Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 549/2020-T
Data da decisão: 2021-07-20  IVA  
Valor do pedido: € 140.517,10
Tema: IVA – Ginásios - Serviços de nutrição - “Pacotes” de serviços.
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SUMÁRIO:


I – A prestação de serviços de nutrição pelos ginásios é autonomizável das prestações que integram a sua atividade principal e não uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio).

II – Dentro das práticas comerciais atuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua atividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respetiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.

III – Não estando em causa, assim, prestações meramente acessórias, por força do princípio da neutralidade do IVA, a decomposição dos preços impõe-se, vigorando, à falta de previsão legal noutro sentido, a liberdade económica dos operadores dentro do que sejam os preços aceitáveis de mercado, sendo que, a falta de, ou a incorreta, decomposição, não acarretará a aplicação da “taxa mais elevada à totalidade do serviço”, justamente por não estar em causa uma única prestação complexa e por inexistir previsão legal nesse sentido, mas a obrigação da AT liquidar, por métodos diretos ou indiretos, o imposto de acordo com a taxa aplicável a cada serviço.

 

Os Árbitros Manuel Luís Macaísta Malheiros, Guilherme W. d´Oliveira Martins e Paulino Brilhante Santos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            O Requerente A, pessoa coletiva nº …, com sede na …, solicita a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção dos respetivos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º 36542... e Apensos) e respetivos Processos de Contraordenação (Processo n.º 36542... e Processo n.º 36542...), nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vem requerer declaração de ilegalidade dos identificados atos tributários, nos seguintes termos:

a.            Os atos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

i.             Liquidação n.º 2020 ...157, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii.            Liquidação n.º 2020 ...166, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;

iii.           Liquidação n.º 2020 ...172, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iv.           Liquidação n.º 2020 ...181, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

v.            Liquidação n.º 2020 ...187, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

vi.           Liquidação n.º 2020 ...195, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vii.          Liquidação n.º 2020 ...205, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

viii.         Liquidação n.º 2020 ...213, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

ix.           Liquidação n.º 2020 ...218, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

x.            Liquidação n.º 2020 ...229, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

xi.           Liquidação n.º 2020 ...240, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xii.          Liquidação n.º 2020 ...245, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

xiii.         Liquidação n.º 2020 ...475, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

b.            Com o montante total de 140.517,10 Euros, sendo o montante de imposto de 121.929,16 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 18.587,94 Euros.

c.            Invoca como fundamento os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais supra identificadas foram emitidas pela AT na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e por conseguinte entender que estão sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01, com a consequente emissão das respetivas notas de liquidação de IVA e juros.

d.            No entanto, os referidos atos de liquidação de IVA padecem de vício de ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e, por conseguinte, estão isentos de IVA.

e.            Entende a AT que apenas as consultas avulsas de nutrição faturadas pela Requerente estão isentas de IVA, enquanto as consultas anuais que são faturadas mensalmente não estão, no entendimento da AT, isentas de IVA.

f.             A AT violou, por errada interpretação e aplicação da lei, os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sob a forma, ao emitir estes atos de liquidação, fazendo uma interpretação extensiva da lei, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e respetiva anulação, com os fundamentos que se adiante se demonstrarão.

g.            Esta questão já foi suscitada pela AT, em inspeções tributárias aos exercícios 2013 e 2014, quer na esfera da Requerente quer em 8 outras sociedades do Grupo B, no qual a Requerente se insere. No âmbito dessas Inspeções Tributárias aos anos 2013, 2014 e 2015, a AT efetuou correções em sede de IVA e respetivos juros compensatórios similares às que são contestadas nos presentes autos, tendo as mesmas sido contestadas neste Tribunal Arbitral, com a mesma matéria de facto e de direito, tendo já sido proferidas decisões arbitrais relativas às liquidações de IVA e juros dos anos 2013 e 2014, todas favoráveis quer à Requerente quer às restantes empresas do Grupo B, nos seguintes Processos:

i.             Processo n.º 163/2019-T em que foi parte a Requerente;

ii.            Processo n.º 169/2019-T (C, SA);

iii.           Processo n.º 159/2019-T (D, SA);

iv.           Processo n.º 164/2019-T (E, SA);

v.            Processo n.º 373/2018-T (F, S.A.), tendo este sido confirmado por decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul no Proc. n.º 91/19.0BCLSB;

vi.           Processo n.º 161/2019-T (G, S.A.);

vii.          Processo n.º 170/2019-T (H, SA);

viii.         Processo n.º 162/2019-T (I, LDA.);

ix.           Processo n.º 160/2019-T (J, LDA.).

x.            Quanto às liquidações de IVA e juros relativos ao ano 2015, os respetivos processos arbitrais ainda se encontram em curso, tendo-lhes já sido atribuídos os seguintes números de processo:

xi.           Processo n.º 381/2020-T (D, SA);

xii.          Processo n.º 403/2020-T (E, SA);

xiii.         Processo n.º 399/2020-T (F, S.A.);

xiv.         Processo n.º 380/2020-T (C, S.A.);

xv.          Processo n.º 405/2020-T (G, S.A.);

xvi.         Processo n.º 397/2020-T (A);

xvii.        Processo n.º 395/2020-T (H, SA);

xviii.       Processo n.º 404/2020-T (I, LDA.);

xix.         Processo n.º 408/2020-T (J, LDA.).

h.            O Grupo B, no qual a Requerente se insere, existe atualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua atividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado B Portugal que é constituído por 16 empresas.

i.             Uma dessas empresas é a Requerente, que tem como atividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras atividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia. O código de acesso à certidão permanente é o 0517-8301-1607.

j.             A Requerente desenvolvia a sua atividade em 2016 e também atualmente, num … do Grupo B localizado em ….

k.            Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

l.             A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços. O clube tem 5.560 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 5 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicado a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Como serviços o clube oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

m.          Serviços estes que se inserem na mais ampla política do Grupo B bem espelhada na máxima Life well assente em três pilares “move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso). Assim, dando corpo à implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a B… levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a com novo target da marca B….

n.            Foi com base nesta máxima que, na vertente “eat well” em 2013 (e até hoje) a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato que se decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” que, refira-se, consiste exatamente no mesmo serviço que os denominados serviços de nutrição, sendo as expressões e licenciaturas de dietética e nutrição equivalentes desde a constituição da ordem dos nutricionistas em 1 de janeiro de 2011. Vide www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.pB?cod=OAOE.

o.            Aos sócios que aceitaram este novo serviço, pois sócios houve que não aceitaram, foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing por forma aos sócios conhecerem esse novo serviço e habituarem-se a fazer consultas para além das constantes do pacote inicial, o que veio a acontecer.

p.            Os serviços de nutrição/dietéticos, são prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito, resultado dos investimentos e alterações introduzidas nos vários edifícios B. Nesses gabinetes apenas são prestadas consultas de nutrição, quer as consultas base quer as consultas premium (consultas subsequentes, em packs ou avulsas que a AT não contesta serem isentas de IVA), não servindo os mesmos gabinetes para qualquer outro fim.

