Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 83/2017-T
Data da decisão: 2017-09-07  IRC  
Valor do pedido: € 136.683,68
Tema: IRC – Tributações Autónomas - CFEI e RFAI
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Decisão Arbitral [1]

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa (Vogal) e Prof. Doutor Jónatas Machado (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidiram o seguinte:

 

I.                   RELATÓRIO

I.1. No dia 23-01-2017, a sociedade “A…, Lda” (doravante designada por Requerente ou A…), com sede na Rua …, n.º…, …-… …– …, titular do número de  identificação de pessoa coletiva (NIPC) …, veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 3 do artigo 5.º, artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), em conjugação com os artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do sobredito Decreto-Lei – apresentar um pedido de constituição de um tribunal arbitral para pronúncia arbitral sobre a declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs …2016… e …2016…, proferidos pela Divisão de Justiça Tributária – Contencioso  da Direção de Finanças de …, em, respetivamente, 11 de outubro de 2016 e  18 de novembro de 2016 (Documentos n.ºs 1 e 2), referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014.

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31-01-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do  artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo a Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente),   a Exma. Senhora Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e o Exmo. Senhor Prof. Doutor Jónatas Machado, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 15-03-2017.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, comunica-se que o tribunal arbitral coletivo fica constituído em 30-03-2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

2. O pedido de pronúncia arbitral da Requerente tem em vista a obtenção de pronúncia arbitral relativamente à declaração da ilegalidade e consequente anulação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas por referência às liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.ºs 2015 … e 2016 …, emitidas em, respetivamente, 08 de abril de 2015 e 16 de junho de 2016 – que vieram substituir as notas de liquidação n.º 2014 …, emitida em 31 de julho de 2014, e n.º 2015 …,  emitida em 15 de julho de 2015 -, referentes aos exercícios de 2013 e 2014 (cfr. documentos 3 a 6).

2.1. A fundamentar o pedido, a Requerente argumenta o seguinte:

a)      No exercício de exercício de 2013, em cumprimento das obrigações declarativas que sobre si impendem, previstas no nº 1 do artigo 120.º do Código do IRC, a A… entregou a Declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2013, em 29 de maio de 2014, à qual foi atribuída o Código de Identificação n.º … (cf. Documento n.º 9).

b)      Posteriormente à entrega da referida declaração, a A… procedeu à sua substituição, mediante a entrega de nova Declaração Modelo 22 de IRC, o que fez a 31 de março de 2015 (cfr. Documento n.º 10), não tendo sido apurado qualquer montante a título de lucro tributável, relativo ao exercício de 2013, e tendo a A… apurado prejuízos fiscais de 2.490.866,69 €.

c)      A nota de liquidação n.º 2014…, referente ao exercício de 2013, foi substituída pela liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.ºs 2015…, emitida em 08 de abril de 2015.

d)      Nesse exercício foi apurado e pago, a título de tributação autónoma, o montante de 79.738,54 € (setenta e nove mil, setecentos e trinta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos).

e)      Sustenta a Requerente que resultava do Quadro 07 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 (relativo a benefícios fiscais que operam por dedução à coleta), que esta possuía um saldo de benefícios fiscais apurado em exercícios anteriores e ainda não caducado, no montante total de 724.711,59 €  (setecentos e vinte e quatro euros, setecentos e onze euros e cinquenta e nove cêntimos), passível de dedução à coleta no exercício de 2013 e relativo a créditos fiscais apurados no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (doravante, RFAI).

f)       No exercício de 2013, a Requerente apurou o montante de Euro 812.739,32 (oitocentos e doze mil, setecentos e trinta e nove euros e trinta e dois cêntimos), a título de RFAI

g)      Para além deste montante, a Requerente apurou ainda, em contrapartida das despesas de investimento em ativos afetos à exploração realizadas e a título de Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI”), o valor de Euro 286.591,75 (duzentos e oitenta e seis mil, quinhentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos). 

h)      No exercício de 2014, a Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 de IRC, em 28 de maio de 2015, à qual foi atribuída o Código de Identificação n.º … (cfr. Documento n.º 11).

i)       Posteriormente à entrega da referida declaração, a Requerente procedeu à sua substituição, mediante a entrega de nova Declaração Modelo 22 de IRC, o que fez, no dia 18 de maio de 2016 (cfr. Documento n.º 12.)  

j)       Na Declaração Modelo 22 de substituição foi apurado um montante total de coleta   de Euro 241.870,16 (duzentos e quarenta e um mil, oitocentos e setenta euros e dezasseis cêntimos), relativo ao exercício de 2014. 

k)      Em adição à referida coleta total, foi ainda apurado e pago, a título de tributação autónoma, o montante de Euro 56.945,14 (cinquenta e seis mil, novecentos e quarenta e cinco euros e catorze cêntimos).

l)       Do Quadro 07 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição (relativo a benefícios fiscais que operam por dedução à coleta), resulta que a Requerente possuía um saldo de benefícios fiscais apurado em exercícios anteriores e ainda não caducado, no montante total de Euro 1.815.519,47 (um milhão, oitocentos e quinze mil, quinhentos e dezanove euros e quarenta e sete cêntimos), passível de dedução à coleta no exercício de 2014, do qual parte – no montante de Euro 1.537.450,91 (um milhão, quinhentos e trinta e sete mil, quatrocentos e cinquenta euros e noventa e um cêntimos) – respeita a créditos fiscais apurados no âmbito do RFAI; e o remanescente – no montante de Euro 286.591,75 (duzentos e oitenta e seis mil, quinhentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos) – referente ao CFEI.

m)   No exercício de 2014, a Requerente apurou o montante de Euro 1.613.694,01 (um milhão, seiscentos e treze mil, seiscentos e noventa e quatro euros e um cêntimo), a título de RFAI.  Consequentemente, a Requerente tinha disponíveis para dedução à coleta, no exercício de 2014, um total de Euro 3.437.736,68 (três milhões, quatrocentos e trinta e sete mil, setecentos e trinta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), relativo aos diferentes benefícios fiscais supra elencados.

n)      Nos termos do disposto no artigo 3.º do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, definido nos termos da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que instituiu o RFAI 2009, a A… pode (graças à extensão prevista pelas leis do OE para 2010 e 2013), gozar do benefício fiscal, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional, da dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 25% da mesma, de 20% do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de € 5 000 000 e  10% do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a € 5 000 000.

o)      Segundo o disposto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, que passou a regular o RFAI em 2014,  a A… pode beneficiar da dedução à coleta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, das importâncias das aplicações relevantes no caso de investimentos realizados em regiões elegíveis nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º, a saber, 25% das aplicações relevantes, relativamente ao investimento realizado até ao montante de € 5.000.000; 10% das aplicações relevantes, relativamente à parte do investimento realizado que exceda o montante de € 5.000.000; no caso de investimentos em regiões elegíveis nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º, 10% das aplicações relevantes.

