Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 554/2015-T
Data da decisão: 2016-05-06  Selo  
Valor do pedido: € 23.427,50
Tema: Imposto do Selo - Verba 28.1 da TGIS; propriedade vertical; competência
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DECISÃO ARBITRAL

 

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I - RELATÓRIO

 

1.      A…, viúva, NIF…, residente no … n.º…, …Esq.º, em Lisboa, requereu, em 26 de Agosto de 2015, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2001, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante, “RJAT”), a constituição do Tribunal Arbitral, para apreciação da legalidade e inconstitucionalidade, e consequente anulação dos actos de liquidação do Imposto do Selo (“IS”), por aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) anexa ao Código do Imposto de Selo (“CIS”), respeitante a dois prédios urbanos sitos na Av. … n.º … e na Av. … n.º…, em Lisboa.

2.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

3.      Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular a ora signatária, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4.      O Tribunal Arbitral ficou constituído em 11 de Novembro de 2015.

5.      A Requerida apresentou a sua resposta no dia 16 de Dezembro de 2015.

6.      Não tendo havido oposição das partes, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT.

7.      Por despacho do Tribunal Arbitral foram as partes notificadas para, em sede de alegações, se pronunciarem sobre a competência do tribunal e ampliação do pedido.

8.      A Requerente apresentou alegações em 1 de Abril de 2016 e a Requerida apresentou alegações em 7 de Abril de 2016.

 

** ** ** **

 

9.      A Requerente alegou, em síntese, que:

9.1    É proprietária de dois prédios urbanos, um sito na Av. … n.º…, em Lisboa e, outro, na Av. … n.º…, em Lisboa.

9.2    O prédio sito na Av. … n.º … é composto por quinze fogos, sendo doze fogos destinados à habitação e três ao comércio, com o valor patrimonial total de € 1.296.110,00.

9.3    O prédio sito na Av. … é composto por onze fogos, sendo dez destinados à habitação e um ao comércio e serviços, com o valor patrimonial total de € 1.960.430,00.

9.4    Cada um destes dois prédios é composto por andares susceptíveis de utilização independente, com valores patrimoniais tributários inferiores a € 1.000.000,00, mas cujo valor total de cada um dos prédios é superior a € 1.000.000,00.

9.5    Relativamente a cada um dos prédios, a Administração Tributária liquidou, em 20 de Março de 2015, Imposto do Selo sobre o valor patrimonial de cada um dos fogos destinados à habitação, previsto na verba 28.1 da TGIS, referentes à primeira prestação devida.

9.6    Em 8 de Abril de 2015, a Requerente apresentou duas reclamações graciosas.

9.7    Também com data de 20 de Março de 2015, a Requerente procedeu às liquidações relativas às segundas prestações.

9.8    Mais alega que a Administração Tributária liquidou o imposto de selo aqui impugnado porque o somatório dos valores dos andares destinados à habitação ultrapassa um milhão de euros, mais concretamente, os andares do prédio sito na Av. … n.º … perfazem o valor de € 1.083.020,00 e os andares do prédio sito na Av. … n.º … perfazem o valor de € 1.258.950,00.

9.9    Entende a Requerente que tais liquidações são ilícitas e devem ser anulados os actos de liquidação daquele imposto, o que pretende através da presente impugnação, porquanto: a) os prédios têm uma afectação mista; (ii) a sujeição a imposto de selo é determinada, não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT dos andares ou fracções;

9.10Conclui no sentido da manifesta a ilegalidade das liquidações em causa, por ilegal interpretação pela A.T. da verba 28 da TGIS.

9.11Mais invoca que a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade inscrito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, da norma constante da verba 28 da TGIS, anexa ao CIS.

9.12Nas alegações apresentadas esclareceu ainda que, quanto à questão da competência, a Requerente pretende impugnar os actos de liquidação e não as notas de cobrança.

 

10.  Notificada para responder, a Requerida alega, em síntese, o seguinte:

10.1Por impugnação, invoca que, com referência ao ano de 2014, procedeu à liquidação do Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e procedeu à notificação dos documentos de cobrança para pagamento das liquidações em causa.

