Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 84/2014-T
Data da decisão: 2014-09-30  IRC  
Valor do pedido: € 1.216.748,33
Tema: Deduções de custos para efeitos de apuramento do lucro tributável/prejuízos fiscais e dedução de um crédito fiscal ao abrigo do SIFIDE com vista ao cálculo da colecta
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                                                                         Decisão

 

            I – RELATÓRIO

 

            1. No dia 4 de Fevereiro de 2014, a sociedade A..., S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, Vila Nova de Gaia, (doravante apenas designada por "Requerente"), na qualidade de sociedade incorporante da sociedade B... – SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na lugar de …, Avintes, pertencente ao serviço de finanças de Vila Nova de Gaia, formulou pedido de constituição e pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por "RJAT").

 

            2. A Requerente solicitou uma pronúncia arbitral relacionada com os seguintes factos tributários relativos ao grupo de sociedades sujeitas ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) cuja sociedade dominante, no exercício de 2008, era a B... – SGPS, S.A.:

 

a) Liquidação adicional de IRC, n.º ..., da qual resultou, após compensação, um valor a pagar de €1.348.249, 34, relativa ao exercício de 2008, tendo sido fixado o dia 18/1/2012 como data limite para efectuar o pagamento voluntário.

b) Liquidação essa que decorreu de uma correcção à matéria colectável da Requerente no montante de €3.532.566,05, tendo esta passado de  €1.678.200,69 para €5.210.766,74.

c) A correcção à matéria colectável do grupo de sociedades decorreu das seguintes correcções efectuadas às seguintes sociedades dominadas:

 

i) C... – Sociedade Imobilária, S.A. (C...), relativamente à qual foi efetuada uma correção de €28.592,81 ao prejuízo fiscal declarado pela via da não aceitação para efeitos fiscais, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, de custos contabilizados como juros relativos a financiamentos por esta  sociedade;

ii) D..., S.A. (D...), à qual foi efetuada uma correção de €69.411,18 ao prejuízo fiscal declarado por não terem sido aceites fiscalmente (também ao abrigo do art. 23.º do CIRC) de juros relativos a financiamentos;

iii) E..., SGPS, S.A. (E..., SGPS), à qual foi feita uma correcção de €460.902, 57, ao abrigo do art. 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativamente a custos escriturados como juros;

iv) F..., S.A. (F...), à qual foi efectuada, ao abrigo do art. 42.º do CIRC, uma correcção à matéria tributável de 50% da menos-valia fiscal resultante da liquidação da sua participada G...., S.A. (G...), totalizando um montante de €2.973.659,49;

v) F..., S.A. (F...), à qual foi efectuada uma correcção no montante de €400.934,29 na dedução à colecta consubstanciada no benefício, por crédito fiscal, ao abrigo do "Sistema de Incentivos fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial" (SIFIDE).

 

            A Requerente referiu, no entanto, que, posteriormente, a AT, em Despacho de Deferimento Parcial de Recurso Hierárquico, considerou que a correcção referida na supra citada alínea "iii)" não era, de facto, devida.

 

            3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 5/2/2014, e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por "AT" ou "Requerida") nesse mesmo dia.

 

            4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários abaixo mencionados, os quais aceitaram a nomeação nos termos legalmente previstos.

 

            5. As partes foram notificadas, em 20/3/2014, da designação dos árbitros, nos termos do art. 11.º, n.º 1, al. a) e b), do RJAT, e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

            6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 4 de Abril de 2014.

 

            7. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e procedeu à junção aos presentes autos do Processo Administrativo Tributário.

 

            8. Foi designado o dia 30/5/2014, pelas 15h30m, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, que se realizou em tal data (cfr. acta da reunião do tribunal arbitral colectivo constante dos presentes autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida). Refira-se que do despacho arbitral relativo à data para a reunião supra referida, constava que as partes deviam apresentar por escrito a especificação dos factos concretos e os precisos pontos de facto (que não devessem ser provados por documentos) sobre os quais pretendiam que fosse inquirida cada uma das testemunhas arroladas, presumindo-se que, se não o fizessem, prescindiam no caso de prova testemunhal.

 

            9. Em 27/6/2014, a Requerente solicitou que fosse aceite e considerado o pedido de inquirição de testemunhas justificando que, por um lado, tinha remetido, por lapso, em data anterior, o requerimento para o proc. n.º 85/2014-T e, pelo outro, porque a matéria de facto constante no proc. n.º 84/2014-T não coincidia na íntegra com a do outro processo.

 

            10. Por despacho do dia 30/6/2014, e na sequência do requerimento apresentado pela Requerente no dia 27/6/2014, o Tribunal Arbitral dispensou a produção da prova testemunhal arrolada, comunicando ainda às partes que a decisão final será proferida até ao dia 30/9/2014.