q.            No caso específico da Requerente existem duas salas onde só se prestam serviços de nutrição e que foram adaptados para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

r.             Para fazer face a esta nova filosofia, a Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu Quadro de Pessoal, conforme cópias dos Mapas de Quadros de Pessoal de 2013, 2014, 2015 e 2016, identificados com o Código 22650, sendo que atualmente o Grupo B já conta com 49 nutricionistas no total, que desenvolvem a sua atividade nos agora já 21 ginásios geridos pelo Grupo B em Portugal.

s.            O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição, supra referido, era à data composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas. No entanto, sempre que os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.

t.             Os clientes podiam e podem usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição como o inverso também é verdadeiro.

u.            Em 2016, o Grupo B… proporcionou aos seus sócios 49.939 consultas de nutrição, nas quais estão incluídas as 2 consultas iniciais previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

v.            A Requerente proporcionou 2.575 consultas de nutrição no ano de 2016, sendo que o número de sócios neste ano foi o que se apresenta no quadro seguinte:

 

 

 

w.           As consultas são efetuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme referido supra e em instalações próprias para o efeito e especificas só para aquele fim, com software próprio e específico para serviços de nutrição (SANUT).

x.            Inclusive, a Requerente, bem como todo o Grupo B em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B… que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 1 estagiário.

y.            Sendo o Grupo B provavelmente a maior entidade empregadora privada (não hospitalar) de nutricionistas.

z.            A Requerente foi a primeira entidade no seu ramo de atividade a implementar este novo serviço de nutrição e pode concluir-se que foi uma aposta de mercado que veio ao encontro das preocupações atuais dos cidadãos, tendo em conta a adesão que a mesma teve por parte dos sócios já existentes e dos novos sócios.

aa.          A Requerente sempre entendeu que estes serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão isentos de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por se subsumirem na sua factispecie, como adiante se demonstrará, tendo, inclusivamente, com total transparência e boa fé, solicitado parecer vinculativo à AT antes do início das consultas, situação completamente desconhecida pelos inspetores da AT aquando da fiscalização, tendo sido confrontados e ficado surpreendidos com tal situação.

bb.         No entanto, no âmbito de uma ação de controlo declarativo da tipologia do Acompanhamento Permanente, a AT entendeu que as prestações de serviços dietéticos (nutrição) realizadas pela Requerente (bem como por todo o Grupo B…) não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea a) do artigo 9.º do CIVA, na medida em que, no seu entendimento, “o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio”, expressão esta extraída da página 21 do Relatório de Inspeção.

cc.          Quanto ao direito, não concorda a Requerente com os argumentos aduzidos pela AT no seu Relatório de Inspeção, para justificar a não aplicação da isenção do IVA sobre os serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

dd.         A AT apresenta argumentos que não justificam esta correção nem são suscetíveis de afastar a isenção de IVA nos serviços praticados pela Requerente. A AT entende que as 4 consultas iniciais de nutrição (2 presenciais e 2 por telefone), previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão fora do âmbito da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por entender que as mesmas são acessórias do serviço principal (ginásio), ao contrário das consultas subsequentes (adquiridas pelos sócios), que entende serem isentas de IVA.

ee.         No entanto, é entendimento da Requerente que todos os serviços de nutrição (consultas iniciais e subsequentes) praticados pela Requerente, independentemente da denominação que lhe seja dada, por serem prestados pelos mesmos profissionais qualificados, nas mesmas condições e com os mesmos objetivos, são sempre subsumíveis na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

ff.           De facto, as prestações de serviços em causa, por serem prestadas por nutricionistas, têm sempre fins terapêuticos e são prestações de serviços autónomas da prestação de serviços de ginásio, pelo que estão isentas de IVA.

gg.          Este entendimento foi corroborado pelo Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora Clotilde Celorico de Palma, de 28 de abril de 2018, solicitado pela AGAP - Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal, que estatui, desde logo na página 3 “sendo certo que, como inevitavelmente iremos concluir: (i) As prestações de serviços realizadas pelos nutricionistas têm fins terapêuticos; (ii) Uma vez configuradas como autónomas em relação às demais prestações de serviços efetuadas pelos ginásios, v.g., a prática de atividade física, as prestações de serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo devem ser isentas de IVA

hh.         A concluir-se de forma distinta estaremos perante uma violação das regras que regem este imposto ao nível do Direito da UE”.

ii.            Todos os serviços de nutrição praticados pela Requerente:

             São prestados por profissionais qualificados com fins terapêuticos e de prevenção, pelo que se enquadram na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA;

             São efetivos;

             São autónomos do serviço principal ginásio.

 

jj.            Invoca ainda os argumentos adicionais:

 

A)           DA SUBSUNÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA ISENÇÃO DE IVA PREVISTA NA ALÍNEA 1) DO ARTIGO 9.º DO CÓDIGO DO IVA

a.            Nos termos previstos na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA “Estão isentas do imposto:

As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas; (…)”.

b.            Esta isenção vem na senda da previsão de isenção para determinadas prestações de serviços na área da saúde previstas no artigo 132.º da Diretiva do IVA (Diretiva 2006/112/CE). Nos termos da alínea c) deste artigo está prevista isenção para as “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa”.

c.            No que respeita às atividades paramédicas, e uma vez que o Código do IVA não define este conceito, há que recorrer à lei interna, nomeadamente, ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, bem como ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, que contêm os requisitos a observar para o exercício das respetivas atividades e acesso à profissão.

d.            O Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, determina, no seu artigo 1.º n.º 1 que “regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação (sublinhados nossos)”.

e.            É condição essencial para o exercício destas atividades profissionais de saúde, e determinante para a atribuição da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso e registo profissional, nos termos dos artigos 4.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto.

f.             Determina o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 261/83, de 24 de julho, que as atividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante.

g.            No ponto 5 do Anexo consta “Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares (sublinhados nossos)”.

h.            Refere a AT na página 19 do Relatório que “daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2) do artigo 9.º do CIVA, respeitam a atividades que tenham por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde”, como forma de excluir os serviços de nutrição da isenção por não terem por objeto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

i.             É verdade que o TJUE tem vindo a decidir que, para que se aplique a isenção do IVA, as atividades devem ter por objetivo diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde. No entanto, esquece-se a AT de referir que o mesmo TJUE também tem vindo a decidir que, em virtude de a finalidade terapêutica não dever entender-se de forma demasiado estrita, as prestações médicas para efeitos de prevenção também podem ser isentas, ou seja, inclui no âmbito da isenção as prestações que têm por objetivo proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas.

j.             É do conhecimento geral que a medicina e serviços paramédicos não pode ser vista somente do ponto de vista do tratamento, mas, sobretudo, e cada vez mais, do ponto de vista da prevenção, nomeadamente, de problemas como a obesidade, a diabetes, hipertensão, problemas cardíacos, entre outros.

k.            São os próprios médicos e a própria Organização Mundial de Saúde a recomendar o exercício físico e alimentação saudável.

l.             E é isto que a B proporciona aos seus clientes em Portugal, em linha com o que é feito na Europa.

