Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 547/2020-T
Data da decisão: 2021-11-30  IRC  
Valor do pedido: € 217.363,67
Tema: IRC/2015 e 2016 - Mútuo entre sociedade residente em Portugal e sociedade residente nas Ilhas Maurícias - Juros - Retenção na fonte - Artigos 56º, do CIRC e 22º, do EBF.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro presidente), Dr. Jorge Carita e Dr. João Taborda da Gama (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte: 

I.             RELATÓRIO

A..., Lda., NIPC..., com sede em ..., ..., ..., ...-... ... (doravante, a “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “AT” ou “Requerida”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) por retenções na fonte com o n.º ... e com o n.º ..., bem como da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas a título de juros compensatórios. 

1.            A Requerente invoca, em síntese, que:

a.            No decurso das ações inspetivas, a AT entendeu que a Requerente se encontrava obrigada a reter na fonte os juros obtidos em território português pela B..., sua credora com sede nas Ilhas Maurícias.

b.            Na sequência dessas inspeções, a Requerente entregou as declarações de retenção na fonte, porém, após consulta de assessoria verificou que havia pago imposto superior ao devido, e que, portanto, essas retenções não eram devidas.

c.            Não se verificou qualquer facto tributário que obrigue à retenção na fonte, pois o mútuo concedido pela B... só se vence em 31/12/2025 e com ele os juros associados. Só são devidos os juros com o reembolso do capital e não no final do ano. Além disso, o IRC assenta no princípio da realização, i.e., apenas é devido imposto aquando do recebimento de juros, pois é nesse momento que se manifesta a capacidade contributiva da mutuante. Apesar de o IRC ser objeto de retenção na fonte quanto a juros visto que são rendimentos de capitais, a retenção deve ser realizada nos termos do CIRS ou quando o rendimento seja colocado à disposição. Ora, o rendimento em questão é um juro decorrente de um contrato de mútuo, estando sujeito a tributação conforme o artigo o artigo 7.º do CIRS. Neste caso, os juros vencem-se na data estipulada ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital;

d.            Mais alega que o credor das quantias devidas é um Fundo de Investimento e não a B..., devendo por isso ser aplicado o disposto no artigo 22.º do EBF;

e.            Com efeito, alega, quanto à titularidade do direito aos juros, a 31/12/2014, a B... cedeu o crédito à C... – fundo de investimento mobiliário de direito mauriciano. Por força da sua natureza jurídica, ao Fundo C..., porquanto fundo de investimento e célula autónoma do Organismo de Investimento Coletivo é aplicável o regime previsto no artigo 22.º do EBF. Ora, os rendimentos em questão estão abrangidos pelo artigo 5.º do IRS pelo que não são considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável – o que abrange entidades como o Fundo C... .

f.             Argumenta ainda, quanto a este ponto, que o artigo 22.º, n.º 1, parte final do EBF (“que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”) constitui uma violação do artigo 63.º do TFUE e do artigo 8.º, n.º 4, da CRP na medida em que consiste numa restrição aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. A liberdade de circulação de capitais pode ser invocada quer pelo investidor quer pelo beneficiário do investimento, sendo que as restrições a essa liberdade não podem ocorrer por razões de receita fiscal. Assim, e uma vez que existe uma violação do princípio da livre circulação de capitais as liquidações em apreço são ilegais;

g.            Sem prejuízo de a mutuante estar sedeada nas Maurícias, ou seja, num território com regime de tributação claramente mais favorável, a sua inclusão na lista da Portaria n.º 150/2004 é irrelevante, dado que desde o caso Avoir Fiscal que o TJUE sustenta que o propósito de evitar a evasão fiscal não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, não o podendo ser, por maioria de razão, à liberdade de circulação de capitais. A inclusão na referida Portaria não permite presumir qualquer abuso de direito que impeça a aplicação do artigo 22.º do EBF ao caso em apreço. As Maurícias não estão incluídas na black list ou grey list da União Europeia nem foi intenção do legislador português excluir os territórios da Portaria da aplicabilidade do artigo 22.º do EBF;

h.            Uma sociedade que não esteja sedeada em Portugal nem tenha sido constituída ao abrigo da lei portuguesa e que, por isso, não possa aplicar o artigo 22.º do EBF é manifestamente contrário ao disposto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP, padecendo, portanto, de inconstitucionalidade material;

i.             Por último, a retenção na fonte não é devida porque os juros não concorrem para o lucro tributável do Fundo C... e porque, ainda que concorressem, não era devida tributação na fonte atendendo à natureza do contribuinte;

j.             Quanto à duplicação e ausência de coleta, por contrato celebrado a 01/01/2017 entre a D... e a E..., S.A. (“E...”) toda a dívida da Requerente à D... foi cedido enquanto crédito à E... . Na mesma data, a E... perdoou o pagamento dos juros à Requerente, remição declarada no exercício de 2017 registada com conta 78 – outros proveitos, como proveito da Requerente. Ora, os juros não só não foram pagos como o perdão dos mesmos foi registado contabilisticamente como um proveito pelo que não sendo deduzidos não devem ser incluídos como rendimento devido ao Fundo C... . Com efeito, a AT tributa rendimento duas vezes na medida em que tributa o proveito da inclusão do capital e os juros perdoados pela E... em 2017 e ainda tributa os mesmos juros em 2015 e 2016 enquanto rendimento obtido pelo Fundo C...;

k.            Por fim, tem direito a juros indemnizatórios em virtude de as declarações de retenção na fonte apenas terem sido realizadas na sequência do enquadramento dos Inspetores da AT aquando das ações de fiscalização.

2.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT que, na “Resposta” que veio a apresentar, alegou que deveria ter existido retenção na fonte sobre juros vencidos/colocados à disposição, com base nos seguintes argumentos:

a.            A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva que incidiu sobre os exercícios de 2015 e 2016 e onde se concluiu que os rendimentos sobre juros foram vencidos/colocados à disposição de B...– uma entidade não residente e sujeita a regime mais favorável – sem que tivessse sido retida na fonte qualquer quantia relativa aos juros calculados conforme previsto nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2 al. a) e 56.º, n.º 1, do CIRC;

b.            A sociedade B... é o sujeito de IRC quanto aos juros obtidos em território português, sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 35% , estando a Requerente obrigada a reter o imposto relativamente aos exercícios de 2015 e 2016 e a entregar as quantias até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que deveria ter sido deduzida;

c.            O IRC é objeto de retenção na fonte quanto aos juros obtidos em território português. Tratando-se de mútuos, os juros, incluindo os parcialmente presumidos, vencem na data estipulada ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital, salvo quanto aos juros totalmente presumidos, cujo vencimento se considera ter lugar em 31/12 de cada ano ou na data do reembolso, se anterior, conforme o disposto no artigo 7.º, n.º 2, CIRS. Dos relatórios de inspeção resultou que em documentos emitidos pela B... e pela C... surgem registados juros como vencidos em 31/12/2015 e 31/12/2016 e o pedido expresso para pagamento dos mesmos com indicação daas coordenadas bancárias para o efeito;

d.            Quanto à interpretação e aplicação do artigo 22.º, do EBF não lhe compete avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE nem com a CRP. A AT está obrigada ao cumprimento da lei e não pode deixar de aplicar aos normas legais que a vinculam. Mais, a AT não pode aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, pois estas não apreciam a compatibilidade entre as normas de direito português e as normas de direito europeu. No que concerne à aplicação do artigo 22.º do EBF ao caso concreto, entende que este regime não é aplicável ao substituído tributário (entidade beneficiária dos juros), pessoa coletiva não residente por falta de enquadramento com o previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF. Acrescenta que o âmbito de incidência subjetiva do artigo 22.º, n.º 1, não inclui entidades não constituídas segundo a lei nacional nem organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de um país domiciliado em paraíso fiscal.

e.            Relativamente à duplicação de coleta, esta não é fundamento de impugnação judicial dos atos tributários, mas sim de oposição à execução conforme o artigo 204.º, n.º 1, al. g), do CPPT. No entanto, mesmo que assim não fosse, os juros não são os mesmos pelo que fica prejudicada a alegada duplicação;

f.             Assim, as liquidações ora impugnadas devem ser mantidas na ordem jurídica e o pedido de juros indemnizatórios deve ser considerado improcedente dado que os montantes de imposto foram devidamente retidos e entregues. 

3.            A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado o Dr. João Taborda da Gama, nos termos do artigo 11.º/2 do RJAT e, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Dr. Jorge Carita;

4.            Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respetivos encargos e remeteram a decisão de nomeação do terceiro árbitro ao Conselho Deontológico do CAAD;

5.            As partes foram notificadas dessas designações, não tendo, nos termos regulamentares, manifestado vontade de recusar qualquer delas;

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 3 de maio de 2021;

7.            A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta no prazo legal, defendendo-se unicamente por impugnação;

8.            Foram inicialmente arroladas testemunhas pela Requerente, mas a sua inquirição foi por si considerada desnecessária (em 21.06.21)), após despacho arbitral (de 11.06.21) que, por considerar indícios de inexistência de matéria de facto controvertida, solicitou à Requerente a confirmação do interesse em manter a dita prova testemunhal;

9.            A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, foi dispensada, sem oposição das partes, por despacho de 1.07.21;

10.          Foram apresentadas pela Requerente alegações finais escritas, de facto e de direito, tendo nelas reiterado, no essencial, a posição anteriormente explanada no PPA, bem como feito referência a decisões arbitrais posteriores à entrega do PPA (em concreto, nos procs. n.º 922/2019-T, 929/2019-T e 68/2020-T);

11.          A Requerida não apresentou alegações finais;

12.          Por Despacho de 18.10.21, o Tribunal, usando da faculdade prevista no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, prorrogou o prazo para emissão da decisão por dois meses.

13.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Tudo visto, cumpre decidir do mérito do pedido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

A Requerente é uma sociedade agrícola e comercial.

É titular de um contrato de mútuo que celebrou com a sociedade B..., entidade não residente sedeada nas Ilhas Maurícias.

O contrato de mútuo vence-se em 31/12/2025, e com ele os juros associados, juros que não capitalizam.

Segundo o contrato de mútuo, a Requerente está obrigada ao pagamento de juro com uma taxa anual de 3%. Essa obrigação de juro tem dois momentos de vencimento diferentes:

a.            Anualmente, vencem juros mínimos a uma taxa de 0,06%. Este vencimento anual é referida no PPA como “margem”, no doc. 10 como “marge due”, e no doc. 9 como “minimum annual interest”.

b.            O remanescente da obrigação de juro vence-se no final do contrato (2025), de acordo com os vários documentos. Esta parcela da obrigação de juro acresce anualmente e não capitaliza.

A Requerente foi objeto de inspeções tributárias, das quais resultaram as liquidações de IRC por alegada falta de retenções na fonte de IRC devido sobre o pagamento de juros a entidades não residentes em território português.

Perante o entendimento da AT, a Requerente entregou as declarações de retenção na fonte de IRC. Todavia, concluiu, mais tarde, que reteve imposto superior ao devido e que não se encontravam reunidos os pressupostos para a obrigação de retenção na fonte de imposto liquidado à B... .

Perante o exposto e não se conformando com as liquidações, a Requerente apresentou reclamação graciosa, e não tendo tido provimento, apresentou o presente PPA a fim de serem declaradas ilegais e, consequentemente, anuladas as liquidações, tendo peticionado juros indemnizatórios.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”. Não se deram obviamente como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

14.          O presente litígio tem como questão principal saber se há algum facto tributário que imponha a retenção na fonte quanto a juros decorrentes de um mútuo entre uma sociedade residente em Portugal e uma sociedade com residências nas Ilhas Maurícias. Subsidiariamente importará analisar se, havendo algum facto que imponha a retenção na fonte, haverá alguma norma ou princípio que afaste essa retenção na fonte.

15.          De acordo com o artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC, “as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos”. No caso de inexistência de estabelecimento estável, consideram-se obtidos em Portugal “outros rendimentos de aplicação de capitais”, quando o “devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado” (artigo 4.º, n.º 3, al. c), 3) do Código do IRC).

16.          De acordo com o artigo 56.º, n.º 1 do Código do IRC, “os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”.

17.          A C... é uma entidade não residente em Portugal (é residente nas Ilhas Maurícias) e não tem em Portugal estabelecimento estável. De acordo com o artigo 5.º do Código do IRS, n.º 1 e n.º 2 al.),  aplicável por remissão do Código do IRC, “os juros (…) decorrentes de contratos de mútuo” são considerados rendimentos de capitais tributáveis. E, nos termos do artigo 71.º, n.º 1 al. a) do Código do IRS, “estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo  (…) os rendimentos de capitais obtidos em território português, por  (…) não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede (…) e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada”. Segundo a al. b) do n.º 12 deste mesmo artigo 71.º, “estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 35 % (…) os rendimentos mencionados na alínea a) do n.º 1, obtidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças” (dispondo no mesmo sentido o artigo 87.º, n.º 4 al. i), do Código do IRC). As Ilhas Maurícias constam do n.º 46) da lista constante da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro. E quando deve ser efetuada esta retenção na fonte liberatória a uma taxa de 35%?

18.          De acordo com o artigo 101.º, n.º 8, do Código do IRS, “a retenção que incide (…) sobre os rendimentos da categoria E [e efetuada] em conformidade com o disposto no artigo 7.º”. De acordo com o artigo 7.º, n.º 1 do Código do IRS “os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos”, esclarecendo o n.º 1 da al. a) do n.3 deste artigo 7.º que para os rendimentos previstos no artigo 5.º, n.º 2 do Código do IRS – onde como vimos estão previstos  os juros decorrentes de contratos de mútuo, como são os rendimentos em análise no presente acórdão, se atende, para determinar o momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação, “ao vencimento, para os rendimentos referidos na alínea a)”. E quando se dá o vencimento?

19.          Nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do Código do IRS, “tratando-se de mútuos, (…) considera-se que os juros (…) se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital”. De acordo com o artigo 8.º, n.º 10, al. b) do Código do IRC, o facto tributário dá-se no momento do vencimento (“Rendimentos objecto de retenção na fonte a título definitivo, em que o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.”)

20.          A questão é pois, agora, uma questão de facto, ou seja, de se saber se há ou não uma data estipulada entre as partes para o vencimento dos juros.

21.          De acordo com a matéria de facto provada, a Requerente celebrou um contrato de mútuo com uma entidade não residente, mútuo esse sujeito a uma obrigação de juro com uma taxa anual de 3%. Essa obrigação de juro tem dois momentos de vencimento diferentes:

a.            Anualmente vencem juros mínimos a uma taxa de 0,06%. Este vencimento anual é referido no PPA como “margem”, no doc. 10 como “marge due”, e no doc. 9 como “minimum annual interest”; e

b.            O remanescente da obrigação de juro vence-se no final do contrato (2025), de acordo com os vários documentos juntos aos autos. Esta parcela remanescente da obrigação de juro acresce anualmente e não capitaliza – o que naturalmente não se confunde com o seu vencimento. Quanto a esta parcela remanescente, apenas será devida retenção na fonte no final do contrato, pois apenas nessa data se verifica o facto tributário (o vencimento, de acordo com o artigo 7.º do CIRS), (em rigor, a obrigação ou não de retenção na fonte será aferida pelas regras em vigor em cada momento).

22.          A AT confunde em absoluto estas duas realidades. Esta confusão é patente quando afirma na sua Resposta, no artigo 30.º, que “no caso presente, observa-se nos relatórios de inspeção (IRC 2015 e 2016) documentos de juros emitidos pela sociedade F... Ltd. ‘segundo instruções recebidas pela C..., nos quais surgem computados juros, apresentados como vencidos, respetivamente, em 31 de dezembro de 2015 e 31 de dezembro de 2016 (em conformidade com o contrato de mútuo) e daí a solicitação expressa para o pagamento dos mesmos com a indicação discriminada das coordenadas bancárias para o efeito”.

23.          Ora, lendo o documento 10 do PPA – que só pode ser aquele a que a Resposta se refere em relação a rendimentos do ano de 2015 e uma retenção que deveria ter sido feita em 2016, aliás como decorre do Processo Administrativo - é absolutamente inequívoco que, nesse documento 10, se solicita ao SP o pagamento relativo à taxa de juro mínima (0,06%) vencida anualmente (€5.470,32); o mesmo se passa lendo o documento equivalente relativo ao exercício de 2016, constante por exemplo da p. 119 do Processo Administrativo, onde é referido que a margem devida a 31/12/2006 é de € 5.485.31.

24.          É apenas quanto a esta parte da obrigação de juro, o juro mínimo – os único vencidos em cada um dos anos em apreço– que pode, e devia ter havido retenção na fonte. Entender que a globalidade da obrigação de juros de 3% se vence anualmente não tem correspondência na matéria de facto que se encontra nos contratos e na correspondência remetida ao sujeito passivo, aliás, factualidade que desde logo nunca foi posta em causa pela Requerida que não a impugnou nem em sede de inspeção, de decisão da reclamação, nem no presente processo, tendo - isso sim - baseado as suas liquidações numa errada interpretação daqueles mesmos factos.

25.          Ou seja, as liquidações em causa devem  ser anuladas parcialmente quanto aos juros não vencidos porque não existe facto tributário, e manter-se apenas na parte proporcional aos juros vencidos nos  exercícios em causa.

26.          Entendendo o Tribunal que se devem considerar válidas parte das liquidações em apreço, deve apreciar-se agora os outros argumentos avançados pela Requerente no sentido da não exigibilidade de retenção na fonte quanto aos juros vencidos, nomeadamente saber se se aplica ao caso o artigo 22.º do EBF.

27.          O artigo 22.º do EBF consagra um regime especial de benefício fiscal aplicado aos organismos de investimento coletivo. Naquilo que aqui importa, a aplicação deste regime levaria à não obrigatoriedade da retenção na fonte quanto aos juros vencidos (artigo 22.º, maxime n.º 10). Segundo o artigo 22.º, este regime é apenas aplicável a entidades “que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

28.          Se considerarmos que a entidade C... pode ser qualificada em abstrato como um Organismo de Investimento Coletivo para efeitos da previsão normativa constante do artigo 22.º do EBF, naturalmente que tal entidade não cumpre com o requisito da parte final do artigo 22.º, n.º 1, na medida em que nem se constituiu nem opera sob a lei nacional, o que seria, prima facie, suficiente para afastar a aplicação do regime de benefício fiscal dos OIC .

29.          Contudo, não se desconhece que a restrição do benefício do artigo 22.º a fundos residentes tem sido posta em causa na jurisprudência nacional, tendo em conta as liberdades constantes do TFUE, considerando que se trata de uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais constante do artigo 63.º do Tratado. Com efeito, assim foi decidido pelo CAAD:

a.            No Processo n.º 90/2019-T, de 2019.07.23, estando em causa dividendos de fonte portuguesa recebidos por um OIC alemão, foi decidido que “no caso em apreço, em causa está a aplicação, pela AT, da isenção e das retenções resultantes, respetivamente, dos artigos 22.º do EBF e 94.º n.º 1 alínea c), n.º 3 alínea b), e n.º 4 e 87.º, n.º 4, do CIRC, criando uma diferenciação entre fundos de investimento residentes e não residentes, com potencial impacto dentro de cada um de sucessivos exercícios fiscais, em violação da liberdade de circulação de capitais, uma liberdade fundamental do mercado interno, consagrada no artigo 63.º da TFUE, em termos, de resto, que sempre dariam lugar a responsabilidade por Estado português, na linha da jurisprudência Francovich. Na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele vem sido interpretado pelo TJUE. Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade”.

b.            Nos Processos 93/2019-T, estando em causa dividendos de fonte portuguesa recebidos por um OIC alemão, foi em 2019.07.09 feito reenvio prejudicial para o TJUE, que se encontra pendente de decisão, mas com as Conclusões do Advogado-Geral já emitidas no sentido de compatibilidade do artigo 22.º com o Tratado (v. abaixo).

c.            No Processo n.º 194/2019-T, de 2019.09.19, relativo aos lucros em Portugal da sucursal de um OIC francês, decidiu-se “declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

d.            No Processo n.º 256/2019-T, de 2020.03.09, respeitante ao lucro obtido em Portugal pela sucursal de um OIC francês, decisão em que participou o árbitro vogal João Taborda da Gama, o Tribunal afirma que “o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento imobiliário que constituem e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório”.

e.            No Processo n.º 548/2019-T, de 2020.06.26, em que estavam em causa dividendos de fonte portuguesa recebidos por um OIC alemão, o Tribunal afirma que “Entende este Tribunal Arbitral Singular que, no caso aqui em análise, e na linha do que foi decidido no Processo n.º 528/2019-T, datado de 27 de Dezembro de 2019 e no Processo n.º 90/2019-T, datado de 23 de Julho de 2019, existe um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE, uma vez que o Requerente, na sua qualidade de não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os dividendos obtidos em Portugal, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isento”.

f.             No Processo n.º 922/2019-T, de 2021.11.01, relativa a dividendos de fonte portuguesa pagos a um OIC luxemburguês, decidiu-se “declarar ilegais os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, na parte em que limitam o regime nele previsto a organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional e excluindo os constituídos segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”

g.            No Processo n.º 926/2019-T, de 2020.10.19, presidido pelo mesmo árbitro-presidente que preside ao presente coletivo, estava em causa a retenção na fonte sobre dividendos obtidos em Portugal por um OIC luxemburguês, e declarou-se “ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

h.            No Processo n.º 947/2019-T, de 2020.09.28, em que estava em causa o lucro tributável da sucursal portuguesa de um OIC francês, julgou-se “ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, interpretado, como o fez a Requerida, limitando o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo, sem mais, as sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

i.             No Processo n.º 11/2020-T, de 2020.11.06, relativo a dividendos pagos a um OIC irlandês, em que se decidiu “declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

j.             No Processo n.º 68/2020-T, de 2021.01.25, em que estavam em causa dividendos recebidos por um OIC alemão, e que segue de perto as decisões anteriormente referidas, decidiu-se “declarar ilegais os nºs. 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, na parte em que limitam o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional e excluindo os constituídos segundo legislações de Estados Membros da União Europeia”.

30.          Em sentido contrário decidiu o Processo n.º 96/2019-T, de 2019.10.29, de que foi árbitro singular o árbitro-vogal Jorge Carita também interveniente neste processo, estava em causa dividendos pagos a um OIC alemão. O Tribunal considerou o pedido improcedente por se tratar de uma entidade transparente na Alemanha e não ter sido feita a prova de que os titulares das unidades poderem neutralizar a tributação: “o facto de a Requerente estar isenta na Alemanha de imposto sobre o rendimento, não obsta a que os titulares das unidades de participação, possam exercer no país da residência, o direito de reclamar/impugnar, cabendo a estes, para efeitos da invocação da uma discriminação proibida pelo artigo 63º do TFUE, demonstrar a impossibilidade legal de o fazerem, o que a Requerente não fez. (…) A Requerente, não tendo feito prova dessa impossibilidade, não pode ver anulada a liquidação em causa”.

 

31.          Em todas estes casos estávamos perante OIC residentes em Estados-Membros da União Europeia, com os quais existe ADT, contendo cláusulas de troca de informações. O Tribunal entende que o mesmo raciocínio não se pode aplicar às Ilhas Maurícias.

32.          Como se afirma no Processo n.º 90/2019-T “dificilmente se poderia argumentar de forma convincente no sentido da indispensabilidade da medida diferenciadora em apreciação. Em primeiro lugar, é o Estado português que, no exercício da sua jurisdição fiscal, opta deliberadamente por diferenciar entre fundos residentes e fundos não residentes, isentando os primeiros da retenção de imposto sobre a distribuição de dividendos e sujeitando à mesma os segundos, colocando-os numa situação comparável, e em seguida tratando-os de forma diferente. Ora, não se vê em que medida é que essa diferenciação é indispensável à prevenção de infrações fiscais. Com efeito, não se percebe que a diferenciação em causa possa prevenir a evasão fiscal, nada existindo na mesma que se refira à prevenção de montagens ou construções meramente artificiais, desprovidas de genuína substância económica. Recorde-se que o critério da indispensabilidade aponta para a justificação da diferenciação fiscal em causa apenas quando não existam meios alternativos menos restritivos – de limitação e diferenciação – à disposição do Estado-Membro em presença, adequados à salvaguarda do sistema fiscal ou de supervisão”.

33.          Nesta linha, consideramos que se trata de uma restrição justificada à liberdade de circulação de capitais não estender o regime dos OIC residentes a entidades residentes e, países terceiros que sejam território constante da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro); muito mais tratando-se de país com o qual Portugal não celebrou uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação, nem celebrou um acordo de Troca de Informações. A inscrição na Lista feita pelo legislador português corresponde a um ato de soberania fiscal, que não foi revertido nos momentos de revisão da portaria (2011 e 2016). A inexistência de mecanismos convencionais de troca de informações também não podem deixar de ser tidos em conta na distinção da situação em apreço daquelas de Estados Membros da EU, de países terceiros com ADT celebrado que incluam cláusulas robustas de trocas de informação ou até, em tese, de zonas de baixa tributação com as quais exista um Acordo de Troca de Informações em vigor.

34.          Sobre a possibilidade de se considerarem justificadas as restrições à liberdade de circulação de capitais, por estarem em causa territórios de baixa fiscalidade, já se pronunciou em sentido positivo o TJUE, afirmando que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma medida fiscal de um EstadoMembro que restringe os movimentos de capitais entre esse EstadoMembro e o seu próprio país e território ultramarino, ao prosseguir, de forma efetiva e proporcionada, o objetivo de luta contra a evasão fiscal (X BV e TBG Limited contra Staatssecretaris van Financiën, processos apensos C24/12 e C27/12, de 2014.05.06)

35.          Como afirmou sobre estes casos Ana Paula Dourado: “in XBV and TBG Limited, the adoption or enforcement of any measure aimed at preventing the avoidance of taxes pursuant to the tax provisions of domestic tax law in force, has been considered a valid justification for discriminatory measures, probably because the case involved a non-cooperative jurisdiction” (Ana Paula Dourado, “The EU Free Movement of Capital and Third Countries:Recent Developments”, INTERTAX, Volume 45, Issue 3, 201).

36.          Há ainda uma argumentação que pode ser usada por maioria de razão. Nos casos reenviados pelo CAAD para o TJUE, depara-se com uma posição da Advogada-Geral de admissão da restrição mesmo para países da União Europeia, o que, mesmo que não se concorde com esta posição, sempre pode, por maioria de razão,  ser aplicado ao caso em apreço. Nas suas Conclusões, a Advogada-Geral JULIANE KOKOTT, apresentadas em 6 de maio de 2021, no Processo C545/19 (AllianzgiFonds Aevn contra Autoridade Tributária e Aduaneira), resultante de um reenvio prejudicial efetuado pelo CAAD no Processo 93/2019-T, considera que as restrições operadas pelo regime português num caso em que estava em causa o pagamento de dividendos a um fundo alemão são justificadas. Afirma: “resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação de uma retenção na fonte enquanto técnica de tributação aos contribuintes não residentes, quando os contribuintes residentes não estão sujeitos a essa retenção na fonte, pode ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto (49). A prevenção da não tributação serve igualmente, em última análise, para a eficácia da cobrança do imposto. 92.A disposição do artigo 14.°, n.° 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, que só prevê a sujeição do requerente ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas se e porque no Estado de residência esses rendimentos de dividendos não estão sujeitos a imposto (ou apenas a uma taxa reduzida), visa evitar a não tributação. 93.A retenção do IRC na fonte de um dividendo em detrimento de um OIC estrangeiro também faz parte de uma cobrança eficiente de impostos. Ela impede de maneira simples e efetiva, por exemplo, as estruturas de fundos concebidas de tal forma que nenhum Estado, ou seja, nem o Estado de origem nem o Estado de residência, possa tributar os rendimentos de dividendos ao nível do OIC ou dos seus investidores e, portanto, gerando assim os ditos rendimentos ditos brancos.”.

37.          Por todas estas razões consideramos que as liquidações em crise devem ser mantidas quanto ao juro mínimo efetivamente vencido anualmente, uma vez que o disposto no artigo 22.º do EBF é, neste caso, compatível com o Direito Europeu.

38.          Por último não procede o argumento de duplicação de coleta pois, como afirma a entidade requerida, e com a qual se concorda, não se trata de um fundamento de ilegalidade das liquidações, nem se trata dos mesmo juros.

Juros  indemnizatórios

A Requerente formulou o pedido de juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto em excesso.

Em consequência, o Tribunal, de acordo com o disposto nos art.ºs 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária, reconhece o direito da Requerente aos juros indemnizatórios nos termos e condições previstos na lei, calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, a liquidar em execução de sentença, desde o momento do pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

C. DECISÃO

Termos em que se decide:

a)            Anular parcialmente, nos termos expostos, as liquidações em crise no que toca aos juros não vencidos, mantendo-as no montante de imposto relativo aos juros mínimos efetivamente vencidos em 2015 e 2016, restituindo a quantia ilegalmente liquidada e paga.

b)           Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €217.363,67 (duzentos e dezassete mil trezentos e sessenta e três euros e sessenta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

E. Custas

Não tendo sido o Tribunal constituído nos termos previstos no nº 1 e na alínea a) do nº 2, do artigo 6º, do RJAT, não tem lugar a fixação do montante das custas e sua repartição pelas partes (Cfr artigo 22º-4, do RJAT).

             Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de novembro de 2021

 

Os Árbitros,

 

(José Poças Falcão)

 

 

(João Taborda da Gama)

 

(Jorge Carita)

Vota vencido conforme declaração que segue:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

 

Importa começar por atender ao que de fundamental, na minha opinião, está em causa no presente processo.

 

O que se pode resumir da seguinte forma.

 

Há rendimentos provenientes de juros pagos a entidade não residentes, que obrigassem a Requerente a proceder à sua retenção na fonte, nos termos da alínea c), do nº. 1 do artº. 94º. do CIRC?

 

Havendo, tem aplicação o benefício previsto no artº. 22º. do EBF? Ou seja, quem é a verdadeira entidade não residente titular dos rendimentos. E se for uma OIC não residente, não constituída de acordo com as regras do direito interno, tem aplicação o disposto no artº. 22 do EBF, ou, se tal não acontecer, estamos perante alguma violação do direito comunitário?

 

Contudo, vamos primeiro aos factos.

A Requerente fez prova de que os juros no empréstimo não foram ainda pagos e que tal só ocorrerá no final do contrato, com o reembolso do capital?

A Requerente fez prova de que o contrato com o Banco G... LDA transitou para um Fundo que constitui um OIC?

 

Ora vejamos.

Primeiro, importa referir que a Requerente procedeu, na sequência de uma ação de inspeção, à liquidação e pagamento do imposto, por retenção na fonte, incidindo a mesma sobre os juros vencidos anualmente, naturalmente por entender serem os mesmos devidos (Vd. Doc 1 e 3, juntos ao RI).

Tal situação não consta da factualidade dada como assente por esta Decisão, o que deveria acontecer.

 

A Requerente, só mais tarde alterou a sua atitude, através da instauração de procedimentos administrativos e judicias tendentes à sua anulação.……

A Requerida entende que os juros em causa se vencem em 31 de dezembro de cada ano, por via do que se encontra previsto no contrato e por via da emissão dos documentos referentes à sua quantificação por parte do Banco credor (Anexo I aos Relatórios de Inspeção Tributária - RIT).

Releva, assim, a Requerida, para estes efeitos, a data de vencimento dos juros e não a data do seu pagamento, como pretende a Requerente.

 

Ora o Docº., nº. 9, junto pela Requerente e referenciado a partir do artº. 46º. do Requerimento Inicial (RI), consagra a referência expressa à taxa de juro e à data de vencimento dos mesmos:

“…vencendo juro anual à taxa de 3%...”, (negrito nosso).

O que já resultava de acordo anterior quando a credora era a I... SA.

Não deixa de ser curioso que numa época em que o capital tanta falta faz às empresas e seja ainda bastante caro, haja instituições disponíveis para financiar gratuitamente quase 10 milhões de euros, levando a Requerente a dizer que:

“… nunca foram pagos juros por referência ao montante principal mutuado (Vd- artº.- 51 do RI).

 

O que entra em contradição com a factualidade provada neste processo, que entra em linha de conta com a liquidação e pagamento de um juro a uma taxa de 0,06%, que nem a Requerente confessa.

 

Importa salientar que, nem quando a taxa de juro é alterada, reconhecendo-se que à dívida de quase 10 M, que por esse instrumento contratual se reconhece a existência (confissão de dívida), à mesma acrescem os respetivos juros…. (Vd. artº. 54º. do RI), se faz referência à alteração da disposição contratual que refere que os juros se vencem anualmente.

 

Mais adiante a Requerente faz referência à clausula 2 e 2.1 , que refere:

“The Borrower shall pay interest on each Loan from the date of such loan until its repayment, considering that the interest for each year is not added to the outstanding principal of the Loans as per the end of such year. The interest will be repaid together with the Loans according to the plan of repayment as provided in section 3.1 of this Agreement” (Vd. Artº. 59º. do RI e Doc.11 junto ao mesmo).

Pode concluir-se, com rigor, da leitura desta cláusula contratual que:

a). O mutuário pagará juros;

b). Os juros serão pagos desde a concessão do empréstimo até ao reembolso (repayment) do capital;

c). Os juros de cada ano não serão capitalizados no final de cada ano.

 

Resta alguma dúvida que os juros se vencem e se vencem anualmente?

Pensamos que não.

Para além de tal resultar da interpretação das cláusulas do contrato, de outra forma qual seria a necessidade do contrato indicar a regra da não capitalização se, como diz a Requerente, é “inequívoco” que os juros só se vencem e só serão pagos com o reembolso do capital no final do contrato. Juros não vencidos, não podem nunca capitalizar….

Admite-se que, depois de sucessivos adiamentos, esse final, que até agora está fixado para 2025, com toda a certeza, será novamente prorrogado por mais uns anos, se é que o não foi já. No processo nada se refere a este respeito.

 

Refira-se, ainda, que o contrato em análise acaba por remeter tudo para o Plano de Pagamento, que também será mais tarde acordado entre as partes.

Factualidade que é igualmente ignorada na presente Decisão.

E não se vislumbra a junção pela Requerente do tal Plano de Pagamentos, razão pela qual não se compreende como é que a Requerente pode concluir que:

“… o mútuo concedido pela B... se vence apenas em 31 de Dezembro de 2025 e, com ele e só então os juros associados.”;

 

Então os juros não se venciam anualmente !!!

Onde é que essa disposição contratual foi revogada?

 

Acontece que a contabilidade limitou-se a dar sequência à realidade contratual estabelecida entre as partes e tratou de, face ao vencimento anual dos juros, determinar o seu valor anual.

Não está em causa o pagamento ou não dos juros, para onde descai sempre o pensamento da Requerente, mas sim a data do seu vencimento.

A tributação não ocorre em função do pagamento dos juros, mas sim a partir e por causa do seu vencimento. (a realidade referida pela Requerente nos artº.s 88º. e 89º. do RI – princípio da realização -, não se aplica no caso em apreço.

 

Esta “confusão” é perfeitamente visível nesta frase:

 

“O relatório em questão força a liquidação dos juros ignorando a distinção entre método de cálculo de juros e vencimento da obrigação de pagamento dos mesmos.” (Vd. artº. 78º. do RI).

 

Como referimos uma coisa é o prazo de pagamento, outra, bem diferente, a data de vencimento dos juros.

 

Analisado o já referido Anexo I aos Relatórios, dele podemos retirar todas as indicações necessárias, não só para a quantificação dos juros, mas inclusivamente até para o seu pagamento.

 

Tudo isto, para além, da previdente passagem do crédito para um Fundo, para se ir de encontro ao disposto no artº. 22º. do EBF.

 

Admito que a Requerente não tenha razão quanto a este a aspeto e que não seja possível dar por provado que os juros deixaram de se vencer anualmente, para apenas se venceriam aquando do pagamento do capital – ou seja nunca - momento que coincidiria com o seu pagamento.

 

As reservas que coloco à tese da Requerente, protegida por esta Decisão, também se prendem com o facto de ser muito estranho que ao longo de tantos anos e com um valor de crédito concedido tão elevado, não haja um único pagamento de juros, nem tão pouco uma explicação minimamente plausível para sua ausência.

 

A Requerente gasta o seu RI a postergar tudo para as calendas gregas, mas não gasta duas linhas a explicar que mundo é este onde o capital nunca é remunerado….

 

Importa ainda atender ao momento e à relevância da intervenção de um Fundo (OIC), de um Banco das Ilhas Maurícias.

O crédito foi transmitido do Banco para o Fundo que, diga-se em abono da verdade, pertence ao próprio Banco, em 2014, ou seja, ficou mais ou menos em “casa”.

Tal passagem, mal demonstrada, foi deveras oportuna.

Pôs isenção, onde dantes havia tributação.

 Não sei se o Tribunal pode efetivamente dar como provada essa realidade, como o faz.

Sobre ela existe um único documento, redigido em francês, com uma única rúbrica e um carimbo do Luxemburgo. (Vd. Doc. nº. 18, junto ao RI).

Pode um Tribunal português aceitar essa única folha como prova efetiva dessa cedência?

Pensamos que não.

E, nisso, respeitosamente discordamos da posição assumida por este Coletivo, que admite essa passagem, embora acabe por resolver a questão da aplicação ou não da isenção do artº. 22º. do EBF de outro modo.

 

Até porque mesmo que ela tivesse existido de facto, nunca a mesma teve consequências para futuro, já que esse Fundo nunca emitiu qualquer documento que demonstrasse a sua qualidade e nomeadamente emitisse o tal documento, muito importante para contabilidade, de cálculo anual dos juros.

 

   Razões pelas quais respeitosamente entendemos que a factualidade dada como provada neste Acórdão está longe daquela que a prova apresentada permite validar e é mesmo insuficiente para se chegar à própria Decisão final e à melhor aplicação do Direito.

 

Passemos agora às questões inicialmente colocadas, depois da abordagem desta matéria de facto.

 

Há rendimentos provenientes de juros pagos a entidade não residente, que obrigassem a Requerente a proceder à sua retenção na fonte, nos termos da alínea c), do nº. 1 do artº. 94º. do CIRC?

 

A AT procedeu à liquidação do Imposto devido (IRC), relativos aos rendimentos obtidos em território português pelo Banco G... LDA, sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 35%, por se tratar de entidade domiciliada em território de baixa tributação. (Ilhas Maurícias).

 

Fê-lo com base nos seguintes pressupostos:

a). A contabilidade da Requerente evidencia na conta “juros de financiamentos obtidos”, a quantia de € 273.516,18, referentes a mútuos concedidos pela sociedade B..., com sede nas Ilhas Maurícias;

b). Tal Banco emitiu o respetivo documento de suporte dos encargos com juros, tendo os mesmos sido calculados entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2015 (a situação, em tudo idêntica, repete-se em 2016 e também vem posta em causa no presente processo) e à taxa de 3% ano;

c). Esta situação tem enquadramento contratual.

Principais normas jurídicas em causa.

a). Artº. 8º., nº. 10 e artº. 10º., nº. 56 do CIRC;

b). Artº. 5º., nº. 1 e 2 alínea a),  artº. 7º. nº. 1 e artº. 71, nº. 12 do CIRS;

c). Artº. 94º., nº. 1, alínea c), do CIRC.

 

Recordemos a posição da Requerente.

 

Inexistência do facto tributário.

a). Nunca houve pagamento de juros pelo capital mutuado (€ 1.650.000,00);

b). Os juros devidos nunca capitalizaram (contudo a Requerente afirma o contrário no artº. 100º. do seu RI);

c). “O juro deverá ser pago conjuntamente com os empréstimos de acordo com o plano de pagamento.” (Vd. Artº. 60º. do RI), que só mais tarde seria fixado (Vd Cláusula 3.2 do contrato, junto como docº. nº. 11);

d). O mútuo em causa só se vence em 31 de dezembro de 2025, “…e, com ele e só então os juros associados” (Vd. Artº. 68º. do RI).

 

Atribuindo especial relevância ao Documento junto pela AT nos seus Relatórios (Anexo I), a Requerente jaz dele a seguinte leitura:

“…. O documento junto como Anexo I aos relatórios não é mais do que um ponto de situação a fim de permitir à sociedade mutuária organizar a sua contabilidade e conferir valores com a sociedade mutuante – não constitui documento de interpelação para pagamento de juros ou declaração de vencimento dos mesmos na data do período a que se referem e que é a base de cálculo do mesmo” (Vd. Artº. 80º. do RI)

 

Como é que se pode referir, como o faz a Requerente, que se trata apenas de um documento que pretende fazer o ponto da situação dos juros e não reconhecer que tem todos os elementos que resultam da constatação do vencimento dos próprios juros, incluindo dados concretos para o seu pagamento.

 

De qualquer modo, importa confirmar se a sucessão de contratos celebrados entre diversas entidades, entre as quais mutuante e mutuária, confirma em absoluto a regra contratual de pagamento dos juros para o momento do pagamento do capital em dívida.

 

De referir que até nalguns contratos financeiros, o capital é amortizado no final, mas a liquidação e pagamento dos juros é feita ao longo de período de duração do contrato, podendo ser até negociado algum período de carência do seu vencimento.

 

Aspeto que não preocupa as partes aqui intervenientes, porque parece resultar dos acordos efetuados, que nunca houve qualquer intenção por parte da Requerente, ao longo de tantos anos, de pagar qualquer tipo de remuneração pelo capital mutuado.

 

Concluímos que, na nossa opinião, há vencimento de juros e que tal acontece anualmente, não se constatando disposição contratual que diga o contrário, nem esse é o argumento utilizado pela Requerente, que defende a tese do seu não pagamento, para justificara sua não tributação.

 

Não teremos, por isso, que analisar a questão da existência de juros presumidos, porque nada, nem ninguém nega o seu efetivo vencimento.

Se assim não fosse, também a questão teria que ser resolvida em sentido contrário ao pugnado pela Requerente, caso se entenda que as normas de incidência em causa pressupõem uma manifesta presunção legal de vencimento de juros, eventualmente não ilidível.

 

Mas isso leva-nos, na senda do Acórdão do TCAS transcrito pela Requerente no artº. 124º. do RI, a procurar a data estipulada para o seu vencimento.

 

E a documentação junta aos autos aponta, como vimos, para o seu vencimento anual, tal como consta do débito efetuado pelo banco credor e dos registos assumidos na contabilidade da Requerente.

 

 

Por outro lado, como a Requerente entende que não houve pagamento de juros, apenas a sua contabilização, a exigência do imposto viola o princípio da capacidade contributiva.

 

Apesar do que refere, importará salientar que a Requerente levou a custo do exercício os juros assim contabilizados e, segundo ela, não pagos.

 

Não concordo com a razoabilidade da referência à violação do princípio da capacidade contributiva, que não está em causa no caso concreto, já que se revela muito curioso que a Requente se queira dele prevalecer, quando contabiliza como custo do exercício um valor que não suporta financeiramente…

Beneficia de um desagravamento fiscal em IRC, mas não há retenção.

 

A Requerente parece entrar em contradição quando defende a razão de ser da necessidade de contabilização anual do juro, face ao argumento que utiliza para justificar a ilegalidade da retenção.

 

Repare-se no texto do artº. 106º. do seu RI:

“O reconhecimento do juro na contabilidade deverá ser feito no momento em que este é constituído, ou seja, no exercício ao qual respeita o decurso do tempo que fundamenta a sua constituição, não no momento do seu vencimento, ou, ainda, da sua realização (que poderá ser diferente se o juro for pago depois da data de vencimento, sendo que contabilidade e declarações fiscais podem tratar de forma distinta o mesmo fenómeno económico).”

 

Parece que aqui temos que entrar em linha de conta com o disposto no do CIRS, que sabemos serem normas aplicáveis a sujeitos passivos de IRC:

 

Artº. 5º.

 

1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

a) Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro ou outras coisas fungíveis;

 

Artº. 6º., nº. 2

2 - Presume-se que os mútuos e as aberturas de crédito referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior são remunerados, entendendo-se que o juro começa a vencer-se nos mútuos a partir da data do contrato e nas aberturas de crédito desde a data da sua utilização.

 

Artº. 7º. 

1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.

 

2 - Tratando-se de mútuos, de depósitos e de aberturas de crédito, considera-se que os juros, incluindo os parcialmente presumidos, se vencem na data estipulada, ou, na sua ausência, na data do reembolso do capital, salvo quanto aos juros totalmente presumidos, cujo vencimento se considera ter lugar em 31 de dezembro de cada ano ou na data do reembolso, se anterior.

 

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se:

 

a) Quanto ao n.º 2 do artigo 5.º:

1) Ao vencimento, para os rendimentos referidos na alínea a), com exceção do reporte, na alínea b), com exceção dos reembolsos antecipados dos depósitos ou de certificados de depósitos, na alínea c), com exceção dos certificados de consignação, e nas alíneas d), e), g) e q), neste último caso relativamente a juros vencidos durante o decurso da operação;

 

Assim, podemos concluir, para que haja tributação, que é necessário que os juros:

a). Se vençam;

b). Se presuma o seu vencimento;

c). Sejam colocados à disposição do seu titular;

d). Sejam liquidados;

ou

e). desde a data de apuramento do respetivo quantitativo.

 

Tudo, conforme os casos.

 

Ora no caso concreto, diz a Requerente, tal ocorre da data do respetivo vencimento (Vd. Arts 5º., nº. 2 alínea a) e artº. 7º., nº. 3 do CIRS e artº. 8º., nº. 10, alínea b) do CIRC.

 

E a Requerente defende que tal só irá ocorrer em 31 de dezembro de 2025, ou noutra data qualquer para a qual seja deferida o pagamento do capital….

 

Não podemos ignorar que, se o argumento da AT para proceder à liquidação, se prende com a contabilização da fatura de juros emitida pelo banco credor, a jurisprudência citada pela Requerente considera que tal não é suficiente para que haja lugar a tributação, por retenção na fonte.

Mas, no caso, concreto, não estamos perante juros cujo vencimento se possa presumir, mas perante juros efetivamente vencidos, e em datas concretas contratualmente estabelecidas.

 

Podemos, por isso, concluir que há juros.

 

E não podemos concordar com a presente douta Decisão quando, apesar de admitir que há juro, refere que o mesmo se vence à taxa de 0,06%.

 

Isto quando a própria Requerente autoliquidou o imposto, no pressuposto de um juro à taxa de 3%.

 

Aqui, entendo que o Tribunal foi longe de mais, se nem a Requerente defende essa a diferenciação na liquidação do imposto, em função do cálculo de uma diferente base tributável resultante de uma diferente taxa de juro aplicada.

 

Passemos ao segundo leque de questões, que transcrevemos:

 

Havendo juros, tem aplicação o benefício previsto no artº. 22º. do EBF? Ou seja, quem é a verdadeira entidade não residente titular dos rendimentos. E se for uma OIC não residente, não constituída sob o direito interno, tem aplicação o disposto no artº. 22 do EBF, ou há alguma violação do direito comunitário que o impeça?

 

Aqui as posições das partes parecem muito claras.

 

A AT entende que o titular do rendimento em causa é o Banco das Ilhas Maurícias.

 

Curiosamente, para a Requerente, essa posição foi transferida, nas vésperas do primeiro exercício aqui em causa (31.12.2014) para a C..., convenientemente um fundo de investimento imobiliário, tudo na órbita do mesmo Grupo H..., cuja generosidade parece não ter limites….

 

Aqui nasce uma questão fundamental:

 

A Requerente faz prova suficiente dessa passagem?

 

O Tribunal acha que sim. Respeitosamente penso que não.

 

A resposta positiva permitiria considerar apesar de ter havido juros, a retenção de imposto não poderia ter lugar, nomeadamente face ao Direito Europeu.

 

Da análise à vasta documentação existente no processo resulta, em nosso entender o seguinte.

 

 Dando por adquirido que se trata de um verdadeiro Fundo, como o faz a presente Decisão, é consensual que o facto de não ter sido constituído e não operar de acordo com a legislação nacional, não o impede de beneficiar da isenção consagrada pelo artº. 22º. do EBF, visto interpretação diferente poder ser considerada contrária e incompatível com o disposto no artº. 63º. do TFUE, como é jurisprudencialmente reconhecido.

 

Compreendemos a generosa referência a 11 decisões do CAAD sobre estas matérias, 10 das quais no mesmo sentido, mas cuja aplicação ao caso concreto vem a ser afastada pelo próprio Tribunal.

 

O que não damos por garantido é que o crédito sobre a Requerente tenha passado para esse Fundo, inexistindo no processo documentos idóneos que o permitissem concluir, nomeadamente qualquer documento comprovativo da quantificação dos juros, mesmo que apenas para efeitos contabilísticos.

 

A Requerente atribui essa virtualidade ao documento nº. 18, que contem uma única página de um documento que parece truncado…

 

Nada depois da suposta assinatura desse acordo, no qual apenas tem intervenção uma única entidade, sem sabermos efetivamente qual, nada foi feito pelo Fundo para dar conhecimento à parte devedora da suposta alteração da parte credora ou qualquer manifestação de aceitação por parte desta.

 

Nem tão pouco se encontra junto aos autos, repita-se, qualquer documento de quantificação dos juros, mesmo que só para efeitos contabilísticos…

Nem tão pouco um extrato da conta corrente da empresa Requerente, donde conste a determinação/quantificação dos juros devidos anualmente ao Fundo….

Absolutamente nada.

 

Tal facto, extremamente relevante tendo em conta a qualificação do credor, face ao EBF, está longe de ter ficado provado.

 

Situação que o presente Tribunal ultrapassou e bem, ao concluir que a jurisprudência abundantemente referenciada se aplicava sempre a entidades com domicílio no espaço da União Europeia, o que não se poderia estender a Fundos domiciliados em territórios de fiscalidade privilegiada.

 

Acabando, por concluir, na parte em que acompanho esta Decisão, que, por isso e com esse argumento – o da isenção do Fundo -, a liquidação em causa não poderia ser anulada.

 

No que discordo tem a ver assim, com a quantificação do imposto devido.

 

Concluindo:

a). Há juros;

b). O seu vencimento é anual;

c). Não há prova suficiente de que o crédito tenha sido transmitido ao fundo (mesmo que o fosse isso viria a ser tido por irrelevante, já que O Tribunal vem a entende não ser de aplicar a isenção prevista no artº. 22º, do EBF);

d). Há imposto, por retenção, aquando do vencimento, que é anual e com base na quantia autoliquidada pela Requerente.

 

Deve, assim, na minha opinião e com todo o respeito que me merecem opiniões contrárias, o ato tributário que consistiu na liquidação do imposto por retenção na fonte, ser mantido, contrariamente ao que entendeu o presente Tribunal e pelos valores autoliquidados pela Requerente e não apenas com base naqueles que resultariam da aplicação aos valores dos juros de uma taxa de 0.06%.

 

(Jorge Carita)