p)      No que se refere ao CFEI, resulta a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 49/2013, de 16 de julho (lei que estabelece e regula o CFEI), que o benefício fiscal a conceder nos termos do referido normativo “corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013.

q)      A tributação autónoma deverá ser considerada “IRC”, tal como resulta, aliás, não só da nova redação atribuída ao artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC (através da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) e do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código, mas também da numerosa jurisprudência emanada, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer dos Tribunais Arbitrais, que veicula esse mesmo entendimento.

r)       As Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 769/2014-T, de 8 de abril de 2015, n.º 369/2015-T, de 25 de janeiro de 2016 e n.º 370/2015-T, de 25 de janeiro de 2016 (cfr. Documento n.º 13), afirmam a dedutibilidade de créditos fiscais apurados a título de RFAI e CFEI à coleta de tributações autónomas, enquanto parte integrante da coleta de IRC e sujeita às regras gerais de liquidação do IRC, previstas no artigo 90.º do Código do IRC. 

s)      O artigo 90.º do Código do IRC, referindo-se à forma de liquidação do IRC pelo sujeito passivo e aplicando-se a todas as situações previstas no Código, aplica-se de igual modo, à liquidação do montante das tributações autónomas apuradas pelo sujeito passivo.

t)       A dedutibilidade de benefícios fiscais ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC não exige a existência de lucro tributável, pois o que aquele de facto exige é que haja coleta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

u)      A dedutibilidade do CFEI e do RFAI à coleta das tributações autónomas encontra um “mínimo de correspondência verbal” no texto legislativo, tal como consagra o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

v)      O facto de as tributações autónomas terem por objetivos garantir um mínimo de coleta relativamente às sociedades que apresentem prejuízos (questão que não se coloca no caso concreto), reduzir a comparticipação fiscal em certas despesas e desincentivar a sua realização, não significa esses objetivos não possam ceder, excecionalmente, diante de benefícios fiscais instituídos para tutela de interesses públicos extrafiscais superiores aos da própria tributação.

w)    Em face do entendimento sufragado pela mencionada jurisprudência arbitral, no âmbito dos quais se defende a possibilidade de dedução de benefícios fiscais à coleta de tributação autónoma, bem como a legislação em vigor à data dos factos em causa (períodos de tributação de 2013 e 2014, a A… sustenta existir um erro crasso nas suas autoliquidações de IRC, que distorceu, de forma materialmente significativa, o imposto a pagar.

x)      Ao abrigo do disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, no exercício da sua atividade, sendo uma das suas manifestações a sujeição às orientações emanadas pelos tribunais arbitrais e judiciais, enquanto controlo direto da legalidade da sua atuação.

y)      A integração da lei interpretativa na lei interpretada, prevista nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil, não pode sobrepor-se às regras constitucionais, não podendo o legislador querer atribuir eficácia interpretativa a uma norma sem que essa norma reúna, em si mesma, as condições para que possa ser qualificada como tal.

z)      Para que uma norma se possa qualificar como norma interpretativa é necessário que se encontrem verificados dois requisitos: (i) a existência de uma regra que é incerta e controversa na sua interpretação; (ii) a norma interpretativa integra uma solução que a jurisprudência poderia, por si só, ter adotado.

aa)  A interpretação introduzida pelo novo n.º 21 do artigo 88.ºdo Código do IRC não cumpre nenhum daqueles requisitos, tendo necessariamente de se qualificar como uma verdadeira norma inovadora, não se aplicando aos exercícios de 2013 e 2014.

bb)  No que respeita ao período de tributação de 2013, ao montante de tributações autónomas apurado no valor de Euro 79.738,54 (setenta e nove mil, setecentos e trinta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos) deverão ser deduzidos não só parte do saldo de RFAI de 2012 que transitou para o exercício de 2013, como ainda parte dos montantes apurados, a título de RFAI e CFEI, no próprio exercício de 2013.

cc)  Deverá a AT corrigir o montante de imposto a pagar naquele exercício e restituir à Requerente o montante indevidamente pago, em virtude da nota de liquidação n.º 2015…, que substituiu a nota de liquidação n.º 2014…, da qual se reclamou graciosamente no passado. 

dd)  No que toca ao período de tributação de 2014, entende a Requerente que, ao montante total de coleta de Euro 241.870,16 (duzentos e quarenta e um mil, oitocentos e setenta euros e dezasseis cêntimos) e às tributações autónomas apuradas no valor de Euro 56.945,14 (cinquenta e seis mil, novecentos e quarenta e cinco euros e catorze cêntimos) deverão ser deduzidos não só parte do saldo de RFAI de 2012 que transitou para o exercício de 2014, como ainda parte dos montantes apurados, a título de RFAI e CFEI, no exercício de 2013.  

ee)  A AT deverá corrigir o montante de imposto a pagar no exercício de 2014 e restituir à ora Requerente o montante indevidamente pago, em virtude da nota de liquidação n.º 2016…, que substituiu a nota de liquidação n.º 2015…, da qual oportunamente se reclamou graciosamente. 

3. A Autoridade Tributária e Aduaneira juntou o processo administrativo e ofereceu resposta, nos seguintes termos:

a)      As tributações autónomas prosseguem objetivos diversos, que abarcam desde o originário propósito de evitar práticas de evasão e de fraude –, através de despesas confidenciais ou não documentadas, ou de pagamentos a entidades localizadas em jurisdições com regimes fiscais privilegiados, à substituição da tributação das vantagens acessórias sob a forma de despesas de representação ou de atribuição de viaturas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais, na esfera dos respetivos beneficiários –, até à finalidade de prevenir o fenómeno designado por  “lavagem de dividendos” (cfr. n.º 11 do art.º 88.º CIRC) ou de onerar, por via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos (cfr . n.º 13 do mesmo preceito).

b)      O mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.° do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. 

c)      Do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. 

d)      No sistema fiscal português observa-se a coexistência entre, por um lado, o regime (especial) das tributações autónomas e, por outro, o sistema-regra (pré-existente) do IRC.

e)      O caracter autónomo destas tributações, decorrente da especial configuração dada aos aspetos material e temporal dos factos geradores, impõe, em determinados domínios, o afastamento ou uma adaptação das regras gerais de aplicação do IRC.

f)       A autonomia da figura das tributações autónomas em relação ao IRC sempre se afirmou com grande intensidade, desde a sua criação por legislação própria, que definiu os seus elementos estruturantes – factos geradores e taxas -  naturalmente condicionados pelos especiais objetivos prosseguidos.

g)      As tributações autónomas têm um apuramento absolutamente “autónomo” e distinto do apuramento da coleta processado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC”, pelo que ainda que integrem o regime do IRC e sejam devidas a título desse imposto, não constituem IRC em sentido estrito.

h)       Da diferenciação e autonomia devem ser extraídas as necessárias consequências no plano das deduções previstas nas alíneas do n.º 2, no sentido de que só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto.

