Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 850/2019-T
Data da decisão: 2020-07-29  IRC  
Valor do pedido: € 24.584,35
Tema: IRC - caducidade do direito de ação
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

a) Partes e pedido de pronúncia arbitral

 

1. A..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Peniche (a seguir, a Requerente), apresentou, em 11.12.2019, com base na invocação dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral (a seguir abreviadamente PI), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticiona a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2017 com o n.º 2019... e da correspondente liquidação de juros compensatórios no valor global de €24.584,35 quanto a não ter sido computado o regime fiscal previsto no artigo 48.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) relativamente a imóvel sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na respetiva matriz sob o n.º... .

 

b) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo e a cuja designação as partes não apresentaram recusa.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 5.3.2020.

 

c) Evolução processual

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2017 com o n.º 2019 ... na parte em que não foi considerado o regime fiscal previsto no artigo 48.º do CIRC relativamente a imóvel sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o n.º..., bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, no montante total de €24.584,35, com consequente reembolso dos valores de IRC e de juros compensatórios pagos, acrescido dos juros indemnizatórios desde a data em que esse pagamento ocorreu e a data do reembolso.

Em sustentação do assim peticionado, alegou a Requerente, em síntese, que:

i) em 22.3.2017 alienou por €500.000,00 o prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o n.º..., que tinha adquirido por ato notarial de 30.5.2015, retificado a 25.11.2016, pelo valor de €283.943,50;

ii) apurou assim uma mais-valia de €216.056,50, pelo que deduziu a mais-valia contabilística na linha 767 do quadro 07 e acresceu 50% da mais valia-fiscal, por considerar aplicável o artigo 48.º do CIRC, o que foi corrigido pela AT que rejeitou a aplicação desse regime legal por o prédio em questão ser uma propriedade de investimento e não um ativo fixo tangível;

iii) o prédio em questão é indiscutivelmente um ativo fixo tangível, tendo em conta a definição da NCRF 7, não podendo ser classificado como propriedade de investimento à luz da NCRF 11, nem aplicado o disposto no n.º 10 do art. 48.º do CIRC, pois foi adquirido com o objetivo de vir a ser utilizado na prestação de um conjunto de serviços a empresas, designadamente PMEs, ‘startups’, delegações comerciais e outras, sob a marca '...';

iv) o enquadramento contabilístico e fiscal é determinado pela afetação real do ativo, pelo que mesmo que a intenção inicial pudesse ser a compra para revenda, houve lugar à afetação do prédio à finalidade de prestação de serviços a empresas, dados os atos praticados no sentido da viabilização dessa atividade, ainda que sem arranque efetivo de um novo centro empresarial no edifício, sendo efetivamente nesse sentido que a Requerente trabalhou, até lhe surgir a oportunidade de vender o imóvel em 2017.

 

5. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta (a seguir abreviadamente R.) em que se defendeu por exceção e por impugnação, nos termos que a seguir se sumariam:

a) por exceção, invocou a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral por não ter sido respeitado o prazo de 90 dias estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, tendo em atenção que a data limite de pagamento indicada na demonstração de acerto de contas foi o dia 11.09.2019 e que o pedido arbitral foi submetido na plataforma do CAAD no dia 11.12.2019;

b) por impugnação, convocando o Relatório de Inspeção Tributária, sustentou que a correção controvertida cumpre cabalmente as disposições fiscais e contabilísticas aplicáveis, porquanto, para além de o imóvel ter sido reconhecido nas contas da sociedade e nas respetivas Demonstrações Financeiras (Balanço) como propriedade de investimento, mesmo que o imóvel efetivamente tivesse sido utilizado para os fins a que se destinava (já que nunca chegou a ser efetuada qualquer alteração ao imóvel - o valor de aquisição manteve-se inalterado até à venda -, tendo sido alienado no mesmo estado em que foi adquirido), a verdade é que a finalidade que a Requerente tencionava prosseguir era, indubitavelmente, o arrendamento das frações do imóvel e a obtenção de rendas, em torno do qual seriam prestados os restantes serviços conexos, pelo que, à luz da normalização contabilística, o imóvel, em substância, não era um ativo fixo tangível, sendo ainda certo que competia à Requerente a comprovação da afetação do mesmo, o que não realizou.

