Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 841/2014-T
Data da decisão: 2015-07-20  IUC  
Valor do pedido: € 32,66
Tema: IUC: Incidência subjectiva; Presunções legais
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REQUERENTE: A...

 

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A..., Contribuinte Fiscal nº …, com domicílio fiscal na Travessa …, doravante designada por “Requerente, requereu a constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 2º, nº 1, a alínea a) e 10º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, relativamente à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), pretendendo a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) referentes aos períodos de tributação de 2009 a 2012, juntas aos autos em anexo ao pedido arbitral, como documentos nºs 6 a 9 e que se dão por integralmente reproduzidos, no montante global a pagar de €32,65.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 13-12-2014, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e imediatamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi designada, em 23-02-2015, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa a ora signatária como árbitro singular. A nomeação foi aceite e as partes notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado a vontade de recusar a designação.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (RJAT), o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 12-03-2015. Na mesma data, foi a ATA notificada, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal. Decorrido o prazo legal, a ATA não apresentou resposta nos presentes autos.

 

  1. Em 25-05-2015 foi proferido despacho arbitral dispensando a realização da reunião do artigo 18º do RJAT, dado que as questões a decidir nos autos são exclusivamente de direito e os factos invocados se encontrarem devidamente comprovados documentalmente, ao que acresce inexistir produção de prova testemunhal a produzir. Nesta conformidade foram as partes notificadas deste despacho, no qual se fixou, ainda, o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para as partes, querendo, apresentarem alegações escritas. Apenas o Requerente apresentou alegações, que juntou aos autos em 27-05-2015.

 

  1. No mesmo despacho arbitral supra referido o Tribunal fixou data para prolação da decisão arbitral até 20 de julho de 2015.

 

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. O Requerente, inconformado com o indeferimento da reclamação graciosa proferido pela ATA, formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade, com a consequente anulação, das liquidações de Imposto Único de Circulação, referentes aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012, referentes à viatura automóvel de marca Renault 5 Campos (c40004) de matrícula …-…-…, a seguir discriminadas:

a)      IUC n.º …, respeitante ao ano de 2009, no valor de € 7,20;

b)       

c)      IUC n.º …, respeitante ao ano de 2010, no valor de € 7,30;

d)     IUC n.º …, respeitante ao ano de 2011, no valor de € 7,46;

e)      IUC n.º …, respeitante ao ano de 2012, no valor de € 7,63.

 

  1. Todas estas liquidações se encontram juntas aos autos em anexo ao pedido arbitral, constantes dos documentos nºs 6 a 9, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

 

  1. Em síntese, fundamenta o seu pedido, alegando o seguinte:

 

a)       O Requerente não é proprietário da viatura supra identificada, desde 15-12-2006, pelo que não pode ser considerado sujeito passivo deste imposto, com referência aos anos em causa, ou seja, 2009 a 2012, porquanto, através do Stand de Automóveis, B..., Venda de Automóveis, com sede na Avenida …, em …, alienou o veículo automóvel de marca Renault 5 Campos (c40004), de matrícula …-…-…, do qual era proprietário, em 15-12-2006, ao Senhor C..., NIF ..., com domicílio na Rua ….

b)      Na referida data, foi assinada toda a documentação necessária entre as partes para efetivar a transmissão do veículo, tendo ficado o sujeito comprador responsável pelo registo do mesmo em seu nome, num prazo máximo de 30 dias e, desde aquela data, tendo sido considerado tal procedimento como concluído, o Requerente não teve qualquer outro contacto com a identificada viatura ou com o então adquirente.

c)      Apesar de ter fornecido todos os elementos à ATA em sede de exercício de direito de audição prévia, o Requerente foi surpreendido com uma notificação para proceder à liquidação do Imposto Único de Circulação, referente àquele veículo.