10.2Entende que o que está em causa na presente acção são notas de cobrança que resultam da aplicação directa da norma legal.

10.3No que respeita à violação dos princípios da legalidade, igualdade e da capacidade contributiva, defende que não existe violação ao princípio da igualdade inexistindo qualquer discriminação entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações.

10.4Sustenta a integral validade e legalidade das notas de cobrança do Imposto do Selo, verba 28 da TGIS, do ano de 2014, ora impugnados, concluindo pela legalidade das mesmas.

10.5Em alegações sustenta a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade das notas de cobrança que correspondem às 1.ªs e 2.ªs prestações do imposto relativas aos imóveis em apreço.

 

C – Factos provados

11.  Com base nos factos alegados pelas partes, e não contestados pela Requerida, assim como na documentação junta aos autos, fixa-se a seguinte factualidade relevante para a boa decisão da causa:

A)    A Requerente era em 2014 proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Av. … n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do…, sob o artigo matricial… .

B)    Consta da certidão matricial que, cada um dos andares, afectos à habitação, susceptíveis de utilização independente, tem um valor patrimonial tributário individual inferior a € 1.000.000,00.

C)    Os valores patrimoniais tributários de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, destinadas à habitação, determinados segundo o IMI, são os seguintes:

1º Dto.

77.860,00€

3º Esq.

78.640,00€

6º Dto.

149.480,00€

1º Esq.

77.860,00€

4º Dto.

78.640,00€

6º Esq.

149.480,00€

2º Dto.

77.860,00€

4º Esq.

78.640,00€

 

2º Esq.

77.860,00€

5º Dto.

79.420,00€

 

3º Dto.

78.640,00€

5º Esq.

79.420,00€

 

 

D)    O Valor patrimonial total é de € 1.296.110,00 e dos andares destinados à habitação é de € 1.083.800,00.

E)     Em 20/03/2015 foram emitidas notas de liquidação de Imposto do Selo, ano de 2014, fundamentadas na aplicação da verba 28.1 da TGIS, incidentes sobre este prédio, individualmente para cada um dos andares susceptíveis de utilização independente, de que resultou o apuramento das seguintes colectas para cada um dos andar:

1º Dto.

778,60€

3º Esq.

786,40€

6º Dto.

1.494,80€

1º Esq.

778,60€

4º Dto.

786,40€

6º Esq.

1.494,80€

2º Dto.

778,60€

4º Esq.

786,40€

 

2º Esq.

778,60€

5º Dto.

794,20€

 

3º Dto.

786,40€

5º Esq.

794,20€

 

 

F)     Dos documentos remetidos à Requerente consta, além do mais, a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.083.800,00”.

G)    A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento, até Abril de 2015, da 1.ª prestação das liquidações efectuadas, no montante de € 3.612,76.

H)    Bem como para proceder ao pagamento da segunda e terceira prestação no montante de € 3.612,76 cada uma.

I)       A Requerentes era, em 2014, proprietária do prédio urbano, em regime de propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua … n.º…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo matricial …  .

J)       Da certidão matricial consta que se trata de um prédio com r/c e 5 andares e 2 lojas, com entrada de garagem, com o valor patrimonial total de € 1.960.430,00”.

K)    Cada um dos cinco andares, lados direitos e esquerdos, susceptíveis de utilização independente, são afectos à habitação, tem um valor patrimonial tributário individual inferior a € 1.000.000,00.

L)     Os valores patrimoniais tributários de cada um desses andares susceptíveis de utilização independente, destinados à habitação, segundo o IMI, são os seguintes:

1º Dto.

126.880,00€

4º Dto.

128.310,00€

1º Esq.

122.120,00€

4º Esq.

123.350,00€

2ª Dto.

128.310,00€

5º Dto.

129.590,00€

2º Esq.

123.350,00€

5º Esq.

124.780,00€

3º Dto.

128.310,00€

 

3º Esq.