 

            11. A 3/7/2014, a Requerente apresentou ao Tribunal Arbitral novo requerimento, manifestando e justificando a sua discordância com a decisão proferida por aquele no dia 30 de Junho de 2014 e arrolando alguns factos para os quais considera que seria importante inquirir as testemunhas arroladas.

 

            12. Em 8/9/2014, a Requerida declarou prescindir da testemunha por ela arrolada pelo facto de os depoimentos prestados no âmbito do Processo n.º 85/2014-T terem sido considerados absolutamente irrelevantes para a decisão das questões controvertidas nos presentes autos.

 

            13. No dia 9/9/2014, o Tribunal Arbitral reiterou a sua decisão da inutilidade da prova testemunhal arrolada para a tarefa indicada pela Requerente, de "interpretação dos factos e da lei aplicável ao caso concreto", tendo os autos ficado a aguardar a decisão final com data já aprazada.

 

            14. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT, e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3. O presente processo não enferma de quaisquer nulidades, não havendo obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

            II – DA MATÉRIA DE FACTO

 

            II.1. Factos dados como provados

 

            1. A Requerente A..., S.A., é a sociedade incorporante da B... – SGPS, S.A que, em 2008, era a empresa dominante de um Grupo Fiscal tributado em sede de IRC de acordo com o RETGS.

 

            2. No período compreendido entre 19/12/2007 e 31/12/2008, a D... (uma das sociedades do Grupo acima mencionado, e que alienou um imóvel em 20/3/2008 por €1.500.000,00) adquiriu 550.000 acções representativas do capital social do BCP, pelo valor global de €762.024,90, tendo, no ano de 2008, sido realizadas menos-valias no valor global de €3.488.530,78, decorrente da venda de lotes de acções do BCP (num total de 2.000.000). Esta sociedade suportou encargos financeiros no montante de €69.411,18, os quais resultaram da celebração de "contratos de cedência de fundos destinados à cobertura pontual de carências de tesouraria" num valor global de €5.540.000,00.

 

            3. Em 28/5/2009, a B... – SGPS, S.A. entregou, na qualidade de sociedade dominante de um Grupo de sociedades tributado ao abrigo do RETGS, a Declaração de Rendimentos de IRC (modelo 22), referente ao exercício de 2008, da qual resultou um montante de imposto a recuperar de €1.735.510,50.

 

            4. O presente pedido de pronúncia dirige-se à sindicância de correcções efectuadas à base tributável do grupo de sociedades do qual a Requerente é a sociedade dominante, efectuadas nas conclusões de procedimento inspectivo sobre o exercício de 2008.

 

            5. Em 4/11/2011, a Reclamante (na altura, a B... – SGPS, S.A., que era, à data, a empresa dominante do Grupo de sociedades tributadas em sede IRC de acordo com as regras do RETGS) foi notificada do projecto de correcções do relatório de inspecção que se apresentam de seguida, correcções essas respeitantes a sociedades pertencentes ao Grupo:

 

 i) Correcção, ao abrigo do art. 23º do CIRC, à matéria tributável deste imposto, do montante de juros debitados pela D... à C..., à qual correspondeu um aumento do lucro tributável em IRC do Grupo, no montante de €28.592, 81.

ii) Correcção, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, à matéria tributável deste imposto, do montante de juros debitados pela E... SGPS à D..., no montante de €69.411,18.

iii) Correcção, ao abrigo do n.º 2 do art. 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, à matéria tributável de IRC, dos juros suportados pela E... SGPS alegadamente relacionados com financiamentos destinados à aquisição de partes de capital, no montante de €460.902,57.

iv) Correcção na F..., ao abrigo do n.º 3 do art. 42.º do CIRC, à matéria tributável de IRC, de 50% da menos-valia fiscal resultante da liquidação da participada G..., totalizando um  montante de €2.973.659,49.

v) Correcção na F..., aos benefícios fiscais à colecta, referente ao ajustamento do valor aprovado pelo Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação (SIFIDE), num montante de €400.934,29.

 

            6. A 27/5/2011, a B... – SGPS, S.A., interpôs uma Reclamação Graciosa no sentido de alterar e de serem corrigidos os campos 355 dos quadros 10 da Declaração Individual de Rendimentos (Modelo 22) do IRC da F... (F...) e da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) do IRC do grupo fiscal de que é a empresa dominante, ambas referentes a 2008, considerando o montante de €994.557,80 decomposto em:

i) €110.774,83 relativos ao crédito fiscal à I&D atribuído à F... ao abrigo do SIFIDE (verba esta que, nas Declarações Modelo 22 inicialmente enviadas, constava por €511.679,12, calculada por aquela sociedade em função do que considerava serem despesas elegíveis ao abrigo do SIFIDE) por ter sido informada da decisão da aprovação, por parte do Ministério da Ciência, Tecnologia  e Ensino Superior, de um crédito fiscal relativo a 2008 de apenas €110.744,83 e apesar de ter reagido àquela decisão pelas vias possíveis, tendo culminado com a apresentação de recurso dirigido ao mais elevado superior hierárquico, não tendo àquela data, sido notificada da respetiva decisão;

ii) €838.812,97, relativos a três contratos de investimento com o Estado Português (representado pelo AICEP), ao abrigo do Decreto-Lei n.º 245/2007, de 25 de Junho, e da candidatura apresentada a benefícios de natureza contratual previstos no art. 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, valor esse resultante, como dedução à colecta de 2008, dos cálculos efectuados pela sociedade, tendo sido referido que foi efectuado o cálculo imputável a cada projecto, de forma a dar cumprimento à limitação da limitação prevista no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 409/99, de 15/10.