i)       Fica ao cuidado do intérprete e do aplicador da lei a tarefa de, perante a necessidade de, para determinados efeitos – nomeadamente das deduções previstas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC ou do cálculo dos pagamentos por conta ou ainda do Resultado da Liquidação (art.º 92.º) –, identificar a parte relevante de coleta do IRC, extraindo dos normativos aplicáveis um sentido útil, literalmente possível, que permita uma solução coerente e conforme com a natureza e funções atribuídas a cada componente do imposto. 

j)       A delimitação do conteúdo da expressão utilizada pelo legislador no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC, “montante apurado nos termos do número anterior”, e no n.º 1 do art.º 105.º do CIRC, “imposto liquidado nos termos do n.º 1 do art.º 90.º”, deve ser feita de forma coerente e unívoca, correspondendo ao montante do IRC calculado mediante a aplicação das taxas do art.º 87.º à matéria coletável determinada com base no lucro e nas taxas do art.º 87.º do Código.

k)      O traço comum a todas as realidades refletidas nas deduções referidas no n.º 2 do art.º 90.º do CIRC reside no facto de respeitarem a rendimentos ou gastos incorporados na matéria coletável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto, sendo, por isso, inteiramente alheias às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.

l)       Para as deduções à coleta a título de benefícios fiscais, o montante ao qual são efetuadas só pode respeitar ao imposto liquidado com base na matéria coletável, determinada com base nas regras do capítulo III e das taxas previstas no art.º 87.º do CIRC12.

m)   Efetuar a dedução dos benefícios fiscais que ainda se encontram disponíveis para dedução ao montante respeitante às tributações autónomas é um sentido que não encontra qualquer suporte no texto legal por não resultar dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC qualquer referência a tributações autónomas, não podendo, por isso, ser aceite tal interpretação, tal como preconiza o artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil.

n)      O n.º 5 do art.º 90.º do CIRC – através do qual o legislador fornece uma indicação clara de que o montante do imposto liquidado, ao qual são efetuadas as deduções referidas no n.º 2 do mesmo artigo, não inclui o montante correspondente às tributações autónomas –, estatui que as deduções que são imputadas aos sócios ou membros de entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal estabelecido no art.º6.º (entidades que estão sujeitas ao pagamento das tributações autónomas, por força do art.º12.º) são «deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo».

o)      A integração das tributações autónomas, no Código do IRC (e do IRS) conferiu uma natureza dualista, em determinados aspetos, ao sistema normativo deste imposto, que se corporizou, nomeadamente, no quadro da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, em apuramentos separados das respetivas coletas, por força de obedecerem a regras diferentes.

p)      Existem dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo código, são efetuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou no 88.º do CIRC, às respetivas matérias coletáveis

determinadas igualmente de acordo com regras próprias.

q)      A norma aditada por via do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao dirimir ou clarificar uma controvérsia de interpretação jurídica quanto à possibilidade de dedução dos benefícios fiscais e/ou outras deduções (ex: PEC) à coleta de tributação autónoma, tem um carácter interpretativo, não inovador, limitando-se explicitar um entendimento que já resultava das disposições legais relevantes. e que apenas foi posto em crise na decorrência de alguma jurisprudência arbitral recente. 

r)       A jurisprudência exarada nos processos arbitrais n.ºs 722/2015-T, 727/2015-T e 785/2016-T, fundamenta que, independentemente do efeito interpretativo conferido pelo artigo 135.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, através da introdução do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efetuada que não a veiculada pela AT.

s)      O próprio efeito interpretativo conferido por aquela Lei seria, per si, desnecessário, porquanto, nenhuma outra interpretação seria passível de ser efetuada tendo em consideração a teleologia e hermenêutica jurídica das normas em apreço,

t)       É inconstitucional a decisão que admita a dedução de benefícios fiscais em sede de IRC à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma, por violação dos princípios da legalidade, ínsito no art.º 103.º n.º 2 da CRP, da separação dos poderes, plasmado no art.º 2 da CRP, da proteção da confiança previsto no art.º 2.º da CRP, e da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva, decorrente do art.º 13.º, n.º2 e do 103.º, n.º2 ambos da CRP. 

u)      O direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a AT a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.

v)      A AT limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes à correção efetuada, pelo que deverá ser, também, julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados. 

w)    Sendo a AT uma instituição hierarquizada não está vinculada às decisões judiciais ou da Arbitragem Tributária proferidas em processos que não aqueles sob escrutínio, não existindo em Portugal a “figura jurídica do precedente jurídico”.

4. Não tendo sido invocadas exceções e não havendo lugar a prova testemunhal, o Tribunal, por despacho, de 17 de maio de 2017, prescindiu da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo. Foi também fixado o dia 30 de setembro de 2017 para a prolação da decisão arbitral.

 

5. Foram produzidas alegações finais por ambas as partes limitando-se a reiterar, no essencial, os argumentos das anteriores peças processuais.

 

II. SANEAMENTO

 

1.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

2.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

3.Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Muito embora, in casu, se vise a apreciação de diferentes atos tributários (respeitantes aos atos de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, que têm subjacentes liquidações de IRC referentes a dois períodos de tributação distintos), a procedência dos pedidos de anulação das liquidações de IRC em referência, depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Não só é coincidente a realidade que serve de base à emissão das demonstrações de liquidação de IRC em crise, decorrendo do mesmo facto tributário, como são iguais os fundamentos de direito utilizados para sustentar o pedido de declaração de ilegalidade dos correspondentes atos tributários, assentes na discussão acerca da natureza da tributação autónoma (que deverá ser considerada “IRC”, possibilitando, por via disso, a dedução ao montante apurado a este título dos benefícios fiscais relativos a CFEI e RFAI), bem como da alegada natureza interpretativa do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

Em suma, a cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

4.Não foram suscitadas quaisquer excepções que cumpra conhecer.

5.Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer, em seguida, do mérito do pedido.

 

***

IV. MÉRITO

IV. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.     Factos provados

Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, a produção, comercialização e exportação de calçado, bem como o desenvolvimento, produção, comercialização e exportação de moldes e formas para calçado e outras atividades com as mesmas relacionadas.

b)      Para efeitos fiscais, a ora Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), cujo período de tributação coincide com o ano civil.

c)      A Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 22, do ano de 2013, em 29-05-2014, conforme documento 9 junto ao pedido arbitral.

d)      A Requerente apresentou declaração de substituição da declaração de rendimentos modelo 22, do ano de 2013, em 31-05-2015, no qual foi apurado a título de tributação autónoma o valor de 79.738,54 €, conforme documento 10 junto ao pedido arbitral.

e)      No ano de 2013, a Requerente apurou o valor de 812.739,32 € a título de RFAI, e o valor de 286.591,75 € a título de CFEI.

f)       A Requerente apresentou a declaração de rendimentos modelo 3, do ano de 2014, em 28-05-2015, conforme documento 11 junto com o pedido arbitral.

g)      A Requerente apresentou declaração de substituição da declaração de rendimentos modelo 22, do ano de 2014, em 18-05-2016, no qual foi apurado a título de tributação autónoma o valor de 56.945,14 €, conforme documento 10 junto ao pedido arbitral.

h)      A Requerente possuía um saldo de benefícios fiscais apurado em exercícios anteriores e ainda não caducado, no valor total de 1.815.519,47 €, do qual parte respeita a créditos fiscais apurados no âmbito do RFAI e o remanescente no valor de 286.591,75 € é referente a CFEI, assim como o valor de 1.613.694,01 € de RFAI apurado no ano de 2014, passíveis de dedução à coleta no ano de 2014.

i)       A Requerente apresentou duas reclamações graciosas contra os atos de liquidação de IRC dos anos de 2013 e 2014, em 20-05-2016 e 05-07-2016, respetivamente.

j)       A Requerente foi notificada das decisões de indeferimento das reclamações graciosas das liquidações de IRC de 2013 e de 2014, em 11-10-2016 e 18-11-2016, respetivamente.