m.          Se o exercício físico em locais especializados (ginásios) ainda não é considerado um serviço essencial (do ponto de vista da prevenção de problemas de saúde), ao contrário do que a prática tem vindo a provar e a própria comunidade médica reconhece, e ainda é tributado com taxa normal do IVA, já a nutrição é isenta de IVA de acordo com a própria Diretiva do IVA e legislação nacional, não podendo nem devendo a AT, enquanto entidade pública, subverter as regras do IVA (que na sua essência são pensadas do ponto de vista do que é essencial ou benéfico para o ser humano).

n.            Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

 

B)           DA EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS

a.            Refere a AT na página 24 do Relatório “Caso os serviços não se insiram no conceito de prestação de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passiveis de tributação à taxa normal prevista no artigo 18.º do CIVA”.

b.            Todos os serviços prestados pela Requerente na área da nutrição são prestados da mesma forma pelos mesmos profissionais, através de consultas de nutrição, quer sejam vendidas aos sócios através dos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos (2 consultas presenciais por ano) quer sejam vendidas isoladamente ou em packs de várias consultas, mudando apenas a forma de faturação das mesmas.

c.            Veja-se, a título de exemplo, alguns sócios que subscreveram os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

d.            Ao contrário do que pretende fazer entender a AT no seu Relatório, arguindo sem apresentar qualquer prova em contrário, as consultas do pack inicial (consultas base) são efetivamente prestadas aos clientes, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações que as consultas de nutrição adquiridas por estes após esgotar as consultas iniciais, sendo os serviços prestados exatamente os mesmos.

e.            Ou seja, estes serviços (consultas base) são efetivamente prestados, da mesma forma e com as mesmas condições que as consultas premium (subsequentes ou avulsas) que os sócios adquirem, isoladamente, ou em packs, e em relação às quais a AT não contesta que sejam isentas de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

f.             Refere a AT que os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos e as consultas de nutrição vendidas em separado têm códigos de faturação diferentes (SDIET e NUT) contudo refira-se e reitere-se que:

i.             Tratam-se de meros códigos de faturação que foram sendo criados para distinguir as diversas consultas por uma questão de controlo na implementação da estratégia de marketing;

ii.            Em substância, todas elas são consultas de nutrição, prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição;

iii.           Como se pode verificar pelos exemplos de faturas juntas ao processo, a descrição do serviço é igual quer para as consultas base quer para as consultas premium, ou seja, independentemente de constar o Código SDIET (consultas base) ou NUT (consultas premium), na descrição aparece sempre serviços de nutrição, pelo que fica demonstrado que o código ou a descrição são irrelevantes para a qualificação dos serviços que são exatamente os mesmos;

iv.           Serviços dietéticos ou de nutrição é exatamente a mesma coisa;

v.            Aliás, com a criação da ordem dos nutricionistas em 2011 deu-se equivalência licenciatura de nutrição a quem tinha licenciatura em dietética;

vi.           Existem nutricionistas inscritos na Ordem dos Nutricionistas que tiraram a licenciatura em Dietética;

vii.          As expressões são iguais e significam o mesmo.

g.            Não faz sentido inferir que de códigos de faturação com diferentes siglas se tratem de serviços diferentes. Como referido, trata-se de meros códigos criados com as siglas SDIET e NUT, mas que na verdade poderiam ser quaisquer outras siglas, querendo-se tão somente diferenciar o que são os packs de 2 consultas iniciais (vendidas aquando da adesão dos sócios) das restantes consultas de nutrição (efetuadas após esgotar as duas consultas iniciais), que servem para efeitos de monitorização dos membros do clube para padronização dos seus comportamentos para servir de base a estratégias de marketing.

h.            O modo como é faturado não pode influenciar a natureza do serviço, tal como o facto de ser faturado por uma sociedade e não pelo próprio nutricionista também não lhe retira essa natureza (Informação Vinculativa no âmbito do Processo: n.º 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA). Ou seja, a AT aceita que os serviços de nutricionismo gozam da isenção prevista no n.º 1) do artigo 9.º quando são faturados separadamente dos serviços de ginásio.

i.             Também o facto de o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos estar associado ao Contrato de Adesão não pode influenciar a qualificação do serviço para efeitos de IVA. Trata-se apenas de uma questão de marketing para implementação do referido serviço de nutrição até então totalmente inovador e de filosofia de grupo completamente irrelevante para efeitos fiscais.

j.             Como referido no Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora Clotilde Celorico de Palma, de 28 de abril de 2018, página 43 “No caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam actividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente” (sublinhados nossos).

k.            Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efetivos e mesmo que não fossem não seriam desqualificados para efeitos de aplicação da isenção da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.

l.             Improcedem, assim, os argumentos apresentados pela AT no Relatório de Inspeção, nomeadamente, tendo ficado amplamente demonstrado que o serviço foi efetivamente prestado.

 

C)           DA NÃO ACESSORIEDADE DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

a.            Na página 18 do Relatório de Inspeção, a AT acaba por confessar que fundamenta a sua posição de não aceitar que estes serviços de nutrição se enquadrem na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, por entender que se tratam de serviços acessórios do serviço principal de utilização das instalações desportivas.

b.            Clarifica mesmo que entende que apenas os serviços dietéticos (entenda-se 2 consultas iniciais por ano) são acessórios do serviço principal, e como tal segue o regime de IVA do serviço principal, por contraponto com as consultas de nutrição (entenda-se consultas premium), que a AT não põe em causa que estejam isentas de IVA, o que não se compreende.

c.            É preciso esclarecer, e conforme já referido, que, apesar de a expressão utilizada nas faturas ser “prestação de serviços dietéticos”, estes serviços consistem em serviços de nutrição prestados por nutricionistas habilitados para o efeito e não têm qualquer diferença face às consultas vendidas separadamente em packs denominadas “Consultas Premium”, aliás, presentemente, e desde que foi criada a Ordem dos Nutricionistas em 1 de janeiro de 2011, a expressão serviços dietéticos ou de nutrição são expressões que significam exatamente o mesmo.

d.            Ou seja, a AT faz divergir o enquadramento em sede de IVA das consultas de nutrição (mesmo tipo de consultas dado pelos mesmos profissionais) consoante a forma como as mesmas são vendidas aos sócios e a designação que lhes é dada na fatura.

e.            Pretendendo assim que a forma prevaleça sobre a substância material, violando assim o mais elementar princípio do direito tributário e da justiça material da prevalência da substância sob a forma, patente, nomeadamente, no artigo 11.º n.º 3 da LGT.

f.             A AT não apresenta qualquer evidência ou prova desta alegada acessoriedade, porquanto ela não existe.

g.            Tratam-se de diferentes áreas de negócio, tendo o Grupo B em geral e a Requerente em especial adotado várias estratégias de mercado para lançar este novo produto de nutrição, na linha da máxima “eat well” inserida na mais ampla filosofia holística de bem estar dos seus clientes “Life well” assente em três pilares “Move well, eat well e feel well” (Exercício, Nutrição, Repouso).

h.            A Requerente, para além da atividade principal de ginásios (CAE 93192), tem também diversos CAE secundários, conforme reconhecido pela própria AT no Relatório de Inspeção (página 29), exerce outras atividades, como:

i.             CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana, NE, constando ainda no seu objeto social prestação de serviços de nutrição.

j.             Cada uma das atividades é exercida autonomamente e cada uma delas segue o seu próprio regime de IVA.

k.            Recorde-se o lema da B em Portugal “Fitness/Nutrição/Spa”, ou seja, é uma trilogia de serviços, perfeitamente autónomos e independentes (em espaços individualizados) entre si, totalmente dissociáveis, de acordo com o que vem sendo o entendimento do TJUE sobre esta matéria, que apenas considera acessórios os serviços que não sejam autonomizáveis entre si.

l.             A AT aceita a isenção de IVA nas consultas de nutrição vendidas isoladamente ou em packs separados aos sócios, aceitando que esta é uma atividade autónoma da atividade principal (ginásio) e, como tal, segue o seu próprio regime de IVA.

m.          Apenas não aceita, e vem agora liquidar adicionalmente o respetivo IVA, que as consultas de nutrição que são efetuadas ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos sejam isentas de IVA.

n.            A AT no seu Relatório refere que umas consultas têm o Código SDIET outras o código NUT, para decidir que umas são acessórias e outras não.

o.            Na verdade, todas têm a mesma natureza, todas são faturadas aos clientes pela Requerente, todas são prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição, no seio do Grupo B com o qual têm vínculo laboral, pelo que todas têm que ter o mesmo tratamento fiscal: isenção de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA. Tudo o resto (forma de debitar ao cliente, denominação do serviço, código de faturação, etc.) tem somente a ver com a organização interna e marketing que não pode ser relevante para efeitos de qualificação fiscal de uma operação ou serviço.

p.            Qualquer outro entendimento violaria os mais elementares princípios da justiça material, da equidade e proporcionalidade.

q.            Conclui-se assim que o emaranhado de argumentos apresentados pela AT ao longo de todo o Relatório são manifestamente infundados, contraditórios com a própria posição da AT defendida em diversos documentos referidos supra e com o próprio TJUE. Todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efetivos e são autónomos da prestação de serviços de ginásio, sendo-lhe aplicável a isenção de IVA prevista no artigo 9.º alínea 1) do CIVA.

r.             Por conseguinte, não tendo a AT conseguido justificar o afastamento da isenção de IVA que a Diretiva do IVA e o próprio Código do IVA quis aplicar, as notas de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios decorrentes da ação de inspeção deverão ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais.

 

D)           LIQUIDAÇÃO DO IVA POR DENTRO

a.            Sem conceder, mas por mero dever de cautela, ainda que se considerasse que estes serviços estão sujeitos a IVA, nunca a AT poderia ter aplicado a taxa de 23% sobre o valor dos serviços prestados. Assim, argumenta:

i.             Para determinação do valor a corrigir, em sede IVA, os Serviços de Inspeção Tributária utilizaram uma listagem das faturas emitidas no período em análise (2016), a qual inclui as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados, tendo sido extraídas, por cada fatura, as linhas com os valores respeitantes à prestação dos serviços dietéticos.

ii.            Para apuramento do imposto, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram o valor faturado aos utentes, sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor.

iii.           Conforme já ficou dito anteriormente, os Serviços de Inspeção Tributária consideraram os serviços dietéticos prestados pela Requerente aos utentes sujeitos a IVA, e, de forma a apurar o valor do imposto em falta, consideraram o valor recebido no montante de 574.830,00 Euros (faturação de 2016), sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor, do qual resultou o valor global de imposto devido de 132.210,90 Euros.

iv.           Ora, no entender da Requerente, a isenção contemplada na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA pretende que tais operações sejam prestadas a consumidores finais, como tal o valor cobrado pela Requerente aos utentes, no período em análise, constitui o preço final.

v.            Com a alteração do enquadramento proposto pelos Serviços de Inspeção Tributária, entende a Requerente que o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos, considerados pela Requerente como isentos de IVA ao abrigo da alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, deverá ser considerado com inclusão do IVA.

vi.           Sublinhe-se que, a seguir-se a tese da AT de determinação do IVA sobre o preço final cobrado aos utentes, os respetivos consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao nível do seu bem-estar económico ao criar esse encargo adicional.

vii.          Como na prática isso seria impossível, teria a Requerente que suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do IVA, enquanto imposto neutro por definição.

viii.         Ao considerar o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos com inclusão do IVA, o preço final não sofrerá qualquer alteração junto do consumidor final, possibilitando, à Requerente, sujeitar a imposto o montante recebido, retirando por dentro o respetivo valor do IVA

ix.           Atendendo ao disposto no artigo 49.º do Código do IVA, o apuramento da base tributável correspondente seria obtido através da divisão do valor recebido dos clientes por 123 (taxa normal de IVA de 23%) e multiplicando o quociente por 100. Assim, teríamos: Base Tributável = [valor recebido dos utentes / 123] x 100, ou seja, Base Tributável = [€ 574.830,00 Euros / 123] x 100 = € 467.341,46, sendo o montante global do IVA devido de € 107.488,54 (€ 467.341,46 x 23%) e não € 132.210,90 (cálculos apresentados de forma meramente demonstrativa, efetuados com base nos valores extraídos do Relatório de Inspeção, sem prejuízo de os valores constantes das liquidações adicionais nem sempre coincidirem com o Quadro da página 37 do Relatório de Inspeção)

x.            Por conseguinte, e por todo o exposto, tendo sido demonstrado que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente cumprem os requisitos para serem contemplados na isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, devem as notas de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve o IVA ser liquidado por dentro nos termos supra expostos.

 

 

2.            A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

 

a.            Em suma, os SIT entenderam que, por um lado, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante da al. 1) do artigo 9.º do CIVA,

b.            E, por outro lado, consideraram os serviços de nutrição em apreço acessórios dos serviços de ginásio e, assim, com o mesmo enquadramento destes, em sede de IVA.

c.            A Requerente, discorda de tal entendimento e, em suma, defende que, sendo aqueles serviços prestados (ou melhor dizendo, facturados), por profissionais habilitados, têm imediata e necessariamente fins terapêuticos, pelo que beneficiam da isenção em apreço e, por outro lado, que tais serviços não são acessórios dos serviços de ginásio, mas antes complementares, não seguindo por via disso, o enquadramento destes em sede de IVA. 

d.            Salvo melhor opinião, entende a Requerida não assistir razão à Requerente, senão vejamos,

e.            É facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas.

f.             E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, obter uma melhor performance desportiva, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.

g.            Ao que acresce que, sendo os serviços faturados, independentemente da sua efetiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efetivamente prestado.

h.            Ou seja, como está bom de ver, assinar um contrato, receber faturas e paga-las, não tem, qualquer fim terapêutico.

i.             Em suma, entende a Requerente que verificado o requisito subjetivo da aplicação da isenção (a qualificação dos prestadores dos serviços), se pode ter por presumido o requisito objectivo (de que tais serviços tiveram por fim, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar, determinada doença), mesmo quando não chegam a ser prestados.

j.             Por sua vez, a Requerida, discordando de tal entendimento, defende que, como infra observaremos, para a aplicação da isenção, não releva a promoção da saúde em geral nem a eventual prevenção de futuras doenças.

k.            Porque, a ser assim e, tendo em conta que é de conhecimento comum e também pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde assumido, que a prática desportiva contribui para a saúde de quem o pratica, então também os serviços de ginásio usufruiriam de tal isenção e, os professores de educação física, personal trainers, etc, seriam, enquanto profissionais qualificados para a prestação daqueles serviços, profissionais de saúde para efeitos de aplicação da isenção e, como se sabe, assim não é.

l.             Pelo que, aqui chegados, salvo melhor opinião, não se pode dar como provada a finalidade terapêutica nos serviços em apreço (que de resto, no entender da Requerida, nem sequer é alegada).

m.          Adiante-se, entende a Requerida não assistir razão à Requerente na presente matéria, vejamos,

n.            No que concerne às liquidações aqui em apreço, o direito aplicável, é o constante da fundamentação de direito do RIT, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

o.            Em suma, concluíram os SIT que, os serviços faturados a título de nutrição, aqui em apreço, estão sujeitos a IVA e dele não isentos.

p.            E, assim o considerou, essencialmente por entender, não se verificarem nos serviços em apreço os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, que ao serem os serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que faturou (ou até elo contrário assumindo não os ter prestado), não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão, por não verificada a finalidade terapêutica, por um lado e, por outro, por considerar tais serviços acessórios dos serviços de ginásio prestados em conjunto aos clientes da Requerente.

q.            Relativamente à aplicação da isenção em casos como o em apreço, nomeadamente, quando:

             Se tratam de serviços de nutrição, prestados num conjunto de serviços, entre os quais se incluem também os de ginásio

             E, os serviços sejam facturados independentemente de serem terem sido prestados e, até, quando não se demonstre terem sido efetivamente prestados

r.             Já se pronunciou o TJUE, no Processo C-581/19 - naquele Acórdão, foi proferido no âmbito do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga, à em apreço nos presentes autos.

s.            No referido processo, foi suscitada pela AT a necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação da al. c) do n.º 1 do art.º 2.º e al. c) do n.º 1 do art.º 132.º, ambos da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11

t.             Pelo que, como se se pode observar, a matéria submetida à apreciação do TJUE é absolutamente coincidente com a dos presentes autos.

u.            Pelo que, entende a Requerida que, atentos os esclarecimentos ora aportados pelo TJUE e descendo ao caso concreto, que da verificação a efectuar pelo presente Tribunal, se devem dar por verificados os requisitos para a aplicação da 2ª excepção (referidas nos pontos 40 a 42 do Acórdão) e se concluirá que estamos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição, pelos motivos referidos, é acessória daquela.

v.            Ou seja, deve concluir-se que, tal como observaram os SIT, os serviços de nutrição em apreço, não constituem um fim em si para os destinatários dos mesmos, mas antes uma forma de beneficiar nas melhores condições, da prestação principal (o ginásio).

w.           Aqui chegados, importa, pois, concluir que não se acatar o afirmado pelo TJUE, significaria para além de tudo mais, uma violação do Princípio da Neutralidade (princípio basilar do imposto), na medida em que não se acatando o entendimento do TJUE, se permitiria à Requerente beneficiar de uma isenção, que de acordo com a interpretação da isenção feita pelo TJUE, não beneficiam os demais agentes económicos do sector, com as consequentes desigualdades económicas que a aplicação do IVA determinaria nos vários agentes económicos do sector

x.            Para além da Inconstitucionalidade resultante do desrespeito do n.º 4 do art.º 8.º da CRP, na medida em que o entendimento ora propagado pelo TJUE relativamente à aplicabilidade da isenção num caso com contornos exatamente iguais aos dos presentes autos e em sentido oposto ao entendimento da Requerente,  como se observou, tem efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico. (Só assim não é nos casos em que o TJUE, de forma expressa e com um caráter absolutamente excecional, permite vir a limitar no tempo os efeitos do acórdão - o que quase nunca sucede, e não sucedeu no presente caso.)

y.            Assim, adotar o entendimento da Requerente, violaria o Primado do Direito da União, e, nessa medida, seria inconstitucional.

z.            Pelo que entende a Requerida que deve o presente PPA ser julgado improcedente por não provado.

 

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 16-10-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-10-2020. Em 10-12-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 10-12-2020, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 13-01-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 13-01-2021 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

Em 24-02-2021 foi nomeado novo árbitro na sequência de renúncia às funções arbitrais aceite pelo Conselho Deontológico em 20-01-2021.

Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, e 1-A/2021, de 13 de janeiro, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de fevereiro de 2021 e 5 de abril de 2021.

 

A Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excecional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, atos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no artigo 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do artigo 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

 

A Requerente juntou em requerimento de 23-03-2021 parecer da Professora Doutora Clotilde Celorico Palma com as seguintes conclusões:

 

a.            “A atividade de aconselhamento/consultas de nutricionismo prestadas em ginásios, quando realizadas por profissionais devidamente habilitados que envolvam a prática de atos de prevenção e/ou de tratamento de patologias relacionadas com a saúde praticados em conformidade com a Norma de Atuação Profissional da Ordem dos Nutricionistas (NOP 002/2019)11, como o aconselhamento nutricional, a elaboração de um plano alimentar personalizado, a análise da composição corporal, do historial clínico e do modo de vida do utente, bem com medições biométricas, só pode ser visto como um acto terapêutico isento de IVA nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do CIVA.

b.            Só assim se pode respeitar o entendimento que, como vimos, tem vindo a ser adotado pelo TJUE na área da saúde em geral, bem como pelos nossos tribunais e pela Administração Tributária, fazendo-se respeitar o princípio da neutralidade em sede deste imposto que, nomeadamente, postula que prestações de serviços idênticas devem ter um tratamento idêntico.”

 

A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 26-04-2021.

 

Em 05-05-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“O tribunal defere o requerimento de junção a estes autos dos depoimentos identificados no artº154 do reqº inicial.

Para inquirição das testemunhas designa o dia 18\6\ pelas 10h.”

 

A Requerente fez novo requerimento em 11-06-2021, no qual requer ampliação do pedido, que será apreciada adiante e ao qual se respondeu por despacho datado de 11-06-2021, o seguinte:

“O tribunal cancela a inquirição de testemunhas já agendada.”

 

Foi proferido um Despacho arbitral em 23-06-2021, com o seguinte conteúdo:

“Tendo em conta toda a tramitação processual, o tribunal convida as partes a apresentarem alegações sucessivas. Prazo 10 dias, começando o prazo da AT após a junção das alegações do SP.”

 

As partes apresentaram as respetivas alegações.

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, ressalvada tal competência na parte relativa à apreciação dos pedidos de extinção de processos executivos e de contraordenação conforme adiante melhor se fundamentará,  e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

A.           MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

a.            O Grupo B, no qual a Requerente se insere, existe atualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua atividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado B… Portugal que é constituído por 16 empresas.

b.            A Requerente desenvolvia a sua atividade em 2016 e também atualmente, num Health Club do Grupo B localizado em Braga, na …..

c.            Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

d.            A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços. O clube tem 5.560 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 5 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicado a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Como serviços o clube oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

e.            Os atos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

i.             Liquidação n.º 2020 ...157, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii.            Liquidação n.º 2020 ...166, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;

iii.           Liquidação n.º 2020 ...172, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iv.           Liquidação n.º 2020 ...181, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

v.            Liquidação n.º 2020 ...187, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

vi.           Liquidação n.º 2020 ...195, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vii.          Liquidação n.º 2020 ...205, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

viii.         Liquidação n.º 2020 ...213, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

ix.           Liquidação n.º 2020 ...218, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

x.            Liquidação n.º 2020 ...229, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

xi.           Liquidação n.º 2020 ...240, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xii.          Liquidação n.º 2020 ...245, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

xiii.         Liquidação n.º 2020 ...475, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

f.             Com o montante total de 140.517,10 Euros, sendo o montante de imposto de 121.929,16 Euros e respetivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 18.587,94 Euros.

g.            Invoca como fundamento os atos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais supra identificadas foram emitidas pela AT na sequência de uma inspeção tributária ao exercício de 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no artigo 9.º alínea 1) do Código do IVA e por conseguinte entender que estão sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01, com a consequente emissão das respetivas notas de liquidação de IVA e juros.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

B.1.   DA POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL:

 

Veio o Requerente peticionar a ampliação do pedido de pronúncia arbitral, de modo a que:

a)            As notas de liquidação em crise sejam consideradas ilegais uma vez que contrariam a Informação Vinculativa prestada à empresa B…, SA, empresa holding no grupo no qual a requerente é participada em 22 de março de 2013 (informação n.º 1573) e por violação dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e do princípio da colaboração, constante do artigo 59.º, n.º 2 e 3, alínea e) da LGT e por consequência do seu artigo 68.º;

b)           A AT seja condenada ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida nos termos previstos no artigo 53.º da LGT, uma vez que apresentou garantia, conforme documentos juntos aos autos,

 

Assim, cumpre apreciar:

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

In casu, verifica-se que a ampliação do pedido de pronúncia arbitral foi peticionada pelo Requerente até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, na medida em que ocorreu ainda antes da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, consequentemente, da apresentação de alegações finais.

Com efeito, o último momento possível para permitir uma eventual ampliação do pedido é o da audiência final, pelo que, tendo o pedido de ampliação sido formulado ainda antes da reunião/ou da formulação da dispensa (como é o caso) a que alude o artigo 18º do RJAT, parece manifesto cumprir este os requisitos temporais previstos no artigo 265º nº 2 do Código de Processo Civil.

Desta feita, constata-se ter sido o pedido de pronúncia arbitral oportunamente formulado pelo Requerente.

Vejamos, no entanto, se o mesmo deve ser julgado processualmente admissível, à luz dos pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito, designadamente à luz do previsto no n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, por configurar o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Ora, “como referia o Professor Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, vol. II, pág. 347, para que se verifique a ampliação do pedido em desenvolvimento ou em consequência do pedido primitivo é necessário uma origem comum, ou seja, a mesma causa de pedir ou que as duas causas de pedir estejam integradas no mesmo complexo de factos”.

A questão a decidir cinge-se, assim, a saber se os pedidos das liquidações têm a mesma causa de pedir ou se ambas as causas de pedir se integram no mesmo complexo de factos.

Ora a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa.

Com efeito, a causa de pedir agora em causa, subjacente ao pedido de declaração de ilegalidade das notas de liquidação é a violação da informação vinculativa à empresa B…, SA, empresa holding do grupo no qual a requerente é a participada, ao passo que causa de pedir que está na origem do pedido de impugnação dos atos de liquidação são estes atos tributários.

Da mesma forma, e pelos mesmos fundamentos, não parece poder defender-se integrarem-se ambas as causas de pedir no mesmo complexo de factos.

A este propósito, cumpre aqui distinguir entre o objeto imediato do processo e o objeto mediato, sabendo que este se integra naquele.

No caso de uma ação de impugnação que tenha por fim a violação de uma informação vinculativa (objeto imediato), verifica-se que a sua declaração determina forçosamente a declaração de ilegalidade do subsequente ato de liquidação tributário (objeto mediato).

Mas a proposição inversa já não é verdadeira, na medida em que a impugnação que tenha por fim a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto (objeto imediato) não tem por consequência a verificação da violação da informação vinculativa (objeto mediato).

Isto porque, tendo informação vinculativa consequências ao nível da liquidação, a prevalência daquela determina como corolário lógico a anulação da liquidação que lhe serve de fundamento.

Ao invés, a liquidação não tem por objeto uma informação vinculativa, pelo que nunca poderia defender-se determinar a anulação da liquidação com a consequente verificação da violação da informação vinculativa.

Nestes termos, não poderá defender-se constituir a existência de uma violação de uma informação vinculativa o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo formulado nos presentes autos, isto é, do pedido de anulação das liquidações.

Por onde se verifica não ser admissível a requerida ampliação do pedido formulado pelo Requerente.

 

B.2. QUANTO AO MÉRITO

1. Com o presente processo, e na sequência das correções efetuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspeção, a Requerente pretende ilegalidade dos atos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção dos respetivos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º 36542... e Apensos) e respetivos Processos de Contraordenação (Processo n.º 36542... e Processo n.º 36542...).

2. O artigo 9.º n.º 1 do CIVA, que constitui a transposição do artigo 132º, nº 1, alínea c) da Diretiva IVA (2006/112 CE, de 28 de novembro de 2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei nº 2/2020, de 31 de março (LOE 2020) como segue:

 

“Artigo 9º- Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1)            As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

 

Por ser turno dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva IVA que se encontram isentas as “prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pela Estado-Membro em causa.

As razões objetivas da isenção do exercício de atividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que “o objetivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde”

 

“O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética da saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares”- artigo 1º, nº 3 do referido diploma e nº 5 da Lista anexa.

 

De acordo com o artigo 1º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problemas, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particularmente importante e sensível no domínio da doenças crónicas como a hipertensão e diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

 

Adicionalmente, o Decreto-lei nº 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei nº 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

 

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei nº51/2010, de 14 de dezembro, e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas.

 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual que em sociedade, ou por conta de outrem” - cf, artigos 2º e 3º, nº 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas, nº308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 58 de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

 

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a  salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão de comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de um prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação”.

 

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com objetivo de prevenir e tratar as doenças, associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competência na área, como a Organização Mundial de Saúde. (destaques no original).

 

 Isto posto,

As  questões que emergem dos presentes autos têm sido objeto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, sob a égide do CAAD, de entre os quais, e a título meramente exemplificativo, se destacam  os processos números 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23 e 760/2019-T de 2020-08-31.

 

Nestes identificados processos tem sido invariavelmente reconhecido o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/ dietética em relação a atividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se deste modo que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista na alínea 1) do artigo 9º do CIVA.

 

Seguiremos de perto, data venia, a motivação e sentido decisório provindos dos processos n. processo n.º 454/2017-T e nº 159/2019-T, de 2019-11-05, que por sua vez convoca o processo nº 373/2018- T, (tendo em mente o artigo 8º, nº 3 do Código Civil que estabelece que “nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”)

 

 

3. A principal questão em causa na presente ação arbitral consiste em decidir se os serviços de nutrição prestados pela Requerente deverão ser considerados:

             uma prestação acessória em relação à prestação principal (ginásio), formando com esta uma “operação complexa única”, e por esse motivo, tributados como uma prestação única à taxa normal de IVA de 23%, como sustenta a AT,

             ou se se tratam de prestações cindíveis, individualmente tributáveis, conforme entende a Requerente.

Para sustentar a existência de prestações cindíveis é útil citar o Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora Clotilde Celorico de Palma, de 28 de abril de 2018, página 43, junto pela Requerente: “No caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam atividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente”

 

Ora, antecipando já a conclusão a que se chegará adiante, considera-se que a resposta a dar à questão formulada, deverá ir no segundo dos sentidos indicados, ou seja, que a prestação de serviços de nutrição pela Requerente é, no caso, autonomizável das prestações que integram a sua atividade principal.

 

4. Com efeito, com interesse para a conclusão referida, apura-se nos autos, em suma, que:

             O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição, era à data das liquidações composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas. No entanto, sempre que os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.

             Os clientes podiam e podem usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição como o inverso também é verdadeiro.

             Em 2016, o Grupo B proporcionou aos seus sócios 49.939 consultas de nutrição, nas quais estão incluídas as 2 consultas iniciais previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

             A Requerente proporcionou 2.575 consultas de nutrição no ano de 2016.

             As consultas são efetuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme referido supra e em instalações próprias para o efeito e especificas só para aquele fim, com software próprio e específico para serviços de nutrição (SANUT).

             Inclusive, a Requerente, bem como todo o Grupo B em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 1 estagiário.

             Sendo o Grupo B provavelmente a maior entidade empregadora privada (não hospitalar) de nutricionistas.

             A Requerente foi a primeira entidade no seu ramo de atividade a implementar este novo serviço de nutrição e pode concluir-se que foi uma aposta de mercado que veio ao encontro das preocupações atuais dos cidadãos, tendo em conta a adesão que a mesma teve por parte dos sócios já existentes e dos novos sócios.

 

Face aos referidos dados de facto, a primeira conclusão a retirar é a de que, no caso, os serviços de nutrição foram efetivamente prestados, não procedendo, por isso, os argumentos da Requerida (artigos 16.º e 17.º da Resposta) no sentido de:

             “sendo os serviços faturados, independentemente da sua efetiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efetivamente prestado”.

Ou até de estarmos perante apenas um

             “assinar um contrato, receber faturas e paga-las, não tem, qualquer fim terapêutico”.

 

Esta circunstância, se bem que relevante enquanto indício de que se poderá estar perante uma única contraprestação de carácter complexo, não será de per si, salvo melhor opinião, suficiente para concluir que tal acontece.

Com efeito, dentro das práticas comerciais atuais, não é raro, sendo antes corrente, os operadores económicos diversificarem horizontalmente a sua atividade e aglutinarem prestações de serviços em “pacotes”, cuja subscrição assegura vantagens ao nível do preço para a respetiva clientela, em relação à sua contratação dispersa.

 

São os casos, por exemplo, dos chamados operadores de telecomunicações (com “pacotes” de comunicações móveis, fixas, e televisão), das entidades bancárias (“pacotes” de serviços bancários mais seguros), dos operadores de transportes (“pacote” de viagens ferroviárias e viatura de aluguer), de turismo (com pacotes para todos os gostos, incluindo viagens, deslocações, atividades desportivas e de lazer, babysitting, seguros, etc.), do sector imobiliário (cedências de espaço com diversos serviços associados), sendo que apenas casuisticamente se poderá determinar se os diversos serviços são, ou não, associáveis, constituindo um prestação única ou várias, autónomas.

 

5. Inclusive acrescente-se  que nada indicia que, no caso, a prestação de serviços de acompanhamento nutricional permita beneficiar em melhores condições dos restantes serviços de “ginásio”, indiciando-se antes que a utilização dos restantes serviços em questão no presente caso, se dará de forma idêntica para os subscritores de planos com e sem acompanhamento nutricional, bem como para os utilizadores ad hoc daqueles serviços.

Assim, nada indicia que os utentes dos aparelhos de Cárdio-Musculação de Aulas Fitness, de Hidroginástica de Banho Turco, Sauna e Jacuzzi, fruam de maneira diferente dos correspondentes serviços, em função de frequentarem ou não o acompanhamento nutricional, ao contrário do que acontecerá, por exemplo, com a utilização dos serviços de Avaliação Física e Plano de Treino Contínuos (que se destinam a determinar uma melhor utilização dos equipamentos), ou com a disponibilização de  Toalha e Roupão, de Cacifo Pessoal ou de Parque Privado (que contribuirão para um maior “conforto” na utilização dos serviços).

Eventualmente, o juízo feito pela AT assentará numa pouco precisa determinação da natureza dos serviços de “ginásio”, em geral e prestados pela Requerente, tendo, porventura, as correspondentes prestações de serviços sido tomadas como prestações de resultado (ou seja, como visando assegurar uma melhor forma física, diminuição de peso, etc.).

Neste ponto seguimos de perto o mencionado no processo n.º 454/2017-T:

“Ora, salvo melhor opinião, aqueles serviços serão na realidade, julga-se, prestações de meios, estando o prestador unicamente obrigado a facultar os meios aptos àqueles resultados, independentemente de os mesmos serem obtidos ou não.

Desligando-se, desta forma, os resultados que, por norma, motivarão subjetivamente, na generalidade, os clientes da Requerente a contratar com ela, do que são as obrigações desta nos contratos que celebra com aqueles, e, em concreto, no que diz respeito aos serviços de “ginásio”, ficará evidenciado, crê-se, que os serviços de nutrição, ou a falta dos mesmos, em nada contendem com a concreta utilização daqueles outros serviços, que, como se referiu, tudo indicia que se dará nos mesmos termos quer haja ou não acompanhamento nutricional.

É certo que a “venda” dos serviços de acompanhamento nutricional procura explorar aquela mesma motivação subjetiva da clientela dos serviços de “ginásio”, e beneficiará, seguramente, da concentração de clientela que valoriza os resultados que poderão resultar quer de um, quer de outro serviço, quer de ambos em conjunto, mas que, nem um, nem outro, nem ambos em conjunto, asseguram ou garantem.

Todavia, tal exploração de clientela “comum” a ambos os serviços, não será, também ela, determinante para concluir pela existência de uma única prestação, sobretudo quando se indicia, como é o caso e vem de se ver, que nenhuma condiciona as condições em que a outra é usufruída.”

 

6. Em sede arbitral, e no sentido de obstar à argumentação da Requerente, menciona a Requerida que a maioria das consultas de acompanhamento nutricional contratadas não foram efetivamente prestadas, como se conclui do contraste entre o número de clientes da Requerente com planos que facultam aquele acompanhamento, e o número de horas mensais contratadas para o serviço da nutricionista.