 

            Na reclamação graciosa foi apresentado um esboço da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC do Grupo fiscal dominada pela Requerente e solicitado o diferimento da aceitação da Declaração individual de Rendimentos (Modelo 2 de IRC de substituição da F... referente ao exercício de 2008), bem como da aceitação da submissão do Anexo F de substituição à Declaração Anual da IES do exercício de 2008 da F... e, ainda, da Declaração de Rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição do Grupo fiscal da Requerente.

 

            É de salientar que este Tribunal Arbitral não foi chamado a pronunciar-se sobre o benefício fiscal da F... no montante de €838.812,97 (referido na alínea "ii)" deste ponto "6.").

 

            7. No dia 22 de Julho de 2011, a D... exerceu o direito de audição dos factos que levaram os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto a proporem uma correcção, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, ao prejuízo fiscal daquela empresa pela não aceitação de juros relativos a financiamentos, no montante de €69.411,18, tendo sido solicitado que aqueles SIT anulassem essa proposta de correcção referente ao IRC de 2008.

 

            8. No dia 3/8/2011, em  Relatório/Conclusões,  do Inspector Tributário - Nível 2 (n.º 13286), mantiveram-se as correcções fiscais à D... já referidas, tendo esta empresa recebido um Ofício de 9/8/2011, emitido pelo Chefe de Divisão (após  Despacho de 5/8/2011), notificando, nos termos do art. 77.º da LGT, das correcções resultantes dessa acção inspectiva (cujo valor se manteve).

 

            9. As correcções referidas no ponto "5." foram vertidas na liquidação adicional de IRC n.º 2011..., de 12/12/2011, da qual resultou, após compensação, um valor de €1.348.249,34, resultante  das seguintes correcções:

i) Colecta adicional de €883.141,51 resultante da aplicação da taxa de IRC (25%) ao acréscimo da matéria colectável do grupo (€3.532.566,05);

            ii)  Acréscimo de Derrama no valor de €46.778,65;

            iii)  Redução dos benefícios fiscais em €307.285,72 (€418.030,55 - €110.744,83);

            iv) Apuramento de juros compensatórios no valor de €111.043,46.

 

            10. Não tendo pago a liquidação adicional referida no ponto anterior, nos termos do n.º 2 do art. 169.º do CPPT e com vista à suspensão dos processos executivos resultantes da falta de pagamento dessa liquidação adicional, a Reclamante apresentou, em 28/2/2012, um requerimento para fixação do valor  de garantia e consequente suspensão do processo de execução. Nessa altura, a dívida em cobrança coerciva já atingia €1.356.183,68 pois, além da liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios, num total de €1.348.249, 34,  já incluía juros de mora de €3.364,75 e custas de €4.569,59.

 

            11. Na sequência do Ofício n.º 2931, datado de 9 de Março de 2012, a B... – SGPS, S.A., entregou, em 21/3/2012, uma garantia bancária no montante de €1.727.857,94.

 

            12. Não concordando com as correcções, e com a consequente liquidação de IRC, a Requerente (nessa altura a B... – SGPS, S.A., que era, à data, a empresa dominante do Grupo de sociedades tributado em sede de IRC de acordo com as regras do RETGS) apresentou Reclamação Graciosa, que deu entrada nos Serviços de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 em 13/4/2012, tendo sido aberto o Processo n.º .... Nesta Reclamação Graciosa, para além da anulação da anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2008 e dos juros de mora correspondentes, a Requerente solicitou ainda a atribuição de uma indemnização pela prestação de garantia bancária relativa à liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2008.

 

            13. Em 24/8/2012, a B... – SGPS, S.A. foi notificada, através de carta registada, do exercício do direito de audição prévia antes do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da Lei Geral Tributária.

 

            14. A B... – SGPS, S.A., não exerceu o exercício do direito de audição prévia referido no ponto anterior.

 

            15. A Reclamação Graciosa referida no ponto "12." foi expressamente indeferida por Despacho datado de 17/9/2012, da Técnica Economista Assessora, por subdelegação de competências da Directora de Finanças Adjunta do Porto.

 

            16. Não conformada com o indeferimento da Reclamação Graciosa supra citada, a Requerente apresentou do mesmo Recurso Hierárquico, a que cujo processo foi atribuído, em 21/6/2013, o n.º 2012004337.

