Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 834/2014-T
Data da decisão: 2015-08-21  IMT  
Valor do pedido: € 27.489,00
Tema: IMT – Benefícios fiscais; empreendimentos turísticos
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Decisão Arbitral

 

IMT- benefícios fiscais utilidade turístic

I - RELATÓRIO

 

1. Em 22 de Dezembro de 2014, A…, SA, com o NIPC … e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na …, n.º … – Piso … – E1, …-… Lisboa veio nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 10.º e ss. do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo DL n.º 10/2011 de 20.01, requerer a constituição de tribunal arbitral para anulação do acto de liquidação adicional de imposto municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto de Selo (IS), no valor global de € 27.489,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove euros), e condenação na restituição dos montantes indevidamente pagos acrescidos de juros indemnizatórios. 

2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 25 de Fevereiro de 2015, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. Em 30 de Março de 2015, a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) veio apresentar Resposta e juntar o processo administrativo.

6. Com o assentimento das Partes, notificadas para o efeito, foi proferido em 19 de Maio de 2015 despacho arbitral dispensando a realização da reunião prevista no  artigo 18º do RJAT assim como de alegações escritas, sendo marcada a data de 25 de Agosto para comunicação da decisão arbitral. 

 

7. Pedido de pronúncia arbitral 

O Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade), que:

-          O acto de liquidação adicional de IMT e IS, objecto do presente pedido, ao pretender desaplicar um benefício fiscal anteriormente reconhecido pela Autoridade Tributária (isenção de IMT e redução a 1/5 do IS) com fundamento num suposto erro cometido pelo SF aquando da liquidação inicial, depois do prazo legal para a revogação de 1 (um) ano, é ilegal por desrespeitar a tutela da confiança dos particulares e violar normas legais que impõem à AT o respeito do prazo para revogação de actos de reconhecimento da aplicação dos benefícios fiscais em causa.

-          Face a Declaração do Modelo 1 do IMT apresentada pela Requerente em 24 de Janeiro de 2013, no SF 2 de Lisboa, solicitando à A.T. a emissão das guias ou documentos de liquidação do IMT e do IS, o SF emitiu na mesma data os documentos de liquidação do IMT e do IS, nos quais reconhece expressamente a aplicação aos casos concretos do benefício fiscal («Benefícios: 33 Utilidade Turística (Art.º 20.º do D.L. 423/83) …»).

-          Em 25.01.2013, a Requerente celebrou a escritura pública de aquisição, onde ficou referido o arquivo do comprovativo de liquidação do IMT, emitido pelo SF Lisboa 2 “no valor de €0,00, em virtude de ter sido concedida isenção de IMT ao abrigo do DL 423/83” e o comprovativo de liquidação de IS na importância de € 616,00.

-          No dia 23.07.2014, ou seja, decorrido mais de 1 (um) ano após aqueles factos, o SF (através dos actos impugnados) determinou a cobrança dos impostos, por meio da referida “liquidação adicional” e com o fundamento de que na liquidação inicial foi erradamente atribuída ou concedida a isenção e redução dos tributos.

-          O referido acto importa a revogação de actos constitutivos de direitos sendo praticado em violação dos limites impostos peremptoriamente pela Lei, designadamente do prazo de 1 (um) ano definido pelos artigos 136º e 141º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e art.º 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 2º do CPP.

-          Os benefícios fiscais “automáticos” (vide art.º 10º, n.º 8 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – CIMT), e os benefícios “dependentes de reconhecimento”, são estruturalmente idênticos, dependendo a sua aplicação e eficácia sempre da verificação pela AT do preenchimento dos respectivos pressupostos legais.

-          No caso dos benefícios fiscais em apreço, relativos ao IMT e ao IS, a lei exige expressamente esta verificação pelos serviços da AT (art.º 10º, n.º 8 do CIMT, aplicável ao IS por via do n.º 4 do art.º 23º do CIS); esta verificação dá origem ou é efectuada por meio de um verdadeiro acto administrativo inovador.

-          O acto tributário de liquidação do IMT e do IS que expressamente menciona a aplicação de uma isenção de IMT e a redução do IS efectua uma verificação constitutiva, é um verdadeiro acto administrativo com efeito tributário.

-          Não se podendo celebrar a escritura pública de compra e venda sem a prévia liquidação de IMT e IS, a AT verifica no caso, em concreto, a existência e aplicação dos benefícios fiscais plasmados no art.º 20.º do DL. n.º 423/83, à aquisição do imóvel pela Requerente.

-          No caso das isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao CIMT é obrigatória a existência desse controlo (artigos 10.º, n.º 8, al. d), e 19º, nº 1, do CIMT).

-          Ou seja, compete ao SF onde foi apresentado a declaração para liquidação (Modelo 1), nos termos do art.º 19.º n.º 1 do CIMT, a verificação dos requisitos legais e declaração da aplicação de tais benefícios, previamente à celebração da escritura de compra e venda - a Requerente procedeu à autoliquidação do IMT e IS, previamente à celebração da compra e venda, entregando o respectivo Modelo 1 junto do SF, declarando o preço e identificando o imóvel, tendo o SF com base nessa informação procedido à liquidação do IMT e do IS, com a emissão das guias onde declara a aplicação dos benefícios fiscais da isenção de IMT e da redução de IS consagrados no art.º 20.º do DL. n.º 423/83.

-          Trata-se de um "acto declarativo de efeitos constitutivos" ou "de verificação constitutiva" - existiu um acto administrativo de reconhecimento por parte da AT, que criou na Requerente a certeza e a convicção de que os benefícios em causa lhe eram aplicáveis.

-          As liquidações iniciais são actos constitutivos de direitos, que encerram uma verificação constitutiva, comportando o reconhecimento dos benefícios fiscais, pelo que a AT apenas poderia retirar os benefícios em causa, com base na sua ilegalidade, no prazo de 1 ano, de acordo com artigos 136º e 141º do CPA e art.º 58º do CPTA, ex vi art.º 2º do CPPT.

-          Não se pode tratar o caso sub judice como uma simples liquidação adicional ao abrigo do art.º 31.º, n.º 2 do CIMT, fundamentada num mero erro, que permite à AT liquidar adicionalmente os tributos em causa - a liquidação relativa ao cálculo de IMT, que a AT apelida impropriamente de “adicional”, não corresponde a uma mera correcção da liquidação anterior, não caindo no escopo do normativo 31.º, n.º 2 do CIMT, pois não se trata de uma simples correcção do quantum do imposto a pagar, uma vez que aquando da aquisição do imóvel não foi liquidado qualquer montante de imposto mas reconhecida a isenção (facto impeditivo do nascimento da obrigação) de IMT.

-          O IMT só foi liquidado e cobrado pela primeira vez agora, dado o entendimento da AT de que o benefício fiscal previsto no art.º 20.º do DL. n.º 423/83 não seria aplicável a esta aquisição, verificando-se um erro nos pressupostos de facto, que comporta em seu entender a anulação da concessão do benefício.

-          Mesmo relativamente ao IS não está em causa uma mera liquidação adicional, mas antes uma verdadeira revogação anulatória do benefício fiscal anteriormente reconhecido, de redução a 1/5.

-          A própria AT admite que efectua revogação de acto que reconheceu o benefício fiscal, ao afirmar que se aplica o n.º 4 do art.º 14º do EBF que disciplina a revogação, portanto a intenção foi mesmo a revogação, porque entenderá que o benefício foi indevidamente concedido.

-          Apesar de os actos objecto do presente pedido de pronúncia não conterem uma revogação expressa, comportam indubitavelmente uma revogação anulatória do reconhecimento dos benefícios fiscais de isenção de IMT e redução a 1/5 do IS, nos termos do art.º 20.º do DL n.º 423/83.

-          Mas esta revogação é ilícita, contra o estatuído no art.º 14.º, n.º 4 do EBF, em conjugação com o art.º 79.º da LGT e art.º 141.º do CPA ex vi artigos 2.º, al. c) da LGT e 2.º, al. d) do CPPT.

-          O acto de liquidação está ferido do vício de violação de Lei, por desrespeito dos art.ºs 141.º do CPA e 58.º CPTA, ex vi art.os 2.º, al. c) da LGT e 2.º, al. d) do CPPT, e art.º 14º, n.º 4 do EBF, enfermando de anulabilidade, cf. art.º 135º do CPA.

-          As liquidações de IMT e IS, objecto do presente pedido de pronúncia, violam o princípio da boa-fé e da tutela da confiança, previsto no art.º 266.º, n.º 2 da CRP, art.º 59.º, n.º 2 da LGT e art.º 6.º A do CPA, e os princípios constitucionais da confiança e de segurança jurídica (de certeza e previsibilidade), previstos nos artigos 2.º e 8.º da CRP. 

