Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2022-T
Data da decisão: 2022-06-21  IMI  
Valor do pedido: € 14.100,82
Tema: IMI - A aplicabilidade do art. 38.º e 45.º do CIMI na avaliação de terrenos para construção.
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Sumario

  1. Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a fixação de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
  2. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
  3. A revisão dos atos tributários de liquidação, quando na base da sua realização esteja uma matéria tributável, quantificada ou determinada de forma ilegal, por erro imputável aos serviços, é enquadrável no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

A - Identificação Das Partes

Requerente: A...,  S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 04-02-2022, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, e nessa data notificada a Autoridade Tributária.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 25-03-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 12-04-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 23-05-2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, e em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e foi dispensada a apresentação de alegações.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

B – PEDIDO 

  1. A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade parcial dos atos tributários de liquidação, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, (“IMI”) n.  2016..., 2016..., 2016... referentes ao ano 2016; Liquidações com os n. 2017..., 2017..., 2017... referentes ao ano 2017; Liquidações com os n. 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano 2018; Liquidações com os n. 2019..., 2019..., 2019..., referentes ao ano 2019, no valor total de 14.100,82€.
  2. Mais peticiona a titulo subsidiário, seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei for‐ mal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos pronta‐ mente anulados, com todas as consequências legais

 

C – Causa de Pedir

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
    1. É proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
    2. Procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI supra identificadas conforme informação disponível no Portal das Finanças.
    3. Em parte as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas anteriores às reavaliações efetuadas em 2020.
    4. Defende que, recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2020 e das respetivas cadernetas prediais urbanas atualizadas com os novos valores patrimoniais tributários resultantes destas (re)avaliações
    5. Nos anos 2016, 2017, 2018 e 2019, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários, que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente a estes anos.
    6. Relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram igualmente objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de IMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efetivamente devido.
    7. Nos terrenos para construção elencados nas tabelas juntas como Documento 5, a desconsideração dos coeficientes acima mencionados traduz‐se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários destes terrenos, e, consequentemente, da (futura) coleta de IMI sobre os mesmos.
    8. Pese embora a AT tenha corrigido, recentemente, a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários de alguns dos terrenos para construção detidos pela Requerente, a mesma não procedeu à total revisão das liquidações de IMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos referidos imóveis.
    9. Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, consoante demonstrado pelas tabelas expostas no Documento 5, afigura‐se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto.
    10. Defende que os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice.
    11. E conforme o disposto na redação conferida ao n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI que se encontrava em vigor em 2016, 2017, 2018 e 2019, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” – tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter‐ se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
    12. Neste contexto, defende que os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos nos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.
    13. Conclui a Requerente, peticionado a anulação dos atos tributários por serem manifestamente ilegais.

D - Da Resposta Da Requerida

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
    1. A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT).
    2. Aos atos impugnados não é imputado qualquer vicio específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
    3. O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.
    4. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
    5. Mais alega que não esta legalmente prevista a revisão oficiosa de atos de fixação do valor patrimonial Tributário, pugnando pela inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais
    6. Defende a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado em 23 de setembro de 2021, por entender que o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é de três anos posteriores ao do ato tributário, previsto no nº 4 do artigo 78.º da  Lei Geral Tributaria.
    7. Alega que sobre a consolidação do ato tributário que determinou o VPT, não tendo a  Requerente  colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
    8. Alega sob a impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI por vícios na fixação do VPT, que os vícios da fixação do VPT, não  são sindicáveis na analise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em  sede de impugnação do ato de liquidação.
    9. Termina a Requerida defendendo que deve o presente pedido de pronuncia arbitral ser julgado improcedente, por não provado, e consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos, com as devidas consequências legais.

E- Fundamentação De Facto

  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
  2. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, bem como exploração de hotéis com restaurante.
  3. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI:
  1. Liquidação com o n.º 2016..., referente ao ano de 2016;
  2. Liquidação com o n.º 2016..., referente ao ano de 2016;
  3. Liquidação com o n.º 2016..., referente ao ano de 2016;
  4. Liquidação com o n.º 2017..., referente ao ano de 2017;
  5. Liquidação com o n.º 2017..., referente ao ano de 2017;
  6. Liquidação com o n.º 2017..., referente ao ano de 2017;
  7. Liquidação com o n.º 2018..., referente ao ano de 2018;
  8. Liquidação com o n.º 2018..., referente ao ano de 2018;
  9. Liquidação com o n.º 2018..., referente ao ano de 2018;
  10. Liquidação com o n.º 2019..., referente ao ano de 2019;
  11. Liquidação com o n.º 2019..., referente ao ano de 2019;
  12. Liquidação com o n.º 2019..., referente ao ano de 2019;
  1. A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI supra identificadas.
  2. A Requerente apresentou, em 23.09.2021, pedido de revisão oficiosa contra essas liquidações, não tendo a Requerente sido notificada de qualquer projeto de decisão da revisão oficiosa apresentada, e em 23.01.2022 formou-se a presunção de indeferimento tácito da revisão oficiosa apresentada.