Ora, como bem nota a Requerente, estamos perante um modelo de negócio que, à semelhança, por exemplo, dos operadores de telecomunicações, assenta na “venda” da disponibilização de serviços, independentemente da sua efetiva utilização pelos clientes, sendo tal modelo um fator relevante da respetiva rentabilidade.

Daí que as obrigações da Requerente se reconduzam a disponibilizar o serviço de nutrição aos clientes que, por qualquer forma, o contratem, o que, no caso, se demonstrou, à saciedade, que ocorreu.

A própria Requerida, vem invocar de resto, que “é facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas. E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, obter uma melhor performance desportiva, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.”

Não obstante não se relacionar diretamente com a questão fundamental a decidir no presente processo arbitral, e fundamento das correções operadas, que, como se viu, se reconduz a saber se a prestação de serviços de acompanhamento nutricional se funcionaliza a assegurar melhores condições para a fruição das prestações de serviços de “ginásio”, a consideração referida acaba por aflorar a pedra de toque do tratamento fiscal da situação em apreço, bem como de situações semelhantes, razão pela qual se procederá ao enquadramento da mesma.

Com efeito, aquilo que Requerida acaba por apontar, e que a AT poderia, no caso, legitimamente questionar, relaciona-se com a valoração, ao nível da faturação da Requerente, dos serviços de acompanhamento nutricional que faculta aos seus clientes.

Não está em causa, nesta perspetiva, nem a efetividade da prestação dos serviços (se não tivessem sido prestados, estar-se-ia perante faturação simulada), nem o carácter acessório daquela (não será o valor económico atribuído a uma prestação a revelar se a mesma permite ou se destina a assegurar a fruição em melhores condições de uma outra prestação), mas a eventual indiciação de uma situação de fraude ou evasão fiscal, através da manipulação dos valores económicos das prestações, em ordem a obter vantagens do ponto de vista tributário. Ora, no caso, isso manifestamente não acontece, indiciando-se que a valorimetria ao nível da faturação dos serviços de acompanhamento nutricional pela Requerente tem sustentação económica.

Não deixando de ser expressivo o lucro comercial obtido pela Requerente com a contratação e comercialização no contexto do seu estabelecimento dos serviços de acompanhamento nutricional, o certo é que não é possível concluir que a Requerente haja procedido a um empolamento artificial do valor dos serviços de acompanhamento nutricional, nem, muito menos, que aquele valor fixado pela Requerente seja desfasado ou não tenha, por qualquer forma, correspondência nos valores de mercado para os serviços em causa.

Em todo o caso, não se julga que a atuação da Requerente em questão seja abusiva, ou por qualquer outra forma fiscalmente censurável. Com efeito, sendo certo que a Requerente poderia, no quadro promocional dos “pacotes” que comercializa proceder a uma distribuição de preços distinta, não se pode deixar de considerar que aquela que efetivou se situa ainda dentro da sua margem de liberdade de atuação comercial.

Ora, não estando em causa, assim, prestações meramente acessórias, na ausência da norma como a da referida verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, por força do princípio da neutralidade do IVA, a decomposição dos preços impõe-se, vigorando, à falta de previsão legal noutro sentido, a liberdade económica dos operadores dentro do que sejam os preços aceitáveis de mercado, sendo que, a falta de, ou a incorreta, decomposição, não acarretará a aplicação da “taxa mais elevada à totalidade do serviço”, justamente por não estar em causa uma única prestação complexa e por inexistir previsão legal nesse sentido, mas a obrigação da AT liquidar, por métodos diretos ou indiretos, o imposto de acordo com a taxa aplicável a cada serviço.

Assim, e face ao exposto, enfermando de erro de facto, e consequente erro de direito, deverão as liquidações objeto da presente ação arbitral ser anuladas, procedendo o pedido arbitral formulado, e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pela Requerente, sendo que, quanto ao pedido da Requerente de extinção dos Processos de Execução Fiscal (Processo n.º 36542... e Apensos) e Processos de Contraordenação (Processo n.º 36542... e Processo n.º 36542...), não tem este Tribunal Arbitral competência material para apreciar essa parte do pedido de pronúncia arbitral, sem prejuízo da  extinção dos mencionados processos poder resultar do elenco de  efeitos da execução da decisão arbitral que irá ser proferida  à luz do dever imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 100º, da LGT, aplicável por força do artigo 29º, do RJAT.

Razão porque, nos termos, conjugadamente, do disposto nos artigos 278º-1/a) e 577º-a), do CPC e 29º, do RJAT, deverá ser a AT absolvida da instância relativamente a essa parte do pedido.

 

B.3. CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

 

O Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má fé.

O artigo 104.º da LGT estabelece que «sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas» e que «o sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral».

No artigo 542.º do CPC prevê-se o regime geral da litigância de má fé, considerando-se que tal ocorre quando uma parte tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

No caso em apreço, e como a discussão em causa é meramente de direito, a mera apresentação de argumentos jurídicos de parte a parte, mesmo no decurso do processo não podem ser entendidos com o objetivo de um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Assim, é forçoso concluir que não se está perante qualquer das situações em que a lei admite a condenação por litigância de má-fé, pelo que tem de improceder o pedido formulado.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

a)            Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos atos de liquidação de IVA, e, em consequência, anular, bem como os respetivos juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, as seguintes liquidações:

a.            Liquidação n.º 2020 ...158, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

b.            Liquidação n.º 2020 ...168, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

c.            Liquidação n.º 2020 ...180, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

d.            Liquidação n.º 2020 ...186, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

e.            Liquidação n.º 2020 ...192, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

f.             Liquidação n.º 2020 ...204, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

g.            Liquidação n.º 2020 ...212, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

h.            Liquidação n.º 2020 ...217, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

i.             Liquidação n.º 2020 ...228, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

j.             Liquidação n.º 2020 ...235, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

k.            Liquidação n.º 2020 ...244, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/12;

l.             Liquidação n.º 2020 ...480, e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01.

b)           Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, por incompetência material relativamente ao pedido de extinção dos processos de execução fiscal e de contraordenação formulados e acima identificados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €140.517,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 20 de julho de 2021

 

O Árbitro - Presidente,

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

O Árbitro-Vogal,

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

(Paulino Brilhante Santos)

 

 

Voto de vencido

Devo, desde logo, declarar que, embora discordante do sentido da decisão, considero o seu texto, redigido pelo Prof. Doutor G. W. Oliveira Martins, relator neste processo por acordo do coletivo, um documento jurídico de grande qualidade e de muito mérito.

Voto vencido porque entendo que a decisão vai contra a doutrina que decorre das Conclusões da Advogada Geral e do Acórdão proferido no âmbito do Processo C-581/19 do Tribunal de Justiça da União Europeia.

No meu modesto entender, as decisões proferidas nos processos CAAD 380/20 T e 668/20T fazem uma interpretação e aplicação mais adequadas da doutrina definida naquela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em consequência, julgaria improcedentes as pretensões da Requerente.

 

M. Malheiros