-          O acto deve ser anulado, com restituição à aqui Requerente dos montantes que foi obrigada a pagar, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios, nos termos do art.º 46.º da LGT.

 

8. A Resposta da Requerida

 

A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade), que:      

-          Está em causa o despacho do Chefe do SF, proferido sobre parecer e informação que o antecedem, que considerou não ser aplicável à situação dos autos a isenção prevista no art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/1, procedendo à liquidação adicional de IMT e de Imposto de Selo.

-          Os autos referem-se à aquisição pela Requerente, em 25 de Janeiro de 2013, à sociedade Imobiliária B…, S.A., pelo preço de 385.000,00€, de um prédio urbano composto por edifício de um piso na “C… .” sito em …, concelho de ….

-          Trata-se de determinar o sentido e alcance do artigo 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao inciso «aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística» pela sociedade transmitente, devendo concluir-se que o legislador apenas quis abranger com aquela norma as aquisições destinadas à “instalação” de empreendimentos como resulta claro do elementos literal e histórico de interpretação.

-          A questão sub judice mereceu já uma tomada de posição clarificadora e uniformizadora por parte da jurisprudência do STA, através do Acórdão da Secção do Contencioso Tributário, de 23 de Janeiro de 2013, proferido em julgamento ampliado, nos termos do disposto no artigo 148.º do CPTA, no processo n.º 968/12, e que deu origem ao Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013 (DR, 1.ª série, 04.03.2013).

-          Não se trata de uma isenção subjectiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objectiva, uma vez que visa beneficiar a actividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar-se à actividade de exploração dos mesmos.

-          Atento o enquadramento jurídico-tributário dos factos, a aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT e de Imposto do Selo prevista no nº 1 do art. 20º do citado Decreto-Lei 423/83, pelo que é correcto o despacho do Chefe de Finanças de Lisboa-2, aqui posto em crise pela Requerida.

-          Deverá nesta matéria o julgador, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil), ter em conta a jurisprudência firmada no Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013 do STA, já reiterada em sucessivos acórdãos daquele tribunal superior e na jurisprudência arbitral.

-          Neste caso, constata-se que a Sociedade Imobiliária B…, S.A., na qualidade de proprietária do «Aldeamento Turístico C….», para o qual requereu a utilidade turística, que veio a ser reconhecida a título prévio em 15 de Novembro de 2012 vendeu à Requerente, em 25 de Janeiro de 2013, um imóvel integrante daquele empreendimento, destinado à exploração turística, pelo que a aquisição da fracção não se destinou, como exigiria o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, quando para que haja uma entidade exploradora de um empreendimento turístico, que efectivamente explore o referido empreendimento, tem já de estar concluída a instalação do mesmo (AUJ n.º 3/2013, já referido).

-          Ou, seja, a aquisição do prédio urbano pela Requerente teve lugar num momento em que o empreendimento turístico em que o prédio se insere estava já plenamente construído e instalado, e em funcionamento, pelo que a isenção de IMT e de Imposto do Selo viola o previsto o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

-          Os actos de liquidação praticados pela Requerida não violam princípios constitucionalmente consagrados, da confiança e certeza jurídicas e da boa-fé, porque, atenta a previsão do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, a transmissão do imóvel não reunia, ab initio, os requisitos legais para beneficiar de isenção de IMT e de Imposto do Selo, inexistindo na esfera jurídica do Requerente qualquer legítima expectativa merecedora de tutela.

-          A referência, indevida, na escritura de aquisição da fracção, à isenção de IMT não impede a Requerida de promover a reposição da legalidade, nos termos da lei, nem o notário ou o conservador são crivos absolutos e inapeláveis de controlo da legalidade dos actos em que participem, são autoridades públicas incumbidas de um dever de fiscalização em geral, sem competências que lhes permita apurar da situação jurídico-tributária do contribuinte, substituindo-se à AT, sendo admitida a rectificação da sua actuação, designadamente quando se verifique a assunção de uma incorrecta interpretação e aplicação da lei fiscal de que resulte a não liquidação indevida de imposto, como sucedeu no caso em discussão nos autos.

-          Segundo o n.º 2 do artigo 31 do CIMT «quando se verificar nas liquidações que se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do art. 19, promove a competente liquidação adicional.»

-          Nem a liquidação em discussão nos autos viola os artigos 149º e 141º do CPA.

-          O benefício em causa tem carácter automático, decorrendo directa e automaticamente da lei, sem necessidade de qualquer reconhecimento administrativo, pelo que é susceptível de ser sindicado e revogado pela AT nos termos e prazos previstos na lei, nomeadamente art. 35.º n.º 1 do CIMT conjugado com o art. 45.º da LGT.

-          Não há lugar à aplicação do artigo 141.º do CPA nem se trata de um acto válido e constitutivo de direitos, sendo de rejeitar a aplicação do artigo 140.º do CPA e do n.º 4 do artigo 14.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, e em vigor à data dos factos, porque a aplicação de ambas as normas tem como condição a pré-existência de um acto administrativo, no caso de concessão ou reconhecimento de um benefício fiscal.

-          In casu não foi, em primeira linha, praticado nenhum acto administrativo (art. 120º CPA), a Administração não proferiu qualquer decisão de reconhecimento ou concessão de um benefício fiscal ao Requerente nos termos previstos no artigo 5.º do EBF

-          Aquando da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, foi indevidamente considerado que o Requerente reuniria os requisitos legalmente previstos para a isenção de IMT e IS, o que configurou uma incorrecta interpretação e aplicação da lei fiscal em relação à qual a Administração Fiscal e os seus órgãos são absolutamente alheios, tendo sido, quando constatada a indevida isenção de imposto, determinada a prática do acto devido de liquidação de IMT e IS, nos termos da lei.

-          Inexistindo um acto administrativo de concessão ou reconhecimento de um benefício fiscal, susceptível de ser revogado, prévio à prática do acto de liquidação do imposto, não pode convocar-se para a discussão da causa as disposições constantes do artigos 141.º do CPA e 14.º, n.º 4, do EBF, que o pressupõem.

-          Conclui-se pela legalidade dos actos de liquidação de IMT e de IS, porquanto a aquisição do imóvel pelo Requerente está sujeita a imposto nos termos do artigo 2.º, n.º 1, conjugado com os artigo 4.º, 5.º e 12.º, n.º 1, à taxa prevista na actual alínea d) do artigo 17.º, todos do Código do IMT e do artigo 9.º do Código de Imposto do Selo (CIS) e da verba 1.1. da tabela geral.

 

9. Questões a decidir

 

Ao contrário de outros processos referentes a situações idênticas à dos autos já julgados no âmbito do CAAD, ao presente tribunal arbitral não é solicitada pronúncia sobre o sentido e alcance do art. 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 05/12, no que se refere ao segmento de norma “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, de forma a decidir se a aquisição pelos Requerentes de fracções autónomas seguida de outorga de contrato de exploração com uma outra entidade que faz a exploração do conjunto ainda se configura como “instalação”. 

 

De acordo com o Pedido de Pronúncia, o presente processo tem apenas como objecto a apreciação da legalidade do acto de liquidação à face do disposto nos artigos 14º, n.º 4 do EBF e 141.º do CPA e 58.º CPTA, tratando-se, portanto, de apreciar e decidir se o acto de liquidação configura ou subentende um acto revogatório de benefício fiscal e se o mesmo foi praticado fora do prazo legal aplicável.

 

10. Saneamento

 

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Pelo que se passa à decisão de mérito.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

11. Factos provados  

 

11.1. Por escritura pública lavrada no dia 25 de Janeiro de 2013, a Requerente adquiriu à sociedade Imobiliária B…, S.A. o prédio urbano denominado lote 3.2 – Aldeamento Turístico 1 – “C… .” sito em … – …, na freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, e inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia, pelo preço de €385.000,00 (trezentos e oitenta e cinco mil euros) (Documentos nºs 2 e 3 juntos ao Pedido) (artigo 6º do Pedido de pronúncia, artigo 3º da Resposta, e Documentos nºs 2 e 3 juntos ao Pedido de pronúncia e que se dão como reproduzidos).

11.2. Na escritura referida no número anterior foram exibidos o alvará de utilização, n.º …/12, emitido em 2 de Novembro de 2012 pela Câmara Municipal de … para o identificado prédio, e um ofício (número DQO.2011.S…........../…) emitido pelo Turismo de Portugal, I.P, em 16.11.2011, comprovativo de aprovação do título constitutivo de Aldeamento Turístico 1, de quatro estrelas, do C… . (artigo 7º do Pedido Doc. nº 2).