F- Factos Não Provados

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G -  Questões Decidendas

  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentados, constituem questões centrais a dirimir:
    1. A declaração de ilegalidade parcial dos atos tributários de liquidação, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, (“IMI”) n.º 2016..., 2016..., 2016... 2017..., 2017..., 2017... 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., referentes aos anos de 2016, 2017, 2018, e 2019, no valor total de 14.100,82€.
    2. Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
    3. E a titulo subsidiário, seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei for‐ mal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos pronta‐ mente anulados, com todas as consequências legais
  2. Peticionado pela Requerida:

iv.        A exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI por vícios na fixação do VPT;

v.         Da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

H.        DAS EXCEÇÕES

Da (in)competência material do Tribunal Arbitral e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI por vícios na fixação do VPT;

  1. Sintetizadas as posições das partes, cumpre sublinhar que, no caso sub judice, importa decidir da impugnabilidade da decisão de indeferimento tácito relativa a um pedido de revisão oficiosa, estando em causa a admissibilidade de impugnabilidade indireta, através de um pedido de revisão oficiosa, das Liquidações Contestadas com fundamento em erro no cálculo do VPT.
  2. Questão diferente, e fora do âmbito to presente processo arbitral, é a relativa à impugnabilidade direta de atos de liquidação de IMI com fundamento em erro no cálculo do VPT, a que se refere o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 27.4.2010, no processo n.º 03586/09, e no Acórdão de 12.2.2008, no processo n.º 02125/07. Esta distinção é reconhecida na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2021, de 15.2.2022, na qual se pode ler:

“São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.”

  1. No caso em apreço, a questão decidenda é a de saber se é admissível a revisão de atos de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT em que se baseiam (nos termos do artigo 78.º da LGT), ou dito de outra forma: se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo. Neste contexto, importa atentar ao disposto nas seguintes disposições legais:

Artigo 78.º da LGT

Revisão dos actos tributários

    “1 — A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)

    4 — O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

    5 — Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.(…)”

Artigo 115.º do Código do IMI

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

    1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

    (…)
    c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; (…)”

  1. Previamente a passarmos a uma análise mais detalhada da questão decidenda acima enunciada, temos de referir que, ainda que por vias e mecanismos diversos, os tribunais têm vindo a anular atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, juntamente com os correspondentes atos de liquidação, com fundamento na errónea fixação do VPT (a título de exemplo: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.10.2019, no processo n.º 2765/12.BELRS; Decisão Arbitral de 10.5.2021, no processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 10.5.2021, no processo n.º 254/2021-T; Decisão do Tribunal Arbitral de 24.6.2021, no processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral de 27.7.2021, no processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral de 10.12.2021, no processo n.º 253/2021-T; Decisão Arbitral de 15.2.2022, no processo n.º 676/2021; Decisão de 14.3.2022, no processo n.º 541/2021-T).
  2. Para efeitos de análise da dita questão decidenda, importa distinguir entre (i) a questão de saber se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo, e (ii) a questão de saber em que condições e limite temporal será de admitir tal pedido de revisão oficiosa.
  1. Pode o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo?
  1. Relativamente a esta primeira questão e atendendo à posição das partes, afigura-se-nos importante salientar que a exceção ao princípio da impugnação unitária contido no artigo 54.º do CPPT aplicável a “atos destacáveis” (ou seja, a atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, são direta e autonomamente impugnáveis pelo contribuinte por tal resultar expressamente da lei)[1] foi criada com o objetivo de concretizar e ampliar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP) , e não de limitar ou restringir o mesmo.
  2. A consideração dos atos de fixação do VPT como “atos destacáveis” tem uma razão de ser: evitar a necessidade de o sujeito passivo ter de impugnar, sucessivamente, ao longo dos anos, cada uma das liquidações neles baseadas (cfr. Decisão Arbitral de 14.3.2022, no processo n.º 541/2021-T). Todavia, como se pode ler no texto do artigo 54.º do CPPT, do mesmo não resulta qualquer limitação para a impugnabilidade da decisão final (no caso em apreço, atos de liquidação de IMI) com fundamento em ilegalidade de ato interlocutório (no caso em apreço, atos de fixação de VPT):

