Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 552/2014-T
Data da decisão: 2015-09-28  Selo  
Valor do pedido: € 16.272,80
Tema: IS – verba 28.1 TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 552/2014-T

 

Decisão Arbitral

 

I.              Relatório

 

1.             A, Lda., sociedade com sede na Rua …, Porto, pessoa coletiva número …, requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 29 de julho de 2014, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2013, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do IS (TGIS), no valor total de €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos).

 

2.             A Requerente optou por não designar árbitro.

 

3.             O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 30 de julho de 2014 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

4.             A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT.

 

5.             A Signatária comunicou ao Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

 

6.             As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 16 de setembro de 2014, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

 

7.             O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 1 de outubro de 2014, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

 

8.             A AT foi notificada, por despacho arbitral de 2 de outubro de 2014, para apresentar resposta no prazo de 30 dias.

 

9.             A AT apresentou a sua resposta em 31 de outubro de 2014, tendo, igualmente, requerido a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

10.         Por despacho arbitral de 14 de novembro de 2014, foi determinada a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a dispensa daquela reunião, tendo a Requerente indicado não se opor a tal dispensa.

 

11.         Em 17 de novembro de 2014, a Requerente apresentou requerimento superveniente solicitando a junção de novo documento, a saber, terceira prestação do IS liquidado, conforme havia protestado juntar na sua petição inicial.

 

12.         Este Requerimento foi junto ao processo e notificado à Requerida, que sobre o mesmo não se pronunciou.

 

13.         O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º n.º1 alínea a) do RJAT.

 

14.         As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

15.         É admissível a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

 

16.         O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

 

II.           Do pedido da Requerente

 

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo a que correspondem os documentos n.º 2014…, n.º 2014… e n.º 2014…, no valor global de €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos).

 

Para o efeito, e em síntese, citando diversa doutrina e jurisprudência, apresenta as seguintes alegações:

 

1.             A Requerente foi notificada de vários documentos para pagamento que carecem de indicação do número da liquidação subjacente, o que consubstancia falta de fundamentação legal, vício que inquina de ilegalidade o ato em causa, nos termos do disposto no artigo 99.º alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

 

2.             A liquidação em questão respeita a terreno para construção de que a Requerente é titular, pelo que se encontra inquinada por erro sobre os pressupostos de Direito.

 

3.             A Requerente pagou a primeira prestação do imposto liquidado.

 

4.             A Requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número … e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo …, classificado como terreno para construção, não existindo no mesmo qualquer edificação ou construção.

 

5.             Considerando o valor patrimonial tributário (VPT) e o coeficiente de afetação (habitação) que foram atribuídos ao terreno para construção, a AT entendeu estarem verificados os pressupostos objetivos para a liquidação do IS, verba 28 da TGIS.

 

6.             As liquidações identificadas são ilegais, na medida em que a verba 28.1 da TGIS não abrange terrenos para construção, pois estes não têm afetação habitacional.

 

7.             Não existindo na lei qualquer referência expressa a terreno para construção, o intérprete deve cingir-se à definição do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante do respetivo artigo 6.º n.º3.

 

8.             O conceito de terreno para construção traduz a destinação potencial à construção, não existindo ainda no mesmo, pela sua própria natureza, qualquer prédio suscetível de ser utilizado para fins habitacionais, comerciais, serviços, etc., havendo apenas uma mera expectativa potencial ou meramente virtual de tal poder vir a acontecer.

 

9.             A qualificação de um prédio ou a sua afetação dependem da utilização normal que lhe pode ser dada face às suas características atuais e reais, sendo que num terreno para construção a utilização normal não poderá ser a habitação, porquanto não existe nenhum prédio edificado apto a permitir tal tipo de utilização.

 

10.         Nem do alvará de loteamento se pode extrapolar a afetação do terreno para construção à efetiva habitação: o alvará de loteamento do prédio em questão indica que o destino dos lotes é habitação e comércio, não se podendo, pois, concluir que o terreno terá fins exclusivamente habitacionais.

 

11.         Face ao exposto, a AT não pode concluir que o prédio da Requerente se encontra afeto a habitação porquanto é apenas destinado a construção.

 

12.         A AT não pode sujeitar a IS os prédios urbanos que constituam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações.