11.3. Ao empreendimento qualificado como conjunto turístico “Aldeamento Turístico 1 –C… .” foi atribuída utilidade pública a título prévio por Despacho nº …-G/…, da Secretária de Estado do Turismo, de 15 de Novembro de 2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 245, de 19 de Dezembro de 2012 (Documento arquivado com escritura, cf. Doc nº 2 junto pela Requerente, e artigo 8º da Resposta).

11.4. No dia 24 de Janeiro de 2013, a Requerente, através de representante, apresentou no Serviço de Finanças Lisboa 2 declaração para liquidação de IMT (Modelo 1) e Imposto do Selo, relativa à aquisição supra referida, que foi registada com o n.º … (campo 70), onde indicou o nome da compradora e da vendedora, o bem transmitido - prédio U-…, concelho de …, freguesia … – o valor do contrato de €385.000,00 (campo 45 e 61) e a aplicação de benefício fiscal com código 33 (campo 48) (cf. Doc. nº 4 junto com o Pedido).

11.5. Em 24 de Janeiro de 2013 foram emitidos os Documentos nº … (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e nº … (Imposto do Selo, verba 1.1.), ambos referentes a declaração também de 24 de Janeiro de 2013, facto tributário “aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis”, indicando o bem como o prédio U-…., concelho de …, freguesia …, constando na identificação fiscal, quanto à liquidação (nº ...) de IMT, “Benefícios: 33 – Utilidade Turística (art.º 20.º do D.L. 423/83), 100% da matéria colectável (…), Colecta: € 0,00” e à liquidação (nº …) de IS, no valor de € 616,00, (quinhentos e noventa e dois euros), Benefícios: 33 Utilidade Turística (art.º 20.º do D.L. 423/83), 80% da matéria colectável (…) Colecta: € 616,00” liquidação de IMT a “0” (zero) e de IS no valor de € 616,00 (art. 9º do Pedido, Doc. nº 5 junto com o Pedido).

11.6. A Requerente foi notificada, através do ofício n.º …, datado de 26 de Fevereiro de 2014, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 2, para ser ouvida em audiência prévia, quanto a liquidação adicional de IMT e IS referente à aquisição referida no número 1, explicitando-se, designadamente: «Tendo sido apresentada neste serviço a declaração para liquidação de IMT que infra se identifica, foi na referida liquidação indevidamente atribuída isenção de IMT e redução de Imposto do selo a 1/5, nos termos do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro (utilidade turística)”, e que “em cumprimento do nº 2 do artigo 31º do CIMT, por se ter verificado erro de facto ou direito na referida liquidação, é intenção deste serviço proceder a liquidação adicional, onde não será considerada a isenção indevidamente atribuída a cuja matéria colectável será aplicada a taxa prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 17º» e “Da mesma forma, será liquidado Imposto do Selo sem a redução inicialmente concedida, a que será abatido o valor entretanto pago» (Doc. nº 6, junto com o Pedido, art. 14º da Resposta e PA 2, fls. 13 e segs.).

11.7. Em 17 de Março de 2014, a Requerente, no exercício do direito de audição, entregou no SF de Lisboa 2 documento onde expunha a sua divergência quanto ao entendimento legal notificado, invocando falta de fundamentação, erro de interpretação do Decreto-Lei nº 423/83 e violação dos princípios da boa-fé e protecção da confiança (Doc. nº 6 junto com o Pedido).

11.8. Em 23 de Julho de 2014, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 2, concordando com informação e parecer que lhe foram submetidos, indeferiu a argumentação produzida em audição prévia, mandando proceder à liquidação adicional de IMT e IS (Doc nº 1 junto ao pedido, fls. 6 a 12, e PA 1, fls. 26).

11.9. Por ofício datado de 19 de Agosto de 2014[1], o SF de Lisboa 2, notificou a Requerente de que, na sequência do direito de audição prévia, fora emitido despacho (cuja cópia era enviada) que recaíra sobre o assunto, decidindo sobre a liquidação de IMT e Imposto de Sisa devidos pela transmissão do imóvel inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia do …, «cuja liquidação de IMT ocorreu em 24.01.2013, tendo indevidamente sido concedida isenção nos termos do nº 1 do art. 20º do Decreto-lei nº 423/83, de 5 de Dezembro (utilidade turística), uma vez que a transmissão em causa não se enquadra no conceito de instalação de empreendimento turístico, mas tão-somente na sua exploração, que não goza dos benefícios prescritos no referido diploma» e de que deveria no prazo de 30 dias pagar os impostos devidos nos montantes de € 25.025,00 IMT e de € 2.464,00 de Imposto do Selo, devendo para o efeito solicitar guias no Serviço de Finanças (Doc. nº 1 junto com Pedido, fls. 4, e arts 15º e 16º da Resposta)

11.10. Em 4 de Dezembro de 2014, a D…, Lda, requereu, nos termos do art. 24º, nº 1 e 3 do CPPT, ao Chefe de Serviços de Finanças de Lisboa 2 “a emissão de certidão da notificação para liquidação adicional de IMT e de Imposto do Selo bem como do parecer que fundamentou a liquidação relativa à aquisição do imóvel inscrito na matriz predial da freguesia do …” (Doc. nº 1 junto ao Pedido).

11.11. Em 9 de Dezembro de 2014, o Serviço de Finanças Lisboa 2 emitiu a certidão requerida, juntando para além de cópia da notificação para pagamento da liquidação adicional, a informação subscrita por funcionário do mesmo Serviço, que em 23 de Julho de 2014 merecera concordância do chefe de finanças, rejeitando os argumentos invocados pela Requerente no direito de audição (Doc nº 1 junto ao pedido e PA 1, fls. 26).

11.12. Em 23 de Setembro de 2014 foram emitidos os Documentos de liquidação nº … e nº … correspondentes, respectivamente, a € 25.025,00 de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e € 2.464,00 de Imposto do Selo, verba 1.1., na quantia total de € 27.489,00 (vinte e sete mil quatrocentos e oitenta e nove euros), quantias pagas pela Requerente em 23.09.2014 e 24.09.2014, também respectivamente (Doc. nº 8 junto com o Pedido).

 

 

12. Não provado

 

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

13. Fundamentação da prova

 

A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos, incluindo o processo administrativo.

 

14. Aplicação do direito

 

14.1. A previsão do artigo 20º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro e o objecto do processo 

 

As Partes têm uma diferente interpretação sobre a aplicação à transmissão de imóvel, ocorrida por escritura pública de 25 de Janeiro de 2013 (factos provados, 11.1.), dos benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05/12 [2].

Tal divergência de interpretação é patente na notificação de liquidação e informação do Serviço de Finanças Lisboa 2 (factos provados, 11.6 e 11.9), no documento entregue pela Requerida aquando do exercício do direito de audição e em grande parte do conteúdo da Resposta da AT constante dos autos. 

 

Com efeito, os documentos referidos evidenciam uma clara discordância sobre o entendimento de “instalação" de empreendimentos declarados de utilidade turística, que para a Requerente inclui a aquisição de imóveis do empreendimento turístico já em condições de funcionamento, enquanto a Requerida considera que este tipo de aquisição, situada em momento posterior ao da emissão de licença de utilização do empreendimento, não se integra no processo de instalação, tendo como destino a exploração comercial.

 

Como é sabido, trata-se de matéria que foi objecto de controvérsia ao mais alto nível dos tribunais mas após o Acórdão uniformizador de jurisprudência, do STA, Secção de CT (Acórdão n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 4 de Março de 2013) foram já proferidas numerosas decisões, designadamente a nível do STA e do CAAD, no mesmo sentido do referido Acórdão. 

 

A doutrina aí consagrada, sobre o nº 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, é coincidente com os argumentos defendidos pela Requerida aquando da liquidação de IMT e IS (factos provados, 11.7).

 

Mas, como já acima referido, o presente Pedido de Pronúncia não tem como objecto a apreciação da legalidade substantiva da fundamentação sustentada pela AT na liquidação efectuada em 2014 para pôr em causa a aplicação do art. 20.º, nº1, do Decreto-Lei n.º 423/83 à transmissão ocorrida em Janeiro de 2013, mas a legalidade da prática de um acto administrativo, qualificado como revogatório, depois de decorrido prazo superior a um ano sobre a data do acto concedente de benefícios fiscais previstos nessa norma.