123.550,00€

 

 

 

 

 

 

 

 

M)   O valor patrimonial total é de € 1.960.430,00, sendo as fracções habitacionais o valor de € 1.258.950,00.

N)    Em 20/03/2015, foram emitidas notas de liquidação de Imposto do Selo, ano de 2014, fundamentadas na aplicação da verba 28.1 da TGIS, incidentes sobre este prédio identificado em – individualmente para cada um dos andares susceptíveis de utilização independente, de que resultou o apuramento das seguintes colectas, no valor total de € 12.589,50:

1º Dto.

1.268,80

4º Dto.

1.283,10€

1º Esq.

1.221,20

4º Esq.

1.233,50€

2ª Dto.

1.283,10

5º Dto.

1.295,90€

2º Esq.

1.233,50

5º Esq.

1.247,80€

3º Dto.

1.283,10

 

3º Esq.

1.233,50

 

 

 

 

 

 

 

 

O)    A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento do imposto em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro.

P)     Consta dos documentos emitidos, além do mais, a seguinte menção “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1.258.950,00”.

Q)    Em 8 de Abril de 2015, a Requerente apresentou duas reclamações graciosas.

R)    Do processo administrativo junto aos autos resulta que as reclamações graciosas tiveram por objecto, conforme entendimento da Requerida, os actos de liquidação do Imposto do Selo.

 

 

II – SANEAMENTO

 

13. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 6.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem, pelo que se mostram reunidas as condições para prolação da decisão final.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

As duas questões a decidir no âmbito dos presentes autos são as seguintes:

1.      Da competência do tribunal arbitral em matéria tributária para conhecer do pedido formulado pela Requerente nos presentes autos.

2.      Da aplicação da verba28.1 da TGIS anexa ao CIS, aos prédios de que a Requerentes é proprietária, mais concretamente, consiste em apurar se no caso de prédios em propriedade total ou vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, com afectação habitacional, como sustenta a Requerente; ou se o valor do prédio em resultado da soma dos valores patrimoniais tributários correspondentes aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, como sustenta a Requerida.

 

a)      Da competência do Tribunal Arbitral

 

Na petição apresentada junto do Tribunal Arbitral, a Requerente pede que seja declarada a “ilegalidade de diversas liquidações de imposto de selo” e consequente que sejam declarados ilegais e anulados os actos de liquidação do imposto de selo”, referindo-se aos actos de liquidação do Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, referente ao ano de 2014, de que resultou um valor a pagar no montante de € 15.619,21 (primeiras e segundas prestações) e, posteriormente, pela ampliação do pedido, referindo às terceiras prestações no montante de € 7.809,09, no total de € 23.428,30, respeitante aos prédios urbanos descritos na respectiva matriz sob os artigos matriciais … da freguesia do…, e … da freguesia de…, concelho de Lisboa. No pedido final, a Requerente peticiona a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do imposto do selo identificados e a sua consequente anulação.

 

A Requerente instruiu o pedido de anulação com os documentos de pagamento da primeiras e segundas prestações das liquidações efectuadas, das quais resultou o pagamento de imposto no montante de € 15.619,21. Posteriormente, requereu a ampliação do pedido referindo-se que devem também estar abrangidas pela presente impugnação as terceiras prestações do imposto. Nas alegações finais apresentadas, a Requerente esclarece que pretendeu impugnar as liquidações e não as notas de cobrança.

 

Na óptica da Requerida, o Tribunal Arbitral seria materialmente incompetente, face ao disposto no artigo 2.º do RJAT para apreciar a legalidade de uma prestação do acto de liquidação que não é, em si, um acto tributário, sustentado que a Requerente impugna as notas de cobrança que constituem as 1ªs e 2.ºs prestações do imposto relativas aos dois imóveis. Contudo, ao analisar as reclamações graciosas, a AT veio a entender que, embora a Requerente identifique no seu requerimento as notas de cobrança, o objecto da reclamação corresponde à liquidação do Imposto do Selo, referente ao ano de 2014.