 

            17. O Recurso Hierárquico referido no ponto anterior foi parcialmente deferido por Despacho de 23/10/2013 do Director de Serviços do IRC, Divisão Administrativa, por subdelegação de competência (Despacho de Deferimento Parcial). Nos termos deste Despacho, foi considerado que não era devida a anterior correcção à matéria tributável de IRC da E... SGPS, no montante de €460.902,57, tendo-se mantido as demais correcções inicialmente descritas.

           

            Esta decisão baseou-se em dois factos: por um lado, por força do disposto no art. 68.º-A da LGT, foi admitido que os SIT teriam sempre de dar cumprimento à Circular n.º 7/2004 da DSIRC (independentemente de no caso ter sido considerado possível fazer uma aferição dos encargos financeiros por um método directo) e, por outro, a ora Requerente disponibilizou à AT (já no decurso do processo relativo a este Recurso Hierárquico, depois de ter sido notificada para o efeito através do Ofício 9821, de 23/05/2013, recepcionada no dia 27 do mesmo mês) os elementos relativos aos valores evidenciados no balancete de 30/11/2008, por ser esta a data mais próxima da liquidação dos empréstimos cujos juros estavam em causa, que permitiram concluir que a Circular atrás referida não era aplicável pelo facto dos passivos remunerados serem inferiores aos activos remunerados, não existindo pois qualquer remanescente ao qual pudessem ser afectados os encargos financeiros suportados.

 

            18. Na informação do referido Despacho assinalou-se, também, o seguinte: "Sendo certo que, como a recorrente argumenta, não obstante a total inactividade desta empresa, sempre existem certos encargos de natureza administrativa e fiscal que carecem ser satisfeitos. In casu, o que ocorre é uma total irracionalidade entre o valor global desses encargos e os montantes dos empréstimos contraídos dos quais decorrem encargos financeiros de valores bem mais elevados do que os próprios encargos suportados. Para podermos aferir se assiste ou não razão à recorrente, impõe-se ainda uma análise retrospectiva ao período de 2007, na medida em que o empréstimo de valor mais avultado foi contraído precisamente nesse período. Verificamos que no decurso dos períodos de 2007 e 2008 a sociedade em questão recebeu empréstimos da sociedade ―mãe‖ no montante global de €640.000,00, dos quais decorrem encargos financeiros que ascenderam, nesses mesmos períodos, a €51.054,33. Isto é, para satisfazer compromissos de apenas €29.710,50, suportaram encargos financeiros cujo montante é quase o dobro, como passaremos a demonstrar:

 

Empréstimos contraídos

Encargos

Período

Valor

Financeiros

Operacionais

28-03-2007

490.000,00

22.410,25

16.054,56

23-09-2008

150.000,00

28.644,08

13.855,94

Totais

640.000,00

51.054,33

27.710,50

 

 

Quadro 9 – Encargos da Quinta da C...

           

            Esta falta de racionalidade económica apresenta-se tanto mais evidente porquanto, tendo no decurso de 2007 contraído um empréstimo de €490.000,00, e no final desse ano a rubrica de depósitos bancários evidenciar um valor de €15.053,84, este valor era, por si só, suficiente para satisfazer os compromissos com terceiros em que incorreu no período de 2008, pois ascenderam apenas a €13.655,94. Contudo, a recorrente escusou-se a identificar e comprovar os factos que ocorreram em 2008 que se mostravam indispensáveis à sobrevivência da empresa e à manutenção da sua fonte produtora, que provocaram carências de tesouraria, só colmatadas por recurso a um novo empréstimo no valor de €150.000,00." (ver fls. 398-9 do processo hierárquico apenso aos autos).

           

            19. Por último, considerando que a petição era parcialmente deferida, o referido Despacho reconheceu à ora Requerente o direito à indemnização dos encargos suportados com a garantia prestada, na parte proporcional à diferença entre o peticionado e o deferido, uma vez devidamente comprovados todos os encargos suportados.

 

            II.2. Factos dados como não provados

 

            Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

            II.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 659.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

           

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

            III – DO DIREITO

 

            No presente caso, são dez as questões de direito controvertidas, estando as mesmas distribuídas pelas correcções à sociedade "C..." (A), à sociedade "D..." (B) e à sociedade "F..." ou "F..." (C). São, assim, questões decidendas:

 

