Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2014-T
Data da decisão: 2014-09-17  IRC  
Valor do pedido: € 5.421,00
Tema: IRC - Grupo de Sociedades/ Prejuízo Fiscal / Gastos Financeiros /Suprimentos.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1.  A, Pessoa Colectiva n.º …, com sede na …, …, na qualidade de sociedade incorporante da sociedade B SGPS, S.A., Pessoa Colectiva no …, com sede no .., (de ora em diante "Requerente"), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade da a liquidação adicional de IRC, n.º ...74, relativa ao exercício de 2007, da qual resulta, após compensação, um valor a pagar de € 5.421,00.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-02-2014.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 20-03-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04-04-2014.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

  1. Foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

  1. As partes, conforme vontade manifestada, apresentaram alegações por escrito, reafirmando as respetivas posições.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

  1. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-  A sociedade Requerente - A – no decurso de um processo de fusão por incorporação, incorporou a sociedade B SGPS, S.A.

2-  Em Agosto de 2011 a Autoridade Tributária (AT) emitiu a liquidação adicional de IRC, nº ...74, relativa ao exercício de 2007, da qual resulta, após compensação, um valor a pagar de €5.421,00.

3-  A correcção efectuada à matéria colectável do grupo de sociedades, consubstancia uma alteração à matéria colectável da Requerente no montante de €20.580,51, passando esta de €13.239.526,99, para €13.260.107,50, e decorre de uma outra correcção no montante de €20.580,51 ao prejuízo fiscal declarado da sociedade C, por custos escriturados (considerados para efeitos fiscais) e considerados, pela AT, não dedutíveis para efeitos de apuramento do resultado fiscal.

4-  Aquela correção surge na sequência do Relatório de Fiscalização Tributária (doravante Relatório …) elaborado no decurso da análise interna à declaração de rendimentos de IRC (Modelo 22) do Grupo de Sociedades, da qual a Requerente é a sociedade dominante.

5-  Do referido Relatório de Fiscalização consta, para além do mais, o seguinte:

“A C escriturou, em 2008, na Conta “6813000000 – Custos e Perdas Financeiras – Juros de Out Emprest Obtidos (...) e considerou fiscalmente o valor global de € 20.580,51”.

“O valor considerado fiscalmente, quantificado no parágrafo anterior, é relativo à remuneração de, entre outros, um empréstimo obtido, no valor de €490.000,00 e conforme CONTRATO DE SUPRIMENTO celebrado, em 28/03/2007, entre C (mutuária) e a entidade D” (mutuante)”.

“no que respeita à sua actividade operacional, declarou proveitos nulos para efeitos fiscais”

“na presença de gastos financeiros suportados no valor de €20.580,21, sem que a C exerça qualquer tipo de actividade efectiva e de acordo com o seu pacto social”

6-  Não concordando com as correcções, e a consequente a liquidação, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa.

7-  O supra mencionado processo de Reclamação Graciosa foi expressamente indeferido por Despacho de 04/01/2012 do Chede do Serviço de Finanças ... – 1º.

8-  Não se conformando com o referido indeferimento a Requerente apresentou do mesmo Recurso Hierárquico, que foi indeferido por Despacho de 23/10/2013 do Director de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Divisão Administrativa, por subdelegação de competências.

9-  A Requerente prestou garantia bancária, com o objectivo de suspender o processo executivo instaurado pela AT por não pagamento da liquidação objeto dos presentes autos.

10-   A sociedade “C” foi constituída no ano de 1995, e tinha no seu património dois imóveis, um com um VPT de €712.216,53 e outro com um VPT de € 36.670,16, sendo ambos localizados na freguesia de ..., ....

11-   O objecto social daquele referida sociedade consistia na “compra e venda de imóveis, construção e promoção de empreendimentos imobiliários e turísticos e de quaisquer obras de construção”.

12-   Ao longo da sua existência, e até à final de 2007, a referida sociedade (C) nunca declarou a realização de qualquer operação inerente ao seu objecto social.

13-   O capital social era, em 31/12/2007, integralmente detido pela sociedade “D”.

14-   No ano de 2007, a Requerente obteve um financiamento junto do seu acionista no montante de €490.000,00.

15-   Durante o período de 2007, as rubricas relativas a existências não evidenciaram qualquer movimento de compras e ou vendas.

16-   Relativamente ao mesmo período (2007) declarou apenas a título de proveitos: proveitos financeiros (“outros juros e proveitos similares”) no montante de €500,02.