 

13.         A Requerente entende ainda que o IS constante da verba 28 da TGIS assume uma dimensão meramente estática, apenas fundamentada no aspeto financeiro da receita dela emergente, não se coadunando com o sistema fiscal programado pela Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

14.         Alega ainda que a mesma realidade é tributada duas vezes: sobre a propriedade de um prédio com VPT atribuído incidem dois impostos diferentes, IS e IMI, o que coloca em causa os princípios da justiça e da proporcionalidade.

 

15.         Sendo que apenas alguns dos sujeitos passivos residentes é que sofrem essa dupla tributação, contrariando o princípio da igualdade constante dos artigos 13.º e 104.º da CRP.

 

16.         A Requerente entende que há violação do princípio da interpretação conforme à CRP, nomeadamente por desobediência ao princípio da igualdade e legalidade.

 

17.         Por fim, a alteração legislativa ocorrida com o artigo 193.º da Lei n.º 83-C/2013, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014 e cuja entrada em vigor se deu no dia 1 de janeiro de 2014 não assume a natureza de norma interpretativa e, como tal, retroativa.

 

18.         Em suma, requer a anulação do ato de liquidação do IS emitido ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, datado de 18.03.2014, e restituição da quantia de €5.424,28 (cinco mil quatrocentos e vinte e quatro euros e vinte e oito cêntimos) referente à 1ª prestação paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

 

III.    Da Resposta da Requerida

 

1.             É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recaem as liquidações impugnadas tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correta interpretação da Verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

 

2.             Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afetação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao CIMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro.

 

3.             Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba n.º 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

4.             Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º do CIMI que “prédio é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

 

5.             Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção, isto é os “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações…”

 

6.             A noção de afetação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um factor de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

 

7.             Conforme resulta da expressão “…valor das edificações autorizadas”, constante do artigo 45.º, n.º 2 do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes por conseguinte aplicável o coeficiente de afetação previsto no artigo 41.º do CIMI.

 

8.             Assim, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, porquanto:

 

a.              Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exato sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária;

 

b.             O artigo 67.º n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

 

c.              A afetação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

 

d.             A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão “prédios com afetação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI.

 

9.             A AT entende que o conceito de “prédios com afetação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

 

10.         O legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional” - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º1 alínea a) do CIMI.

 

11.         A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, daí a regra constante do artigo 45.º do CIMI que manda separar as duas partes do terreno.

 

12.         No que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), é de salientar que o mesmo tem como pressuposto as edificações já construídas.

 

13.         Não se podendo ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos de número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos, nos termos da alínea a) do artigo 77.º do RJUE;

 

14.         E ainda que o artigo 77.º do RJUE contém especificações obrigatórias, desde logo para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção.

 

15.         Também os Planos Diretores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas. Integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal.

 

16.         Nestes termos, muito antes da efetiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afetação do terreno para construção.

 

17.         A Requerida propugna ainda pela constitucionalidade da norma em apreço, referindo, entre outros, tratar-se de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, e que procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.

 

18.         Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação da liquidação, a Requerida discorda do entendimento da Requerente, porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto;

 

19.         Sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não de outra.

 

20.         Da nota de cobrança atinente à liquidação em causa consta a data da liquidação, a identificação do imóvel objeto de tributação, o tipo de imposto, o ano de imposto, a norma habilitante e os respetivos valores e datas de pagamento.

 

21.         E os fundamentos foram amplamente compreendidos e referenciados e atacados pela Requerente no seu requerimento de pronúncia arbitral.

 

22.         Adicionalmente, mesmo a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação, cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT.

 

23.         Não tendo a Requerente usado dessa faculdade, forçoso se torna concluir que o ato em questão continha e contém todos os elementos necessários à sua cabal compreensão, ficando o vício alegado sanado.

 

24.         O ato deve manter-se, não padecendo de qualquer vício alegado pela Requerente.

 

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a resposta da Requerida, as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral são:

 

a.              Saber se terrenos para construção devem ser considerados, para efeitos de incidência de IS, quanto à verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, como prédios com afetação habitacional;

 

b.             Saber se a liquidação em questão é ilegal por falta de fundamentação.

 

 

V.           Matéria de Facto

 

Com relevância para a apreciação do pedido, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, não contestados pela Requerida:

 

a.              A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo …, classificado como terreno para construção, não existindo no mesmo qualquer edificação ou construção.

 

b.             O prédio urbano em questão encontra-se descrito na matriz como terreno para construção.