 

6. Em face da dedução pela AT da exceção de intempestividade do pedido arbitral, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo e na determinação das regras a observar consagrado no art. 16.º, al. c) do RJAT e em ordem ao cumprimento do disposto nas als. a) e b) do mesmo art. 16.º, designadamente para exercício do contraditório, determinou, por despacho de 27.4.2020, a notificação da Requerente para, querendo, se pronunciar por escrito sobre a matéria da exceção, o que não foi concretizado pela Requerente.

Por despacho de 22.6.2020, o Tribunal Arbitral, dado que não foi requerida a produção de meios de prova constituendos e que os autos incorporam a prova documental apresentada pela Requerente e a constante do procedimento administrativo, dispensou a realização da reunião prevista no n.º 1 do art. 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas sucessivas, o que foi realizado apenas pela AT, conforme alegações apresentadas em 15.7.2020, na qual, em defesa da legalidade da liquidação controvertida, reiterou per relationem os argumentos aduzidos na Resposta.

 

7. Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, foi designado o dia 5.9.2020 como data final para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

 

8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, para a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRC e da liquidação de juros compensatórios aqui sindicadas.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

Cabe, em consequência, proferir decisão.

 

III. Questões a apreciar

 

9. O thema decidendum respeita à legalidade da liquidação adicional de IRC com o n.º 2019 ... relativa ao exercício de 2017 e da correspondente liquidação de juros compensatórios, por não ter sido considerado o regime fiscal de reinvestimento do valor de realização previsto no artigo 48.º do CIRC relativamente ao imóvel, alienado pela Requerente, sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o n.º..., constituindo a questão específica a dirimir saber se tal prédio pode ser qualificado, em substância e de acordo com o normativo contabilístico, como ativo fixo tangível, para efeitos de enquadramento naquele regime do art. 48.º do CIRC.

Previamente, é necessário apreciar a questão suscitada pela Requerida, em atenção ao disposto na al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT, sobre a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

IV-A. Factos provados

 

10. Examinadas as alegações formuladas nas peças processuais apresentadas pelas partes e os documentos juntos à PI e constantes do procedimento administrativo (a seguir PA) junto aos autos, constituído pelo Relatório de Inspeção Tributária (a seguir RIT) e demais elementos do procedimento de inspeção tributária, o Tribunal Arbitral julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I.  A Requerente tem como objeto social a gestão, exploração e arrendamento de imóveis próprios ou de terceiros, assim como a compra, venda e revenda de prédios rústicos e urbanos, a indústria da construção civil, o investimento no sector turístico e a realização de estudos técnicos e económicos relacionados com as referidas atividades (cfr. asserção fáctica não contraditada constante do RIT, ponto II.3).

II. A Requerente alienou, pelo preço de €500.000,00, o prédio urbano sito em..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o n.º..., por escritura pública outorgada em 22.03.2017, prédio esse que foi adquirido pelo montante de €283.943,50 por ato notarial de 30.5.2015, retificado em 25.11.2016 (factualidade assente por acordo atento o conteúdo dos arts. 4.º e 5.º da PI e 6.º da R. e o teor do ponto n.º III.2 do RIT).

III. A Requerente reconheceu o prédio na sua contabilidade como propriedade de investimento na conta 452114, tendo com a venda apurado uma mais-valia contabilística e fiscal de €216.056,50, em que deduziu a mais-valia contabilística na linha 767 do quadro 07 da declaração modelo 22 e acresceu 50% da mais-valia fiscal que apurou por considerar aplicável o regime do art. 48.º do CIRC (factualidade assente por acordo atento o teor dos arts. 6.º da PI e 7.º e 8.º da R. e o teor do ponto n.º III.2 do RIT).

IV. A Requerente foi sujeita, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., a ação inspetiva interna com âmbito parcial relativo ao IRC, que incidiu sobre a análise do dossier fiscal do período de tributação de 2017 e teve como objetivo o controlo de mais-valias (cfr. RIT, ponto II.2).

V. Após notificação, pelo Ofício DIT ..., datado de 22.4.2019, do Projeto de correções do Relatório de Inspeção para exercício do direito de audição (cfr. doc. n.º 3 à PI e fls., não numeradas, do PA), a Requerente foi notificada por Ofício, de 27.5.2019, do RIT (cfr. fls., não numeradas, do PA), no qual, no que importa para os presentes autos, se considerou o seguinte, que se transcreve (RIT, ponto n.º III.2):

“III.2. Aplicação do regime do artigo 48º do CIRC – reinvestimento dos valores de realização no período de tributação em análise o sujeito passivo alienou por 500.000,00 o prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o nº..., por escritura pública de 22/03/2017.