 

14. 2. Benefícios fiscais e revogação

 

Ou seja, nos autos a Requerente sustenta que a decisão de 23 de Julho de 2014 constitui um acto administrativo violador dos artigos 136º e 141º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e art.º 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 2º do CPP, porque revogatório de um outro acto administrativo, constitutivo de direitos, praticado este mais de um ano antes, em 24 de Janeiro de 2013.

 

Defende que, apesar de estar em causa um benefício fiscal de natureza automática, sem necessidade de um acto de reconhecimento pela AT (art.º 5.º, n.º 1 do EBF), o Serviço de Finanças certificou, em 24 de Janeiro de 2013, na sequência da apresentação pela Requerente da declaração para a liquidação (Modelo 1), que a aquisição declarada gozava dos benefícios fiscais declarados na Modelo 1 de IMT apresentada antes da celebração da escritura de compra e venda.

 

 A Requerida considera, ao invés, que não há qualquer violação de princípios constitucionalmente consagrados, da confiança e certeza jurídicas e da boa-fé porque a transmissão do imóvel não reunia, ab initio, os requisitos legais para beneficiar de isenção de IMT e de Imposto do Selo, inexistindo na esfera jurídica do Requerente qualquer legítima expectativa merecedora de tutela, porque a referência indevida, na escritura de aquisição da fracção, à isenção de IMT não impede a Requerida de promover a reposição da legalidade, tendo presente o nº 2 do art. 31º do CIMT.

 

E sustenta, nomeadamente que tratando-se de um benefício com carácter automático, sem necessidade de qualquer reconhecimento administrativo, é susceptível de ser sindicado e revogado pela AT nos termos e prazos previstos na lei, nomeadamente art. 35.º, n.º 1, do CIMT conjugado com o art. 45.º da LGT, não sendo aplicável o disposto nos artigos 140.º do CPA. E que, não tendo existido qualquer acto administrativo de concessão ou reconhecimento de um benefício fiscal, susceptível de ser revogado, prévio à prática do acto de liquidação do imposto, não sendo invocável a aplicação dos artigo 141.º do CPA e 14.º, n.º 4 do EBF, que pressupõem a prática anterior de um acto administrativo.

 

14.3. A jurisprudência invocada

 

A Requerente invoca a favor da sua posição os Acórdãos do STA, de 15 de Maio de 2013, proc.  0566/12, e do TCAS, de 1 de Fevereiro de 2011, proc. 03893/10 [3].

 O primeiro dos Acórdãos (STA, proc. 0566/12, Relatora Conselheira Dulce Neto) apreciou a legalidade de um despacho, de 20/07/2007, de dirigente da AT que revogou uma isenção fiscal anteriormente reconhecida, relativamente ao IRS do ano de 2005, à luz do art. 37º, nº 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Nesse processo, foi tido em conta que “(...) a isenção de IRS prevista no nº 3 do art. 37º do EBF (na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 198/01, de 3/7), estando dependente de reconhecimento, foi requerida pela interessada relativamente ao IRS do ano de 2005 e concedida por acto administrativo datado de 3/07/2006” e que “este acto veio a ser revogado por ulterior despacho emitido em 20/07/2007, com fundamento na intempestividade do requerimento onde fora formulado o respectivo pedido de isenção e de este ter sido, por tal motivo, indevidamente concedido”, sendo decidido que, segundo o art. 12.º, nº 4, do EBF (correspondente ao art. 14º, nº 4, após o Dec. Lei n.º 108/2008, de 26/06), isso significa que “é proibida a revogação do acto administrativo que concede um benefício fiscal (bem como a rescisão unilateral do respectivo acordo de concessão ou a diminuição, por acto unilateral da administração tributária, dos direitos adquiridos), salvo se houver inobservância das obrigações impostas imputável ao beneficiário, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que o acto pode ser revogado”.

 

Finalmente, atendendo a que nem o EBF nem o CPPT contêm qualquer norma sobre o prazo para a aludida revogação, concluiu que o prazo para a revogação de tal acto administrativo de concessão da isenção de IRS só pode ser de um ano, por aplicação dos artigos 136.º e 141.º do CPA, e o art.º 58.º do CPTA.

 

No segundo Acórdão indicado (TCAS, proc. 03893/10, Relator Desembargador Eugénio Sequeira), estava em apreciação a legalidade de liquidação, efectuada em 22 de Agosto de 2003, de Contribuição Autárquica referente ao exercício de 1999, relativa a um imóvel que fora objecto, em resposta a pedido apresentado em 1 de Abril de 1996, de concessão de isenção de  Contribuição Autárquica pelo prazo de dez anos, a começar em 1996 e a terminar em 2005.

 

Concluiu o douto acórdão que “o prazo para a revogação de tal acto (administrativo) de concessão da isenção de CA só pode ser o constante nos respectivas normas do CPA, que não o relativo ao prazo previsto para a respectiva liquidação do imposto (...)”, e veio a decidir formulando o seguinte sumário: ”1. A contribuição autárquica era um imposto municipal que indicia sobre o valor tributável dos prédios situados no território de cada município; 2.Poderia ser concedida isenção de contribuição autárquica aos adquirentes de prédios urbanos habitacionais, adquiridos a título oneroso, destinados à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, a requerimento dos mesmos; 3. Uma vez concedida tal isenção, esta paralizava as normas de incidência da contribuição, sendo ilegal por violação de lei as liquidações que a não respeitassem; 4. Se tal concessão da isenção fosse ilegal por erro nos seus pressupostos, poderia ser revogada em despacho que os apreciasse, dentro do prazo geral da revogação dos actos ilegais constitutivos de direitos – um ano a contar da sua prolação (art.º 141.º do CPA); 5. Não sendo tal despacho de concessão da isenção revogado dentro deste prazo, firmava-se o mesmo na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, que o posterior acto de liquidação não poderia violar sob pena de incorrer no vício de violação de lei”.

 

Na mesma linha, acrescentaremos ainda um outro Acórdão, do STA, em 23 de Novembro de 2011 (proc. 0590/11, Relator Conselheiro Lino Ribeiro), que apreciou uma situação em que a administração tributária concedera isenção da contribuição autárquica por despacho de 7/10/2003, pelo período de 2002 a 2011, ao abrigo do artigo 42º-1, do EBF.

 

Os contribuintes haviam tido, desde o início da isenção, residência habitual, própria e permanente, no imóvel isento, mas não actualizaram essa morada nos serviços de finanças; tendo a administração tributária verificado em 2007 que a morada dos recorridos constante da base de dados não coincidia com a morada do prédio isento, revogou, por esse facto, a isenção concedida em 2003 e liquidou o IMI dos anos de 2003 a 2008.

 

Nesse caso, o STA veio a considerar que o despacho de 07/10/2003 consubstancia o acto de reconhecimento do direito dos recorridos ao benefício fiscal, e que através desse acto administrativo, praticado no exercício de poderes vinculados, a administração tributária reconhece e declara que estão verificados os pressupostos de facto fixados na norma que atribui o benefício fiscal. O facto da morada constante do cadastro dos contribuintes ser diferente do local da situação do prédio não justificava, por si só, que os recorridos habitavam nessa outra morada, porque com  o acto de reconhecimento do benefício fiscal ocorreu necessariamente a “mudança de domicílio”.  Em sumário, o Acórdão sintetiza: «I - O acto administrativo que reconheça indevidamente um benefício fiscal só pode ser revogado, com efeitos ex tunc, dentro do prazo previsto no artigo 141º do CPA, ou seja, dentro de um ano após a sua prática (…)».

 

Questão a enfrentar desde já é a de saber se a doutrina dos acórdãos referidos é aplicável ao caso dos autos, verificando-se que, em qualquer das situações neles apreciadas, o contribuinte requereu o reconhecimento de uma isenção e/ou a aplicação de um benefício fiscal. 

 

No primeiro caso, estava em causa a aplicação do benefício previsto no nº 3 do art. 37º do EBF (na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 198/01, de 3/7), que dispunha que “O Ministro das Finanças pode, a requerimento das entidades interessadas, conceder isenção de IRS relativamente aos rendimentos auferidos por pessoas deslocadas no estrangeiro ao serviço daquelas, ao abrigo de contratos celebrados com entidades estrangeiras, desde que sejam demonstradas as vantagens desses contratos para o interesse nacional.” (sublinhado nosso)

 

E nos dois últimos casos, de isenção de contribuição autárquica, prevista no EBF, sucessivamente artigos 52º, 42º e 46º, o reconhecimento da isenção, da competência do chefe de finanças da situação do prédio, encontrava-se igualmente dependente da apresentação de requerimento devidamente documentado [4] .