 

Na verdade, atento o teor do pedido de constituição do tribunal arbitral e do petitório final, afigura-se que a Requerente pretendeu impugnar a liquidação do imposto efectuada mas parecendo fazer corresponder, erradamente, essa liquidação a cada uma das notas de cobrança emitidas para pagamento do mesmo.

 

A identificação do objecto do pedido, tal como configurado pela Requerente, pode dar azo a dúvidas quanto ao efectivo objecto do pedido de pronúncia arbitral, designadamente, saber se a Requerente impugna a liquidação do imposto do selo ou o pagamento de cada uma das prestações que resultaram dessa liquidação.

 

Todavia, dos fundamentos e razões invocadas pela Requerente e das menções expressas no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, resulta que a Requerente questiona as liquidações de Imposto de Selo, pretendendo a sua anulação, que deram origem às notas de cobrança juntas aos autos. 

 

Embora a formulação dos pedidos não constitua, na verdade, um modelo perfeccionista e dê azo a dúvidas, a verdade é que a Requerente deu a conhecer, suficientemente, ao tribunal arbitral tributário o efeito jurídico que pretendia obter e quais os actos emanados pela Requerida objecto da sua pretensão anulatória: as liquidações do Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, referentes aos prédios identificados no seu requerimento inicial, que deram origem às notas de cobrança juntas. Com efeito, a Requerente identifica como objecto do pedido arbitral os actos de liquidação do Imposto do Selo e, consequentemente, pede a sua anulação. Se dúvidas houvesse, o certo é que nas alegações apresentadas, a Requerente esclarece que pretendia impugnar as liquidações do Imposto do Selo referente ao ano de 2014. Acresce que, a Requerida – conforme resulta do processo administrativo junto – entendeu que a reclamação graciosa apresentada pela Requerente tinha como objecto os actos de liquidação, não obstante a Requerente haver junto as respectivas notas de cobrança.

 

Como vem sendo jurisprudência do STA, a lei não impõe nesta matéria fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis, exigindo-se apenas que o impugnante descreva a sua pretensão expondo os seus fundamentos e objecto ou, dito de outro modo, o efeito jurídico que se pretende obter com a acção impugnatória (cf. Ac. STA de 9/02/1993, 4/10/1995 e 29/10/2008, proferido no processo 541/08[1]). Este entendimento corresponde àquele que aliás melhor se coaduna com o princípio da tutela judicial efectiva, consignado no artigo 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, e com os princípios pro accione.

 

Conclui-se, assim, que a Requerente pretende ver apreciado no âmbito dos presentes autos a legalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo, de modo que o objecto do presente pedido se refere pretensões anulatórias de liquidação de actos tributários. Termos em que se decide que o Tribunal Arbitral é competente para deles conhecer, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

 

b)     Da aplicação da verba n.º 28.1 da TGIS aos prédios em propriedade vertical

 

Como já fizemos alusão, a questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o VPT relevante para efeitos de incidência de IS, previsto na verba 28 da TGIS é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes divisões ou andares (VPT global) ou, antes, o valor patrimonial tributário atribuído a cada um dos andares habitacionais.

A questão foi já apreciada em vários processos, no âmbito da arbitragem em matéria tributária, em que foi decidido que quando se verifique que cada um dos andares que compõe um prédio em propriedade vertical têm um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros, não se verifica o pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS e, consequentemente, pronunciou-se pela ilegalidade dos respectivos actos de liquidação (cf. decisões proferidas no âmbito dos processos números 51/2015-T, 391/2014-T, 451/2014-T, 153/2015-T, em que entre outros[2]). Também, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9/09/2015, processo n.º 47/15, em que foi relator Francisco Rothes, decidiu que tratando-se de prédio em propriedade vertical, a incidência de IS (verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinados a habitação[3].

 

Não se identificam, até agora, argumentos que permitam quebrar a unanimidade que vem sendo alcançada pelas decisões já proferidas, importando assim reiterar a jurisprudência já firmada.

 

A verba 28 da TGIS, anexa ao CIS, foi aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, teve, inicialmente, a seguinte redacção:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério da Justiça – 7,5%.”