d)     Do art. 3.º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), resulta a presunção de que o sujeito passivo deste imposto é o proprietário do veículo que se encontra inscrito na Conservatória do Registo Automóvel, no entanto, esta presunção é ilidível, uma vez que o registo da aquisição não é condição para a transmissão da propriedade e não afeta a sua validade. A obrigação de proceder ao registo cabe ao proprietário e tem como fim dar publicidade, não mais do que isso; o adquirente aquando da aquisição do veículo, tinha plena consciência desta obrigação, pelo que, inclusive, se comprometeu a realizá-lo através de Termo de Responsabilidade por si assinado a 15 de Setembro de 2006 (cfr. doc. 2);

e)      Dos elementos constantes dos autos e facultados pelo aqui Requerente extrai-se que à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações questionadas não era esta o proprietário do veículo em apreço, por se ter já anteriormente operado a respetiva transferência, nos termos da lei civil. Sendo que, os meios de prova apresentados pelo Requerente, constituídos por cópias da declaração para registo de propriedade e do termo de responsabilidade da transferência de propriedade têm a seu favor a presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do n.º 1 do art. 75.º da Lei Geral Tributária que, assim, se afiguram idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam aquelas liquidações que, por isso, devem ser objeto de anulação com a consequente restituição do imposto indevidamente cobrado ao Requerente.

f)       Conclui peticionando a declaração de ilegalidade destas liquidações de IUC, no montante global de €32,65, bem como ao reembolso das importâncias que indevidamente pagas a esse título, no montante total de €32,66, acrescido da taxa de justiça liquidada com a apresentação do presente requerimento e as custas processuais a que o mesmo dê lugar.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

 

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou Resposta nos presentes autos, nem alegações escritas, no prazo fixado pelo Tribunal arbitral.
  2. Não obstante, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 110º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29º, nº1 do RJAT, a falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante.

 

 

 II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1.  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (Cfr. 4º e 10º nº2 do DL nº 10/2011 e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

 

  1. Quanto à cumulação de pedidos, pretendendo-se a apreciação conjunta da legalidade das 4 liquidações de IUC, relativas aos anos de 2009 a 2012, apesar de constituírem atos autónomos, verificando-se os pressupostos exigidos pelo disposto no nº 1, do artigo 3º, do RJAT e artigo 104º do CPPT, é de admitir a cumulação. Assim, aceita-se no mesmo pedido arbitral a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de todos os atos tributários de liquidação de IUC e respetivos juros compensatórios que estejam, eventualmente, associados, dada a identidade do imposto e a apreciação dos atos tributários em causa depender da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da aplicação das mesmas regras de direito. Encontram-se, assim, preenchidos os pressupostos legais que permitem a cumulação de pedidos, nos termos previstos nos artigos 104º do CPPT e no artigo 3º, nº1 do RJAMT, considerando a identidade do tributo e a competência do tribunal, a qual é aceite por este Tribunal.

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta a prova documental junto aos autos pelo requerente, cumpre fixar a a matéria de facto relevante para a decisão, que se fixa como segue.

 

 

 

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

a)      O Requerente procedeu à venda do veículo automóvel de marca Renault 5 Campos (c40004), de matrícula …-…-…, do qual era proprietário, em 15-12-2006;

b)      Adquiriu a viatura o Sr. C..., NIF ..., com domicílio na Rua …;

c)      Este contrato foi intermediado pelo Stand de automóveis, B...- Venda de Automóveis, com sede na Avenida …, em …;

d)     O contrato de compra e venda foi formalizado pelos documentos nºs 1 e 2 juntos aos autos pelo Requerente, a saber: Requerimento – declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda), datada de 15 de dezembro de 2006 e Termo de Responsabilidade, lavrado em timbrado do Stand de Automóveis e assinado pelo comprador C…, no qual assume toda a responsabilidade com referência ao veículo em causa (aí devidamente identificado) e “o compromisso de transferir a propriedade do mesmo num prazo inferior a 30 dias.”