 

Verifiquemos como se caracteriza a situação dos autos.

 

14.4. A previsão do nº 1 do art. 20º do DL 423/83 – qualificação jurídica e procedimentos administrativos

 

14.4.1. Tipo de benefício fiscal

 

O nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, constitui um desagravamento fiscal com as características de benefício fiscal, ou seja, «medida de carácter excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes superiores aos da própria tributação que impedem» (nº 1 do artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). 

Ao prever a isenção de sisa (depois IMT) e redução a um quinto do imposto do selo, há a conjugação de uma isenção total e outra parcial.

 

Trata-se de um benefício fiscal dinâmico, também designado incentivo ou estímulo fiscal, em que a causa do benefício é a adopção do comportamento beneficiado ou o exercício da actividade fomentada”. Integra-se numa política extra-fiscal, de prossecução de objectivos económicos e sociais por via fiscal [5] porque, como resulta do DL 423/83, o que se pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística, quer estes sejam novos (a criar), quer existentes, mas que sejam objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (artigo 5º).

 

E atendendo ao artigo 5º do EBF (art. 4º na redacção anterior à republicação pelo Decreto-Lei nº 108/2008, de 26/06), que dispõe que “Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento”, estamos perante “benefícios automáticos”.

 

Assim decidiram expressamente, por exemplo, os Acórdãos proferidos pelo STA nos processos 013016 (10/02/1991)[6] e 0937/09 (01/20/2010)[7], doutrina em nada contrariada pelo Acórdão proferido em 23 de Janeiro de 2013[8], em julgamento ampliado nos termos do art. 148º do CPTA , no proc. 968/12, e que deu origem ao AUJ nº 3/2013).

Ou seja, estes benefícios resultam imediata e directamente da lei - artigo 20.º, nº 1 do DL 423/83, de 5/12 - verificados que estejam os pressupostos de aplicação que não compreendam actos de reconhecimento a não ser a qualificação de utilidade turística, ainda que atribuída a título prévio.

 

No caso da verificação automática “os benefícios não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos”, havendo, nesta medida, que preparar os Serviços no sentido de um desejável controlo desses benefícios fiscais automáticos, dando efectiva execução à parte final do nº 4 do art. 2º do EBF [9].

 

A necessidade de controlo da legalidade e de quantificação da despesa fiscal implicam um conjunto de obrigações formais e instrumentais do sujeito passivo[10]. Os controlos têm, porém, que ser compatibilizados com a (desejada) crescente simplificação de procedimentos.

 

A liquidação do imposto sobre a transmissão onerosa de imóveis (IMT, como antes a sisa, e também o Imposto do Selo devido) é da iniciativa dos interessados, obrigados a apresentar, em qualquer serviço de finanças uma declaração devidamente preenchida[11].

 

Após as alterações introduzidas no Orçamento de Estado para 2009 [12], o art. 19º, nº 1, do CIMT passou a prever a apresentação da declaração também por meios electrónicos, e no nº 3, então aditado, a obrigação de apresentação de declaração foi estendida às situações de isenção.

 

 

14.4.2. Procedimento administrativo no período anterior às alterações introduzidas no OE 2009

 

Antes das alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, de 31  de Dezembro, o artigo 10º do CIMT dispunha, no nº 1, que: “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar” e, nos números seguintes, distinguia várias situações, correspondentes às isenções previstas nos artigos 6º a 9º, umas sobre a intervenção de diversas entidades no procedimento e outras de reconhecimento automático

 

O CIMT é (e continua a ser) muito claro ao qualificar a intervenção do Notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” (art. 49º) com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção.

 

Na redacção original, o nº 3 do art. 49º dispunha “Havendo lugar a isenção automática ou dependente de reconhecimento prévio, as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção ou exigir o documento comprovativo desse reconhecimento, que arquivarão”, distinguindo as duas situações de isenção: enquanto nas situações dependentes de reconhecimento prévio o Notário tinha que exigir o documento comprovativo desse reconhecimento (pelos serviços competentes, da administração tributária, é evidente) que arquivava, nos casos de isenção automática, as entidades referidas no n.º 1 deviam verificar e averbar a isenção.

 

Já foi analisado em diversos processos julgados no CAAD qual o valor do comportamento destas autoridades públicas intervenientes em escrituras onde se invocava a aplicação da isenção de IMT prevista no art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 (caso previsto em legislação extravagante mantida em vigor após a aprovação da Reforma da Tributação do Património [13]).

 

Em anteriores casos – processos nº 103-2014-T e 648/2014-T decididos em tribunal arbitral singular pela signatária da presente decisão - analisando a natureza da intervenção do Notário neste tipo de “verificação” da isenção pelos Notários considerámos que a mesma não correspondia a prática de qualquer acto tributário[14].

 

E, no âmbito do CAAD, existem decisões proferidas por outros árbitros em sentido idêntico.

 

Assim, no processo nº 104/2014-T considerou-se, sobre a matéria: « (...)  entende o Tribunal que apenas a Administração Tributária, a quem é deferida a administração do IMT, tem competência para se pronunciar, designadamente em sede de informação prévia vinculativa ao abrigo do art. 68.º da LGT, sobre a situação tributária dos sujeitos passivos e, em particular, sobre os pressupostos dos benefícios fiscais em sede do referido tributo. (...). A intervenção do notário e do conservador relativamente a esta matéria relaciona-se apenas com o controle da regularidade tributária das situações em que tenham intervenção, nos termos do art. 49.º do Código do IMT. (...)».

 

E, no mesmo processo, disse-se quanto à invocação de ilegalidade do acto de liquidação por pressupor a revogação de acto administrativo de concessão de um benefício fiscal, em violação do disposto no art. 141º do CPA, quanto ao prazo para a revogação do acto: «Não se vê, porém, que assista razão à Requerente. É que o benefício em causa tem natureza automática. Decorrendo directa e imediatamente da lei, a sua eficácia não está dependente de acto administrativo de reconhecimento, susceptível de revogação nos termos e prazo previsto na citada norma legal.»

 

Na decisão proferida no proc. nº 110/2014-T, considerou-se que: «Quanto à eventual ilegalidade do ato de liquidação por o mesmo pressupor a revogação de ato administrativo de concessão de um benefício fiscal, alegada pela Requerente, entende-se, tal como concluiu a decisão do CAAD n.º 104/2014-T, que o benefício em causa tem natureza automática. Decorrendo direta e imediatamente da lei, a sua eficácia não está dependente de ato administrativo de reconhecimento, suscetível de revogação nos termos e prazo previsto na citada norma legal», e que: «Da mesma forma o facto de o notário, primeiro, e o conservador do registo predial, depois, referirem a isenção de IMT não é oponível à Autoridade Tributária, à luz nomeadamente do art.º 36.º, n.º 4 da LGT, segundo o qual a qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária».

 

Também, no processo 302/2014-T, se decidiu: “ Nos termos do artigo 49.º do Código do IMT a intervenção do notário e do conservador visa apenas o controlo da regularidade tributária das situações em que intervêm ficando adstritos a diversas obrigações de cooperação com a AT. Só a AT tem competência para se pronunciar, nomeadamente ao abrigo do artigo 68.º da LGT, sobre a situação tributária dos contribuintes e sobre os pressupostos dos benefícios fiscais. O fato da escritura declarar a transmissão do imóvel isenta do pagamento de IMT não obsta que a AT venha a emitir um ato de liquidação relativamente ao mesmo imposto no caso de ter concluído que, de acordo com as normas legais aplicáveis, aquele benefício fiscal tinha sido indevidamente reconhecido”.

 

Em todos esses processos a escritura ocorrera entre 2005 e 2006 e as liquidações objecto de pronúncia nos autos haviam sido notificadas em 2013, tendo nos processos 104/2014, 110/2014 e 648/2014-T, sido expressamente invocada a questão da caducidade do direito à liquidação, questão que foi decidida, em todos esses casos, no sentido de ser aplicável o prazo especial de 8 anos, previsto no art.º 35 n.º 1 do Código do IMT, conjugado com o disposto nos números 1 e 4 do artigo 45º da LGT, contado da data em que ocorra o facto tributário.

 

É que, tendo-se considerado a liquidação efectuada pela Administração Tributária, após verificação de falta de pressupostos, como uma primeira liquidação e não uma liquidação adicional, a liquidação notificada em 2013 foi considerada validamente efectuada e notificada ao contribuinte dentro do referido prazo de oito anos[15] [16].

 

14.4.3. Procedimentos após a alteração de normas do CIMT (OE 2009)

 

 A Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (que aprovou o OE para 2009), introduziu diversas alterações nas normas do CIMT, incluindo ao artigo 10º, referente a tipos de isenções e respectivos procedimentos.