 

A redacção da verba 28.1 foi, entretanto, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, passando o ponto 28.1 a utilizar o conceito de prédio habitacional, passando a dispor o seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

 

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, i.e., saber se a verba 28.1 da TGIS se aplica aos prédios urbanos em propriedade total, mas com andares susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, quando o valor patrimonial tributário atribuído a cada uma desses andares é inferior a 1.000.000,00, embora a soma dos andares, com utilização independente, afectas a habitação tenha um valor global igual ou superior àquele montante.

 

Em relação à norma em apreço – a verba 28.1 da TGIS –, o pensamento legislativo que esteve na sua base pode ser perscrutado na apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), em que o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[4]:

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” 

           

Da variedade semântica da discussão ressalta, desde logo, o uso indiferenciado de expressões como “prédios urbanos habitacionais”, “propriedades de elevado valor destinadas à habitação” e “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, tudo parecendo apontar para a intensão de tributar unidades unifamiliares de maior valor económico, parametrizados através do respectivo valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros.

 

Contudo, dos trabalhos preparatórios não é possível coligir, com o necessário rigor, como já foi enfatizado em decisões anteriores, qual o conceito de prédio subjacente àquela norma (cf. decisões 21/2015-T e 451/2014), designadamente, se um prédio urbano habitacional é, na acepção da verba 28 da TGIS, uma unidade autónoma (auto-suficiente para o fim a que se destina), distinta e isolada na qual se processa a vida de cada individuo ou agregado familiar residente, em edifícios unifamiliares ou multifamiliares; ou, se abrange, os prédios multifamiliares com unidades autónomas, mas sem autonomização jurídica, característica das fracções autónomas que compõe os prédios constituídos em propriedade horizontal.

 

No caso dos autos, os dois prédios da Requerente constituem prédios urbanos em propriedade total, sendo compostos por vários andares susceptíveis de utilização independente, afectos à habitação. Os valores patrimoniais tributários dos vários andares susceptíveis de utilização independente é inferior a € 1.000.000,00.

 

Da redacção da verba 28.1 dispõe que “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário para efeitos de IMI.

 

Importando, pois, determinar qual o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de IMI posto que da verba n.º 28.1. resulta que o imposto do selo incide sobre a “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 (...)”.

 

Remete-se, assim, para o Código do IMI todo o teor regulativo quanto à incidência “prédios urbanos com o valor patrimonial tributário constante da matriz”, nos termos do Código do IMI, e quanto à matéria colectável “valor patrimonial tributário para efeitos de IMI”. Remissão que, aliás, consta, a título subsidiário, do art. 67.º/2 do CIS que remete para o Código do IMI as “matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral.

 

Destacamos do Código do IMI, no que respeita aos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, as seguintes regras:

a)                           a cada prédio corresponde um único artigo matricial (– cf. artigo 82.º, n.º 2 do Código do IMI;

b)                          cada andar susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina o respectivo valor patrimonial tributário (cf. artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI);

c)                           a determinação do valor patrimonial tributário é apurada para cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, de acordo com a afectação de cada unidade, sendo avaliadas separadamente em função da sua utilização e áreas (cf. artigo 38.º do Código do IMI);

d)                          o documento de cobrança contém, obrigatoriamente, a discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário (cf. artigo 119.º, n.º 1 do Código do IMI).

e)                           a não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de utilização autónoma constitui fundamento de reclamação de incorrecta inscrição matricial (cf. artigo 130.º, n.º 3, alínea h) do Código do IMI).

 

Na doutrina, Silvério Mateus e Freitas Corvelo salientam que um dos aspectos que deve ser evidenciado na matriz tem a ver com a necessidade de fazer relevar a autonomia que, dentro de cada prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, funcional e economicamente independentes[5].

 

O Código do IMI consagra relevância fiscal – ao nível da inscrição matricial, determinação do valor patrimonial tributário, discriminação do valor patrimonial tributário, liquidação, fundamentos de reclamação – à autonomização na matriz de cada parte do um prédio, susceptível de utilização independente.