 

§2.Factos dados como não provados

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

§3.     Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo anexado pela Requerida.

 

IV.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

A questão decidenda consiste em averiguar se assiste razão à  Requerente quando defende a dedução dos valores pagos a título de CFEI e RFAI à coleta produzida por tributações autónomas nos exercícios, 2013 e 2014, respetivamente nos montantes de €79.738,54 e €56.945,14, por aquelas revestirem a natureza de IRC.

A resposta ao problema colocado pressupõe, desde logo, que se analise a evolução da figura das tributações autónomas com vista a averiguar se o seu regime jurídico (compreendendo natureza e razão de ser) é compaginável com a pretensão da Requerente ou, se pelo contrário, assiste razão na posição defendida pela Requerida.

 

IV.2.1.1. Da natureza das tributações autónomas na jurisprudência e na doutrina nacional

 

Conforme posição adoptada na Decisão Arbitral nº 722/2016-T, de 28 de Junho de 2016, cujo colectivo foi presidido pelo aqui também Árbitro Presidente (e para cujo teor da decisão desde já aqui remetemos), as tributações autónomas tributam a despesa e não o rendimento, posição que é assumida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes (voto de vencido aposto no Acórdão n.º 204/2010 do Tribunal Constitucional), nos termos do qual afirma, referindo-se às tributações autónomas, que “embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (….)”.

 “Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma (…) e isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta”.[2]

E acrescenta que “deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC” (sublinhado nosso).

No mesmo sentido, veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) onde se afirma que “sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC. Refira-se contudo que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afectas á actividade empresarial e indispensáveis pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites”.[3]

No que diz respeito à posição que era assumida pela Tribunal Constitucional, cite-se o Acórdão n.º 18/11, nos termos do qual se refere queexistem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos e (…) isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas (sublinhado nosso).

Relativamente a este argumento do Tribunal Constitucional interessa-nos apenas salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP.

Mais recentemente, o Tribunal Constitucional veio reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11 (acima referido), aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, no sentido de entender que contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação. Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º,n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo” (sublinhado nosso).

Ainda segundo este Acórdão do Tribunal Constitucional “esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa” (sublinhado nosso). [4]

Em relação a doutrina, constatamos que o conceito e a natureza das tributações autónomas não se afasta de forma substancial do entendimento plasmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que acima sumariamente reproduzimos.

Na verdade, como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento”.[5]

No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”.[6]

Com efeito, alguma doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais e do Tribunal Constitucional consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos, que incidem sobre a despesa pelo que, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.

Adicionalmente, refira-se que é também aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/accionistas da sociedade.

SALDANHA SANCHES refere que “neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.”[7]

Com efeito, “trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam (…)”.[8]

 

III.2.1.2. Da evolução da figura das tributações autónomas

Em relação à evolução da figura das tributações autónomas, há que referir que, na redação inicial do Código do IRC (Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro), não se fazia nenhuma referência expressa ou implícita a tributações autónomas. Apenas com a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro (diploma que aprovou o Orçamento do Estado para 1990), apareceu uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que constava do n.º 3 do seu artigo 15.º, nos termos da qual se preceituava que ficava o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código.

A origem no ordenamento jurídico fiscal português das tributações autónomas remonta a 1990, com a publicação do Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, nos termos do qual (no seu artigo 4º), se estabelecia uma tributação autónoma:

a)    À taxa de 10% relativa a despesas confidenciais ou não documentadas e;

b)   À taxa de 6.4%, relativamente a despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.

Com efeito, foi com a aprovação do Decreto-Lei n.º 192/90 (e concretizando aquela autorização legislativa), que foi incluída à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas, nos termos da qual “as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC”.

Esta norma veio a ser objecto de diversas alterações, nomeadamente, através de sucessivas modificações, quer das taxas, quer da sistematização e redação às mesmas conferida, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos (ou seja, quer no Código do IRC, quer no Código do IRS).

Com a aprovação da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o decreto que consagrou as “tributações autónomas” foi revogado, aditando-se ao Código do IRC o artigo 69º-A [correspondente à data dos factos subjacentes (2013 e 2014) ao artigo 88º] no qual, para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, às despesas de representação e às despesas com viaturas, se estendeu a mesma a outras situações da natureza diversa.

Em consequência desta análise da evolução da figura das tributações autónomas, entendemos ser possível retirar, desde logo, duas ilações:

(i) A primeira é a de que as tributações autónomas incidem quer sobre encargos dedutíveis, quer sobre encargos não dedutíveis em sede de IRC;

(ii) A segunda é a de que as tributações autónomas visam evitar a erosão da base tributável em sede de IRC, fazendo incidir tributação sobre encargos que podem ser deduzidos pelos sujeitos passivos de IRC mas que, sendo-o, se transformam num agravamento da tributação, pretendendo, portanto, servir como desincentivo à despesa com tais encargos.

Assim, pode ter-se como assente, e para o que relevará no sentido da decisão a proferir no âmbito dos presentes autos, os seguintes pressupostos:

(i) As tributações autónomas de IRC ancoradas nos diversos números e alíneas do artigo 88º do Código do IRC traduzem situações diversas, às mesmas cabendo também taxas de tributação diferentes;

(ii) As tributações autónomas de IRC incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria coletável;

(iii) Interpretadas como pagamentos, associados ao IRC, ou com este pelo menos relacionado podendo entender-se como uma excepção no que respeita ao princípio da tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro real e efectivo apurado (artigo 3º do Código do IRC),

(iv) Nas tributações autónomas, o facto tributário que dá origem à tributação é instantâneo: esgota-se no acto de realização de determinadas despesas que estão sujeitas a tributação (embora o apuramento do montante de imposto resultante das diversas taxa de tributação aos diversos actos de realização de despesas considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário);

(v) O facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não o transforma num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro, porquanto essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa;

(vi) A tributação autónoma não é equivalente à não dedutibilidade das despesas realizadas pelo sujeito de IRC.

