alínea d), do Código da Contribuição Autárquica, é obrigatória a inscrição de prédios ou actualização da matriz quando se concluírem obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar alguma variação do valor tributável do prédio.

E, nos termos do n.º 2 do art. 13.º do mesmo Código, «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente será considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discriminará também o respectivo valor tributável», independentemente de estar ou não constituída propriedade horizontal.

Resulta deste n.º 2 do art. 13.º que deverá entender-se que se está perante um novo direito de propriedade sobre imóvel, para efeitos fiscais, quando as obras realizadas criaram num prédio preexistente uma parte susceptível de utilização independente (seja ou não constituída propriedade horizontal). E, está ínsito no art. 14.º, n.º 1, alínea d), do Código da Contribuição Autárquica, que haverá uma alteração do conteúdo do direito de propriedade, relevante para efeitos fiscais, sempre que de obras de edificação, melhoramento ou alteração resulte uma alteração do valor tributável do prédio.

No caso em apreço, é claro que se está perante uma situação que, independentemente da alteração jurídica a nível da constituição da propriedade horizontal, se enquadra naquele n.º 2 do art. 13.º, já que as obras deram origem a três partes susceptíveis de utilização independente num prédio que as não tinha, o que tem potencialidade para gerar uma considerável alteração do valor tributável do prédio. As alterações físicas no interior do prédio, criando novas áreas susceptíveis de utilizações autónomas, três novos fogos completos, implicam, mesmo sem a criação de propriedade horizontal, uma alteração substancial do conteúdo do direito de propriedade anterior, pois foram criadas possibilidades de utilização que não existiam anteriormente (por exemplo, a celebração de contratos de arrendamento autónomos relativamente a cada uma das partes do prédio autonomizadas).

Por outro lado, bastaria o facto de ter sido construída uma nova garagem, em área anteriormente de logradouro, para se ter de concluir, sem mais, que ocorreu efectivamente, na sequência de tal construção, uma alteração do direito de propriedade adquirido pelo Requerente em 1977.

O art. 51.º do CIRS, ao fazer referência a «despesas de valorização» de imóveis sem implicarem uma alteração do conteúdo do direito de propriedade não contende com esta interpretação, pois reportar-se-á a obras que beneficiem o imóvel sem alterarem o conteúdo do direito de propriedade (por exemplo, beneficiação do telhado ou do soalho, melhoria da cozinha, substituição de vidros simples por vidros duplos, introdução de um sistema de climatização, etc.).

Assim, é de concluir que ocorreu em 1998 a aquisição de um novo direito real, gerado por construção do Requerente, que, como tal, releva para efeitos de mais-valias, nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, alínea a), e 46.º, n.º 3, do CIRS.

Os actos cuja declaração de ilegalidade é pedida não enfermam, assim, de vício por violação de normas de incidência do IRS.

 

3.2. Violação de lei relativa a determinação do valor de aquisição

 

Para determinação do valor de aquisição das fracções, a Administração Tributária utilizou os valores matriciais à data em que as respectivas inscrições matriciais foram efectuadas.

O Requerente defende que, «para efeitos de IMT os imóveis foram avaliados na sequência da transmissão das fracções e considerado na esfera jurídica do comprador para efeitos daquele imposto o valor patrimonial resultante da nova avaliação, se superior ao declarado na escritura art. 12.º, n.º 1, do CIMT)».

O Requerente conclui defendendo que «também para efeitos de valor de aquisição e não só para efeitos de valor de realização e para valor de aquisição do comprador, terá que ser considerado o valor patrimonial resultante das avaliações originado pelas vendas».

Não é claro o alcance desta pretensão do Requerente, já que, entendendo-se que a aquisição por construção ocorreu em 1998, o valor de aquisição terá de ser reportado à data da inscrição na matriz das novas fracções, no ano de 1999, e, por isso, não poderá ser «o valor patrimonial resultante das avaliações originado pelas vendas», que só ocorreram em 2006 e 2007.

De qualquer modo, existe uma norma específica que indica qual o valor a considerar para efeitos de mais-valias nos casos de aquisição por construção do proprietário, que é o art. 46.º, n.º 3, do CIRS, que estabelece que «o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele».

Estando-se nesta norma a tratar do valor de aquisição, a referência ao valor patrimonial inscrito na matriz reporta-se ao valor inscrito no momento em que a inscrição ocorre.