 

Será que tais alterações legislativas têm efeitos na interpretação de situações idênticas às anteriormente analisadas, quanto ao prazo para a Administração Tributária poder avaliar os pressupostos que estiveram na base da liquidação ocorrida aquando da escritura de transmissão de imóveis, condicionando uma posterior liquidação à observância do prazo de um ano aplicável à revogação de actos administrativos constitutivos de direitos? 

 

E, ainda que se entenda não ser aplicável o prazo de revogação dos actos administrativos mas o prazo do direito à liquidação previsto no CIMT, estaremos perante o prazo de liquidação adicional previsto no art. 31º ou o prazo especial previsto no art. 35º do CIMT?

 

Vejamos então.

 

Com a redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (que aprovou o OE para 2009), o artigo 10º distingue de forma mais desenvolvida casos de isenções de reconhecimento prévio e de reconhecimento automático, incluindo no seu nº 8, as “isenções constantes de legislação extravagante ao presente código”, como isenções de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º.

 

E o artigo 43º passou a prever (em consonância com o disposto no nº 8 do artigo 10º) que havendo lugar a isenção, as entidades referidas no n.º 1 devem averbar a isenção e exigir o documento comprovativo que arquivam[17].

 

Será que com estas alterações se pretendeu criar um momento de liquidação pelos serviços a pedido dos contribuintes, configurando um acto de concessão de benefício fiscal, um acto administrativo, de natureza tributária, constitutivo de direitos?

 

 Num Relatório sobre “Simplificação do Sistema Fiscal” elaborado pelo Grupo de Trabalho criado para o efeito por despacho de 20 de Abril de 2005, do Ministro de Estado e das Finanças, propunha-se, a propósito do CIMT, que se fosse mais longe nas simplificações introduzidas pelo novo Código designadamente quanto aos procedimentos de liquidação na transmissão onerosa de bens imóveis.

 

Elogiava-se, em especial, o acolhimento na liquidação respeitante aos contratos de compra e venda, da possibilidade de o acto declarativo ser efectuado em front office, dispensando o contribuinte do preenchimento da respectiva declaração, sendo que essa mesma declaração será um out put do próprio sistema. [18]

 

Indo mais longe, o Grupo recomendava a evolução no sentido de as liquidações originárias do pagamento de IMT serem efectuadas nos próprios cartórios notariais evitando a deslocação dos contribuintes a duas instituições, uma para liquidar imposto e outra para efectuar a escritura pública. E atendendo a que todos os elementos que constam da Declaração modelo 1 do IMT constam do DUC, propunha ainda o Grupo de Trabalho, que se encarasse a hipótese de dispensa de apresentação da Modelo 1 do IMT, enquanto out put do próprio sistema e elemento a entregar à entidade que intervém no acto ou contrato[19].

 

Estas sugestões, feitas em momento em que vigorava a primitiva redacção do CIMT (descrita acima 14.4.2.), não foram, pelo menos inteiramente, reflectidas em alterações introduzidas posteriormente e, agora, as isenções de reconhecimento automático também são objecto de declaração, entregue no serviço de finanças ou por meios electrónicos. 

 

A explicação para tal alteração poderá encontrar-se reflectida, ao menos parcialmente, no Relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal (Competitividade, eficiência e justiça do Sistema Fiscal), elaborado em 2009.

 

Este Relatório, na análise dos benefícios fiscais em sede de IMI e IMT, observa que «quanto à quantificação da despesa fiscal associada aos benefícios fiscais concedidos em sede de IMT, não existem actualmente dados disponíveis. Na verdade, neste imposto existe um conjunto muito alargado de benefícios que operam automaticamente, tendo a sua não exigibilidade sido verificada, até 31 de Dezembro de 2008, pelas entidades que intervinham na realização do instrumento pelo qual se operava a transmissão jurídica, ou seja, a escritura pública. A partir de Janeiro de 2009, todas as transacções de imóveis, ainda que beneficiem de isenção, estão sujeitas à entrega da declaração modelo 1 do IMT antes da sua transmissão jurídica, a qual passa a efectuar-se por escritura pública ou documento particular autenticado. Deste modo, no futuro, passará a ser possível quantificar essa despesa fiscal associada aos benefícios de isenção do IMT, por tipo de isenção, dando-se assim acolhimento a uma das recomendações que nos últimos anos vinha sendo apresentada pelo Tribunal de Contas»[20].

 

Segundo esta passagem, o novo procedimento – entrega da declaração no serviço de Finanças – terá objectivos de controlo quantitativo [21]. E poderá acrescentar-se, também possivelmente de mais fácil acesso a informação por parte da Administração Tributária.

 

Mas não parece que tal alteração tenha eliminado as diferenças existentes entre benefícios automáticos e benefícios dependentes de reconhecimento, tornando idênticos os respectivos efeitos e uniformizando procedimentos.

 

Ou seja, o tribunal não considera provada a tese da Requerente de que, porque os benefícios fiscais “automáticos” (art.º 10º, n.º 8 do CIMT) e os benefícios “dependentes de reconhecimento” são estruturalmente idênticos, no caso em concreto da existência e aplicação dos benefícios fiscais plasmados no art.º 20.º do DL. n.º 423/83, em que não se pode celebrar a escritura pública de compra e venda sem a prévia liquidação de IMT e IS, a AT verifica o acto tributário de liquidação do IMT e do IS, que expressamente menciona a aplicação de isenção do primeiro imposto e redução do segundo, efectuando uma verificação constitutiva e praticando um verdadeiro acto administrativo de efeito tributário.

 

Segundo o nosso entendimento, tal interpretação, completamente eliminadora da diferença entre benefícios automáticos e dependentes de reconhecimento, não é a que resulta da lei.

 

Com efeito, apesar das alterações já referidas, introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro[22], existe uma distinção nítida entre esses dois tipos de benefícios.

 

No artigo 10º do CIMT cuja epígrafe é “reconhecimento das isenções”, identifica-se tratamento diferente de vários tipos de isenções: as de reconhecimento prévio por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças sobre informação e parecer da Autoridade Tributária e Aduaneira (nº 6); de reconhecimento prévio, por despacho do director-geral dos impostos sobre informação dos serviços competentes (nº 7) e as de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º (nº 8).

É possível verificar pela comparação das sucessivas redacções que, possivelmente por razão de desburocratização, tem vindo a aumentar o número de situações incluídas no reconhecimento automático[23]. Mas, ainda assim, pode dizer-se que o nº 8 do artigo 10º [24] classifica como benefícios de reconhecimento automático situações em que o benefício se prende com elementos objectivos, nalguns casos apenas confirmáveis posteriormente (caso de aquisição de bens para determinados fins), e em que o Estado parte do princípio de que a declaração do sujeito passivo é base suficiente para se dar como reunido o pressuposto da isenção[25].

 

Ora o CIMT inclui no elenco de isenções de reconhecimento automático o caso de  “isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código” (alínea d) do nº 8 do art. 10º), apesar de classificar como isenções sujeitas a reconhecimento prévio nos nº 6 (reconhecimento por membro de Governo) e 7 (reconhecimento por despacho do director geral dos impostos) mesmo artigo, outras isenções estabelecidas em legislação extravagante ao CIMT, distinguindo aquelas “cuja competência, nos termos dos respectivos diplomas, seja expressamente atribuída ao Ministro das Finanças” (alínea c) do nº 6) e aquelas “cuja competência, nos termos dos respetivos diplomas, seja expressamente atribuída ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira” (cf. alínea b) do nº 7).

 

Por outro lado, a aplicação do artigo 65º do CPPT, referente ao procedimento para Reconhecimento dos benefícios fiscais, apenas respeita aos benefícios dependentes de reconhecimento (artigo 5º do EBF) e não aos benefícios automáticos.  

 

Tendo em conta o conjunto de disposições citadas, cremos resultar que, quando a Requerente apresentou a declaração junto do Serviço de Finanças este limitou-se a introduzir os respectivos dados no sistema informático, emitindo, a partir desses dados, dois documentos – num deles, referente a IMT, indica-se, sem falar em liquidação, como valor total de IMT € 0,00, no outro, referente a Imposto do Selo, indica-se data da liquidação e colecta de € 616,00 (cf. factos provados – 11.5.).

 

Apesar da intervenção do Serviço de Finanças, estamos perante um procedimento não muito diferente do correspondente ao preenchimento das declarações de IRC ou de IVA que terminam com autoliquidação efectuada pelos contribuintes.