Por outro lado, e no que diz respeito às características das tributações autónomas, reconhecem-se aqui aquelas que, há já alguns anos, a doutrina vem apontando:

a) A tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC, sendo isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a colecta e, consequentemente, o imposto a pagar;

b) Com o regime fiscal associado, pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;

c) Trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;

d) Considera-se desfavoravelmente determinados gastos em que, reconhecidamente, não é fácil determinar a medida exata da componente que corresponde a consumo privado, e relativamente aos quais é conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.

III.2.1.3. Da causa e da função das tributações autónomas em sede de IRC

É pacífico que as tributações autónomas radicam, como se aflorou, na necessidade de evitar abusos quanto à relevação de certos encargos ou despesas e que poderão ser facilmente objeto de desvio para consumos privados ou que, de algum modo, são suscetíveis de configurar, formalmente, um gasto de uma pessoa colectiva, mas que, substancialmente, representam ou podem configurar abusos em ordem a minimizar a medida real do imposto.

Ciente desta dificuldade de, muitas vezes, se efetuar uma separação rigorosa destas duas realidades, foi sucessivamente “enxertado”, conforme supra descrito, no regime de tributação do lucro real e efectivo estabelecido no Código do IRC, como padrão geral, um regime autónomo de tributação de certos gastos, no todo ou em parte indesejados e indesejáveis que contaminam os termos do dever de imposto, que assim, surge configurado abaixo da real capacidade contributiva da entidade que a releva como tal.

Nestes termos, pode afirmar-se que as tributações autónomas surgem integradas no regime do IRC, são apuradas e devidas no âmbito da relação jurídica de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e é, neste quadro, que se efetua o seu apuramento.

Mas não “são IRC”, tout court como a Requerente quer lapidar e definitivamente o afirma.

Com efeito, para que fossem assim consideradas teriam, desde logo, que tributar o rendimento e isso, como vimos, não é o que sucede, em momento algum. Na verdade, embora exista uma instrumentalidade evidente entre o IRC e o modelo de tributação da renda em Portugal e as tributações autónomas (facto de resto bem evidenciado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e, em especial, do Tribunal Constitucional), prevalece o entendimento de que as tributações autónomas tributam despesas.

De facto, as tributações autónomas são um instrumento que (afastando-se e introduzindo alguma medida de entorse num sistema que declara tributar rendimentos reais e efetivos), afinal também tributa gastos, dedutíveis ou não em IRC, sem que com isso sejam violados os preceitos constitucionais já que a norma aplicável (art.º 104.º, n.º 2 da CRP) declara imperativa a tributação das empresas “fundamentalmente” sobre o seu rendimento real, sem prejuízo quer das situações de tributação segundo os lucros ou o rendimento real (quando seja apurado por métodos indiretos), quer das situações de tributação de gastos objeto de tributação autónoma (por expressa opção de lei), do estabelecimento de soluções técnicas (como é o caso do pagamento especial por conta) e das regras específicas visando a sua devolução.

Neste âmbito, vale a pena ainda recordar que, nem os sistemas fiscais, nem os modelos de imposição concreta correspondem a modelos puros, isentos de elementos de extraneidade ao próprio sistema fundacional, de valores, ou ao próprio regime geral de um qualquer imposto abstratamente considerado. Com efeito, todos os impostos possuem caraterísticas ou soluções que, quando vistas isoladamente, podem representar objetivamente uma descaraterização do modelo tal como na pureza dos conceitos foi concebido, mas que, quando articuladas com o modelo, se verifica que concorrem para a sua efetividade, e lhe conferem ou reforçam a sua coerência.

Essas soluções, mais pragmáticas ou específicas, não ferem tais ditames valorativos essenciais, sejam eles de proteção da receita ou de densificação dos ideais valorativos gerais (da ordem tributária) ou específicos do imposto (como é o caso da necessidade de evitamento de abusos) desde que, eles mesmos, não sejam de tal modo relevantes que abjurem o modelo de tributação-regra ou falseiem estruturalmente os valores em que radica.

No caso em análise, embora a opção da lei fundamental e da lei ordinária, por consequência, haja sido claramente no sentido de tributar o rendimento das pessoas colectivas e, nas formas possíveis de apuramento deste, se haja escolhido a tributação do rendimento real e efetivo como manifestação do mais elevado padrão de justiça fiscal, a verdade é que o sistema sempre conheceu desvios mais ou menos relevantes, seja porque certos gastos não são considerados como tal pela lei fiscal (embora objetivamente possam ser imputáveis a uma actividade comercial), seja porque a lei fiscal, reconhecendo essa essencialidade, teme a ocorrência de abusos (como é o caso das tributações autónomas, genericamente falando).

Em parte, este afastamento da pureza dos conceitos é uma consequência inevitável da complexidade das relações da vida, seja porque modelos de imposição fiscal puros são mais onerosos de implementar e gerir já que requerem informação relevante muito mais apurada, seja porque no campo dos impostos, como noutros campos da vida, há que temperar o ideal de justiça consagrado com soluções de razoabilidade normativa na qualificação dos factos relevantes e técnica nas soluções e exigências a estabelecer., com o objectivo de evitar que os modelos tributários sejam excessivamente complexos e onerosos deixando de atingir realidades e práticas que mitiguem a carga tributária ou concorram para uma má distribuição da mesma.

Ora, deste balanceamento dos valores que suportam o dever de estabelecer / suportar imposto com as realidades da vida pode resultar a necessidade de estabelecer limites (fiscais ou outros) ao comportamento dos sujeitos passivos, com o objectivo de manter dentro de padrões gerais de equilíbrio, as soluções legais do sistema.

Por outro lado, importa ter presente (porque isso releva para efeitos da decisão a tomar) que as tributações autónomas configuram normas anti-abuso dirigidas a racionalizar comportamentos específicos dos contribuintes (face ao dever de imposto) pelos quais, tradicionalmente, conseguiam alcançar uma medida de imposto inferior ao que o evidenciava a sua capacidade contributiva efetivamente revelada mas que, mercê, desses comportamentos abusivos era passível de ser mitigada ou eliminada, com evidente violação ou postergação do princípio da justiça, de justa repartição da carga fiscal por quem revela capacidade contributiva.

Consequentemente, faz sentido admitir que se façam deduções gerais à colecta do imposto, que são permitidas por lei para dar sentido efectivo ao princípio da tributação do rendimento real e efectivo. Contudo, no que diz respeito à colecta devida por tributações autónomas, essa dedução geral deixa de fazer sentido porque, não tributando os lucros, mas despesas, não se coloca, quanto a elas, a questão da justiça na repartição do encargo geral do imposto, pelo que seria ilógico permitir a dedução de encargos quando tal dedução, na prática, destruiria o sentido anti-abusivo que as impregna; o desincentivo de comportamentos desviantes que a sua instituição reprime ou dirime.

Ora, as tributações autónomas, como parece claro, não têm uma finalidade marcadamente reditícia, isto é, não visam, primacialmente, a obtenção de (mais) receita fiscal, embora este possa não ser um aspeto despiciendo, verificável.