“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

  1. Desta norma resulta apenas e tão só que (a) em regra, os atos interlocutórios não são impugnáveis autonomamente e que os vícios dos mesmos poderem ser invocados na impugnação da decisão final, e (b) a título excecional, os atos interlocutórios podem ser impugnados autonomamente. Os atos de fixação de VPT caem nesta exceção por força do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT (em sintonia com o artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
  2. Assim, não é controvertida a questão de saber se os atos de fixação de VPT constituem “atos destacáveis”, ou se são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma. Os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT são claros a este respeito. A questão relevante para o caso sub judice é a de saber se estas disposições, ao estabelecer que os atos de fixação de VPT são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma, têm o efeito de (1) precludir a possibilidade de o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo (caso em que a impugnação autónoma dos atos de fixação de VPT se torna num verdadeiro ónus), ou (2) conferir ao sujeito passivo a possibilidade de impugnar os atos de fixação de VPT de forma autónoma, a que acresce a possibilidade de posteriormente contestar a validade das liquidações baseadas no VPT erradamente fixado através de pedido de revisão oficiosa.
  3. Quanto a esta questão,  os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT (as normas que permitem a impugnação autónoma dos atos de fixação do VPT) devem ser entendidos, não como uma restrição às garantias dos contribuintes, ou como um ónus sobre o sujeito passivo, o que seria a consequência da posição manifestada pela Requerida, mas antes como uma ampliação dessas garantias, uma ampliação materializada no reconhecimento aos contribuintes de uma defesa adicional contra um ato ilegal (no mesmo sentido: Decisão Arbitral de 2.7.2021, no processo 760/2020-T).
  4. Por um lado, interessa salientar que a interpretação contrária (subscrita pela Requerida) não resulta expressamente na lei processual e seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
  5. Por outro lado, parece-nos que a interpretação da lei processual subscrita pela Requerida ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). A este respeito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29.9.2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.
  6. Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[2]

“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[3]

“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [4]

  1. Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido dos mesmos deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.11.2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:

“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

  1. Temos que o princípio da segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo do artigo 78.º da LGT). Tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
  2. Num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT. A estabilidade na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça é a de permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis ao sujeito passivo nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP).
  3. À luz de todas estas considerações, temos que o princípio da legalidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da justiça ínsitos na nossa Constituição impõem afastar a interpretação do artigo 54.º do CPPT, conjugado com o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual a possibilidade de impugnação autónoma e imediata dos atos de fixação de VPT (enquanto “atos destacáveis”) constituiria um ónus cujo incumprimento inviabilizaria o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas posteriormente, com fundamento em erro no cálculo do VPT que serviu de base às mesmas liquidações.
  4. Conclui-se, assim, que o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo, e que o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa faz nascer na esfera jurídica do sujeito passivo o direito a impugnar o indeferimento e que o pedido de pronúncia arbitral constitui meio adequado para o efeito.
  1. Em que condições e limite temporal será de admitir um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT?
  1. Tal como resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e das Decisões Arbitrais referidas supra, a jurisprudência mais recente tem vindo a confirmar a admissibilidade da sindicância da ilegalidade de atos de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT, por via de pedido de revisão oficiosa.
  2.  Para a Requerente, a impugnação das Liquidações Contestadas deverá ser admitida ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, no prazo de quatro anos, para a Requerida, a impugnação das Liquidações Contestadas deverá ser admitida ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, no prazo de três anos.
  3. A este respeito, temos que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais dos mecanismos invocados pelas partes, os princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, temos que se deverá optar por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo sujeito passivo.
  4. Assim, entendemos ser de reconhecer à Requerente o direito de apresentar um pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamento na incorreta fixação dos VPTs dos terrenos em construção identificados supra, ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, por erro imputável à AT no âmbito do procedimento de fixação dos VPTs em causa. Esta posição foi, aliás, acolhida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão proferido no processo n.º 2765/12.BELRS, em 31.10.2019, que parcialmente se transcreve:

“É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.

Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.

Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].

Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. (...)

A fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.

A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).

Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.

Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.

Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.

Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.

Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.

É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.

O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.

O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

  1. A mesma posição foi também acolhida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 297/2021-T, por Decisão de 22.2.2022, na qual se pode ler:

“O ato de fixação do VPT é regulado no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).

Importa, contudo, saber se o condicionamento da impugnação ao esgotamento dos meios graciosos tem como consequência a consolidação das liquidações efetuadas ao abrigo desse VPT, isto é, a impossibilidade (jurídica) de estas serem alteradas com fundamento no VPT (só o podendo ser as geradas depois da alteração do VPT, com efeitos apenas para o futuro). Antecipamos já uma resposta negativa a esta questão, com os fundamentos que se aduzem de seguida.

Em primeiro lugar, recordam-se as palavras do TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT. (...)

Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.

Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI2 - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”, porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. (...)

Efetivamente a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que a Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coordena com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral pois mesmo relativamente aos atos praticados em 2016 (referentes ao ano de 2015), o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no ano de 2020 (…)”

  1. Também no sentido da aplicação do n.º 1 do artigo 78.º da LGT temos Decisões Arbitrais de 24.6.2021, proferida no processo n.º 500/2020-T, e de 9.3.2022, proferida no processo n.º 540/2021-T.
  2. À luz da jurisprudência indicada, cumpre apenas referir que, no caso sub judice, caso se determine que o VPT foi fixado pela AT de forma incorreta, tal erro será de imputar à AT, que não alegou nem logrou provar que a Requerente declarou algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção identificados supra.
  3. Conclui-se, assim, que é admissível, nos termos dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas apresentado pela Requerente com fundamento em vícios de fixação do VPT, bem como o PPA do indeferimento tácito que se formou sobre o mesmo.
  4. Nestes termos, improcede a exceção invocada pela Requerida relativa à inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com base em vícios na fixação do VPT.

 

 

Da (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa

  1. A Requerida fundamenta a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, defendendo que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos terrenos para construção só seria possível através do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, que se refere à revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção, por via da respetiva avaliação. O n.º 4 do artigo 78º da LGT determina que o pedido tenha que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, o que no presente caso não aconteceu no que respeita às liquidações impugnadas do ano de 2016, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 23 de setembro de 2021.
  2. Já a Requerente considera, que, o pedido de revisão oficiosa apresentado visava, não a análise da legalidade da fixação do VPT dos terrenos para construção, mas antes das liquidações de IMI e, por outro lado, é plenamente atendível o recurso à via da revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, dado que a liquidação deriva de um erro imputável aos serviços.
  3. Efetivamente, e quanto ao invocado pela Requerida, considera o Tribunal, conforme ficou referido no ponto anterior, que o prazo de revisão oficiosa aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os atos de liquidação do IMI, ainda que com base em erro de direito quanto à fixação da matéria tributável.
  4. Conclui-se, assim, que o pedido de revisão foi tempestivo, incluindo para as liquidações relativas ao IMI de 2016, dado que foi apresentado a 23.09.2021, não dando assim provimento à exceção invocada pela Requerida.
  5. Por último, cumpre voltar a referir que, tendo a Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em 23 de setembro de 2021, e o indeferimento do mesmo se ter presumido em 23.01.2022 (face do disposto no artigo 57º, nºs 1 e 5 da LGT), foi tempestivo o pedido de constituição deste Tribunal e o PPA apresentados no dia 03-02-2022, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

Exceção dilatória inominada - ilegalidade do pedido subsidiário apresentado pela Requerente.

No Pedido de pronuncia arbitral apresentado a este Tribunal, a Requerente requerer seja  declarada  a  legalidade  do  pedido  de  revisão  oficiosa

e declarada a ilegalidade do indeferimento, a anulação parcial das liquidações do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) já identificados, referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, com fundamento no erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como o reembolso do imposto pago acrescido de pagamento de juros indemnizatórios, e subsidiariamente seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída  do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação  do  facto  tributário,  no  sentido  de  que  os  coeficientes  de  avaliação  consagrados  no  artigo  38.º  do  mesmo  compêndio  legal  deveriam  ter  aplicação  na  determinação  do  VPT  de   terrenos  para  construção,  por  manifesta  inconstitucionalidade,  por  violação  do  princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal,  ínsito  na  alínea  i)  do  n.º  1  do  artigo  165.º  e  no  n.º  2  do  artigo  103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade  dos  actos  tributários  de  liquidação  de  IMI  sub  judice,  porque  assentes  em  normas  inconstitucionais,  sendo  os  mesmos  prontamente anulados, com todas as consequências legais.

  1. Sucede que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, é limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Assim, refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

  1. Deste modo, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competência para desaplicar ou alterar a aplicação das avaliações em sede de IMI, tem apenas como refere a norma, competência para a “declaração de ilegalidade de actos”.
  2. Procede, assim, a exceção dilatória inominada de ilegalidade do pedido subsidiário  peticionado pela Requerente.

 

I - Matéria De Direito

  1. A questão decidenda, perante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, consiste em determinar, para efeitos do regime de IMI, se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação e de localização a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.
  2. A Requerente em suma alega que, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto.
  3. A Requerida, contra-alega, o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação. Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,
  4. Neste sentido, compete determinar se os coeficientes de qualidade, conforto, afetação e localização, previstos nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), eram aplicáveis na determinação do VPT dos prédios classificados como “terrenos para construção”.
  5. Iniciaremos pela análise do quadro jurídico em sede de IMI, para o que se impõe convocar as seguintes normas do Código do IMI, na redação à data dos factos e nos segmentos a que aqui importa atentar.
  6. Da análise do quadro legal aplicável, em concreto, as normas previstas nos artigos 39º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redações da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), para o que aqui interessa, estabelecem o seguinte:

Artigo 39.º

Valor base dos prédios edificados

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.

(...)

Artigo 41.º

Coeficiente de afectação

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

(...)

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

  1. Face ao regime legal gizado, dispõe o artigo 38.º do Código do IMI, uma fórmula geral de avaliação dos prédios urbanos, em que são especificamente considerados, designadamente, os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto.
  2. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
  3. Sobre a questão submetida a apreciação, existe abundante jurisprudência que se seguirá de perto, temos presente, em particular, as decisões do STA, em concreto, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Pleno do STA, de 3 de julho de 2019 proferido no processo n.º 016/10.9BELLE, e de 21 de setembro de 2016 proferido no processo n.º 01083/13, que subscrevemos.
  4. No mesmo sentido existem várias decisões do CAAD, relevamos as proferidas nos processos nº 41/2021-T; n.º 760/2020-T, n.º 487/2020-T, 485/2020-T, 483/2020-T, que acolhemos.
  5. A jurisprudência consolidada do STA aponta, no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do CIMI.
  6. Assim, bastará considerar o que o Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA, no proc. 016/10, de 03/07/2019 decidiu: na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.
  7. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo tem apontado nesse sentido, designadamente, que:“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as caraterísticas de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, mas não outras caraterísticas ou coeficientes”.

“O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador contido na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.

 “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto (Cl).” .

  1. Este entendimento encontra-se igualmente acolhido em outros acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos seguintes:

– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);

– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).

– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»

– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

  1. Por conseguinte, não se encontra uma razão válida para dissentir do assim decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o que leva a concluir que, também no caso concreto, a utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.
  2. Afastada assim a aplicação dos coeficientes previstos no art. 38º do CIMI, merece, todavia, especial referência a questão da localização, pois a consideração desta característica dos prédios está prevista quer no art. 45º quer no 38º, do CIMI.
  3. Concordamos com a jurisprudência, que cremos ser pacífica, segundo a qual na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação autónoma do coeficiente de localização previsto no art. 38º do CIMI, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI. De outro modo, o fator localização relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção.
  4. É de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação
  5. Pelos motivos anteriormente expostos, julga-se procedente o de anulação das liquidações de IMI,  concluindo pela ilegalidade dos atos de liquidação, por enfermarem de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito.

I - Dos Juros Indemnizatórios

  1. A Requerente pede, ainda, que a Requerida seja condenada a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.
  2. Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
  3. Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
  4. Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT, artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

J - Vícios de conhecimento prejudicado

  1. Face à solução a que se chega, no plano do direito infraconstitucional, fica prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada pela Requerente.

 

L - Decisão

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente as exceções suscitadas pela Requerida.
  2. Julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente de declaração parcial de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, em sede Imposto Municipal sobre Imóveis, (“IMI”) n.º 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017... 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., referente aos anos de 2016, 2017, 2018, e 2019, no valor total de 14.100,82€.
  3. Julgar improcedente o pedido subsidiário da Requerente.
  4. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT.

 

M. Valor Do Processo, Custas

Fixa-se o valor do processo em € 14.100,82 (quatorze mil e cem euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 918,00€ (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 12.º do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, n.º 1, al. a) do art.º 5.º do RCPT, n.º 1, al. a) do 97.º-A, do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique-se.

Lisboa, 21 de Junho de 2022.

A Árbitra

Rita Guerra Alves

 

 



[1] Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – vol I (5ª edição, Áreas Editora 2006), página 424 (anotação ao artigo 54º do CPPT).

[2] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000), página 256.

[3] ibid, página 264.

[4] ibid, página 265.