Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 837/2014-T
Data da decisão: 2015-07-24  IUC  
Valor do pedido: € 18.299,60
Tema: IUC - Incidência subjectiva; Facto gerador do imposto e exigibilidade.
Versão em PDF

Decisão ArbitraL

I.              RELATÓRIO:

A… PORTUGAL, S.A., sociedade com sede na Rua …, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação de 155 (cento e cinquenta e cinco) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativos aos anos de 2009 a 2012, referentes a 155 (cento e cinquenta e cinco) veículos automóveis, no valor global de € 18.299,60, bem como a condenação da AT na devolução à Requerente do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)                           A Requerente é a distribuidora oficial em Portugal da marca de automóveis “A...”;

b)                           No âmbito da sua actividade, a Requerente importa os automóveis da referida marca e procede à sua posterior alienação;

c)                           Para o efeito, a Requerente requer junto dos serviços competentes a atribuição das respectivas matrículas;

d)                          No caso de alguns veículos, a atribuição de matrículas é efectuada em momento posterior à sua alienação;

e)                           Sempre que a Requerente requer a atribuição de matrícula, é obrigada a efectuar o registo da propriedade do veículo em seu nome, pelo facto de a Declaração Aduaneira de Veículo se encontrar emitida a seu favor;

f)                            Em 2013, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de imposto ora impugnados, no valor total de €18.299,60, acrescido de juros compensatórios;

g)                           A AT procedeu às liquidações de IUC por ter considerado que, à data da exigibilidade do imposto, a Requerente era a proprietária dos veículos em causa, por se encontrarem matriculados e registados em seu nome;

h)                           A Requerente não é sujeito passivo de imposto único de circulação, porquanto, à data da atribuição da matrícula, já havia alienado os respectivos veículos;

i)                             Ainda que assim se não entenda, o sujeito passivo de imposto único de circulação é o proprietário do veículo no termo do prazo de 60 dias após a atribuição da matrícula;

j)                             Nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 6.º e n.º 2 do artigo 4.º do CIUC, o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação, correspondendo este ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários;

k)                           O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC prevê uma presunção de propriedade ilidível.

A Requerente juntou 1 documento, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 25 de Fevereiro de 2015.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:

a)                           O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados (cfr. n.º 1 do artigo 3.º do CIUC);

b)                           Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorrem as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja, a atribuição de matrícula ou o registo em território nacional;

c)                           A Requerente figura como proprietária dos veículos que constituem objecto do pedido de pronúncia arbitral;

d)                          Figurando o importador no registo como primeiro proprietário do veículo é este o sujeito passivo de imposto;

e)                           O legislador tributário não ficcionou que o imposto seria devido pelo proprietário do veículo que se encontrasse registado no fim dos 60 dias subsequentes à atribuição de matrícula, nem que os importadores, ainda que procedam à alienação dos veículos em data anterior à atribuição de matrícula, se encontram excluídos do âmbito de incidência subjectiva de IUC;

f)                            O legislador consagrou expressa e intencionalmente que o facto gerador do imposto é atestado pela atribuição da matrícula;

g)                           A alienação dos veículos em data anterior à atribuição da matrícula é irrelevante para efeitos de aplicação do disposto no artigo 6.º do CIUC;

h)                           O legislador fiscal pretendeu criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante no registo automóvel ou através da emissão da matrícula a que se reporta o artigo 6.º do CIUC;

i)                             O entendimento propugnado pela Requerente não tem acolhimento legal e viola os princípios constitucionais da legalidade e justiça tributária, da capacidade contributiva, da igualdade, da certeza e da segurança jurídicas.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

II.              SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

III.              QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

a.       Determinar em que momento ocorre, no ano da matrícula dos veículos, o facto gerador do imposto e em que data se considera o mesmo exigível; e

b.      Determinar quem é, no ano da matrícula, o sujeito passivo de IUC, quando, à data da verificação do facto gerador do imposto, os veículos automóveis tenham sido objecto de alienação.

 

 

IV.              MATÉRIA DE FACTO:

a.                       Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.                           A Requerente é a distribuidora oficial em Portugal da marca de automóveis A...;

2.                           No âmbito da sua actividade, a Requerente importa automóveis da referida marca e procede, posteriormente, à sua alienação;

3.                           Aquando da importação dos veículos, a Requerente procede à sua introdução no consumo através da apresentação da respectiva Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), que é emitida em seu nome;

4.                           Para efeitos da venda dos automóveis importados, a Requerente solicita a atribuição das respectivas matrículas, mediante a apresentação da DAV;

5.                           Os veículos automóveis cujas liquidações estão em causa nos presentes autos foram importados pela Requerente;