Com efeito, elas visam dissuadir comportamentos, práticas ou opções das empresas radicadas em razões essencialmente de natureza de poupança fiscal, reditícia e, por outro lado, preservam os equilíbrios próprios do regime de tributação das pessoas colectivas, evitando distorções não apenas ao nível dos resultados tributáveis, como ondas de comportamentos desviantes, afetadores da expetativa jurídica da receita, em cada ano económico.

E, através destas cláusulas gerais anti abuso, forçam a manutenção de uma correlação saudável entre os volumes de negócios, os lucros tributáveis e o imposto devido a final pelas entidades sujeitas a IRC, em linha com os níveis médios de carga fiscal efectiva que recai sobre os diferentes grupos de contribuintes, dentro do sistema fiscal português e, até, comparativamente com a dos estados membros da OCDE ou fora dela.

Assim, as tributações autónomas, incluindo as previstas na alínea b), do n.º 13, do art.º 88.º do Código do IRC têm, pois, uma função disciplinadora geral que não é alheia às finalidades sistémicas do imposto, até porque, como mecanismo anti abuso, as tributações autónomas não são alheias aos fins gerais do sistema fiscal.

Nestes termos, a adopção de regimes legais que limitem os efeitos nefastos que resultem de comportamentos afetadores da equilibrada repartição da carga fiscal sobre os diferentes grupos de contribuintes não constitui apenas uma opção do legislador mas, é antes, uma obrigação estrita, em resultado na obrigatoriedade de gizar e fazer funcionar o sistema como um todo de forma equilibrada.

Com efeito, as tributações autónomas introduzem mecanismos de tributação que, naturalmente, desagradarão aos seus destinatários, mas impedem ou limitam os efeitos nefastos de práticas abusivas que prejudicariam outros e são, por isso, necessárias à preservação dos equilíbrios do sistema.

Ora, as empresas, tal como as pessoas singulares, também estão sujeitas e com a mesma intensidade ao dever geral de pagar impostos e, nesta medida, a lei fiscal não pode deixar de consagrar mecanismos que limitem procedimentos desviantes porquanto cada um deve suportar imposto segundo pode, isto é, segundo são as suas capacidades contributivas reveladas.

Importa ainda notar que, nos nossos dias, se adoptou, como regra geral, o regime da tributação segundo o rendimento real e efectivo para as pessoas colectivas, não constituindo este uma mera opção de funcionamento do sistema fiscal de entre várias outras possíveis.

Na verdade, ela é, antes, uma manifestação concreta da modernidade e da maturidade de um sistema fiscal que exige dos seus destinatários/beneficiários uma madureza da mesma estatura pois representa também uma nova forma de responsabilização ética e social perante o fenómeno do imposto. [9]

Como referiu, oportunamente, SALDANHA SANCHES (citado na Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 28), as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a actuações abusivas: “(...) que o normal funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis. Este caráter anti abuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita. Elas terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade parcial das despesas sobre que incidem, em função da supra apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular)”. [10]

Todas estas considerações convocam o que nos parece ser a verdadeira sententia legis, posto que a descoberta do verdadeiro sentido da lei constitui um imperativo, pois que importa assegurar que a actividade do intérprete atinja um sentido interpretativo pelo qual a lei exteriorize o seu sentido mais benéfico, mais profícuo e mais salutar, no dizer de FRANCESCO FERRARA.[11]

Por outro lado, o sentido lógico da interpretação não nos conduz senão no sentido de que as tributações autónomas assentam numa lógica segundo a qual a lei pretende evitar ou desincentivar tais pessoas colectivas de relevar (abusivamente) como gastos valores relativos a bónus ou remunerações variáveis. Assim, é a relevação como gasto para efeitos de IRC, na sua inteireza, que se pretende desincentivar.

Fazendo apelo à ratio legis fica claro que as tributações autónomas são cobradas no âmbito do processo de liquidação do IRC de acordo com uma raiz e uma dogmática próprias que levam a que a colecta total do imposto não seja uma realidade unitária mas composta.[12]

Assim, é nela possível descortinar a colecta de imposto propriamente dita, resultante da mecânica geral de apuramento do IRC, que é devida com fundamento constitucional assente no dever geral de cada um (neste se englobando as pessoas colectivas) de contribuir para as despesas públicas segundo os seus haveres (art.º 103.º, n.º 1 da CRP). Tudo no respeito e em cumprimento dos princípios da justiça, da igualdade e do dever de pagar imposto segundo a capacidade contributiva revelada. E a que se deduzem as importâncias referidas no artigo 90.º do Código do IRC e nos termos e modos ali referenciados.

A esta colecta geral, radicada neste fundamento de ordem fundacional, adiciona-se a colecta específica, devida por tributações autónomas, que tem, como se deixou claro, uma raiz, um sentido e um fundamento próprios, qual seja o de desincentivar a adopção dos comportamentos por elas tributados, elencados no art.º 88.º do código, que configura uma norma anti abuso, o que nos permite convocar aqui toda a dogmática própria em que se fundamenta.

Neste caso, por se tratar de cumprir finalidades que extravasam os fins puramente reditícios do imposto, para se situar no campo dos comportamentos que a lei considera abusivos e/ou não desejados, parece claro que não faz sentido que se lhe efetuem deduções, sob pena de se esvaziar, na prática, de qualquer sentido o regime anti abusivo criado.

Assim, atento o que vai exposto, estamos agora em condições de analisar o pedido da Requerente, quanto à legalidade da dedução do RFAI e CFEI à parte da colecta de IRC da Requerente, correspondente às taxas de tributações autónomas, em cada um dos exercícios de 2013 e 2014.

 

III. 2.2. Da eventual dedutibilidade do RFAI e do CFEI à colecta das tributações autónomas

Concluiu-se acima que a colecta das tributações autónomas tem uma raiz diferente, que não pode, sob pena de subversão da ordem de valores, permitir a dedução de benefícios fiscais, sob pena de descaraterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir.

Com efeito, tendo o regime das tributações autónomas uma função desincentivadora de comportamentos abusivos, não se vê por que motivo lógico esse desincentivo poderia, depois, desvanecer-se, o que sucederia se fosse possível deduzir à colecta das tributações autónomas, incentivos fiscais, como a Requerente pretende, porquanto essa possibilidade resultaria num duplo efeito estranho, ou seja, de um lado poderia, no limite, eliminar a colecta resultante das tributações autónomas e, de outro, propiciaria a dedução de certo benefício fiscal (no caso em concreto, estão em causa o CFEI[13] e o RFAI[14], pelo cumprimento dos objectivos ou adopção das condutas fixadas na norma consagradora do direito ao benefício fiscal) a imposto que tem uma função especificamente anti abuso, de mitigação de comportamentos fiscal e socialmente indesejados.