O prédio veio à posse de A... por ato notarial de 30/05/2015, o qual foi retificado no que respeita ao valor atribuído ao bem por escritura de 25/11/2016, sendo o valor de aquisição de 283.943,50.

A inspecionada reconheceu o prédio na sua contabilidade como propriedade de investimento na conta 45211, tendo com a venda apurado mais valia contabilística na linha 767 do quadro 07 e acresceu 50% da mais valia fiscal que apurou por considerar aplicável o regime do artigo 48º do CIRC. (...)

Conforme decorre do n.º 1 do artigo 48º do CIRC a exclusão de tributação ali prevista apenas está prevista, nas condições ali indicadas, relativamente ao saldo positivo entre as mais e menos valias fiscais apuradas com a transmissão onerosa de:

a) Ativos fixos tangíveis;

b) Ativos intangíveis, e

c) Ativos biológicos não consumíveis.

Com a redação dada pela Lei 2/2016 de 14 de janeiro ao artigo 48º do CIRC os ganhos com a transmissão [d]e propriedades de investimento deixaram de beneficiar do reinvestimento dos valores de realização.

Nem sequer é admissível errada classificação contabilística do prédio por parte da inspecionada dado que, face à normalização contabilística:

a) O prédio é um bem físico, logo não pode ser um ativo intangível (NCRF 6 – Intangíveis);

b) Um ativo biológico “é um animal ou plantas vivos”, cf. parágrafo 6 da NCRF 17, não se aplicando ao ativo em analise;

c) São ativos fixos tangíveis, nos termos definidos na NCRF 7, os itens detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos. Se os bens foram terrenos ou edifícios que estejam arrendados está especificamente previsto o seu tratamento na NCRF 11 (propriedades de investimento);

d) Ainda que atividade desenvolvida respeite a detenção de imóveis para rendimento (rendas, valorização a longo prazo, ...) “Numa empresa cuja principal atividade é a detenção de imóveis para rendimento, esses imóveis deverão ser considerados Propriedades de investimento ou Ativos fixos tangíveis, dado que são o objecto social da empresa?[...] Resposta (em 23JUN2010): - Uma entidade que detenha imóveis para rendimento, seja ou não essa a sua principal atividade, deve, no correspondente tratamento contabilístico, observar o disposto na NCRF 11 – Propriedades de investimento.

A NCRF 11 define propriedade de investimento como sendo a propriedade (terreno ou edifício) detida para obter rendas e/ou para valorização do capital e não para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, ou para finalidades administrativas ou venda no curso ordinário do negócio. Os seus §§ 10 a 15 proporcionam orientação sobre a qualificação de uma propriedade como propriedade de investimento quando tal propriedade é usada para fins múltiplos.

A NCRF 7 define ativos fixos tangíveis como sendo os itens detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos. Esta definição abrange, assim, muitas outras categorias de ativos, para além dos terrenos e edifícios, que poderão ser objecto de arrendamento. Se, porém, for um terreno ou um edifício o ativo que esteja arrendado, então há que apelar à norma que especificamente trata estas situações (a NCRF 11) e não à NCRF 7. Situação similar se encontra, por exemplo, na qualificação como ativos de itens intangíveis no âmbito da exploração e avaliação de recursos minerais (NCRF 16), versus a sua qualificação nos termos da NCRF 6 – Ativos intangíveis.” Cf. FAQ 16 da Comissão de Normalização Contabilística (...).

A normalização contabilística é aplicável em termos fiscais face ao disposto [no art.] 17º nºs 1 e 3 a) do CIRC, pelo que sendo o prédio em análise uma propriedade de investimento encontra-se excluíd[o] da aplicação do regime do artigo 48º do CIRC pelo que na linha 740 do quadro 07 deverá ser acrescido os restantes 50%, ou seja, 108.028,25”.