e)      O adquirente incumpriu a obrigação de promover o registo, pelo que o requerente continuou a constar nas bases registrais como proprietário da viatura;

f)       Em 17-05-2013 o Requerente foi notificado pelo Serviço de Finanças de ..., para audiência prévia, do projeto de liquidação de IUC referente à viatura supra identificada em a), com referência aos anos de 2009 a 2012, com o fundamento de ser o proprietário da viatura, nos anos em referência, com base nos elementos de que a ATA dispunha àquela data (vd. documento nº 3 junto aos autos);

g)      Em 14 de Junho de 2013 o Requerente, no exercício do seu direito de audição, remete por escrito ao Serviço de Finanças de ..., a resposta escrita que se encontra junta ao pedido arbitral, acompanhada dos documentos supra mencionados como documentos nºs 1 e 2 (Requerimento – declaração para registo de propriedade e Termo de responsabilidade) e, ainda, o comprovativo dos CTT da morada do comprador e o comprovativo da apreensão do veículo, datada de 28/11/2008, efetuada em automovelonline.mj.pt, cuja informação era a de que aguardava conclusão;

h)      O Requerente foi notificado para pagamento das liquidações oficiosas de IUC, no valor global de €32,65;

i)        Que o Requerente pagou todas as liquidações de imposto impugnadas, conforme comprovativos juntos aos autos;

j)        Em 03-02-2014 o Requerente apresentou reclamação graciosa dirigida ao Senhor Diretor de Finanças de …, reiterando os mesmos fundamentos já aduzidos na resposta enviada no prazo para audição prévia;

k)      Por ofício de 23 de setembro de 2014 e enviado a 24 de setembro de 2014 ao Requerente, foi este notificado do indeferimento da reclamação graciosa, nos termos e fundamentos que constam do documento junto aos autos com o nº 11 e que se dá por integralmente reproduzido;

l)        Nos termos do despacho referido na alínea anterior consta o seguinte:” Assim, e porque o veículo cujo IUC está em discussão esteve registado em nome do reclamante nos períodos a que os impostos respeitam, afigura-se que os mesmos são devidos, nos termos conjugados do nº1 do artigo 3º e do nº1 do artigo 4º do CIUC.”

m)    Segundo informação constante das bases de dados do Instituto de Mobilidade e dos Transportes, I.P., o veículo em causa encontra-se apreendido por ausência de seguro válido, desde Julho de 2008.

 

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não há outros factos não provados com relevo para decisão a proferir.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1.  Os factos supra descritos foram dados como provados com base nos documentos que o Requerente juntou ao processo.

 

 

IV – QUESTÕES DECIDENDAS e FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões a dirimir, tal qual se encontram configuradas no pedido arbitral e considerando o teor do despacho de indeferimento da reclamação graciosa aqui impugnado:

 

a)      Interpretação da norma de incidência subjetiva prevista no artigo 3º, nº 1, do CIUC, ou seja, determinar se esta norma prevê uma presunção ilidível ou, ao invés, uma ficção legal, insuscetível, por isso, de ser ilidida mediante prova em contrário;

b)     O valor jurídico do registo dos veículos automóveis;

c)      O valor probatório dos documentos juntos aos autos pela Requerente para ilidir a presunção.

 

 

 

 

A) Quanto à Interpretação do artigo 3º nº 1 do CIUC

 

 

  1. Invoca a Requerente que não se encontram preenchidos os pressupostos de incidência subjetiva previstos no artigo 3º do CIUC, não sendo, por isso, sujeito passivo de IUC e, em consequência, as liquidações devem ser anuladas por manifesta falta de responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento, uma vez que desde dezembro de 2006 que já não é proprietário da viatura automóvel objeto das liquidações impugnadas.
  2. Para o efeito alega, em síntese, que o artigo 3º do CIUC estabelece uma presunção implícita de propriedade dos veículos a favor de quem os mesmos se encontrem registados, presunção essa que, por força da aplicação da regra geral prevista no artigo 73º da Lei Geral Tributária, é ilidível mediante prova em contrário. Já para a Requerida, tanto quanto se infere do teor do indeferimento da reclamação graciosa, o artigo 3º do CIUC não estabelece qualquer presunção implícita, mas uma verdadeira ficção legal, inilidível, pelo que, o titular do registo automóvel é o devedor do imposto independentemente de ser ou não o seu proprietário.
  3. Com referência a esta questão é já abundante a jurisprudência arbitral produzida nos últimos anos, da qual destacamos as decisões proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de outubro, 26/2013-T de 19 de julho, 27/2013-T, de 10 de setembro, 217/2013-T de 28 de fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de maio de 2014, 293/2013-T, de 9 de junho de 2014, 46/2014-T de 5 de setembro, 246 e 247/2014 T, de 10 de outubro, entre outros.