6.                           A Requerente foi notificada pela AT para exercer o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC respeitantes aos exercícios de 2009 a 2012 e aos veículos identificados no documento 4 junto com a reclamação graciosa constante do PA;

7.                           A Requerente exerceu o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC respeitantes aos exercícios de 2009 a 2012 e aos veículos identificados no documento 4 junto com a reclamação graciosa constante do PA, invocando não ser proprietária dos mesmos;

8.                           Por ofícios datados de 31/10/2013, a Requerente foi notificada da decisão de liquidação do IUC respeitante aos exercícios de 2009 a 2012 e aos veículos identificados no documento 4 junto com a reclamação graciosa constante do PA;

9.                           A Requerente foi notificada de 155 liquidações de IUC, relativas aos exercícios de 2009 a 2012 e respeitantes a 155 veículos, no valor de € 18.299,60;

10.                       Nenhum dos cento e cinquenta e cinco veículos a que as liquidações ora postas em crise se referem pertence às categorias F ou G, a que alude o artigo 4.º do CIUC;

11.                       A Requerente emitiu facturas de venda relativamente a todos os veículos sobre os quais recaíram as liquidações ora impugnadas;

12.                       As matrículas dos veículos a que respeitam as liquidações impugnadas foram emitidas no mês constante das liquidações impugnadas;

13.                       Relativamente aos veículos a seguir identificados, as respectivas facturas de venda foram emitidas em data anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula dos respectivos veículos:

·         …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…; 

14.                       À data das liquidações de imposto, a propriedade dos veículos melhor identificados no Quadro 2 do artigo 26º do requerimento inicial já se encontrava registada em nome de terceiros; 

15.                       A Requerente procedeu ao pagamento voluntário dos impostos liquidados e espelhados nas liquidações ora impugnadas, à excepção do imposto relativo ao veículo de matrícula …-…-…;

16.                       Em 31/03/2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente a todas as liquidações ora impugnadas;

17.                       Em 18/08/2014, a Requerente foi notificada do projecto de decisão da reclamação graciosa apresentada;

18.                       Em 23/09/2014, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

19.                       O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 22/12/2014.

 

b.                      Facto não provados

Com interesse para os autos, não resultou provado:

1.      Que as matrículas dos veículos em causa nos presentes autos tenham sido emitidas nos dias de cada mês e ano indicados pela Requerente;

2.      Que a Requerente tivesse pago o imposto e respectivos juros compensatórios relativos ao veículo de matrícula …-…-…, no valor global de € 53,64.

 

c.                       Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

No que diz respeito à matéria de facto não provada, tratando-se de factos para cuja prova a lei exige documento, a falta da sua junção por parte da Requerente, sobre quem incidia o respectivo ónus, determina que estes factos não se possam considerar provados.

 

 

V.              DO DIREITO:

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

Compulsados os argumentos expendidos pelas Partes, facilmente se compreende que a questão de fundo reside em apurar se, no ano da matrícula, a Requerente é sujeito passivo de IUC, relativamente aos veículos em causa nos presentes autos.

A este propósito, dispõe o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC:

1. – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

Por seu turno, o número 2 do mesmo artigo equipara a proprietários, para efeitos de sujeição a IUC, os locatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação.

Para além desta disposição, mais nenhuma norma do CIUC prevê, para efeito de incidência subjectiva, qualquer afastamento da presunção de propriedade determinada em função do respectivo registo.

Não obstante, atenta a formulação constante do citado número 1 – “considerando-se como tais” – não poderá deixar de se considerar conter esta norma uma presunção de propriedade, a qual, como presunção que é, poderá sempre ser ilidida mediante prova em contrário – cfr. artigo 73º da LGT.

Assim, a presunção de incidência subjectiva resultante do registo poderá sempre ser afastada por qualquer meio idóneo.

Isto posto,

Em causa nos presentes autos estão veículos sujeitos à primeira matrícula em território nacional.

A este propósito, dispõe o artigo 117º nº 4 do Código da Estrada que “a matrícula do veículo deve ser requerida à autoridade competente pela pessoa, singular ou colectiva, que proceder à sua admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional”.

Nos termos do disposto no artigo 24º nº 1 do Regulamento do Registo de Automóveis, “o registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo”.

Da conjugação dos citados preceitos resulta, pois, que, no caso de veículos sujeitos à primeira matrícula, esta é sempre emitida em nome do importador, sendo, em consequência, o registo inicial da propriedade do veículo também efectuado em seu nome.

Sob a epígrafe “facto gerador e exigibilidade”, dispõe o número 1 do artigo 6º do CIUC que “o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional(sublinhado nosso).

Dúvidas não restam, pois, de que o sujeito passivo do imposto é aquele em nome do qual se encontra emitida a matrícula.

No caso dos autos, resultou provado - cfr. ponto 5 - que todos os veículos foram importados pela Requerente, pelo que a matrícula foi necessariamente emitida em seu nome, tendo da mesma forma o registo inicial também sido efectuado em seu nome.

Resultou ainda provado – cfr. ponto 13 - que vários dos veículos cujas liquidações se encontram em causa nos presentes autos foram alienados pela Requerente em data anterior ao mês e ano da emissão da matrícula.

Pelo que, importa verificar se, nestas situações, se deverá manter a presunção de propriedade dos veículos a favor da Requerente, para efeitos da determinação da sua sujeição a IUC.

Conforme já exposto, a presunção de propriedade dos veículos pode, como qualquer presunção em direito fiscal, ser ilidida mediante prova em contrário.

Aquela questão tem sido abundantemente suscitada, originando profusa jurisprudência – também arbitral [1] –; adianta-se, desde já, não se vislumbrarem motivos substanciais para inverter o que até aqui tem vindo a ser dito sobre a presente temática, pelo que se desde já se avançará que o nº 1 do artigo 3º do CIUC estabelece uma presunção, ilidível mediante prova em contrário.

Importa, pois, verificar se a Requerente logrou ilidir a presunção que sobre si impende.

A este propósito, cumpre, antes de mais, distinguir entre os veículos em relação aos quais foi apresentada pela Requerente factura de venda emitida em data anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula, daqueles em que não se poderá, em face dos elementos constantes dos autos, verificar se a factura de venda foi ou não emitida em data anterior.

Vejamos.

Relativamente aos veículos identificados no ponto 13 dos factos provados, as facturas de venda juntas aos autos pela Requerente foram emitidas em data anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula aos respectivos veículos.

Note-se que, conforme já supra exposto, não tendo sido juntos aos autos os certificados de matrícula, não tem este tribunal como determinar o dia concreto da atribuição da matrícula, podendo apenas, por referência às respectivas liquidações, nas quais se identifica o mês da matrícula, aferir do respectivo mês e ano de atribuição.

Pelo que, apenas em relação a estes veículos, cujas facturas de venda foram emitidas em mês anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula, pode este tribunal considerar provado que as facturas foram emitidas em mês e ano anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula.

Cumpre, por isso, relativamente a estes veículos, apurar se as facturas juntas se podem considerar meio apto a ilidir a presunção de propriedade consagrada no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.  

Relativamente a estas facturas, nenhum elemento permite formar a convicção de que as facturas juntas não titulem negócio algum, sendo certo que a sua falsidade não foi sequer arguida pela Requerida.

De facto, não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um bem móvel, terá, necessariamente, de se aceitar como prova das ditas transmissões as facturas emitidas nos termos legais e não impugnadas pela parte contra quem são apresentadas.

Deste modo, e à míngua de quaisquer elementos que permitam concluir o contrário, terá de aceitar-se a veracidade dos documentos juntos, concluindo-se assim que, em relação aos veículos supra identificados, foi celebrado um contrato de compra e venda em mês e ano anterior ao mês e ano da atribuição da matrícula.

Celebrado o contrato de compra e venda, o adquirente será instituído, ex contratu, na posição de proprietário, consequentemente passando a ser-lhe aplicável o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; i.e., o novo proprietário passa a deter, para efeitos de IUC, a posição de sujeito passivo do imposto.

E tal solução impõe-se desde o momento da perfeição do contrato de compra e venda não apenas porque o Código do IUC o determina – ao afirmar que são sujeitos passivos do imposto os proprietários –, mas também pelo facto de entre nós vigorar o princípio da consensualidade, que importa que a transmissão da propriedade ocorra por mero efeito do contrato; como resulta em primeira linha do n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil. Veja-se ainda, reforçando o que acima se diz, a alínea a) do artigo 879.º daquele diploma.

Refira-se, ainda, que o entendimento exposto no parágrafo que antecede é unanimemente propugnado por Doutrina([2]) e Jurisprudência([3]), não carecendo, assim, de desenvolvimentos adicionais.

Desta feita, não prevendo a lei qualquer excepção para o contrato de compra e venda de veículo automóvel, a sua eficácia real produz normalmente os seus efeitos, passando o adquirente, por via do contrato, a ser o seu proprietário, independentemente de qualquer acto posterior.

Assente a veracidade das facturas juntas pela Requerente em relação a estes veículos, bem como o seu conteúdo, teremos de considerar, sem necessidade de quaisquer outras indagações, serem estas documentos aptos a provar a alienação dos veículos em causa.

Temos, pois, que à data do facto gerador do imposto (mês e ano da matrícula), a Requerente havia já alienado os citados veículos, não sendo esta, por isso, sujeito passivo do imposto em relação a estes veículos.

Já no que diz respeito aos demais veículos, em relação aos quais, em face dos documentos juntos, não poderá aferir-se se a venda foi efectuada em momento anterior à data da emissão da matrícula (já que, insiste-se, apenas se conhece o mês e ano da respectiva atribuição e já não o seu dia), pese embora o valor probatório das facturas juntas não seja colocado em causa, a verdade é que não pode este tribunal julgar provada a alienação do veículo em data anterior à da atribuição da matrícula.

Mas será que se poderá defender, como faz a Requerente, que a incidência subjectiva do imposto se deve aferir na data prevista para a sua liquidação?

Sobre esta questão, defende a Requerente que, no ano da primeira matrícula do veículo, a sua liquidação deve ser efectuada no prazo de 30 dias contado do termo do prazo para proceder ao respectivo registo.

Assim, de acordo com a Requerente, o sujeito passivo do imposto é o proprietário do veículo naquele período.

Mas sem razão, como veremos.

É certo que, conforme resulta do disposto nos números 1 e 2 do artigo 42º do Regulamento do Registo de Automóveis, o registo inicial de propriedade do veículo deve ser requerido no prazo de 60 dias contado da data da atribuição da matrícula.

Por seu turno, preceitua o nº 1 do artigo 17º do CIUC que “no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo”.

Esta norma do CIUC determina, portanto, não o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, mas a data da sua liquidação, o que é diferente, não podendo defender-se, como pretende a Requerente, que a determinação da incidência subjectiva do imposto seja aferida em função da data legalmente prevista para a sua liquidação.

Com efeito,

Conforme resulta do nº 1 do artigo 6º do CIUC, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.

Por seu turno, prescreve o nº 3 do mesmo preceito que o imposto se considera exigível no primeiro dia do período de tributação referido no nº 2 do artigo 4º que, por sua vez, determina, em relação aos veículos das categorias A a E, que o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

Verifica-se, pois, que a exigibilidade do imposto, no caso de veículos sujeitos a primeira matrícula, ocorre na data da sua atribuição.

É assim, esta a data determinante para a aferição quer do sujeito passivo do imposto, quer do momento da sua exigibilidade.

Coisa diferente é a data legalmente prevista para a sua liquidação que, no caso dos veículos sujeitos a primeira matrícula, ocorre, como exposto, nos 30 dias posteriores ao termo do prazo de 60 dias para o seu registo.

O facto de o imposto apenas poder ser liquidado neste período em nada releva para efeitos de determinação quer do seu sujeito passivo, quer do momento em que o mesmo é exigível, elementos estes que terão de ser aferidos previamente à determinação da data da liquidação.

Por onde se conclui que, relativamente a estes veículos, não tendo a Requerente ilidido a presunção de propriedade dos mesmos a seu favor na data da emissão da matrícula, não se poderá defender não ser esta o sujeito passivo do mesmo, pese embora o prazo de liquidação do imposto ocorra em momento posterior e até em momento em que a Requerente poderá não ser já sua proprietária.

O que releva, insiste-se, para efeito da determinação do sujeito passivo do imposto é a data da matrícula e não o prazo previsto para a sua liquidação.

Em face de tudo quanto ficou exposto, verifica-se que a Requerente ilidiu a presunção de propriedade a seu favor em relação aos veículos identificados no ponto 13 dos factos provados, não o tendo logrado fazer em relação aos demais.

Procede, assim, o pedido formulado relativamente à anulação das liquidações IUC respeitantes aos veículos de matrículas identificadas no ponto 13 dos factos provados, improcedendo em relação aos demais.

 

VI.              DISPOSITIVO

Em face do exposto, decide-se:

a)                  Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de liquidação de IUC relativos aos veículos com as seguintes matrículas:

·         …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…; 

no valor global de € 6061,83;

b)      Condenar a Requerida a reembolsar à Requerente o valor de € 6061,83 e pagar os respectivos juros indemnizatórios;

c)      Julgar improcedente o pedido de anulação dos actos de liquidação de IUC relativos aos demais veículos.

***

Fixa-se o valor do processo em € 18.299,60, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente e pela Requerida na proporção do decaimento, sendo 66,87% para a Requerente e 33,13% para a Requerida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Julho de 2015.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 



([1])Veja-se, a este propósito, decisões proferidas nos processos nºs 302/2013-T, 50/2014-T, 118/2014-T, 214-2014-T, 228/2014-T, 247/2014-T, 316/2014-T, 330/2014-T e 350

([2])     Vide, por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volumes I e II, Coimbra Editora, 4ª Edição Revista e Actualizada, Anotações aos artigos 408.º e 79.º.

([3])     Vide, inter alios, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1998.