            A.1) A de saber se, como alega a ora Requerente, quanto à correcção à sociedade "C...", "o facto da sociedade C... ter tido, ou não, proveitos, não constitui, do ponto de vista da aplicação do disposto no artigo 23.º do CIRC, fundamento para desconsiderar os custos como fiscalmente dedutíveis"; A.2) a de saber se, como alega a Requerente, "não se trata de saber se o custo em causa é o mais adequado para a obtenção dos proveitos, mas sim saber se esse custo se subsume na actividade da empresa e se o mesmo, ainda que do ponto de vista teórico, é susceptível de gerar proveitos, ou é necessário para obtenção dos proveitos, no presente ou no futuro [não cabendo] à AT analisar ou aferir se a operação em causa respeita ou não qualquer racionalidade económica."; A.3) a de saber se, como alega a Requerente, "a não obtenção de proveitos, e o facto da sociedade C... limitar-se a gerir o seu património, não tendo actividade operacional, [não] tem [...] relação com a dispensabilidade de um financiamento para o cumprimento de obrigações por si assumidas, as quais são [entendidas como] necessárias à sua actividade."; A.4) a de saber se, como alega a Requerente, "a presunção de verdade dispensa o sujeito passivo do ónus da prova da indispensabilidade" e, ainda, se "a AT não cumpriu com o seu ónus de prova e com o seu dever de fundamentação"; A.5) a de saber se, como alega a Requerente, a "desconsideração fiscal do gasto na esfera jurídica da C..., sem que seja efectuada a correspondente correcção ao nível dos proveitos na sociedade D..., [configura] uma dupla tributação".

           

            B.1) A de saber se, como alega a Requerente, no contexto do art. 23.º do CIRC, "o legislador não faz qualquer distinção entre proveitos decorrentes da actividade produtiva (ou operacional) e os proveitos decorrentes da actividade especulativa (detenção de participações)"; B.2) à semelhança do que a Requerente alegou a propósito da correcção à sociedade "C...", a de saber se há, também quanto a esta sociedade, um caso de dupla tributação de juros. 

 

            C.1) A de saber se, como alega a Requerente, "a menos valia resultante da liquidação de uma sociedade participada [não se enquadra no disposto no art. 42.º, n.º 3, do CIRC], [por] aí inexist[ir] qualquer transmissão das partes sociais da sociedade objecto de liquidação, dissolução e extinção"; C.2) a de saber se, como alega a ora Requerente, quanto ao SIFIDE, a "decisão da referida Comissão Certificadora [para os Incentivos Fiscais à I&D] de que o valor do incentivo era apenas de € 110.744,83" está incorrecta.

 

            Vejamos, então.

 

            A.1) a A.3) Estas questões subsumem-se, no essencial, à invocação de que os custos em causa são indispensáveis à luz do art. 23.º do CIRC e à invocação de que o ónus da prova da não indispensabilidade desses custos recai sobre a AT.

 

            A este respeito, convém recordar, aqui, que a sociedade "C...", apesar de ter como seu objecto social a "compra e venda de imóveis, construção e promoção de empreendimentos imobiliários e turísticos e de quaisquer obras de construção", não declarou ao longo da sua existência, qualquer operação inerente ao objecto social descrito.

           

            E, ainda, que nos anos de 2007 e 2008, a referida sociedade obteve financiamentos junto do seu acionista no montante total de €640.000,00 (€490.000,00 no ano de 2007 e €150.000,00 no ano de 2008). E, por último, que o valor (global) de proveitos declarados ascendeu, no ano de ano, a €1.919,96, relativo a proveitos financeiros.

 

            As questões acima mencionadas colocam-se, especificamente, quanto a encargos de natureza financeira decorrentes de empréstimo e à sua consideração, pela AT, como "juros de capitais alheios aplicados na exploração" (ver art. 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC). A este propósito, defende a Requerente que o empréstimo contraído se mostra indispensável para manutenção da fonte produtora, assim como para a obtenção de rendimentos, ainda que futuros.

            Como refere, neste contexto, o seguinte aresto: "Nos termos do art. 23.° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. O art. 17.° n.°1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas). É para definir o grupo dos elementos negativos que o art. 23.° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. [...]. [Custo] é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial." (Acórdão do TCAS de 2/2/2010, proc. 3669/09).

 

            Depreende-se do excerto acima citado, com relevância para o presente caso, que: 1) custo entendido como indispensável terá que ter um fim empresarial, mesmo que não imediata ou directamente lucrativo; 2) que a AT pode recusar como custo fiscal despesas que "se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa." 

 

            Por sua vez, a finalidade empresarial pode ser aferida, no caso concreto, em função da "prova da necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado". Se esta prova não for alcançada, há razões para entender que o custo não tem uma finalidade empresarial e, nessa medida, não pode ser visto como indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

 

            Note-se assim, com relevo e pertinência para o caso em apreciação, que, como refere o seguinte aresto: "O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. [...]. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável. Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo [...], designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, deF...iante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.» Mesmo aceitando o conceito de indispensabilidade assim caracterizado, atentando na letra do [...] n.º 1 do art. 23.º do CIRC, havemos de convir, porém, como se refere no ac. deste STA, de 20/5/2009, rec. n.º 01077/08 [...] que desse normativo resulta que «... os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relaçãoOra, no caso vertente, a recorrente dedica-se à actividade de compra e venda de bens imobiliários e está enquadrada no regime geral para efeitos de determinação da matéria colectável [...]. E as quantias em questão correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas. Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social que é o de compra e venda de bens imobiliários [...] e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco; e também não se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade. Por outro lado, também não estamos perante juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na al. c) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC." (Acórdão do STA de 30/11/2011, proc. 107/11).