Da conjugação destas possibilidades resultaria um resultado contraditório, ilegal e antiético, justamente porque a mesma lei fiscal permitiria, no quadro do mesmo sistema fiscal, desonerar o contribuinte do encargo do pagamento de um imposto que é justamente devido pela adopção de condutas abusivas, indesejadas e desincentivadas (relevação como gastos das despesas previstas no art.º 88.º do Código do IRC).

O entendimento arbitral ora sufragado, no sentido da orientação seguida nos Acórdãos Arbitrais n.º 722/2015-T, 443/2016-T, e 733/2016-T, encontra-se em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efetuadas quaisquer deduções».

Também neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-o, uma solução que os tribunais, com recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este coletivo, no caso dos autos.

Atento o acima exposto, conclui-se pela ilegalidade da dedutibilidade do CFEI e do RFAI à coleta das tributações autónomas, sem necessidade de se lançar mão do carácter interpretativo dado pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (OE para 2016), ao artigo 21.º do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos do qual “a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

Assim sendo, fica prejudicada a análise de quaisquer ilegalidades ou inconstitucionalidades assacadas por ambas as partes à aplicação destas normas, designadamente por violação do princípio da igualdade, da protecção da confiança e do artigo 103.º, nº 3, da CRP, na medida em que tais normativos não são convocados sequer para a resolução do caso em apreço.

Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não assiste razão à Requerente, pelas razões e pelos fundamentos acima invocados, no que respeita à possibilidade de dedução do benefício fiscal relativo ao CFEI e ao RFAI à coleta das tributações autónomas relativas aos exercícios de 2013 e 2014.

Termos em que, improcede o pedido da Requerente, sendo de manter o indeferimento das reclamações graciosas ora impugnadas.

 

III. 2.3. Dos outros pedidos

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas respeitante aos exercícios de 2013 e 2014, ficam igualmente prejudicados os pedidos feitos pela Requerente de devolução das quantias pagas e de respectivos juros.

 

III. 2.4. Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No presente processo, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IV. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)             Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade das autoliquidações de IRC da Requerente, nas partes produzidas pelas tributações autónomas, dos exercícios de 2013 e 2014, objecto dos presentes autos, absolvendo-se a Requerida deste pedido;

b)             Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de IRC pago pela Requerente, respeitante aos exercícios de 2013 e 2014, acrescido de juros indemnizatórios, conforme formulado pela Requerente, porquanto este pedido se encontra prejudicado pela improcedência do pedido arbitral acima referido em b), absolvendo-se a Requerida do respectivo pedido e, em consequência,

c)             Manter as decisões de indeferimento das reclamações graciosas dos actos tributários de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2013 e 2014;

d)             Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 136.683,68 €.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em
3.060,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Notifique-se.

Lisboa, 07 de setembro de 2017

 

O Árbitro-Presidente

O Árbitro Vogal

O Árbitro Vogal

 

 

 

Fernanda Maças

Suzana Costa

Jónatas Machado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

A divergência que nos separa da orientação que obteve vencimento no presente Acórdão diz respeito, num primeiro momento, à quaestio subtilissima da natureza das tributações autónomas e, subsequentemente, à bondade constitucional da edificação jurisprudencial de um regime específico para as mesmas, distinto do regime geral do IRC. Nos termos do artigo 104º da CRP, o IRC pretende tributar, fundamentalmente, o rendimento real. Na realização desse objetivo, procura-se uma concordância prática dos objetivos da justiça, simplicidade e eficácia que presidem à atividade tributária. Estes dois últimos objetivos justificam a adoção de normas fiscais através das quais se procura reduzir a complexidade do sistema e habilitar a administração tributária a recolher e processar uma elevada quantidade de informação fiscalmente relevante ou a reduzir essa informação se isso não comprometer os princípios e os fins do sistema fiscal. Os sistemas de tributação simplificada ou por presunções constituem exemplos de respostas a este tipo de desafios.

 

Do ponto de vista da justiça tributária, o legislador procura alcançar uma determinação tão precisa quanto possível do lucro tributável (i.e. rendimento real), importante do ponto de vista da equidade horizontal e vertical. Para esse efeito, torna-se necessário entrar em linha de conta com as diferentes categorias de rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos e com as despesas por eles incorridas. Dentro destas, o legislador pode considerar, com base em critérios objetivos razoáveis, que alguns gastos necessários e adequados ao exercício da atividade empresarial são dedutíveis aos rendimentos auferidos ao passo que outros não devem ser dedutíveis, por se entender que não são absolutamente essenciais à atividade económica.

 

Igualmente importantes, neste contexto, são os objetivos de formalização de toda a atividade económica, de incentivo ou desincentivo de determinados tipos de investimento e de garantia da separação entre o património da pessoa coletiva empresarial e o património dos respetivos sócios, administradores ou trabalhadores, evitando transferências ocultas, disfarçadas e abusivas de rendimento daquela para estes ou a adoção de padrões de consumo geralmente associados a um certo status social e económico que o legislador qualifica como não estritamente empresarial e tem por bem tributar.

 

As finalidades regulatórias de formalização da economia, incentivo ou desincentivo a determinados gastos, prevenção de abusos, preservação da base tributária e combate à fraude e à evasão fiscais são transversais a todo o sistema fiscal e a todo o IRC, não podendo ser autonomizadas e associadas apenas a este ou àquele setor da ordem jurídica fiscal. É no contexto do exercício da função regulatória do IRC e da promoção integrada, articulada e dinâmica dos seus diferentes objetivos, que se compreende a introdução, no nosso quadro legislativo, da chamada “tributação autónoma”.

Não obstante a sua designação, a mesma insere-se no código e no sistema do IRC (e do IRS), estabelecendo com todas as suas normas materiais e operacionais conexões semânticas caracterizadas pela interdependência total (todo-parte) e interdependência parcial (parte-parte), as quais se afiguram relevantes em sede hermenêutica concretizadora. Pelo menos em medida considerável, a tributação autónoma não deixa de perfilar-se como uma adequação da estrutura de incentivos ínsita no IRC à finalidade constitucional de tributar fundamentalmente o rendimento real. A mesma aponta para noções, caras ao sistema fiscal globalmente considerado, de rendimento disponível e capacidade para pagar, sendo que os mesmos são aqui indiretamente induzidos, presumidos ou inferidos, de forma razoável e não arbitrária, a partir da realização de determinadas despesas, dedutíveis e não dedutíveis, consideradas inaceitáveis, não essenciais ou não justificadas do ponto de vista da formalização da economia ou da racionalidade empresarial. 

 

Por este motivo, as tributações autónomas não constituem necessariamente enxertos, desvios ou anomalias ao sistema do IRC, representando ao invés uma entre várias técnicas regulatórias que com ele se deixam compatibilizar. Muito menos devem ser concebidas como impostos punitivos, localizados à margem do sistema do IRC. Elas são parte integrante da estrutura de incentivos através da qual o IRC realiza as suas diversas finalidades.