17-   Os imóveis supra referidos em 10, foram adquiridos com o propósito de ser vendidos.

18-   Por diversas razões, alheias à vontade da sociedade C, e que estão associadas a especificidades dos próprios imóveis e à crise do sector imobiliário, os mesmos ainda não foram vendidos.

19-   É, e sempre foi, propósito da sociedade C proceder à venda dos referidos imóveis.

20-   No que concerne ao empréstimo obtido em 2007, no valor de €490.000.000, acima referido em 14, serviu em parte para pagar um outro empréstimo que a sociedade C, havia contraído anteriormente, no montante de €330.000,00, e que se venceu no exercício de 2008.

21-   Este empréstimo de €330.000,00 foi contraído em 23/04/2001 e deveria ser reembolsado na íntegra em 366 dias, tendo no entanto sido prorrogado automaticamente por período iguais e sucessivos conforme previsto no contrato de suprimento, tendo apenas sido amortizado em 28/03/2007.

22-   O empréstimo de €330.000,00 teve como propósito dotar a Requerente dos meios financeiros necessários ao normal desenvolvimento da sua actividade, nomeadamente custos relacionados com a tributação dos imóveis, como é o caso do IMI, e custos administrativos, tais como os relacionados com a promoção, serviços de auditoria e contabilidade.

23-   O valor remanescente do empréstimo, no montante de €150.000,00 teve o propósito de dotar a sociedade C dos meios financeiros necessários à manutenção e desenvolvimento da sua actividade.

24-   A sociedade D – sociedade que detém 100% do capital social da C, e que efetuou o empréstimo e recebeu os correspondentes juros, viu estes tributados em sede de IRC, pelo RETGS.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Os factos constantes dos pontos 1 a 15 e 23, são, de resto, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

Os restantes factos resultam da livre apreciação da prova pelo tribunal, de acordo com um critério de normalidade e tendo em conta a experiência comum das coisas, tendo sido tido em especial conta a prova testemunhal produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas E, F e G, que depuseram de forma serena, confiante e revelando conhecimento direto dos factos, o que lhe garantiu credibilidade.

Concretamente, e de forma coerente com os elementos documentais disponíveis, as testemunhas indicadas atestaram que a sociedade “C” tinha custos operacionais, desde a sua constituição, no ano de 1995, na casa dos €25/30.000,00, que se foram acumulando e que foram sendo financiados com base em crédito bancário, sendo que os suprimentos prestados em 2007, referidos na matéria de facto supra, se destinaram a liquidar os financiamentos então em dívida e a proporcionar algum fundo de maneio à sociedade.

Não se deram como provados ou não provados factos individualizados pela Requerente apenas nas suas alegações.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Em causa no presente processo está a questão da apurar a legalidade da correção efetuada pela AT à matéria colectável da Requerente no montante de €20.580,51, passando esta de €13.239.526,99, para €13.260.107,50, decorrente da correcção no montante de €20.580,51 ao prejuízo fiscal declarado da sociedade C, por custos escriturados (considerados para efeitos fiscais) e entendidos como não dedutíveis para efeitos de apuramento do resultado fiscal.

            Antes, porém, de entrar no fundo da questão propriamente dita, nos termos enunciados, cumpre clarificar uma outra, incidentalmente suscitada pelas partes, que se prende com apurar a quem incumbe o ónus da prova no caso sub iudice.

            Efectivamente, entende a Requerente que “Caso a AT pretenda liquidar imposto superior ao declarado, deverá necessariamente afastar a referida presunção de verdade.” do artigo 75.º da LGT, de que gozaria em razão do facto de a sua contabilidade estar regularmente organizada.

            Aponta ainda a Requerente que “Se o contribuinte cumpriu com os seus deveres de organização da contabilidade, bem como com os seus deveres de documentação fiscal e declarativos, o mesmo beneficia de uma presunção traduzida na dispensa do ónus da prova de que as informações declaradas e comprovadas nos documentos de suporte, correspondem à verdade, em termos de quantificação e qualificação, e logo, que o rendimento declarado corresponde ao rendimento real efectivamente obtido”.

            Conclui, assim, que “a presunção de veracidade não passa ao lado do ónus da prova da indispensabilidade, como pretende fazer crer a AT. Muito pelo contrário ... A presunção de verdade dispensa o sujeito passivo do ónus da prova da indispensabilidade.”.

            Já a AT, arrimando-se em decisões proferidas pela TCA-Sul[1], pugna pelo entendimento de que  «Se contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade».

 

*

            Ressalvado todo o respeito devido quer à entidade demandada, quer ao Tribunal autor da jurisprudência em que se sustenta na matéria em causa, entende-se que a razão está do lado da Requerente.

            Com efeito, e desde logo, afigura-se de difícil aceitação um entendimento, como será corolário da jurisprudência citada, que defira à AT uma faculdade – discricionária e incondicionada – de pelo mero ato de “questionar” o contribuinte que possua a contabilidade devidamente organizada – encargo que, como é notório, não é de pouca monta - lhe impor o ónus da demonstração da indispensabilidade de – no limite – todos os gastos que contabilizou. Antes, afigura-se proporcional e equilibrado que tal apenas se dê se, e desde que, a AT demonstre que a contabilidade do contribuinte em questão apresente falhas ou deficiências.

            Por outro lado, entende-se que a devida compreensão do sentido e alcance do normativo plasmado no n.º1 do artigo 75.º da LGT[2] inculca fortemente uma resposta em sentido divergente, do cristalizado na jurisprudência citada pela AT.

            De facto, a veracidade dos dados na contabilidade ou escrita do contribuinte, não poderá, julga-se, deixar de se reportar aos pressupostos de facto subjacentes à correcção da respectiva inserção contabilística efetuada pelo contribuinte.

            Deste modo, caso o contribuinte com a contabilidade devidamente organizada inscreva determinado gasto numa conta relativa a gastos fiscalmente dedutíveis, tal tem subjacente a verificação/veracidade de todos os pressupostos que licenciam tal inscrição, incluindo sua necessidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. É que, a não verificação de tal pressuposto, implicaria a sua inscrição numa conta distinta[3], pelo que, nesses casos – de o gasto contabilizado como dedutível não se verificar em função da necessidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora – a contabilidade não estará regularmente efetuada, uma vez que terá registado como fiscalmente dedutível um gasto que não o seria.

            Assim, sempre o “questionar” pela AT da verificação da necessidade de um gasto, inscrito como fiscalmente dedutível numa contabilidade devidamente organizada, para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, corresponderá, de forma direta, ao “questionar” da veracidade da inscrição contabilística desse mesmo gasto.

            Não se vê, assim, como é que, face ao teor da própria previsão normativa do artigo 75.º, número 1, da LGT, se poderá deixar de considerar abrangida pela presunção de veracidade ali consagrada, a necessidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora de um gasto inscrito como dedutível, numa contabilidade devidamente organizada.

            Não se considera obstar a este entendimento, o argumento de que será o sujeito passivo, enquanto autor do gasto, que estará em melhores condições de demonstrar a essencialidade do mesmo, desde logo porquanto tal argumento serviria para qualquer outra situação abrangida pela presunção do artigo 75.º/1 da LGT[4]. Por outro lado, estando a contabilidade devidamente organizada – o que implica, consabidamente, o cumprimento dos vários deveres acessórios que a esse propósito o Estado impõe aos seus contribuintes – facultam-se à AT duas vias que, na matéria, se deverão ter por adequadas e suficientes:

a)      ou demonstra que a contabilidade não está devidamente organizada, designadamente porque há elementos deficiente ou em falta;

b)      ou face aos elementos desta – que aceita como devidamente organizada – demonstra incorreção da inscrição do gasto como fiscalmente dedutível.

O que não se afigura aceitável é impor ao contribuinte o encargo – cada vez mais pesado – de manter uma contabilidade devidamente organizada e, ao mesmo tempo, a obrigação de, a pedido, demonstrar um pressuposto tão abrangentemente essencial daquela, como seja o da necessidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora de um gasto inscrito como fiscalmente dedutível.

De resto, uma análise mais aprofundada do regime legal da matéria em questão, apontará igualmente no sentido da solução que aqui se propugna. Com efeito, e como se pode ler no sumário do Ac. do TCA-Norte de 12-01-2012, proferido no processo 00624/05.0BEPRT, “O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”. Ora, face à consabida dificuldade de prova de factos negativos, dever-se-á ter também por juridicamente mais adequado a atribuição à AT do ónus de, face a uma contabilidade devidamente organizada, demonstrar que determinados gastos se dirigiram à prossecução de concretos interesses alheios à empresa, do que atribuir ao contribuinte, pelo mero “questionar” da AT, o encargo de afastar todos os interesses possíveis e imagináveis que, para além do da empresa, possam ter motivado os seus gastos.

Nestes termos, entende-se que a necessidade dos gastos devidamente contabilizados encontra-se abrangida pela presunção do artigo 75.º/1 da LGT, entendimento este que tem também eco na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, podendo encontrar-se, por exemplo, nos seguintes arestos:

-                          Ac. do STA de 28/09/2011, proferido no processo 0494/11, onde se pode ler: “Para o efeito, importa primeiramente relembrar que é à Administração Tributária que cabe o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correcções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar um custo contabilizado ou a alterar o seu valor, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT e artigo 78.º do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que esses custos são fiscalmente relevantes, isto é, que foram realmente suportados e que eram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”;

-                           Ac. do STA de 29/3/2006, proferido no processo 01236/05[5], onde se pode ler que: “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.

Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (sublinhados nossos).

-                          Ac. do TCA-Sul de 27-03-2012, proferido no processo 05312/12, onde se pode ler que “É seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus provatório da indispensabilidade dos seus custos.”[6];

 

*

Determinados, nos termos que vêm de se apresentar, os encargos processuais das partes no presente processo, no que ao ónus da prova diz respeito, cumpre então apurar se, face aos factos dados como provados, se pode concluir que, nas palavras da jurisprudência que nos orienta, os gastos em questão nos autos “não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”, se “foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.”, se em suma, as despesas contabilizadas pela Requerente como dedutíveis “foram abusivamente contabilizadas como tal”.

No quadro factual apurado, e outro não era possível desenhar tendo em conta os factos trazidos pelas partes a este Tribunal arbitral, a resposta não poderá – crê-se – ser outra que não negativa.

Efetivamente, face à matéria de facto acima elencada, não é possível concluir, minimamente, que os encargos relativo à remuneração do empréstimo obtido, no valor de €490.000,00 e conforme contrato de suprimento celebrado, em 28/03/2007, entre C e a D empreendimentos imobiliários, tenha visado finalidade estranhas à atividade económica daquela empresa.

Com efeito, do quadro factual apurado não se pode retirar que o financiamento em questão tenha sido inquestionavelmente desproporcionado para uma empresa com cerca de 12 anos, à data, que não se demonstra que não tenha tido funcionamento, e que não teve qualquer proveito. Não resulta igualmente que a empresa em questão não tenha qualquer propósito económico – que não tenha existência, no fundo, enquanto tal. Não se demonstra também, por fim, qual o interesse ou finalidade prosseguido com o financiamento em causa, que seja estranho ao funcionamento ou atividade da mesma.

Neste quadro, e sem necessidade demais considerações, deverá a liquidação objeto dos presentes autos, atento o seu erro de facto e de direito, ser anulada, procedendo o pedido formulado pela Requerente.

 

*

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Esta matéria foi objecto já de decisão no âmbito, entre outros, do processo arbitral do CAAD, n.º 1/2013T, nos termos que ora se transcrevem

“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                               1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

                               2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                               3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                               4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro do acto de liquidação, consubstanciado na desconsideração dos encargos financeiros relativos ao reembolso de suprimentos à sociedade D, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente su...u para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução deste acórdão.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o ato tributário objeto dos presentes autos;

b)      Condenar a AT na indemnização por prestação de garantia indevida, no montante que se vier a fixar em execução de sentença;

c)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €612,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €5.421,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

17 de Setembro de 2014

 

 

O Árbitro

 

 

(José Pedro Carvalho)



[1] Cfr. a título exemplificativo o Ac. do referido Tribuanl de 26-10-2012, proferido no âmbito do acórdão n.º 05014/11, citado pela AT, disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem indicação de outra proveniência.

[2] “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

[3] Cfr., p. ex., Mário Portugal in Tributações autónomas, gastos e encargos não fiscais”, Revista TOC, n.º 143, p. 39, que sugere a sua inscrição numa subconta 68882.

[4] No limite, sempre se poderia dizer que enquanto autor da declaração fiscal e da sua própria contabildiade, o sujeito passivo estaria sempre em melhores condições do que a AT para demonstrar a veracidade das suas declarações, bem como das inscrições a apuramentos daquela.

[5] Reafirmado no Ac. do mesmo Tribunal de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11.

[6] Este Acórdão aborda, de seguida, uma questão distinta, que é a de determinar a extensão dos ónus probatórios de cada uma das partes, aplicando um entendimento sememlhante ao que tem sido por regra jurisprudencialmente seguido, em matéria de faturas falsas.