 

No caso presente, embora pareça existir apenas auto-lançamento, tudo indica que os elementos declarados servem para a imediata introdução pelo funcionário com vista a obter do sistema o DUC meio de pagamento, partindo-se do pressuposto que se verificam os elementos declarados e não existindo uma intervenção autónoma da Administração Tributária sobre os dados.

 

O Pedido de Pronúncia parece revelar que é esta a percepção dos próprios contribuintes quando se afirma que “a Requerente procedeu à autoliquidação do IMT e IS, previamente à celebração da compra e venda entregando o respectivo Modelo 1 junto do SF” (...) “ tendo o SF com base nessa informação procedido à liquidação do IMT e do IS, com emissão de guias” (nº 32 do pedido).

 

E a liquidação contida nas guias emitidas, que a Requerente considera declararem a aplicação dos benefícios fiscais da isenção de IMT e da redução de IS consagrados no art.º 20.º do DL. n.º 423/83, limita-se a reproduzir os dados declarados pela requerente da Declaração Modelo 1 IMT.

 

A diferença face à prática anterior às alterações de 2009, é que os dados ficam de imediato na posse da administração, possibilitando mais rapidamente a fiscalização [26] para controlo da verificação dos pressupostos – de facto e de direito – dos benefícios declarados.

 

Em 23 de Setembro de 2014 foram emitidos dois documentos (facto provados - 11.12.), um referente a IMT e outro a Imposto do Selo e ambos se identificam como liquidação adicional (à liquidação a que corresponde a declaração com o registo nº 17016/2013 [27]), nos termos do artigo 31º, nº 2, do CIMT.

 

Ou seja, a Requerida considera que se trata de uma liquidação adicional e a Requerente de um acto revogatório de um acto administrativo.

 

14.4.4. Liquidação adicional ou acto revogatório

 

Tendo considerado que o acesso aos benefícios fiscais previstos no artigo 20º, nº 1 do Decreto-Lei nº 423/83 não depende de reconhecimento prévio e que, actualmente a entrega de uma declaração entregue no serviço de finanças, quer no caso de isenção parcial (IS) quer total (IMT) de imposto, configura um procedimento de auto-lançamento/quase autoliquidação (com imposto, no primeiro caso, sem imposto, no segundo), concluímos que o procedimento ocorrido posteriormente à efectiva fiscalização dos pressupostos indicados na declaração como fundamento do benefício se configura como liquidação e não acto administrativo revogatório de acto anterior concedente de benefício fiscal.

 

A dúvida que surge é se o prazo de caducidade do direito à liquidação referente ao montante correspondente à invocada isenção de IMT, será de oito anos (art. 35º CIMT) com fundamento em que, aquando da apresentação da declaração, não houve liquidação de imposto nem pagamento, ou de quatro anos, por se tratar de uma liquidação adicional (art. 31º, nº 2, CIMT) que corrigiu, alterou, a liquidação original.

 

É que em outros processos acima referidos, em que foi decidido que se aplicava o artigo 35º do CIMT, tratava-se de casos de escritura com declaração da isenção apenas junto do notário sem qualquer registo directamente no Serviço de Finanças e sem emissão de um documento indicando colecta €0,00 [28].

 

Agora, como referido, há a introdução dos dados pelo SF para extracção da guia de pagamento. Até que ponto essa intervenção traduz realmente uma confirmação dos dados indicados (no procedimento de auto-lançamento, mas tão próximo de uma autoliquidação), que incluíam a menção à legislação aplicável para obtenção de isenção? [29].

 

Quanto ao acto posteriormente praticado pela Administração Tributária, após análise crítica dos pressupostos declarados, é classificado pela própria AT como liquidação adicional, pressupondo uma anterior liquidação, em qualquer dos casos IMT e IS.

Nessa óptica, o prazo aplicável de caducidade do direito à liquidação será de quatro anos, questão que não suscita controvérsia nos autos mas constitui solução diversa da dada a casos anteriores à actual redacção do art. 10º do CIMT. [30]

 

Mas significa isso que não será, em qualquer caso, aplicável o regime decorrente do disposto nos artigos 141º do CPA e 58º do CPTA. Não se trata de um acto revogatório de um acto que concedeu um benefício fiscal (em processo de reconhecimento de benefício) mas de liquidação adicional que alterou anterior liquidação, em que por erro nos pressupostos de direito foi aplicada legislação não invocável na situação fáctica concreta

 

Isso aconteceu em sede de liquidação de IMT e IS como acontece, p. ex. em sede de IRS (sistema regra de auto-lançamento) e IRC (sistema regra de autoliquidação) cujos Códigos prevêem a liquidação adicional (artigos 89º CIRS, 99º do CIRC), a exercer no prazo previsto para o exercício do respectivo direito de liquidação.

 

Ou seja, a liquidação – original ou adicional - de cada imposto pode efectuar-se durante o prazo previsto para o exercício do direito de liquidação do imposto em causa, e que em regra [31], é de quatro anos.

 

Tudo visto, o tribunal considera que os actos cuja legalidade é objecto de apreciação nos autos, não são actos revogatório de benefícios fiscais[32] mas liquidações (adicionais? [33]), não violadoras da legalidade, pelo que o Pedido improcede.

 

Improcedendo o pedido principal, não há lugar a restituição dos montantes pagos nem direito a juros indemnizatórios.

 

15. Decisão

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto do Chefe de Serviço de Finanças que deu origem a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no valor de €25.025,00 (vinte cinco mil e vinte cinco euros) e de Imposto do Selo no valor de €2.464,00 (dois mil quatrocentos e sessenta e quatro euros) relativa a aquisição de imóvel em 2013.

b)      Condenar a Requerente em custas.

 

16. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 27.489,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove euros).

 

17.Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Agosto de 2015.

 

A Árbitro

 

(Maria Manuela Roseiro)

 

 



[1] A fls.25 a 29 do PA 2 consta um ofício datado de 23-07-2014 mas que, crê-se, não terá sido recebida pela Requerente, provocando a notificação posterior (o ofício de 19/08/2014 refere “assunto - perfeição da notificação -artigo 39º nº 5 do CPPT).  

[2] Que dispõe: «1- São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento. 2 - A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.»

 

[3] Refere ainda o Acórdão do TCAN de 29 de Fevereiro de 2012, proc. 01147/06 mas esse aresto é invocado para defesa da aplicação do raciocínio seguido mesmo em relação a actos revogatórios não explícitos quando a questão relevante nos autos será a de saber se, in casu, se pode falar de revogação de um acto administrativo anterior. 

[4] Na redacção do EBF, dada pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, dispunha o artigo 52º que o pedido de isenção deveria ser apresentado pelos sujeitos passivos até ao termo dos 90 dias subsequentes ao prazo de seis meses previsto para afectação dos prédios a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Tendo o EBF sido alvo de diversas alterações e renumerações, cita-se, por exemplo, as previsões posteriores do nº 6 do art. 42º, em articulação com nºs 4, 5 e 6 do art. 58º; nº 5 do art. 42º, articulado com alínea d) do art. 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12; nº 6 do art. 46º.

[5] Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2012, 7ª ed., p. 390. Também sobre a classificação de desagravamentos fiscais lato sensu, ibidem, p. 391.

[6] “As isenções fiscais sucessivamente previstas nos artigos 13º da Lei nº 2073, 13º, nº 8, do CSISD e 20º, nº 1, do DL nº423/83 - preceitos que se foram substituindo uns aos outros - são automáticas e vinculadas” (ponto II do sumário).  

[7] Cf. sumário “II - Tais benefícios fiscais são de aplicação automática desde que verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito: que a aquisição do imóvel se destine à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
III - Atenta a natureza dos benefícios em causa não é condição que os mesmos constem do despacho de atribuição da utilidade turística”.

[8] Este Acórdão vem adoptar, por maioria, diferente entendimento de anteriores decisões do STA mas quanto ao âmbito do benefício. Cf. ponto IV do sumário “O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa /Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento”.

[9] Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, CTF nº 359, p. 137.

[10] Exemplificando tipos de obrigações - declarativas, de liquidação e cobrança, do cálculo do imposto em dívida, de entrega no prazo prescrito na lei - Relatório do Grupo de Trabalho sobre Reavaliação dos Benefícios Fiscais, 2005, nº 198 Cadernos CTF.

[11] O artigo 19º, nº1, do CIMT, na sua redacção inicial dispunha: “A liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar uma declaração de modelo oficial, devidamente preenchida”.

[12] Artigo 97.º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

 

 

[13] O nº 6 do art. 31º do DL 287/2003, de 12/11, manteve em vigor “os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI, bem como os respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante ao Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º41 969, de 24 de Novembro de 1958, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, que passam a ser reportados ao IMT”.