 

Não decorre necessariamente de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do CIRC que as tributações autónomas devam ser consideradas como um imposto distinto do IRC, em que se inserem e cuja efetivação formal e materialmente justa está na base da sua razão de ser, e que daí se extraiam consequências em sede de dedução à coleta de créditos fiscais apurados a título de RFAI e CFEI. 

 

Do quadro legal material, operacional e temporalmente relevante para a decisão do caso em apreço não resulta forçosamente que os objetivos regulatórios do IRC tenham que ser prosseguidos através da adesão desvelada a uma teoria do duplo impacto das tributações autónomas, a saber, primeiro impacto: tributação de despesas e não de rendimentos; segundo impacto: não dedutibilidade dos créditos fiscais à coleta das tributações autónomas. Com o efeito, importa sublinhar que só o primeiro impacto estava expressamente previsto no direito positivo, o que não deixa de ser significativo do ponto de vista da legalidade, tipicidade, clareza, precisão, determinabilidade e previsibilidade fiscais.

 

A derivação interpretativa e à margem de previsão legal expressa, de um regime jurídico específico (v.g. liquidação, coleta, deduções, retroatividade) para as tributações autónomas, distinto do regime geral do IRC em que as mesmas se inserem, pode vir a tolher de forma inadmissível estes princípios, não devendo ser incentivada.

 

Para além de, no caso concreto, se comprometer a prossecução dos objetivos parafiscais de interesse público subjacentes ao RFAI e ao CFEI, os putativos ganhos fiscais que essa orientação poderia gerar para o erário público num primeiro momento esfumam-se logo a seguir quando se observa que as pessoas coletivas que se dedicam à atividade empresarial repercutem economicamente os impostos que são chamadas a suportar nos acionistas, investidores, administradores, trabalhadores, fornecedores, consumidores e, quando a atividade económica se torna mais difícil ou inviável, na administração tributária e na segurança social. 

 

Pelo contrário, afigura-se inteiramente legítimo e razoável, do ponto de vista dos cânones hermenêuticos geralmente aceites, o entendimento segundo o qual a dedução geral à coleta do IRC abrange a coleta devida no âmbito das tributações autónomas, como foi sustentado pelas Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 769/2014-T, de 8 de abril de 2015, n.º 369/2015-T, de 25 de janeiro de 2016 e n.º 370/2015-T, de 25 de janeiro de 2016, nos termos aí expostos e para os quais remetemos.

 

Naturalmente que não está vedado ao legislador adotar expressamente uma solução de sentido contrário, ainda no exercício da função regulatória inerente ao IRC, como de resto veio a fazer com aditamento ao artigo 88º do nº 21 pelos artigos 133º e 135º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (OE). Ponto é que com isso não sejam violados os princípios fundamentais da tributação do rendimento real, da proporcionalidade em sentido amplo e da segurança jurídica e da proteção da confiança dos particulares, de acordo com o disposto nos artigos 18º/2 e 103º/3 da CRP, sendo mais do que problemática a qualificação da norma do artigo 88º/21 do IRC como meramente interpretativa. O regime aplicável na altura dos factos relevantes admitia a dedução à coleta das tributações autónomas dos créditos fiscais em presença, estando constitucionalmente interditada a aplicação retroativa de um regime de separação de coletas que só foi expressamente estabelecido pelo legislador em março de 2016. Termos em que, pelas razões expostas, concederíamos provimento ao pedido arbitral.

 

Jónatas Machado

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 



[1] A redação da presente decisão rege-se pela ortografia do Acordo Ortográfico de 1990, exceto no que diz respeito às transcrições efetuadas.

[2] No mesmo sentido vide também voto vencido do mesmo Árbitro Presidente, aposto na Decisão Arbitral nº 5/2106-T, de 27 de Julho de 2016 (e para cujo teor da decisão desde já aqui também remetemos).

[3] Vide processo nº 830/11, de 21-03-2012 (2ª secção).

[4] Neste sentido, vide Acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho (Relator Conselheiro João Cura Mariano), jurisprudência reiterada pelo Acórdão do Plenário, no Acórdão n.º 617/2012 (processo n.º 150/12, de 31 de Janeiro de 2013) e no Acórdão n.º 197/2016 (processo n.º 465/2015, de 23 de Maio de 2016).

[5] Vide RUI DUARTE MORAIS, inApontamentos ao IRC”, Almedina, 2009, pp. 202-203.

[6] Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (inDireito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614) e, no mesmo sentido, cfr. ANA PAULA DOURADO (inDireito Fiscal, Lições”, 2015, p. 237).

[7] Vide SALDANHA SANCHES, in “Manual de Direito Fiscal”, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406.

[8] Vide CASALTA NABAIS, Idem, p. 614.

[9] A propósito das questões sobre os limites da moral face ao imposto vejam-se SUSANNE LANDREY, STEF VAN WEEGHEL e FRANK EMMERINK). No que diz respeito à interligação profunda e indiscutível entre o direito e a moral, vide JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 9.ª Reimp. pp. 50 e segs.

[10] A Decisão Arbitral do CAAD nº 210/13-T refere que as “despesas (…) partilham entre si um risco de não empresarialidade, isto é, um risco de não serem realizadas com fins empresariais, mas sim extra-empresariais ou privados”.

[11] In “Interpretação e Aplicação das Leis”, Arménio Amado, editores, 1978, p. 137 e segs.

[12] Vide MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis.

[13] O Crédito Fiscal Extraordinário apo Investimento (CFEI) visa aumentar a competitividade das empresas, apoiando o seu esforço em Investigação e Desenvolvimento através da dedução à colecta do IRC das respetivas despesas. Este sistema de incentivos foi criado em 1997 como medida de estímulo à participação do setor empresarial no esforço global de I&D. A experiência resultante da sua aplicação permite concluir que este mecanismo tem contribuído para um incremento efetivo da atividade de I&D por parte das empresas portuguesas.

[14] O Código Fiscal do Investimento (originalmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro e alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro), procurou sintetizar um conjunto de apoios de índole fiscal ao investimento produtivo e também à investigação e desenvolvimento, pretendendo contribuir para a promoção da competitividade da economia nacional e para a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas. No âmbito daquele Código foram establecidos diversos regimes de incentivos / benefícios fiscais, nomeadamente o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). Este regime instituiu um benefício fiscal ao investimento em ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis, consubstanciado em deduções à colecta de IRC (do período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes e, quando não possa ser efectuada na totalidade, por insuficiência de colecta, pode sê-lo nas liquidações relativas aos dez períodos seguintes, com determinados limites), isenção de Imposto de Selo e isenção ou redução de IMI e IMT relativamente a imóveis adquiridos ou construídos neste âmbito, sendo aplicável aos sujeitos passivos de IRC, que exerçam a título principal uma actividade em determinados sectores [classificados conforme a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), de acordo com o definido na Portaria n.º 282/2014 de 30 de Dezembro].

O RFAI não é cumulável com outros benefícios da mesma natureza, para as mesmas aplicações relevantes, salvo os previstos no regime da DLRR (dedução por lucros retidos e reinvestidos), com os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional.