Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 552/2022-T
Data da decisão: 2023-10-12  IRC  
Valor do pedido: € 53.362,98
Tema: IRC – sociedades não residentes sem estabelecimento estável; mais- valias imobiliárias; aplicabilidade do artigo 43º, nº 2, al. b), do CIRS.
Versão em PDF

 

Sumário: 

-          A jurisprudência do TJUE e os acórdãos uniformizadores do STA relativos à aplicação do disposto no 43º, nº 2, al. b), do CIRS (integração na matéria coletável de apenas 50% do valor das mais-valia imobiliárias) referem-se a pessoas singulares. 

-          O decidido por tais acórdãos não é transponível para o caso de sociedades não residentes sem estabelecimento estável, sujeitos passivos de IRC. 

-          A al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS tem a natureza de desagravamento estrutural, necessário por estarem em causa rendimentos sujeitos, nesse imposto, a englobamento obrigatório e, consequentemente, a taxas progressivas. 

-          Não existe norma paralela no CIRC, por desnecessária, dado ser diferente a estrutura deste imposto, nomeadamente a existência de taxas progressivas. 

-          A falta de analogia das situações impede a aplicação da al. b) do nº 2 do art. 43º do CIRS a sujeitos passivos de IRC. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., entidade equiparada a pessoa coletiva nº ..., com sede em ..., ..., França, adiante designada por Requerente, veio, nos termos legais, solicitar a constituição de Tribunal Arbitral.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I – Relatório

A)        - O Pedido

 

A Requerente pede: 

 

a)         a anulação da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa que deduziu contra a autoliquidação a seguir identificada, tendo em conta que sujeitou indevidamente a tributação 50% da mais valia apurada, bem como a não consideração no respetivo cálculo das despesas e encargos incorridos com a valorização do imóvel, no montante de € 24 399,89;

b)        a anulação parcial da liquidação de IRC nº 2021..., relativa ao período de tributação de 2018, no montante de € 100 625,99, considerando ser o montante de imposto indevidamente pago de € 53 362,98;

c)         a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.  

 

B)        O litígio

 

A Requerente alienou, em 2018, um imóvel sito em território nacional.

Entende que à mais-valia assim obtida é aplicável o disposto no artigo 43º do CIRS, pelo que considera que houve excesso na liquidação do IRC, uma vez que, no apuramento da matéria coletável, foi considerado como rendimento o valor total da mais-valia obtida.

A Requerida sustenta a legalidade da liquidação por entender, nomeadamente, que o disposto no artigo 43º do CIRS não é aplicável a pessoas coletivas, pelo que conclui pela improcedência do peticionado.

 

C) Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado no dia 21 de setembro de 2022. O árbitro que constitui este Tribunal foi designado pelo CAAD no dia 10 de novembro de 2022, aceitou tempestivamente a nomeação, a qual não foi objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído no dia 14 de dezembro de 2022.

A Autoridade Tributária apresentou Resposta no dia 3 de fevereiro de 2023.

No dia 26 de maio de 2023, foi proferido despacho no sentido de convidar a Autoridade Tributária a juntar o documento que protestara juntar com o PPA.

Mais tarde, por se entender que o documento em causa pode ser importante para decisão foi concedido um novo prazo de 10 dias à Autoridade tributária para o juntar ao processo, uma vez que não foi junto na sequência do primeiro despacho.

Nesse mesmo despacho, foi efetuada a prorrogação do prazo por 2 meses, ao abrigo do disposto no artigo 21º do RJAT.

No dia 15 de junho de 2023, a Autoridade Tributária juntou o PA e uma informação da Direção de Serviços do IRC que deferiu parcialmente o pedido que havia sido formulado pela Requerente.

No dia 18 de julho de 2022, o tribunal dispensou a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como as alegações escritas.

No mesmo despacho determinou que a decisão final seria tomada até ao dia 14 de agosto de 2023.

Por motivos de saúde, devidamente evidenciados ao CAAD, o tribunal proferiu novo despacho a prorrogar o prazo por mais 2 meses, ao abrigo do disposto no artigo 21º do RJAT.

 

II - SANEAMENTO

 

O processo não enferma de nulidades ou de irregularidades.

Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III        - PROVA

A) Factos provados

a)         A Requerente tem sede em França e não era residente fiscal em Portugal no

exercício de 2018 nem tinha nesse mesmo ano qualquer estabelecimento estável no nosso país.

b)        A Requerente adquiriu, no dia 20 de outubro de 2015, pelo preço de € 500 000,

no âmbito da respetiva atividade de compra de imóveis para revenda, o prédio urbano sito na Rua ..., nº ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia pelo artigo... .

c)         No dia 29 de junho de 2018, a Requerente vendeu o referido imóvel pelo preço de € 1 420 000.

d)        Em resultado da venda, a Requerente não apresentou a declaração modelo 22 do IRC, razão pela qual a Autoridade Tributária decidiu efetuar uma ação inspetiva.

e)         Como consequência da referida ação, a Autoridade Tributária aceitou os encargos suportados com a aquisição do imóvel, no montante de € 33 955,40, correspondente ao IMT e Imposto de Selo, bem como as despesas e encargos com a valorização do imóvel, no montante de € 377 198,67, daí resultando uma mais valia de € 498 166,67 e imposto a pagar no montante de € 139 227,30, incluindo os juros compensatórios;

f)         A Requerente apresentou uma reclamação graciosa e, na sequência disso, a Autoridade Tributária, aceitou alterar o valor total das despesas e encargos para € 472 861,54.

g)        O aumento das despesas anteriormente referidas determinou uma diminuição do

imposto a pagar, cujo total, com a inclusão dos juros compensatórios, se cifrou em € 112 491,57.

 

B)        Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela

Requerente e pela Requerida.

 

C)        Factos não provados

Não existem outros factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

IV        – O Direito

 

Está em causa a aplicação da norma constante da alínea) b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS, que dispõe que o saldo apurado entre as mais valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano apenas é considerado em 50 % do seu valor.

De igual modo, está também em causa o artigo 56.º do IRC, cujo nº 1 dispõe: os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS .

A questão da aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS a não-residentes (residentes em outros estados-membros ou em países terceiros) que sejam pessoas singulares constitui um ato claro, à luz da jurisprudência do TJUE.

Assim o acórdão do TJUE de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, e o acórdão do TJUE, de 18 de março de 2021, MK, C-388/19.

Porém, ambos os acórdãos se referem a mais-valias imobiliárias obtidas em Portugal por não residentes que sejam pessoas singulares.

O mesmo acontece relativamente à jurisprudência uniformizadora do STA, nomeadamente os acórdãos proferidos no proc. 075/20, de 09-12-2020 e no proc. 058/20, de 24-02-2021, nomeadamente no proc. 064/20, de 09-12-2020.

A pesquisa efetuada da jurisprudência arbitral permitiu localizar o processo nº 685/2022 – T, que se seguirá de muito perto, por se concordar com a decisão preconizada.

De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Código do IRC, as sociedades residentes e os estabelecimentos estáveis de não residentes são tributadas pelo lucro.

Relativamente às sociedades não residentes, sem estabelecimento estável, o CIRC remete para o CIRS pois o legislador terá considerado não se justificar o fenómeno de atração, dado o carácter esporádico da obtenção de rendimentos no nosso país, por um lado, e não existir, à normal disposição da AT, contabilidade que permita identificar todos os rendimentos obtidos e proceder ao cálculo do lucro tributável a partir das regras contabilísticas, por outro.

A remissão feita pelo artigo 56º do CIRC opera, pois, por duas vias:

 

-          só integram a matéria coletável destes sujeitos passivos os rendimentos, obtidos em Portugal, tipificados nas diferentes categorias do IRS, o que é particularmente relevante no caso das mais-valias uma vez que este imposto só considera tributáveis algumas mais-valias, entre as quais as imobiliárias, quando, estando em causa a tributação do lucro, todas as mais-valias concorrem para o cálculo da matéria coletável.

-          as regras de quantificação aplicáveis (no caso, para o cálculo do valor da mais-valia obtidas) são as previstas no CIRC e não as regras contabilísticas com eventuais ajustes ditados por normas fiscais como sucede relativamente às sociedades residentes e aos estabelecimentos estáveis de sociedades não residentes.

O importante é salientar que as sociedades não residentes sem estabelecimento estável não são, nem passam a ser por força do artigo 56º do CIRS, sujeitos passivos de IRS, continuando a ser sujeitos passivos de IRC, como resulta claro do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea c) do CIRC. Apenas o âmbito da incidência real, em sentido amplo, incluindo as normas relativas à quantificação matéria coletável, é determinado por aplicação das regras do CIRS (artigo 3º, alínea d) do CIRC).

Importa agora saber qual a razão pela qual, por regra, as mais-valias imobiliárias apenas são consideradas em 50% para efeitos da sua integração na matéria coletável de IRS.

Está em causa a “resposta” que a lei entendeu dar para minorar os efeitos nefastos que, de outro modo, ocorreriam em resultado de as mais-valias apenas serem tributadas no momento da sua realização, no caso, no momento da alienação de um imóvel. Sendo certo que a obtenção desse rendimento, ainda que apenas de forma latente (o mesmo é dizer, o aumento da capacidade contributiva) acontece ao longo de vários anos, por vezes muitos, durante o tempo que mediou entre a aquisição e a alienação onerosa.

Abstendo-nos, por desnecessário, de explicitar as razões pelas quais o legislador adotou o princípio da realização para definir o momento temporal da tributação, temos que a concentração da tributação num determinado ano (o da alienação onerosa) de um rendimento que foi gerado numa pluralidade de anos, origina dois efeitos perversos :

 

-          Um é o efeito de concentração (brunching effect): num imposto progressivo, a

taxa, no ano em que a realização acontece, tende a disparar (a ser anormalmente elevada), o que significa que o sujeito passivo pagará mais imposto que aquele que pagaria se a tributação acontecesse anualmente, à medida que a mais-valia foi gerada. 

-          Outro é o efeito de imobilização (lock in effect): sabendo que vão ser abrangidos por uma tributação elevada no momento da realização (que o preço obtido, líquido de imposto, resultará gravemente diminuído), os sujeitos passivos tendem a não alienar os bens, mesmo que não lhes sejam úteis, com todo o desperdício que, em termos económicos e sociais, assim se gera. 

A “resposta” que o legislador encontrou foi, precisamente, a de determinar que só integrassem a matéria coletável de IRS 50% do saldo das mais e menos valais imobiliárias obtidas em cada ano.

Como bem sustenta Gustavo Courinha, na declaração de voto no acórdão do STA, referente ao processo 064/20, … esta solução de consideração a 50% de tais valores para efeitos da base tributável foi pensada – e só nessa medida faz que o legislador entendido – para casos de aplicação das taxas progressivas e no pressuposto do englobamento da generalidade dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, pois só nesses casos se verifica o risco de as muito elevadas taxas dos escalões superiores de IRS se estenderem às demais categorias de rendimentos. Não havendo, manifestamente, um tal risco no caso dos sujeitos não residentes, não faz sentido a aplicação obrigatória deste regime a tais sujeitos.

Cremos que dificilmente alguém poderá refutar esta argumentação, com a qual nos identificamos totalmente.

Em suma, a alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS não cabe na remissão operada pelo artigo 56º do CIRC, pois não integra as normas de incidência real, em sentido amplo, as regras de determinação, no dizer de tal norma, deste imposto.

Não está, também, em causa um benefício fiscal, pois a redução da tributação das mais valias obtidas por pessoas singulares não surge ditada por quaisquer motivações extra-fiscais, que dificilmente se justificariam, atenta a natureza deste tipo de rendimento.

 

A alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS tem a natureza de desagravamento estrutural, é uma medida normativa que estabelece uma limitação negativa da incidência normal (vd. art. 4º, nº 

2, do EBF), visando eliminar “perversões” (no caso, situações de sobre tributação ofensivas do princípio da capacidade contributiva) que, de outro modo ocorreriam no imposto em que se insere.

Em resumo, por ser uma medida que integra a estrutura do IRS, aí necessária por estar causa um tipo de rendimento – mais-valia imobiliária- obrigatoriamente sujeito a englobamento e, consequentemente, à aplicação de taxas progressivas, a mesma não pode ser estendida ao IRC, o qual não a prevê dado que a sua diferente estrutura (maxime, inexistência de taxas progressivas) o torna desnecessário.

O acórdão Holmann, invocado pela Requerente, é claro quanto à sua razão de decidir: o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE [atual artigo 63.º TFUE] [não existindo] objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre as duas categorias de sujeitos passivos.

O decidido pelo TJUE assenta – como seria de esperar – numa comparação entre a situação das pessoas singulares residentes e não residentes relativamente a tributação do tipo de rendimento em causa, mais-valias imobiliárias.

Ora, fazer equivaler a situação fiscal das pessoas singulares e a das pessoas coletivas – como pretende a Requerente – seria falacioso, pela simples razão que estão em causa impostos diferentes, assentes em princípios diferentes e, consequentemente, com normas diferentes.

A Requerente é uma sociedade não residente, por tal razão preenche a incidência pessoal do IRC, pela que a sua situação tem que ser comparada com a das sociedades residentes, também sujeitas a IRC. Fazendo tal comparação, temos:

-          as sociedades residentes são tributadas pela totalidade do saldo líquido das mais valias (imobiliárias e mobiliárias) obtidas em cada exercício, por consideração dos valores assim

obtidos como rendimento, havendo, também, lugar à dedução dos gastos por tal implicados.

 

Ou seja, as sociedades residentes não integram no seu rendimento tributável apenas 50% do valor dos rendimentos qualificáveis como mais-valias imobiliárias, mas sim a totalidade. O mesmo é concluir que as sociedades não residentes ficariam colocadas numa inaceitável situação de discriminação favorável, relativamente às sociedades residentes, se lhes fosse permitido incluir na sua matéria coletável 50% do valor deste tipo de rendimento.

-          em ambos os casos, a tributação é feita por aplicação de taxas proporcionais – artigo 87º CIRC.

Em resumo: a discriminação negativa que acontecia relativamente às pessoas singulares, sujeitos passivos de IRS, que deu causa ao acórdão Hollmann e aos que se lhe seguiram, não existe relativamente à obtenção de mais-valias por sociedades residentes e sociedades não residentes, pelo que o argumentário em que se fundam tais acórdãos, relativos à situação das pessoas singulares repete-se, não pode ser transposto para o caso das sociedades, sujeitos passivos de IRC, por manifesta falta de analogia estre as duas situações tributárias.

Há, pois, que concluir pela legalidade da liquidação posta em crise neste processo e, consequentemente, pela total improcedência do pedido.

No que diz respeito aos encargos, no montante de € 24 399,89, verifica-se que foram objeto de aceitação por parte da Autoridade Tributária, pelo que deve a liquidação adicional do IRC ser parcialmente retificada, de forma a refletir a aceitação como gasto dos referidos encargos.

Improcedendo o pedido principal, com exceção da parte da liquidação que deve ser retificada em função da aceitação dos encargos no montante de € 24 399,89, improcedem os demais pedidos formulados pela Requerente porque daquele dependentes.

 

            V - Decisão

Pelo exposto, conclui-se pela improcedência parcial do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, devendo, em consequência, ser retificada a liquidação adicional do IRC, de forma a refletir a aceitação como gasto dos encargos anteriormente mencionados.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 53 362,98.

Custas: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 2 142,00, sendo € 2 013,48 a cargo da Requerente e € 128,52 a cargo da Requerida, em função do decaimento, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

CAAD, 12 de outubro de 2023

 

O Árbitro

 

Paulo Lourenço