 

  1. Vejamos qual deverá ser o sentido e alcance do disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica. Dispõe o nº 1, do artigo 3º do CIUC:

“São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. “

 

  1. Da simples leitura do número um do indicado preceito verifica-se, sem grandes dificuldades, que a pedra de toque está na expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador. Deverá entender-se que o legislador pretendeu estabelecer uma presunção implícita ou uma verdadeira ficção legal?

 

  1. Importa atender a alguns conceitos de referência para encontrar a resposta mais adequada a esta questão., tais como o disposto no artigo 349º do Código Civil, segundo o qual “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”

Já segundo o nº2 do artigo 350º do Código Civil, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

Acresce, no que diz respeito, em concreto, às presunções de incidência tributária, que segundo o artigo 73º da Lei Geral Tributária, estas admitem sempre prova em contrário.

Situação diversa, à qual, por vezes, o legislador recorre, é a que se designa por “ficções legais”, as quais consistem “num processo jurídico que considera uma situação ou um facto como distinto da realidade para lhe atribuir consequências jurídicas”[1]

 

  1. De acordo com a tese reiteradamente defendida pela Requerida AT em diversos processos idênticos ao que se discute nos presentes autos e que verteu como fundamento do indeferimento da reclamação graciosa dirigida ao ora Requerente, o facto do artigo 3º, nº 1, do CIUC estabelecer que se “consideram” como proprietários, ao invés de “presumem-se” como proprietários, revela que o legislador, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, pretendeu expressamente determinar que as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados se consideram, sem admissibilidade de qualquer prova em contrário, proprietários dos mesmos. E, ainda de acordo com esta tese, se o legislador pretendesse criar uma presunção e não uma ficção legal, teria escrito, como faz em diversos outros diplomas, que se presumem proprietários e não que se consideram proprietários.

 

  1. Pois bem, não é esse o entendimento deste Tribunal. E, não se diga que esta é uma posição apenas plasmada nos sucessivos processos arbitrais que se debruçaram sobre este tema. Na verdade, esta mesma posição foi recentemente sufragada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por Acórdão proferido em 19-03-2015, no processo nº 08300/14, no qual se afirma que “(…) o citado artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do art. 73º da LGT.” E, acrescenta, o mesmo Acórdão do TCA Sul “que a ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347º do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.”

Cabe pois ao Requerente o ónus de provar que à data dos factos tributários já não era o proprietário do veículo em causa nos presentes autos.

 

  1. Na verdade, como já foi salientado em diversas decisões arbitrais proferidas, a análise dos elementos histórico e teleológico, para além, naturalmente, do elemento literal, de interpretação legislativa, conduzem à conclusão lógica de que o legislador não pretendeu estabelecer qualquer ficção legal mas apenas e só uma presunção, ilidível mediante prova em contrário nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 73º da Lei Geral Tributária. Tratando-se de norma de incidência tributária outro entendimento seria claramente contrário aos princípios que regem a relação jurídica fiscal.

 

  1. Assim, quanto ao elemento histórico, importa referir que o CIUC teve a sua génese na criação, através do DL 599/72, de 30 de Dezembro, do imposto sobre veículos, o qual já consagrava expressamente que o imposto era devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas em nome de quem os mesmos se encontram matriculados ou registados.[2]

 

  1. Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

Porém no CIUC, o legislador substituiu a expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se”, o que na ótica da Requerida traduziu a consagração de uma ficção legal, inilidível. Pois não consideramos que assim seja.

 

  1. Na verdade, na versão atual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a atual entrou em vigor a LGT, que consagrou expressamente o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adoção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.

 

  1. Como resulta vertido já em diversas decisões arbitrais, agora reforçadas pela jurisprudência dos Tribunais superiores, estamos perante uma presunção ilidível. Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objetiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.

 

  1. E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros. Alega, porém, a Requerida na resposta apresentada, que este mesmo vocábulo “considerando-se” também é normalmente utilizado, pelo ordenamento jurídico fiscal, para definir situações distintas de presunções. Ora, tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.