 

c.              O prédio tem o valor patrimonial tributário de €1.627.280,00 (um milhão, seiscentos e vinte e sete mil duzentos e oitenta euros).

 

d.             Nos dados de avaliação constantes da caderneta predial, o prédio tem como “tipo de coeficiente de localização” habitação.

 

e.              Inexiste qualquer construção no prédio identificado.

 

f.              A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança n.º 2014…, n.º 2014… e n.º 2014…, um no valor de €5.424,28, outro no valor de €5.424,26 e outro no valor de €5.424,26, tudo no valor global de €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos).

 

g.             A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação de IS supra indicada.

 

Não existem, com relevância para o processo, outros factos que não se considerem provados.

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental indicada, junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

 

VI.        Matéria de Direito

 

Tendo a Requerente imputado diversos vícios ao ato tributário impugnado há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem constante do artigo 124º do CPPT, aplicável por força do artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.

 

O vício de violação de lei invocado pela Requerente é aquele mais relevante, na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato. Em conformidade, o Tribunal Arbitral apreciará em primeiro lugar a questão indicada em IV. a. supra.

 

A questão em apreço foi já objeto de apreciação diversas vezes, pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) (vejam-se, a título de exemplo, os recentes Acórdãos de 24/9 e 9/7 de 2014) e pela jurisprudência arbitral (designadamente no âmbito dos processos 42/2013-T, de 18/10/2013; 48/2013-T, de 09/10/2013; 49/2013-T, de 18/09/2013; 53/2013-T, de 02/10/2013; 75/2013-T, de 01/11/2013; 144/2013-T, de 12/12/2013; 158/2013-T, de 10/02/2014; 308/2013-T, de 28/04/2014; 310/2013, de 22/04/2014 e 202/2014-T, de 16/10/2014).

 

A jurisprudência citada decidiu, em todos os casos, contra o entendimento da Requerida, decisões que, se indica desde já, este Tribunal Arbitral acompanha, conforme se detalhará.

 

Para a apreciação da questão em causa importa, antes de mais, analisar o artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que aditou à TGIS, anexa ao CIS, a verba nº 28, com a seguinte redação:

 

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

 

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

 

O texto legislativo em apreço introduziu um conceito não utilizado em qualquer outra disposição tributária – o de prédio com afetação habitacional – nem definiu o mesmo. Para compreender o seu conteúdo, deverão assim ser compulsados os conceitos de prédio constantes do CIMI (artigos 2.º a 6.º) – ao abrigo do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, segundo o qual, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.º 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

E tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil, para o qual aquele remete.

 

O artigo 11.º da LGT estabelece que:

 

1.             Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2.             Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3.             Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4.             As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

 

Por sua vez, o artigo 9.º do Código Civil indica que:

 

1.             A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2.       Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3.       Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Da análise dos conceitos constantes dos indicados artigos do CIMI (2.º a 6.º), verifica-se não existir correspondência de qualquer um com aquele estabelecido na verba 28.1 da TGIS (prédio com afetação habitacional). De facto, o CIMI diferencia claramente os prédios habitacionais dos terrenos para construção. Os primeiros são classificados em função da respetiva licença autárquica ou, na sua falta, do seu uso normal, os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

O licenciamento ou o uso normal de um prédio cujo destino seja a habitação referem-se, naturalmente, a prédios edificados que reúnam as características exigíveis para tal licenciamento ou uso.

 

Já o terreno para construção – independentemente da potencialidade de construção, ou do momento em que essa potencialidade é aferida, ao contrário do que refere a Requerida – não terá qualquer aptidão para ser licenciado para habitação, ou para se definir este fim como o seu destino normal.

 

Ora, se a norma tributária em apreço não define, por si, o conceito de afetação habitacional, não é possível extrair, ao abrigo dos normativos supra citados, e sem mais, que no seu escopo caiba uma qualquer potencialidade futura de um edifício que venha a ser construído num terreno para construção – cabe apenas a efetiva edificação habitacional.

 

E ao contrário do que alega a Requerida, não se pode interpretar a norma no sentido de afirmar que a opção do legislador com a expressão “afetação habitacional” tenha sido a de se sobrepor às espécies contidas no artigo 6.º do CIMI. As regras sob as quais o intérprete deve prosseguir a atividade de interpretação de normas legais, tal como supra detalhadas, não conferem qualquer apoio legal a tal interpretação.