[14] Transcrevendo excerto da decisão no proc. 648/2014-T: “Quando na transacção sujeita a tributação não é aplicado o imposto, com fundamento em isenção, não se verifica qualquer liquidação. No caso em apreciação nos autos, o facto de a Notária interveniente na escritura ter aí declarado a aplicação de uma isenção não constitui pressuposto diferente dos existentes nos acórdãos citados. Porque da conjugação de diversas normas do CIMT não é possível concluir que a não exigência pelo Notário, no momento de outorga de uma escritura notarial, da liquidação prévia do imposto, por aceitar a interpretação de que se aplicava um benefício fiscal, constitui a prática de um acto tributário. O CIMT é muito claro ao qualificar a intervenção do Notário e de outras autoridades públicas como “cooperação” com a Administração Tributária – trata-se de verificar (fiscalizar) se houve pagamento de imposto ou se são invocados os pressupostos previstos nas normas de isenção. No caso dos autos, à data da escritura, o nº 3 do art. 49º previa, em alternativa, duas situações de isenção: enquanto nas situações dependentes de reconhecimento prévio o Notário tinha que exigir o documento comprovativo desse reconhecimento (pelos serviços competentes, da administração tributária, é evidente) que arquivava, nos casos de isenção automática, dizia-se “as entidades referidas no n.º 1 devem verificar e averbar a isenção”. Mas isso não constituía qualquer atribuição aos notários de competência para interpretar e aplicar as normas fiscais, em todos os casos em que o gozo de um benefício fiscal não dependesse (caso do art. 20º, nº 1, do DL 423/83) de reconhecimento oficial prévio. Ao tempo dizia também o artigo 10º do CIMT, no nº 1, que: “As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar” mas, nos números seguintes, distinguia várias situações, correspondentes às isenções previstas nos artigos 6º a 9º, umas sobre a intervenção de diversas entidades no procedimento e outras de reconhecimento automático. A interpretação mais consentânea com as restantes normas do sistema jurídico (art. 9º do Código Civil) é a de que, cabendo ao Notário a verificação dos pressupostos da aplicação da norma de isenção, deveria recolher os elementos necessários à qualificação da situação, aceitando as declarações e a caracterização feita pelos intervenientes no negócio. A revelar-se uma situação mais complexa, dependente de interpretação das normas fiscais deveria o Notário, na ausência de competência específica em matéria tributária, pedir esclarecimento prévio da situação aos serviços competentes ou evidenciar adequadamente os casos na lista enviada posteriormente à Administração Tributária. Não se apercebendo, nem a autoridade interveniente, nem as partes, de uma errada caracterização jurídica, ficam os contribuintes sujeitos a uma possível detecção do indevido tratamento como isenção, sendo a situação objecto de uma posterior liquidação. Foi o que aconteceu: a AT, detectando através de acção inspectiva que a transmissão de imóvel correspondia a uma aquisição de fracção num empreendimento turístico, cuja promoção pertencera à empresa vendedora, entendeu que à situação tributária correspondia não uma isenção mas sim liquidação de IMT, tendo considerado aplicável o disposto no art. 45º, nº 1 in fine da LGT, conjugado com o nº 1 do art. 35º do CIMT, usando o direito de liquidação do imposto no prazo de 8 anos a contar da aludida transmissão, ocorrida essa sem qualquer liquidação de imposto. No caso dos autos, não existiu qualquer liquidação de IMT no momento da escritura porque foi aceite pela Notária interveniente que, face aos elementos juntos pelo comprador, este estava abrangido por uma norma de isenção, mas, como defendemos acima, não houve uma liquidação de imposto”.

 

[15] «No que diz respeito ao questionado acto de liquidação e ao prazo para o praticar, salienta-se que, no presente caso, se está perante o exercício originário de uma liquidação conforme se extrai dos elementos do processo, que a Requerente, certamente por lapso, refere como "liquidação adicional”» (proc. 104/2014).

[16] Parecendo confirmar esta distinção, veja-se a observação de Alberto Xavier quando, ao mesmo tempo que define liquidação adicional como “o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão, foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei”, considera imperfeita a inclusão no conceito de liquidação adicional de casos em que o acto não foi praticado na época em que legalmente o deveria ser (por omissão ao lançamento ou por razão análoga) porque nesses casos “não há liquidação adicional mas simplesmente uma primeira liquidação efectuada fora dos prazos normais (in Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pp. 128 e 129, nota 57).

[17] A mesma Lei nº 64-A/2008, de 31/12/2009, aditou um número ao artigo 49º do CIMT, dispondo que “São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo pelo pagamento do imposto os notários que celebrem escrituras públicas e as pessoas que, por qualquer outra forma, intervenham nos documentos particulares autenticados, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, desde que tenham colaborado na falta de liquidação ou arrecadação do imposto ou, na data daquela intervenção, recepção ou utilização, não tenham exigido o documento comprovativo do pagamento ou da isenção, se for caso disso”.

[18] E comentava-se: “importa que esta prática se generalize a todos os outros factos tributários, pelo que poderá representar em termos de simplificação para os contribuintes que necessitam preencher a declaração e pelos erros que poderá evitar nas respectivas declarações”. (Relatório citado, Cadernos CTF nº 201, p. 282).

[19] Propostas formuladas no referido Relatório, ibidem, pp. 282 e 283.

[20] Relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, Cadernos CTF, nº 209, p. 522.

[21] O nº 4 do artigo 2º do EBF prevê (desde a redacção inicial) que para efeitos de controlo da despesa fiscal inerente aos benefícios fiscais concedidos, pode ser exigida aos interessados a declaração dos rendimentos isentos auferidos, salvo tratando-se de benefícios fiscais genéricos e automáticos, casos em que podem os serviços fiscais obter os elementos necessários ao cálculo global do imposto que seria devido (sublinhado nosso).

[22] O preceito já sofreu posteriores alterações (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro)  mas sem alteração de estrutura.

[23] Por exemplo, situações previstas nas alíneas d), e) e g) do artigo 6.º, antes sujeitas a apreciação prévia segundo o nº 7, são hoje incluídas) no artigo 8.º(reconhecimento automático) (cf. alínea a).

[24] O artigo 8º inclui actualmente: a) As previstas nas alíneas a), c), d), e) e g) do artigo 6.º, no artigo 7.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, desde que o valor que serviria de base à liquidação do IMT, caso este fosse devido, apurado nos termos da regra 5.ª do artigo 12.º, seja igual ou inferior a (euro) 300 000; c) As estabelecidas nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro; d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código.

[25] Nalguns casos essa confiança parece variar com o valor em causa - no caso da aquisição de imóveis previstas no artigo 8º do CMIT, ser benefício dependente de despacho de membro do Governo ou automático depende de o valor ser ou não superior a € 300 (cf. al. b) do nº 6 e a) do nº 1 do nº 8 do art. 10º do CMIT).

[26] “Todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou de direito privado, a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (redacção vigente ao tempo).

[27] A descrição da liquidação referente a Imposto do Selo, apesar de mencionar apenas a  inicial isenção de IMT, contém as referências correctas quanto à determinação do imposto (IS) devido, ao valor já pago, e montante a pagar.

[28] No processo nº 648/2014-T, considerámos (ponto 14.2.): “Quando na transacção sujeita a tributação não é aplicado o imposto, com fundamento em isenção, não se verifica qualquer liquidação. E, não existindo uma liquidação na transmissão, não pode qualificar-se como adicional a liquidação que venha a ocorrer posteriormente, já que a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior deficiente em consequência de erros ou omissões”.

[29] Cf. Manuel Pires e Rita Calçada Pires, Direito Fiscal, Almedina p. 271, acerca dos casos de autoliquidação: “segue-se um acto confirmativo (expresso ou tácito, embora aqui a doutrina divirja) por parte da administração, discutindo-se também se este acto reveste a natureza de liquidação”.

[30] Cf. processos, decididos no âmbito do CAAD,  referidos acima (14.4.2.).

[31] Oito anos nos casos previstos no artigo 35º do CIMT e artigo 39º Código do imposto do Selo.

[32] Tal como as correcções efectuadas às declarações de IRC não conduzem a actos revogatórios de benefícios fiscais ainda que tenham por objecto realidades abrangidas pelo conceito de “benefício fiscal” (Segundo o artigo 2º, nº 2 do EBF, “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior”).

[33] Esta questão poderá, apesar das considerações acima e da qualificação assumida pela AT, merecer mais aprofundada reflexão.