 

  1. Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.

 

  1.  Afigura-se pacífico que, em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela expressão “presume-se” ou por expressão semelhante.[3]

A título de exemplo, refere Jorge Lopes de Sousa, que no artigo 40º nº 1 do CIRS se utiliza a expressão “presume-se”, ao passo que no artigo 46º, nº 2 do mesmo Código se faz uso da expressão “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal.[4] Assim, não obstante o CIUC ter optado pela expressão “considera-se” em vez de “presume-se”, daí não se extrai qualquer alteração de fundo, tendo ambas o mesmo significado, ou seja, a consagração de uma presunção ilidível.

 

  1. Se atendermos ao elemento teleológico, idêntica conclusão se impõe.

Na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, resulta evidente que se pretendeu empreender uma “reforma global e coerente dos impostos ligados à aquisição e propriedade dos veículos automóveis” a qual resulta da “necessidade imperiosa de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal e da necessidade, mais imperiosa ainda, de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética que hoje em dia marcam a discussão da tributação automóvel. (…) os dois novos impostos que agora se criam, o imposto sobre veículos e o imposto único de circulação, constituem muito mais do que o prolongamento técnico das figuras criadas nos anos 70 e 80 que os antecederam, voltadas predominantemente para a angariação da receita, indiferentes ao custo social resultante da circulação automóvel. Constituem algo diferente, figuras já do século em que vivemos, com as quais se pretende, com certeza, angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade.”

 

  1. Nesta linha de pensamento o legislador consagrou o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, como um princípio fundamental no funcionamento do imposto, “deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária. É este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respetiva propriedade e até ao momento do abate”. O IUC, enquanto verdadeiro imposto ambiental, elegeu como sujeito passivo o utilizador, o poluidor, em obediência ao princípio do poluidor-pagador.

 

  1. Por onde se verifica que o princípio estruturante da reforma da tributação automóvel é justamente a incidência da tributação sobre o verdadeiro utilizador do veículo, não se coadunando este princípio com a leitura “cega” da letra da lei, que poderia levar, afinal, a tributar quem não fosse proprietário e, dessa forma, quem não fosse o sujeito causador do “custo ambiental e viário” provocado pelo veículo, a que alude o artigo 1º do CIUC.

 

  1. Assim, em conformidade com os elementos literal, histórico e teleológico de interpretação da lei conduzem necessariamente à conclusão de que a expressão “considerando-se” tem exatamente o mesmo sentido que a expressão “presumindo-se”, devendo, desta forma, entender-se que o artigo 3º, nº 1, do CIUC, consagra uma verdadeira presunção de propriedade e não qualquer ficção, sendo, por isso, tal presunção ilidível.

 

  1. Pelo que, o sujeito passivo do imposto é, em princípio, o proprietário, porque a lei presume que ele próprio utiliza o bem. Mas se se provar que não é o proprietário quem faz uso do veículo, mas um terceiro, como sucede com os locatários, então será este, o sujeito passivo do imposto. Por maioria de razão se o presumido proprietário afastar a presunção provando que já não o era à data dos factos tributários, também não poderá ser considerado sujeito passivo do imposto.

 

  1. Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. 

 

  1. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel. Neste sentido, também as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 150/2014-T e 220/2014-T, confirmam o mesmo entendimento já plasmado em decisões arbitrais anteriores, entre as quais, a que é invocada nos autos pela Requerente. Ainda a este propósito, e no mesmo sentido, refere o Acórdão arbitral nº 63-2014-T, de 15 de Setembro, que: “(…) se o legislador tivesse, como pretende a Requerida, estabelecido na lei uma qualificação não presuntiva sobre quem é proprietário dos veículos (uma ficção legal), estaria com isso a estabelecer, através de uma diferente formulação, uma regra em tudo idêntica à regra hipotética referida. Estaria a fazer assentar a incidência subjectiva do imposto numa ficção legal, em total desconexão com uma qualquer substância económica como base da incidência subjectiva. (…) E, se assim é, forçoso será também concluir que o artigo 3º, n.º 1, só pode estabelecer uma presunção de propriedade do veículo, mesmo com todas as consequências negativas que essa conclusão acarretará, decerto, em termos de eficiência da administração do imposto.”