VI. A Requerente exerceu o direito de audição sobre o Projeto de RIT por exposição datada de 28.5.2019, conforme doc. n.º 4 à PI, que aqui se dá por reproduzido, na qual, depois de invocar que o ofício DIT ... de notificação para exercício do direito de audição, “apesar de corretamente endereçado, não foi entregue nesse endereço nem a pessoa ligada à A...” pois “[f]oi recebido (e o aviso foi assinado) por uma empregada doméstica de uma pessoa sem qualquer relação com a A..., a qual, por se encontrar em viagem, só vários dias mais tarde se apercebeu do destinatário da carta e a fez chegar à A... por mão própria, no dia 20 de Maio”, alegou, relativamente à matéria aqui em julgamento, que “o prédio em questão, à luz das definições da Normalização Contabilística não pode ser classificado como “propriedade de investimento”, pelo que o citado n.º 10 do artigo 48º do CIRC não lhe é aplicável”, porquanto:

“Na realidade, o prédio em causa foi adquirido pela A... com o objetivo de vir a ser utilizado na prestação de um conjunto de serviços a empresas, designadamente PMEs, ‘startups’, delegações comerciais e outras, sob a marca '.... Mais de mera intenção, esta marca de serviços foi iniciada há vários anos em ...– Santo Tirso, com projetos de expansão e implantação para áreas como o Algarve, a margem sul de Lisboa e ... . Sob a marca '...', a A... projetou vir a explorar no referido prédio uma atividade que envolve um conjunto modular de serviços como receção, estafetas, reservas, vigilância, reprodução, digitalização e impressão de documentos, telecomunicações, atendimento telefónico, rede informática, cafetaria, catering, acesso a rede de gás natural, segurança contra incêndio, posto médico, aluguer de suporte de publicidade, soluções de co-working (instalações e logística partilhadas), entre outros. Esta atividade de prestação de serviços a empresas faz parte do objeto social e do negócio normal da A..., e justifica o enquadramento do prédio em questão como ativo fixo tangível, sem que deva ser considerado como propriedade de investimento”.

VII. Sobre esta exposição, foi emitida a Informação datada de 31.5.2019, epigrafada “Análise de direito de audição relativo ao procedimento inspetivo OI2019... recebido neste serviço após o encerramento da ação inspetiva”, notificada à Requerente pelo Ofício n.º SPGAI-... de 6.6.2019, conforme doc. n.º 5 à PI e fls., não numeradas, do PA, na qual, depois de se referir que “[m]uito embora a pronúncia do sujeito passivo seja extemporânea, o motivo de tal facto seja alheio à Autoridade Tributária, uma vez que, foram cumpridos os [re]quisitos legais quanto à forma, prazos e envio para a morada da sede, considerando os princípios da cooperação e da boa fé que devem sempre presidir às relações entre a Administração e os contribuintes, procede-se à análise do aduzido pelo sujeito passivo”, se considerou o seguinte quanto à correção sub judice:

“O sujeito passivo refere que o prédio foi adquirido para ser utilizado na prestação de serviços sob a marca ... .

Aquando da aquisição de prédio por escritura de redução de capital celebrada a 30/07/2015. em que o prédio consta na verba 6 com valor de 500.000,00 mas retificado para 283.943,50 por retificação de 25/11/2016 foi evidenciado em mercadorias conta 321029 em 2015, pelo que a finalidade do prédio aquando da aquisição foi a venda.

No ano da venda constava na contabilidade como propriedade de investimento pelo valor da escritura de retificação. Ora a reclassificação de e para propriedades de investimento encontra-se prevista nos parágrafos 59 a 67 da NCRF 11, onde consta expressamente que apenas ocorrem a transferência apenas e quando houver alteração do uso. O sujeito passivo ao alterar a classificação inicial terá tido em conta o uso a dar ao imóvel.

Pela análise do valor pelo qual o prédio consta na contabilidade conclui-se que não houve qualquer reconhecimento subsequente, na medida em que o reconhecimento subsequente verifica-se quando são acrescidas/substituídas partes do prédio ou manutenção suscetível de alterar a vida útil, conforme parágrafos 17 e 18 da NCRF 11. Situação similar ocorre com as propriedades que se qualificam como ativo fixo tangível conforme parágrafos 13 e 14 da NCRF7. Face ao exposto o sujeito passivo conclui-se que não incorreu em custos subsequentes à aquisição para os fins que indicou que o imóvel se destinava, ou seja, adaptação de armazéns para espaço para albergar ou preparado para prestar os serviços que elencou. (...)

Caso o imóvel cuja qualificação o sujeito passivo discorda, tivesse sido adaptado para utilização com o mesmo fim do imóvel ... de Santo Tirso, e tomando por base o faturado e apresentado no quadro anterior verifica-se o disposto no paragrafo 11 da NCRF 11 e como tal classificar-se-ia como propriedade de investimento.

Em síntese, o sujeito passivo refere que o prédio é um ativo fixo tangível mas nada do aduzido a esse respeito e documentos apresentados sustentam [tal] classificação antes pelo contrário, pois reforçam que é uma propriedade de investimento.

VIII. No seguimento das correções promovidas pelo RIT, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2019..., com data de 31.7.2019, a liquidação de juros compensatórios com os n.ºs 2019... e 2019... e a demonstração de acerto de contas n.º 2019..., que determina valor a pagar de €24.584,35 e na qual consta como data limite de pagamento o dia 11.09.2019 (cfr. os documentos juntos agregadamente como doc. n.º 1 à PI).

IX. A Requerente foi notificada da indicada liquidação de IRC no dia 10.8.2019, que constituiu o 5.º dia posterior ao registo da disponibilização na caixa postal eletrónica (cfr. os documentos de liquidação e de acerto de contas constantes do doc. n.º 1 à PI e o reconhecimento de facto objeto do art. 2.º da PI).

X. A Requerente procedeu ao pagamento do saldo apurado na demonstração de acerto de contas n.º 2019... de €24.584,35 em 27.8.2019, conforme comprovativo bancário junto como doc. n.º 2 à PI.

XI. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pela Requerente no dia 11.12.2019, às 20:54, conforme indicado na plataforma informática do CAAD.

 

IV-B. Factos não provados

 

11. Não se provou a seguinte factualidade, com interesse para a decisão da causa:

A) O prédio urbano sito em..., freguesia e concelho de..., inscrito na matriz sob o n.º ... foi adquirido pela Requerente com o objetivo de vir a ser utilizado na prestação de um conjunto de serviços a empresas, designadamente PMEs, ‘startups’, delegações comerciais e outras, sob a marca '...', envolvendo um conjunto modular de serviços como receção, estafetas, reservas, vigilância, reprodução, digitalização e impressão de documentos, telecomunicações, atendimento telefónico, rede informática, cafetaria, catering, acesso a rede de gás natural, segurança contra incêndio, posto médico, aluguer de suporte de publicidade, soluções de co-working (instalações e logística partilhadas), entre outros (alegação constante do art. 16.º da PI).

B) A Requerente praticou atos no sentido de preparar a viabilização da finalidade de prestação de serviços a empresas referida na alínea antecedente, para explorar o prédio como centro empresarial e trabalhou nesse sentido (alegações constantes dos arts. 18.º, 24.º, 26.º, 28.º e 31.º da PI).

 

IV-C. Motivação da decisão de facto

 

12. A decisão sobre os factos dados como provados acima elencados em III-A teve como base a factualidade admitida por acordo, o reconhecimento de factos da PI, as asserções fácticas não contraditadas constantes do RIT (arts. 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 115.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)) e a prova documental junta aos autos, tudo conforme especificado em cada um dos números do probatório.

 

13. Não se deu como provada a factualidade enunciada em III-B dada a ausência de meios probatórios bastantes para formar uma convicção quanto à sua veracidade, não sendo possível, evidentemente, dar como demonstrados factos apenas com base na sua alegação em peça processual.

Com efeito, os documentos juntos agregadamente no doc. n.º 4 à PI – a saber: o Ofício n.º .../16 de 28.09.2016 do Município de ... de conhecimento da deliberação de aprovação do pedido da Requerente de “abertura na delimitação do estacionamento, para acesso ao imóvel, reduzindo 2 lugares de estacionamento”; a carta de 17.8.2019 à Câmara Municipal de ... sobre “Delimitação do estacionamento da ... de passagem para o nosso Imóvel”, em que se comunica que: “O nosso imóvel que foi a antiga "..." e, mais recentemente, a discoteca "...", vai ser recuperado para voltar a ser utilizado. Precisamos do acesso reposto para as várias entradas frontais e laterais”; o Ofício n.º .../16 de 28.3.2016 do Município de ... em que se refere: “as vedações de rede e prumos de madeira são consideradas obras de escassa relevância urbanística, não se veem inconvenientes no pedido, desde que a mesma respeite os limites da propriedade, no que se refere ao caminho a poente mantenha o alinhamento já definido a norte”; uma fatura-recibo de 21.9.2016 relativo a “levantamento planimétrico de armazéns”; uma fatura de 25.11.2016, relativa a três janelas e uma porta –, atentos os respetivos descritivos, são manifestamente exíguos e mesmo inócuos para asseverar a factualidade reportada nas alíneas A) e B) dos factos não provados.

 

V. Do Direito

 

V.I. Sobre a tempestividade do pedido arbitral

 

14. A apreciação jurídica da presente lide deve começar pela questão suscitada pela Requerida da tempestividade do pedido arbitral, para o que cabe ter presente que a pretensão formulada pela Requerente, conforme acima exposto em 9, incide sobre a liquidação adicional de IRC de 2017 com o n.º 2019..., bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios com os n.ºs 2019... e 2019..., no valor global de €24.584,35, sendo a causa de pedir a invocação de ilegalidade por errónea aplicação do disposto no art. 48.º do CIRC relativamente ao imóvel, alienado pela Requerente, sito em ..., freguesia e concelho de..., inscrito na matriz sob o n.º..., vício de violação de lei este que convoca a cominação da anulabilidade.

 

15. Pois bem, no que concerne a pedido de pronúncia arbitral relativo a atos de liquidação de tributos (cfr. art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), o artigo 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT dispõe que:

“O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:

a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Por seu turno, o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, para que remete aquele art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, quanto aos factos determinativos do início da contagem do prazo, enuncia o seguinte:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores”.

Nestes termos, estando em causa a impugnação de ato de liquidação, o prazo de 90 dias estabelecido pela al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT para exercício do direito de requerer pronúncia arbitral afere-se, quanto ao dies a quo, pelo “[t]ermo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”, dado o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT.

Assim, pois, para que seja tempestivo pedido de constituição de tribunal arbitral relativo à impugnação de ato de liquidação é necessária a respetiva apresentação (cfr. art. 10.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT) no prazo de 90 dias contado do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária legalmente notificada ao contribuinte.

16. Resulta do facto provado no n.º VIII do probatório que o termo do prazo para o pagamento voluntário do saldo apurado, por força das liquidações realizadas de IRC e de juros compensatórios, que se encontra fixado na demonstração de acerto de contas junta no doc. n.º 1 à PI foi o dia 11.09.2019 – prazo este que, não deixe de se assinalar, dá cumprimento, atento o facto dado como provado no n.º IX do probatório, ao prazo para pagamento de 30 dias após a notificação (cfr. art. 39.º, n.º 10 do CPPT, na redação aplicável ratione temporis) que está previsto no art. 110.º, n.º 1 do CIRC e no art. 85.º, n.º 2 do CPPT.

Tendo, assim, em conta que o termo do prazo para pagamento da prestação tributária de IRC e juros compensatórios aqui em causa foi o referido dia 11.9.2019, conclui-se que o prazo de 90 dias para submeter o pedido de constituição de tribunal arbitral, que se iniciou no dia 12.09.2019, dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário, terminou no dia 10.12.2020.

Dado o facto provado no n.º XI do probatório, verifica-se que o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 11.12.2019, portanto, após o decurso do prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

17. Constituindo o prazo para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral um prazo fixado na lei para que os contribuintes façam valer o direito de impugnar a liquidação de um imposto, prazo de natureza substantiva, de caducidade, que se contabiliza nos termos do disposto no art. 279.º do Cód. Civil, conforme art. 20.º do CPPT, esgotado o prazo para deduzir a impugnação do ato de liquidação sem a mesma ter sido apresentada, ocorre a caducidade do direito que se pretendia fazer valer em juízo, o que conduz à absolvição do pedido (vd., por exemplo, os acórdãos do STA de 30.10.2019, processo n.º 01086/14.6BELRS e de 22.1.2020, processo n.º 01083/14.1BELRS, e o acórdão proferido no processo arbitral n.º 313/2018-T deste CAAD).

Deste modo, como não foi respeitado pelo pedido de pronúncia arbitral em causa nestes autos o prazo de 90 dias previsto no art. 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, cuja apresentação foi, assim, extemporânea, impõe-se constatar a caducidade do direito de ação da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida do pedido.

 

18. Face ao decidido quanto à intempestividade do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos fundamentos de impugnação dos atos de liquidação sindicados na presente lide.

 

VI. Decisão

 

Termos em que se decide julgar, por caducidade do direito de ação, extemporâneo o pedido de pronúncia arbitral, dele se absolvendo a Requerida.

 

VII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €24.584,35 (vinte e quatro mil quinhentos e oitenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), que constitui o montante das liquidações impugnadas.

 

VIII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência do pedido de pronúncia arbitral objeto dos presentes autos.

 

 Notifique-se.

 

 Lisboa, 29 de Julho de 2020.

 

O Árbitro

(João Menezes Leitão)