 

Resulta do Código do IMI que as partes de um prédio em propriedade total dotadas de autonomia, ou seja, autossuficientes para o fim a que se destinam, são objecto de avaliação individual e separada, são individualizadas na respectiva inscrição matricial, possuem um valor patrimonial próprio constante da matriz e são objecto de liquidações individualizadas (tudo conforme resulta dos artigos 7.º, n.º 2, alínea b), 13.º, n.º2 e 119.º, n.º 1 do Código do IMI), essa autonomia deve ser respeitada e releva para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

 

A verba 28 da TGIS faz referência a “prédios urbanos com valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis” e ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI”.

 

Por seu turno, o artigo 12.º, n.º 3 do CIMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”. Donde aos andares susceptíveis de utilização independente – como é o caso dos autos – é atribuído um valor patrimonial tributário específico e próprio que é objecto de inscrição autónoma na respectiva matriz predial. Procede-se, assim, a uma autonomização para efeitos de IMI dos andares susceptíveis de utilização independente que são objecto de uma avaliação específica, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI, de inscrição matricial individual e com valor patrimonial tributário para efeitos de IMI autónomo.

 

No caso de prédios em propriedade vertical ou total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sem estarem constituídos em propriedade horizontal, há uma clara autonomia tributária que se encontra evidenciada pelas diferentes unidades (avaliadas com parâmetros distintos consoante a afectação específica de cada unidade), indicação do piso/andar, incluindo com especificação da área bruta privativa e da área bruta dependente, tudo como se de verdadeiras fracções autónomas se tratasse, com sucede no caso em apreço.

 

Não havendo, assim, razão para – em sede de incidência de Imposto do Selo, previsto na verba 28.1 da TGIS –, dar aos andares/divisões susceptíveis de utilização independente (integrados em prédios em propriedade vertical) um tratamento distinto do concedido no CIMI.

 

Assim, para efeitos de incidência do Imposto do Selo, designadamente para efeitos de aplicação da verba 28.1. da TGIS, “o valor patrimonial tributário constante da matriz” e o “valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI” corresponde ao valor patrimonial tributário que consta da matriz em relação a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente, conforme resulta do disposto do art. 12.º/3 do Código do IMI.

 

Em face do exposto, reitera-se, na esteira das decisões já proferidas, que a aplicação in casu, da verba 28.1 da TGIS, relativamente aos prédios de que a Requerente é proprietária, é ilegal porque a mencionada verba deve ser interpretada no sentido de que o valor patrimonial tributário relevante é o correspondente a cada um dos andares susceptíveis de utilização independente e não o valor patrimonial que resulta da soma aritmética de todos os andares que compõe o prédio, ou seja, os valores patrimoniais, parcelares, atribuídos a cada um dos andares destinados à habitação, nos casos em que apenas da soma dos valores patrimoniais resulta o apuramento de um valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00. Como nenhum dos andares que compõe os prédios têm um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se aplica a verba 28.1 da TGIS.

 

A Requerente suscitou ainda a questão de inconstitucionalidade da verba 28.1. Uma vez que o Tribunal Arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação da questão de inconstitucionalidade da norma em causa.

 

Decisão:

 

Pelos fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal as liquidações do Imposto do Selo, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, ano de 2014, referentes aos prédios urbanos sitos na Av. … n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do…, sob o artigo matricial … e Rua … n.º…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho de Lisboa, sob o artigo matricial… .

 

Valor do processo:

Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se à causa o valor de € 23.427,50, que constitui o montante total do imposto resultante das liquidações impugnadas cuja anulação se peticionou.

 

Custas:

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º e no n.º 4 do art.º 22.º do RGAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento, a suportar pela Requerida.

 

Lisboa, 6 de Maio de 2016

A Árbitra,

 

(Alexandra Gonçalves Marques)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt.

[2] Todos disponíveis na base de dados do CAAD (www.caad.org.pt).

[3] Disponível em www.dgsi.pt

[4] Cf. DAR I Série n.º 9/XII-2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[5] Silvério Mateus e Freitas Corvelo (2005), Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo, Comentados e Anotados, Engifisco, pp. 159-160.