 

  1. Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal. A tudo o que se deixa supra exposto acresceria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respetivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT. Esta interpretação está, ainda, em sintonia com o princípio enunciado no artigo 11º, nº 3, da Lei Geral Tributária, que estabelece, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias que «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários

 

  1. A este propósito, a posição vertida na Decisão Arbitral nº 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014, é bastante esclarecedora ao afirmar que: “É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização. Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registral, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registal da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).” 

 

  1. Esta é, também, a posição do tribunal arbitral nos presentes autos, sufragando as posições já anteriormente plasmadas nas diversas decisões arbitrais supra mencionadas, pelo que, se entende que a presunção inscrita no nº1, do art.º 3º, do CIUC, configura uma presunção ilidível, que corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objetivos almejados pelo legislador. Outro entendimento implicaria aceitar a possibilidade de tributar pessoas coletivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto, frustrando em absoluto os propósitos reguladores da própria lei, ou seja, a sua verdadeira ratio legis.

 

 

b) Quanto aO valor jurídico do registo automóvel

 

 

  1. Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 1º do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, que instituiu o Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Acrescenta o artigo 7º do Código do Registo Predial, legislação supletiva do registo de automóveis, que “o registo definitivo constituiu presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

  1. O registo de propriedade não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa, permitindo apenas a inscrição no registo presumir a existência do direito e a sua titularidade. Logo, a presunção resultante do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário.

 

  1. E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408º do Código Civil, salvas as exceções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente da inscrição no registo. No caso de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel, não prevendo a lei qualquer exceção para o mesmo, o contrato tem eficácia real, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo, bem assim como o titular inscrito no registo deixará de ser o proprietário, pese embora ainda possa constar, por algum tempo ou mesmo muito, do registo como tal.

 

  1. De notar ainda que, as transmissões efetuadas são oponíveis à ATA, apesar do disposto no nº 1, do artigo 5º do Código do Registo Predial, que dispõe: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros quando registados.” Isto porque a ATA não é terceiro para efeitos de registo, no contexto previsto na lei. A noção de terceiros para efeitos de registo está consagrada no nº 4 do mesmo artigo 5º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, o que, manifestamente não é o caso da AT.

 

  1. A transmissão da propriedade de um bem móvel, ainda que sujeito a registo, como sucede com um veículo automóvel, opera por mero efeito do contrato, nos termos previstos no artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil. O contrato de compra e venda tem natureza real, isto é, a transmissão da propriedade da coisa vendida, ou a transmissão do direito alienado, tem como causa o próprio contrato. As viaturas automóveis são bens móveis, cuja transmissão de propriedade não obedece a formalismo especial. Esta questão é de importância fundamental, ainda, para a determinação dos meios de prova necessários e suficientes para a elisão da presunção.

 

  1. No direito português o facto que determina a transmissão da propriedade de um bem móvel (ainda que sujeito a registo) é o contrato expresso pela vontade das partes. Tanto assim é que o comprador torna-se proprietário do veículo vendido mediante a celebração do contrato de compra e venda, independentemente do registo o qual se assume como condição de eficácia e oponibilidade face a terceiros adquirentes.

 

  1. Assim, a prova da existência deste contrato de compra e venda, pode ser efetuada por qualquer meio idóneo. Uma vez que a presunção resultante do registo é ilidível, resta analisar se no caso em apreço nos presentes autos, se tal presunção a existir foi ou não ilidida.

 

 

C) Quanto ao valor probatório dos documentos constantes dos autos para ilidir a presunção:

 

 

53.Como resulta da matéria provada nos presentes autos, à data dos factos tributários referenciados aos anos de 2009 a 2012, o Requerente já não era o proprietário da viatura, porquanto a alienou em dezembro de 2006 a favor de Senhor C..., contribuinte fiscal nº ..., com domicílio na Rua ….

 

  1. No caso dos presentes autos, o Requerente junta prova da existência do contrato de compra e venda, da data em que o mesmo foi celebrado e da identificação completa do adquirente, conforme consta do Requerimento para registo automóvel (declaração de venda) devidamente preenchido e assinado pelas partes contratantes. Ao que acresce que o vendedor e ora Requerente teve, ainda, o cuidado de exigir a assinatura de um termo de responsabilidade do qual resulta, entre outras, a menção expressa à obrigação do adquirente promover o registo no prazo máximo de trinta dias.

 

  1. Ora, se atendermos às regras do direito civil que regem a transmissão da propriedade de bens móveis, já supra citadas e devidamente explanadas, conclui-se que a transmissão ocorre por mero efeito do contrato, sendo a questão do registo automóvel, ainda que obrigatório, uma condição de publicidade e não de validade nem de eficácia do negócio de compra e venda. Não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um bem móvel, terá, necessariamente, de se aceitar como prova bastante para a elisão da presunção os documentos juntos aos autos como documentos nºs 1 e 2 em anexo ao pedido arbitral – Declaração de venda /Requerimento para apresentação a registo e Termo de responsabilidade.

 

  1. Pelo que, no caso dos presentes autos, a prova junta pelo Requerente é suficiente para afastar a presunção resultante do registo. Acresce ainda salientar que a obrigação de registo cabe ao comprador pelo que, tendo o Requerente agido de forma prudente, mais não lhe era exigível. Aliás, é pacífico para a doutrina e para a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o registo não é condição de validade dos negócios a ele sujeitos ou subjacentes. Dele não depende a transmissão da propriedade e não pertence ao transmitente o ónus de promover o registo, pelo que nenhuma sanção lhe pode ser imposta pelo não cumprimento dessa obrigação por parte do adquirente (este sim obrigado a promover o registo). [5]

 

  1.  Nestes termos, há que considerar as liquidações ilegais por erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que se fundamentaram, nomeadamente, por erro de qualificação do sujeito passivo responsável pelo pagamento do imposto.

Por último, cabe salientar, que a ATA teve conhecimento dos elementos probatórios juntos aos presentes autos, em tempo adequado à não emissão das liquidações definitivas de imposto. Ainda assim, após a audição prévia, ignorou estes elementos e insistiu na produção das liquidações. Manteve o mesmo erro de apreciação na decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

 

  1. Pelo que, afastada a presunção, forçoso é considerar que as liquidações de IUC reclamadas e aqui impugnadas devem ser anuladas.

 

 

  1. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

 

V - DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a) Julgar procedente a impugnação e o pedido arbitral e, em consequência, anular as liquidações impugnadas, referentes aos anos 2009 a 2012, com referência à viatura identificada nos autos;

b) Condenar a Requerida a reembolsar o Requerente das quantias pagas a título de IUC, no montante global de €32,66, acrescida de juros à taxa legal;

c) Condenar a Requerida pagamento das custas processuais, nos termos previstos no artigo 2º, 3º e 4º, nº,6, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €32,66.

 

CUSTAS: Nos termos do disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €306,00, a cargo da Requerida Autoridade Tributária.

 

Registe-se e notifique-se. 

 

Lisboa, 20 de julho de 2015

 

O Árbitro singular,

 

 

 

 

     (Maria do Rosário Anjos)



[1] Neste sentido, cfr: PARDAL, F. RODRIGUES. “O uso de presunções no direito tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, nº 325-327, página 20 e ss.

[2] Neste sentido, vd.. artigo 3º do Regulamento do Imposto sobre Veículos, anexo ao indicado DL 599/72, de 30 de Dezembro.

[3] A este propósito, cfr. LOPES DE SOUSA, J. (2011) Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado. Volume I. 6ª Edição. Áreas Editora: Lisboa. Pág. 589 e ss.

[4] Cfr. Ob. Cit., pág. 590 e ss.

[5] Neste sentido, vd, entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: Ac. STJ de 31.05.1966, in Proc. nº 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso), decisão especificamente referente ao registo automóvel; Ac. STJ de 5.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e Ac. STJ de 14.11.2013, in Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1(Relator: Conselheiro Serra Baptista) exímios na afirmação do predomínio do princípio da substancia sobre a forma, valendo a prova, por qualquer meio idóneo, de quem é substantivamente titular do direito de propriedade, a qual faz ilidir a presunção do registo.