 

            Daqui decorre o entendimento de que: 1) os custos devem estar comprovados, ser indispensáveis, nos termos do art. 23.º do CIRC, e dizer respeito à própria sociedade, tendo que ter uma ligação com o respectivo objecto social; 2) não se enquadram no referido objecto social os custos relativos a juros de aplicações financeiras, mesmo que estas sejam destinadas ao financiamento de sociedades associadas; 3) casos como este não se subsumem ao disposto no art. 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC.

 

            No presente caso específico, alegou a ora Requerente que "os encargos financeiros suportados aquando da celebração do contrato de suprimentos visaram a reestruturação da dívida externa contraída tendo em vista a manutenção da fonte produtora". Mas, se assim foi, fica por perceber, como bem refere a AT, por que é que se assumiu "(no ano de 2008) encargos financeiros de €28.644,08 para fazer face a encargos operacionais de apenas €13.855,94. Tanto mais que, como também já referimos, a rubrica de depósitos bancários no final do ano de 2007 (€15.053,84) evidenciava um valor (mais que) suficiente para fazer face aos encargos (operacionais) suportados no ano de 2008 (€13.855,94)."

 

            Em síntese, dir-se-á que improcede, pelas razões acima expostas, a pretensão da ora Requerente – ainda que a obtenção, ou não, de proveitos não seja um fundamento para a aplicação do art. 23.º do CIRC [A.1)], ainda que não caiba à AT a tarefa de imiscuir-se em juízos sobre a conveniência ou a racionalidade económica de certo gasto [A.2)], nem seja determinante o facto de a sociedade em causa não ter actividade operacional [A.3)].

 

            Assim, e em face do que foi supra dito, conclui-se que não ficou provada a referida (e necessária) indispensabilidade, aferida em função da finalidade empresarial do encargo empreendido, da ligação do mesmo às finalidades a prosseguir pela empresa.

            Note-se, a este respeito, o seguinte aresto: "É no conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, ou de terceiros, ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo. Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial." (Acórdão do STA de 2/2/2010, proc. 3669/09).

 

            A.4) Quanto à invocação de que "a presunção de verdade dispensa o sujeito passivo do ónus da prova da indispensabilidade", a mesma também não procede.

 

            Com efeito, é entendimento estabelecido na Jurisprudência que aquela presunção não se confunde com este ónus, pelo que a primeira não substitui o segundo.

 

            De facto, como bem lembram, por ex., os seguintes acórdãos: "um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer [...] que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados. Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78.º do CPT e 75.º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. Daí, pois, que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade. É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. n.º 4736/01)." (Acórdão do STA de 2/2/2010, proc. 3669/09); "Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade." (Acórdão do TCAS de 30/10/2012, proc. 3956/10).

 

            Por outro lado, e no que diz respeito à alegação de que "a AT não cumpriu com o seu ónus de prova e com o seu dever de fundamentação", é necessário lembrar que, como bem refere a AT, na sua resposta, a AT "questionou/pôs em causa que o financiamento obtido tivesse, de facto, sido aplicado na exploração, pois que essa «aplicação» não resultava evidente da contabilidade da Requerente."

 

            Com efeito, consta do relatório inspectivo que "«no período de 2008 não declarou quaisquer valores para qualquer das rubricas dos proveitos operacionais (sem qualquer tipo de actividade conforme o já referido no ponto 2.1.2 do CAPITULO II.3 do presente RELATÓRIO), ou seja, declarou proveitos operacionais nulos declarando, somente, o valor global de proveitos no montante de €1.919,96 (proveitos financeiros). Assim, de acordo com as conclusões acima relatadas designadamente o facto de não ter obtido quaisquer proveitos para efeitos fiscais o gasto contabilizado a título de juros de empréstimos obtidos, no valor de €28.592,81, não é dedutível para efeitos da determinação do resultado fiscal do ano de 2008 porquanto o mesmo, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do Artigo 23.º do Código do IRC, não é comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC, pelo que se procederá à correcção do valor respectivo considerado fiscalmente pela C... 1»."

 

            É, assim, evidente constatar que, no seu relatório, a AT apresentou a factualidade que, no seu entender, a levou a desconsiderar custos contabilizados em termos que abalam a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da ora Requerente. Como se explicita na resposta dada pela AT, para esta era claro, "da análise empreendida, designadamente da ponderação dos elementos contabilísticos analisados, que os fluxos financeiros decorrentes dos empréstimos obtidos não foram aplicados no âmbito daquilo a que corresponderá o escopo societário da C... 1, designadamente naquilo que comummente se entende por «exploração», pois que, conforme foi evidenciado, a sociedade nunca desenvolveu qualquer actividade operacional. [...]. [...] a AT colocou em causa a dedutibilidade do custo incorrido com os empréstimos obtidos considerando que os mesmos não se afiguravam «indispensáveis» aos fins empresariais e na ausência de demonstração em contrário, retirou relevância fiscal aos custos deles resultantes."