 

Se tal fosse a opção do legislador, este haveria, certamente indicado expressamente a mesma. Ora, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento de forma adequada, encontramos, pelo contrário, uma remissão expressa para os conceitos constantes do CIMI (o que a própria Requerida reconhece), e não para outras realidades nos mesmos não contidas.

 

Adicionalmente, também não concorda este Tribunal Arbitral com o entendimento da Requerida, segundo o qual o significado de afetação habitacional se deva extrair do disposto no artigo 45.º do CIMI. O artigo 45.º do CIMI reporta-se às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção, estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área, considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas. Refere a Requerida que nessa fixação de valor são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afetação “habitação”, e que tal deverá ser, também, um elemento determinante para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS em apreço.

 

Por cabalmente esclarecedor deste ponto, cite-se o disposto no Acórdão do STA de 9 de julho de 2014, com o qual se concorda na íntegra:

 

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afetação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respetivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI) não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afetação habitacional”, porquanto a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

 

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afetação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).”

 

Refira-se ainda que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio alterar a redação da norma em questão, passando a verba 28.1 da TGIS a dispor: “por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

É entendimento deste Tribunal Arbitral que a nova norma apenas dispõe para o futuro (a partir de 1 de janeiro de 2014), e que não se poderia – se fosse o caso - retirar da mesma qualquer caráter interpretativo da redação até então vigente e ora em apreço. Se houvesse uma pretensão de conferir natureza interpretativa à norma, tal teria sido expressamente indicado pelo legislador.

 

A prática jurisprudencial tem sido unânime, constante e pacífica quanto ao entendimento a conferir à norma em questão, pelo que, na verdade, nem existia norma que necessitasse de interpretação autêntica. Assim, o legislador, com a alteração introduzida em 2013, veio apenas claramente incluir uma nova realidade a sujeitar à verba 28.1 da TGIS, para além dos prédios manifestamente habitacionais (os terrenos para construção, não constantes da redação anterior).

 

Por fim, e no sentido de reforçar o entendimento que vem sendo delineado, procura-se ainda a reconstrução do pensamento legislativo que presidiu à aprovação da redação da verba 28.1 da TGIS em 2012. Por um lado, da exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, de 21/09/2012 (a qual originou a já citada Lei n.º 55-A/2012), não decorre qualquer elemento que permita esclarecer o conceito de prédio com afetação habitacional.

 

Por outro lado, e como constante do Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 9/XII, 2.ª sessão legislativa, de 11 de outubro de 2012, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta inovação legislativa nos seguintes termos:

 

“Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre os rendimentos do capital e sobre as mais-valias mobiliárias; e o reforço das regras de combate à fraude e à evasão fiscais.

 

Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.” (sublinhado nosso).

 

Do exposto decorre que não é possível, e por força dos normativos legais citados, inferir que na expressão “prédios com afetação habitacional” possam ser subsumidos os terrenos para construção. Pelo contrário.

 

Concluindo-se que terrenos para construção não estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS, as liquidações objeto do presente não poderão manter-se.

 

Perante a conclusão supra, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente.

 

 

VII.   Juros Indemnizatórios

 

Verificada a ilegalidade das liquidações a que correspondem os documentos n.º 2014…, n.º 2014… e n.º 2014…, no valor global de €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos), referentes ao prédio classificado como terreno para construção, e tendo a Requerente pago o imposto referente à primeira prestação, nos termos juntos aos autos, tem a Requerente direito, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de €5.424,28 (cinco mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e vinte e oito cêntimos) (1.ª prestação).

 

Quanto aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º da LGT estipula que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Quanto à existência, no caso, de erro imputável aos serviços, este erro considera-se verificado, na medida em que procede a alegação da ilegalidade da liquidação.

 

Por conseguinte, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, sobre as quantias pagas, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.

 

 

VIII.  Decisão

 

Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

A.           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo a que correspondem os documentos n.º 2014…, n.º 2014… e n.º 2014…, no valor global de €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos);

 

B.            Condenar a Requerida, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a restabelecer a situação que existiria se os atos de liquidação anulados não tivessem sido praticados, adotando os atos e operações necessários para o efeito, através da restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos e do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.

 

Valor do processo: €16.272,80 (dezasseis mil duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos)

 

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 28 de janeiro de 2015

 

O árbitro

 

 

Ana Pedrosa Augusto