Foi este valor inscrito na matriz quando se efectuou a inscrição das três fracções que foi considerado para calcular as mais-valias, pelo que os actos cuja decisão de ilegalidade é pedida têm cobertura legal, quanto a este ponto.

De resto, como consta das alíneas l) e m) da matéria de facto fixada, na notificação para exercício do direito de audição a Administração Tributária esclareceu o Requerente de que «caso não existam elementos que permitam apurar com completa precisão o ano e/ou o valor de aquisição poder-se-á, ainda assim, considerar o valor patrimonial como valor mínimo de aquisição, sem prejuízo de outro ser considerado se o sujeito passivo, aquando da audição prévia, fornecer os elementos necessários à sua perfeita determinação». O Requerente não forneceu outros elementos à Administração Tributária, pelo que esta, em obediência àquele n.º 3 do art. 46.º do CIRS, tinha de calcular as mais-valias com base nos referidos valores patrimoniais que foram inscritos na matriz no momento da inscrição.

Por outro lado, a utilização, como valor de realização, quanto às fracções C e A, dos respectivos valores patrimoniais às datas em ocorreram as transmissões, tem também suporte explícito no art. 44.º, n.º 2, do CIRS e no art. 19.º, § 2.º, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações.

Para além de a actuação da Administração Tributária ter apoio nestas normas, não se vê qualquer incongruência entre o valor de aquisição pelo vendedor ser diferente do valor de aquisição pelo comprador, pois trata-se de aquisições em momentos diferentes (no caso, a aquisição pelo Requerente, vendedor, ocorreu em 1999, e as aquisições pelos compradores das fracções ocorreram em 2006 e 2007).

O que poderia ser questionável seria a utilização de critérios diferentes para determinar os valores referidos.

Mas, o facto de ter sido dada oportunidade ao Requerente de apresentar outros elementos que permitissem determinar de forma diferente o valor de aquisição, o que não fez, impede que se possa censurar a actuação da Administração Tributária por fazer uso do valor expressamente indicado para a situação na parte inicial do n.º 3 do art. 46.º do CIRS.

Por isso, não se detecta qualquer ilegalidade nos actos impugnados, quanto a estes pontos.

 

3.3. Violação dos princípios do inquisitório e da colaboração

 

O Requerente invoca «violação do princípio do inquisitório pela administração fiscal na prática do acto de liquidação».

O princípio do inquisitório no procedimento tributário está enunciado no art 58.º da LGT, em que se estabelece que «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

No caso, o Requerente entende a Administração Tributária violou este princípio «ao não ter averiguado, junto da Câmara de Cascais, mais elementos para decidir com legalidade, tal como o recorrente sugeriu na parte final do item 28 da reclamação graciosa». E entende que «sobre a "ATA" sempre pendia um "dever' de averiguação da realidade factual subjacente às liquidações em causa, pelo que, por não ter cumprido com o seu dever, a "ATA" emitiu liquidações desconformes com a realidade dos factos» (artigos 75.º e 76.º do pedido de pronúncia arbitral).

Como se vê pelo texto transcrito, a imputação de violação do princípio do inquisitório não se reporta aos procedimentos de liquidação, mas sim ao de reclamação graciosa, censurando o Requerente à Administração Tributária «não ter averiguado junto da Câmara de Cascais, mais elementos para decidir com legalidade, tal como o recorrente sugeriu na parte final do item 28 da reclamação graciosa».

A relevância invalidante de vícios procedimentais depende da possibilidade da sua repercussão nos actos finais dos procedimentos respectivos, pois, se apesar de terem sido omitidas formalidades, elas não têm qualquer influência na decisão procedimental, não pode haver justificação para anulá-la. Por outro lado, dependendo a relevância dos vícios procedimentais da possibilidade de influenciarem a decisão do procedimento em que se inserem, tem de ser afastada, por ser logicamente inadmissível, a anulação de actos anteriores à omissão das formalidades. Isto é, se se entender que, no caso em apreço, o Requerente imputa vício procedimental por violação do princípio do inquisitório ao procedimento de reclamação graciosa, por não ter sido dado seguimento à sugestão no artigo 28.º da reclamação que apresentou, não pode com base em tal hipotético vício concluir-se pela ilegalidade dos actos de liquidação, já anteriormente praticados.

Por isso, interpretando o pedido de pronúncia arbitral de forma a dar alcance útil à imputação de vício procedimental, deverá entender-se que a imputação do vício procedimental se reporta à decisão da reclamação graciosa, que manteve os actos de liquidação.

No entanto, mesmo com esta interpretação não se pode entender que tal vício ocorreu, uma vez que com plena aceitação dos factos afirmados pelo Requerente era possível, na perspectiva da Administração Tributária, tomar uma decisão negativa em relação à sua pretensão de anulação das liquidações.

Na verdade, como se vê pela «informação após o direito de audição» no âmbito da reclamação graciosa, que consta de fls. 3 e seguintes do documento denominado «P86 T 2012 – Anexo email 3 de 2012-09-24_PRG 145 – 156», a Administração Tributária entendeu que «as alterações/obras efectuadas pelo sujeito passivo é que transformaram o prédio adquirido em 1977 em três unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para a rua ou para uma parte comum do prédio, que originaram novos artigos matriciais», o que, na perspectiva da Administração bastava para impor a tributação a título de mais-valias.

Este entendimento até deve reputar-se como correcto, pelo que se conclui do decidido nos pontos 3.1. e 3.2. do presente acórdão.

Mas, de qualquer modo, não considerando a Administração Tributária necessária a realização das diligências sugeridas pelo Requerente, no artigo 28 da reclamação graciosa que apresentou, não tinha de as efectuar, pois o princípio do inquisitório apenas impõe que a Administração realize as diligências que considerar necessárias e só a omissão das que como tal devam qualificar-se constitui vício procedimental.

Para além disso, no referido artigo 28.º da reclamação graciosa, o Requerente não requer sequer a realização de diligências, apenas se disponibilizando para juntar mais elementos se a administração tributária não achasse suficiente os elementos que apresentou e sugerindo a administração tributária consultasse o processo na Câmara Municipal de Cascais, se assim o entendesse.

Quer dizer, mesmo o próprio Requerente não considerou que a diligência cuja realização aventou fosse necessária para averiguar a matéria de facto de que dependia a decisão da reclamação.

Pela mesma razão de, na perspectiva correcta da Administração Tributária, não ser necessário averiguar mais matéria de facto para manter as liquidações impugnadas através da reclamação graciosa, não ocorreu violação do princípio da colaboração, enunciado no art. 59.º da LGT em que se estabelece o princípio geral de que «os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco» e, em especial, além do mais, que a Administração Tributária deve notificar «o sujeito passivo ou demais interessados para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos». Na verdade, não havia dúvidas sobre pontos relevantes para decisão que importasse esclarecer.

Por isso, o que é de concluir que as omissões de realização da diligência sugerida pelo Requerente e de notificação para esclarecimento de dúvidas não constituem vícios procedimentais e, nomeadamente, não podem servir de suporte à anulação das liquidações anteriormente elaboradas.

Consequentemente, improcede a pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações com fundamento em vícios procedimentais.

 

3.4. Vício de deficiência de fundamentação

 

O Requerente imputa vícios de falta de deficiência de fundamentação, equivalente a falta de fundamentação, às liquidações e às decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

O art. 77.º da LGT estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( 2 )

Como resulta do exposto, o vício de falta de fundamentação ocorre apenas quando não é possível para um destinatário normal aperceber-se das razões pelas quais quem decidiu tomou a decisão que tomou e não quando o entendimento adoptado é errado, pois, neste último caso, se ocorrer efectivamente o erro, estar-se-á perante vício de erro sobre os pressupostos de facto ou de erro sobre os pressupostos de direito.

 

3.4.1. Deficiência de fundamentação dos actos de liquidação

 

No concerne à falta de fundamentação de facto dos actos de liquidação o Requerente considera que «não é suficiente para fundamentar o acto alegar que "uma vez que o imóvel alienado foi sujeito a grandes obras de ampliação, o que se traduz em considerar que se trata de uma nova realidade e não a que foi adquirida em 1977, mantendo-se válidas as razões de facto e de direito em que se baseava o respectivo projecto de decisão, propõe-se a sua conversão em definitivo"», «pois que se impunha, face à posição do sujeito passivo, especificar a natureza das obras que tenham sido efectuadas para que se pudesse então concluir se se tratava ou não de "grande obras de ampliação"» (artigos 88.º e 89.º do pedido de pronúncia arbitral).

Refere ainda o Requerente que «também ao nível jurídico o acto carece de fundamentação na medida em que não indica, face ao regime do Código do IRS, a norma que permite considerar o imóvel adquirido no ano de 1999»

Como se vê pelas informações emitidas na sequência do exercício do direito de audição, relativamente aos actos de liquidação, que constam dos documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, nelas remete-se para a fundamentação que consta do projecto de decisão enviado ao Requerente para exercício do direito de audição, pelo que a fundamentação tem de ser entendida em conjunto com o que anteriormente foi comunicado ao Requerente.

Após o exercício do direito de audição, em que o Requerente procurou demonstrar, com junção da escritura da aquisição do prédio em 1977, que a transmissão das fracções ficava fora do âmbito de incidência do IRS, por força do disposto no art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, a Administração Tributária fundamentou a manutenção das correcções à matéria colectável projectadas, nos seguintes termos, no que aqui interessa:

 

Em 2010-02-25 (e.g. n.º 6938) o sujeito passivo carreou para o processo, cópia de escritura de compra e venda lavrada em 1977-05-25 no Cartório Notarial de Oeiras, através da qual adquiriu o prédio urbano inscrito sob o artigo 2087 da freguesia e concelho de Cascais, com a finalidade de comprovar que a alienação das fracções A, B e C do artigo 11600, estada excluída de tributação dada a data de aquisição, sendo aplicável o regime transitório da categoria G previsto no artigo 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30/11.

Através de declaração modelo 129 apresentada em 1998-11-03, o sujeito passivo participou à matriz a constituição do artigo 2087 em propriedade horizontal (constituição de três fracções autónomas), tendo o referido prédio dado origem ao artigo 11600 fracções A, B e C, inscrito no ano de 1999.

Junto à referida declaração, encontra-se o alvará de licença de utilização nº …, emitido pela Câmara Municipal de Cascais em 1998-04-27.

Na referida licença consta que o prédio foi ampliado, sendo a ampliação a construção de 2 fogos, 3 garagens, 1 piscina e uma arrecadação.

Assim, uma vez que o imóvel alienado foi sujeito a grandes obras de ampliação, o que se traduz em considerar que se trata de uma nova realidade e não a que foi adquirida em 1977, mantendo-se válidas as razões de facto e de direito em que se baseava o referido projecto de decisão, propõe-se a sua conversão em definitivo.

 

Relativamente às «grandes obras de ampliação», remete-se naquela informação para o alvará de licença de utilização n.º …, emitido pela Câmara Municipal de Cascais em 27-4-1998, de que se infere, no entender da Administração Tributária, que ocorreram aquelas obras, por dele constar «que o prédio foi ampliado, sendo a ampliação a construção de 2 fogos, 3 garagens, 1 piscina e uma arrecadação».

Percebe-se, assim, quais foram as obras que a Administração Tributária entendeu serem «grandes obras de ampliação» e refere-se expressamente que se entendeu que a realização destas obras levava a considerar «que se tratava de uma nova realidade e não a que foi adquirida e 1977». Esta conclusão poderá não ser factual ou juridicamente correcta, mas, como se disse, isso não implica vício de falta de fundamentação, por não se estar perante uma situação em que não se sabe qual a razão por que a Administração Tributária decidiu como decidiu.

No que concerne à falta de fundamentação jurídica, o Requerente afirma que se não indica, «face ao regime do Código do IRS, a norma que permite considerar o imóvel adquirido no ano de 1999».

Na análise da fundamentação há que ter em conta o contexto em que foram praticados os actos de liquidação e, designadamente, os bens imóveis, as fracções, que lhe serviram de base: não foi efectuada qualquer tributação de mais-valias com base na transmissão de um «imóvel adquirido no ano de 1999», mas sim com base em três fracções, pelo que o que a Administração Tributária tinha de fundamentar é porque é que entendia que a data de aquisição dessas fracções relevante para efeito de cálculo de mais valias era 1-1-1999, que foi a data indicada como data de aquisição nas notificações para exercício do direito de audição.

Como se vê nestas notificações para exercício do direito de audição, faz-se em ambas referências ao «valor de aquisição (corrigido nos termos do art. 50.º do CIRS)» e este art. 50.º estabelece o seguinte:

 

1 – O valor de aquisição ou equiparado de direitos reais sobre os bens referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afectação.

2 – A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 46.º, é a data relevante para efeitos de inscrição na matriz;

b) No caso previsto no artigo 47.º, é a data da transferência.

 

Há, assim, através da referência àquele art. 50.º, em conjunto com a data de aquisição indicada nas mesmas notificações («1999-01»), uma perceptível indicação da fundamentação jurídica da determinação da data de aquisição das fracções: estando-se perante um caso enquadrável no n.º 3 do art. 46.º («imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos»), a data relevante para cálculo das mais-valias é a da inscrição na matriz, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 50.º.

Percebe-se, assim, o processo lógico seguido pela Administração Tributária: entendeu que as três fracções eram uma «nova realidade e não a que foi adquirida em 1977», nova realidade esta que surgiu em 1998, o que afastava a tese do Requerente de que transmitira o prédio adquirido em 1977; e considerou, com fundamento no art. 50.º do CIRS, que a data de aquisição desta nova realidade era a da inscrição matricial respectiva, em 1999.

É certo que a fundamentação de direito seria mais perfeita se se fizesse uma referência explícita ao n.º 2 e sua alínea b) do art. 50.º e ao n.º 3 do art. 46.º.

Mas, também não deixa de ser certo que a referência global ao art. 50.º, acompanhada das referências que no cálculo das mais valias se fazem ao «Ano de aquisição» e «data de aquisição apurada», permitem apurar qual a fundamentação jurídica para a Administração Tributária ter considerado como data de aquisição das fracções a que utilizou.

De qualquer modo, é seguro que, neste contexto, tendo a Administração Tributária entendido que o que o Requerente transmitiu em 2006 e 2007 não foi o imóvel adquirido em 1977 ou um prédio adquirido em 1999, mas sim três fracções, não tinha de ser fundamentado juridicamente o entendimento que não foi adoptado de que teria sido transmitido um prédio adquirido em 1999.

Na fundamentação das liquidações indica-se suficiente fundamentação jurídica para a posição que se adoptou, que foi a de entender que foram transmitidas três fracções criadas, com uma realidade nova, em 1998 e inscritas na matriz no ano de 1999.

Por isso, as liquidações não enfermam do vício de deficiência de fundamentação que o Requerente lhe imputa.

 

3.4.2. Deficiência de fundamentação da decisão da reclamação graciosa

 

O Requerente imputa à decisão da reclamação graciosa a mesma insuficiência de fundamentação jurídica, que «indica apenas como fundamento do indeferimento várias normas do antigo Código da Contribuição Autárquica inaplicáveis ao caso (argumentação abandonada na decisão que incidiu sobre o recurso hierárquico), mas não indica, face ao regime do Código do IRS, a norma que permite considerar o imóvel adquirido no ano de 1999, nem sequer considera ou pondera as nomas do CIRS invocadas pelo requerente (arts. 46º, nº3 e 50º, nº 1, al. a)» (artigos 91.º a 93.º do pedido de pronúncia arbitral).

Como já se referiu relativamente à fundamentação dos actos de liquidação, não tinha de ser indicada «a norma que permite considerar o imóvel adquirido no ano de 1999» porque Administração Tributária não entendeu que «o imóvel» tivesse sido adquirido em 1999, pelo que não tinha de fundamentar um entendimento jurídico que não adoptou.

Por outro lado, a fundamentação dos actos tributários, para ser considerada suficiente, não tem necessariamente de apreciar todas as normas e argumentos invocados pelos sujeito passivo, tendo apenas de assegurar o conhecimento das razões por que quem proferiu a decisão decidiu da forma que decidiu.

Por isso, também a decisão da reclamação graciosa não enferma do vício de falta de fundamentação que o Requerente lhe imputa.

 

3.4.3. Deficiência de fundamentação da decisão do recurso hierárquico

 

Por último, o Requerente imputa o mesmo vício de insuficiência de fundamentação à decisão que incidiu sobre o recurso hierárquico, pois «também não indica, face ao regime do Código do IRS, a norma que permite considerar o imóvel adquirido no ano de 1999, nem sequer considera ou pondera as normas do CIRS invocadas pelo recorrente (arts. 46º, nº 3 e 50º, nº 1, al. a)».

No entender do Requerente, «esta decisão refere uma "transformação consciente e deliberada numa realidade jurídica e económica não existente antes da entrada em vigor do CIRS" e "será difícil deixar de concluir que, em virtude das alterações jurídicas e de facto realizadas no e sobre o imóvel em 1998, o conteúdo do direito de propriedade adquirido em 1977 e, bem assim, a realidade jurídica e económica inicialmente adquirida foram totalmente alterados pelos contribuinte em 1998, ou seja depois da entrada em vigor do CIRS", mas não sustenta em qualquer norma do CIRS a posição de considerar o prédio adquirido em data posterior à entrada em vigor deste Código». «Também não especifica em termos de matéria de facto as obras feitas que lhe permite concluir que não se trataram de obras de reparação e beneficiação».

Vale aqui o que se referiu em relação à fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, designadamente porque não se adoptou «a posição de considerar o prédio adquirido em data posterior à entrada em vigor» do CIRS.

Por outro lado, a decisão do recurso hierárquico não é uma decisão primária, tendo subjacentes as decisões de alteração da matéria colectável, as liquidações e a decisão da reclamação graciosa, para que remete, explícita ou implicitamente, quando laz referência a pontos nelas apreciados.

Por isso, não tinha a decisão do recurso hierárquico, que tem como objecto imediato a decisão da reclamação graciosa, especificar as obras que foram consideradas para formular o juízo sobre a sua natureza de obras que não eram de mera beneficiação ou reparação.

Neste contexto, é perceptível que as obras que se entendeu que não se consideraram de reparação e beneficiação são as mesmas que foram referidas na fundamentação das alterações da matéria colectável, como aliás se refere explicitamente no parecer para que remete a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, ao dizer-se:

 

Ora, analisadas as alegações do contribuinte, nenhuma dúvida nos resta de que, independente da extensão das mesmas, as obras realizadas em 1998 visaram transformar (e não apenas beneficiar ou reparar) um imóvel unifamiliar em três fracções totalmente autónomas entre si (com três saídas autónomas para a rua ou para partes comuns, com três cozinhas e com todas as demais condições legalmente previstas para a sua autonomização jurídica) e o direito de propriedade sobre um único bem no direito de propriedade sobre três bens que o próprio contribuinte tornou, física e juridicamente, autónomos e distintos. Nessa medida, será difícil deixar de concluir que, em virtude das alterações jurídicas e de facto realizadas no e sobre o imóvel em 1998, o conteúdo do direito de propriedade adquirido em 1977 e, bem assim, a realidade jurídica e económica inicialmente adquirida foram totalmente alterados pelo contribuinte em 1998, ou seja, depois da entrada em vigor do CIRS, pelo que deixou de se poder considerar preenchida a previsão do art. 5.º do DL nº 442-A/88, de 30/11 — sem que com isso se esteja a violar qualquer princípio da tipicidade, já que a consequência da conclusão defendida é, precisamente, a aplicabilidade à situação em análise da regra geral de tributação dos rendimentos de mais-valias prevista no CIRS».

 

Assim, a decisão do recurso hierárquico também não enferma do vício de deficiência de fundamentação que o Requerente lhe imputa.

 

Decisão:

 

Nestes termos, acordam os Árbitros neste Tribunal Arbitral em julgar improcedentes os pedidos de anulação dos actos de liquidação de IRS relativos aos anos de 2006 e 2007 formulados pelo Requerente, absolvendo dos pedidos a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 209.660,75.

 

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.282,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente

Lisboa, 16-11-2012

 

Os Árbitros

 

 

 

Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente)

 

 

 

Dr. António Lobo Xavier

 

 

 

 

Dr. Luís M. S. Oliveira

 

 

1(  ) Nesta linha, defende LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 1996, página 314, que a eficácia do negócio constitutivo da propriedade horizontal, em tudo o que pressuponha a pluralidade de condóminos, fica dependente da conditio iuris da alienação de alguma fracção.

2(  ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: de 4-11-1998, proferido no recurso n.º 40618; de 10-3-1999, proferido no recurso n.º 32796; de 6-6-1999, proferido no recurso n.º 42142; de 9-2-2000, proferido no recurso n.º 44018; de 28-3-2000, proferido no recurso n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, proferido no recurso n.º 40618; de 14-11-2001, proferido no recurso n.º 39559; de 18-12-2002, proferido no recurso n.º 48366.