 

            Considerando os indícios existentes e as razões acima sumariamente expostas, não restam dúvidas sobre a razão (e a factualidade subjacente) que levou a AT a julgar cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da Requerente.

 

            Nesses termos, conclui-se que a AT cumpriu com o seu ónus de prova e com o seu dever de fundamentação, não assistindo, também nesta parte, razão à ora Requerente.          

 

            A este propósito, veja-se, por ex., o seguinte acórdão: "a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – art. 75.° da LGT –, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus da prova de que a escrita é merecedora de credibilidade." (Acórdão do TCAS de 17/11/2009, proc. 3253/09).

 

            A.5) e B.2) Em ambos os casos, coloca-se a questão de saber se a desconsideração fiscal do gastos, sem que seja efectuada a correspondente correcção ao nível dos proveitos da "D..." e da "E...", configura "dupla tributação".

 

            A este respeito, atento o princípio do rendimento-acréscimo consagrado no IRC e o facto de os gastos ora em causa não terem reunido os requisitos exigidos pelo art. 23.º do CIRC (como supra se demonstrou), adere-se, por com ele se concordar, ao entendimento da DSIRC que foi exposto em sede de recurso hierárquico: "«No caso em apreciação não está em causa a distribuição de lucros. O que ocorre é que, por um lado, existem certos gastos/custos que apesar de se encontrarem relevados contabilisticamente por algumas sociedades e, dessa forma, considerados no respectivo resultado líquido, por não reunirem os requisitos exigidos no art. 23.º do CIRC, não poderão ser considerados na componente negativa do resultado fiscal [...]. Mas, por outro, esses valores correspondem a rendimentos doutras entidades, inexistindo qualquer norma fiscal que permita a desconsideração de tais rendimentos dos resultados fiscais dessas entidades, pois em sede de IRC vigora o princípio do acréscimo patrimonial [...]»."

 

            Conclui-se, pelo acima exposto, pela improcedência da invocada "dupla tributação" em ambos os casos.

 

            B.1) A Requerente alega ainda que, no contexto do art. 23.º do CIRC, "o legislador não faz qualquer distinção entre proveitos decorrentes da actividade produtiva (ou operacional) e os proveitos decorrentes da actividade especulativa (detenção de participações)".

 

            Deve notar-se, a este propósito, que, ainda que não faça, como refere a Requerente,  a mencionada distinção, o legislador submete, contudo, tais actividades ao interesse da empresa, à existência de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.

 

            Como nota António Moura Portugal, "os custos indispensáveis equivalem [...] aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata." (in: António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa. Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 116.)

 

            Ora, a referida relação causal ficou por demonstrar nestes autos. Com efeito, como salienta a informação da DSIRC, em sede de recurso hierárquico: "no período em análise de 2008, as aplicações financeiras na aquisição de participações sociais resumiram-se à aquisição de um lote de 550.000 acções do BCP pelo montante de €762.024,90, portanto, valor este que [...] ficou muito aquém não só do montante global dos contratos celebrados – €5.540.000,00 – como igualmente daquele que foi alcançado com a venda do imóvel – €1.500.000,00".

 

            Caberia, pois, à Requerente, demonstrar a "congruência económica" da operação e, nessa medida, justificá-la detalhadamente, no contexto do seu interesse societário – o que, contudo, não conseguiu fazer.

 

            A este respeito, veja-se, por ex., o seguinte acórdão: "Se a administração tributária, actuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentalmente despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a actividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a «congruência económica» da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstracta e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a actividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das actuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT" (Acórdão do TCAS de 27/3/2012, proc. 5312/12).

 

            Por outro lado, a justificação de que os encargos financeiros visam a possibilidade de obtenção de proveitos ou a manutenção da capacidade produtora, por via da constituição de um "fundo de maneio", também não procede, dado que, como refere o seguinte aresto (que reproduz idêntico entendimento já antes exposto nos Acórdãos do STA de 7/2/2007, proc. 1046/05, e de 10/7/2002, proc. 246/02): "«A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada. Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais»" (Acórdão do STA de 20/5/2009, proc. 1077/08).

 

            C.1) Em resposta à alegação da Requerente, a AT, na sua resposta, afirma que "o art. 42.º, n.º 3 (actual 45.º, n.º 3) configura uma norma antiabuso, em sentido amplo" e "que se encontram presentes no caso sub judicio todas as razões justificativas da norma do art. 42.º, n.º 3, na redacção vigente em 2008".

 

            Com efeito, note-se que o recente Acórdão do TCAS de 31/1/2012 (proc. 5097/11), só não entende ser "aplicável a teoria da cláusula anti-abuso [porque, atendendo à data dos factos desse processo,] só em 1998, com a entrada em vigor do art. 32.º-A do C.P.T., o nosso sistema passou a dispor assumidamente de uma cláusula geral de prevenção do chamado negócio indirecto em matéria tributária". E tal limitação temporal não se aplica ao caso ora em análise.

            Sucede, contudo, que, como se afirma, claramente, no seguinte acórdão, o "regime previsto no citado artº. 42, do C.I.R.C., não é aplicável aos casos de liquidação e partilha de sociedades cujo procedimento se encontra previsto nos artº. 73 a 75 do mesmo diploma legal. A norma em causa quer obstar à dedutibilidade das [...] menos-valias latentes, assim não sendo aplicável aos casos de liquidação e partilha de sociedades (cfr. artºs. 73 a 75, do C.I.R.C.), regime em que está em causa o cálculo das menos-valias efectivamente realizadas." (Acórdão do TCAS de 17/4/2012, proc. 5315/12).

 

            Mais desenvolvidamente, o citado acórdão de 17/4/2012 afirma ainda o seguinte: "O que haverá que saber é se o regime previsto no citado artº. 42, do C.I.R.C., é, ou não, aplicável aos casos de liquidação e partilha de sociedades cujo procedimento se encontra previsto nos artº. 73 a 75 do mesmo diploma. Salvo melhor opinião, cremos que não. [...]. O artº. 42, do C.I.R.C. (cujo título se consubstancia em «encargos não dedutíveis para efeitos fiscais») por razões somente de índole fiscal, vem excluir ou limitar a aceitação, na determinação do lucro tributável, de alguns encargos que preenchem os requisitos de aceitação fiscal de custos consagrados no artº. 23, do mesmo diploma. Ou seja, ao lucro contabilístico (no cálculo do qual foram contabilizados tais encargos como componentes negativas) acrescerá, para determinação do lucro tributável, o valor dos custos não dedutíveis para efeitos fiscais. Nestes termos, o lucro tributável resultará, portanto, de valor superior (cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.136 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª. edição, 1996, pag. 344 e seg.). No nº. 3 do preceito em exame, na redacção resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12, o legislador considera que somente concorrem para a formação do lucro tributável em metade do seu valor (50%) as menos-valias resultantes da alienação onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução do capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares. Por outras palavras, o artº. 42, nº. 3, do C.I.R.C., veio declarar indedutível metade do valor das menos-valias, independentemente das condições da sua realização. A norma em causa quer obstar à dedutibilidade das supra aludidas menos-valias latentes, assim não sendo aplicável aos casos de liquidação e partilha de sociedades (cfr. artºs. 73 a 75, do C.I.R.C.), regime em que está em causa o cálculo das menos-valias efectivamente realizadas, conforme explicitado acima, resultantes da extinção das partes sociais em consequência da dissolução da sociedade (cfr. J.L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág. 220 a 222; Nuno de Oliveira Garcia, Prejuízos, menos e mais-valias, Casos de aplicação de normas anti-abuso específicas no código do I.R.C., Revista Fiscalidade, nº. 29, Jan./Março 2007, pág. 105 e seg.)."

 

            Nestes termos, concordando-se que o art. 42.º, n.º 3, do CIRC não é aplicável, pelas razões supra mencionadas, conclui-se, no presente caso, pela relevância fiscal da menos valia realizada pela ora Requerente, no valor de €2.973.659,49.

 

            C.2) Embora esta específica correcção esteja identificada na p.i., não foi impugnada nestes autos (antes em acção administrativa especial que a Requerente diz estar pendente), razão pela qual o presente Tribunal não se pronunciará sobre a mesma.

*

 

            IV – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            a) Julgar procedente o presente pedido arbitral na parte referente à correcção no montante de €2.973.659,49 ao lucro tributável da sociedade F..., S.A., e improcedente na parte restante; anulando-se a liquidação impugnada na parte correspondente à invalidade de tal correcção ao lucro tributável.

            b) Julgar, em consequência, procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida na parte proporcional à diferença entre o peticionado e o aqui deferido.

 

            Valor do processo

 

            Atribui-se ao processo o valor de €1.216.748,33 (um milhão, duzentos e dezasseis mil setecentos e quarenta e oito euros e trinta e três cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do RCPAT.

 

            Custas

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €16.218,00 (= €4.896,00 + €306,00 × 37), a pagar pela Requerente e pela Requerida na proporção do decaimento, que se fixa em ⅓ e ⅔, respectivamente, conformemente aos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2014.

 

 

 

O tribunal colectivo,

 

 

 

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (presidente)

 

 

 

    

Miguel Patrício

 

 

 

 

Luís Janeiro

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.