Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 55/2019-T
Data da decisão: 2019-07-10  IRS  
Valor do pedido: € 6.334,78
Tema: IRS – Mais-Valias – Residente em Estado Membro da UE.
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DECISÃO ARBITRAL

   

I– RELATÓRIO



 

 

 

 

  1. A..., NIF[1]..., com domicílio na Rue ..., ..., ... ..., França, apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral e consequente pronúncia, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a ATA[3], contra a liquidação de IRS[4] n.º 2018..., datada de 14.09.2018, no valor de € 11 691.56 de imposto e correspondentes juros compensatórios, relativa ao ano de 2015, emitida pelo ... Serviço de Finanças de Lisboa, que o requerente considera ilegal, solicitando a sua anulação parcial, nos termos e fundamentos constantes na respetiva petição.
  2. O pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5], em 28/01/2019, notificado à ATA na mesma data.
  3. Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi em 15/02/2019, designado árbitro o licenciado Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
  4. O Tribunal foi constituído em 04/04/2019, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  5. Com o seu pedido, como já se disse, visa o requerente a anulação parcial da aludida liquidação no montante de € 6 334,78, sendo que € 5 356,77 corresponde a IRS indevido e € 978,01 a juros compensatórios, valor que deverá ser acrescido de juros indemnizatórios, contabilizados sobre o referido valor (€ 6.334,78), desde a data do respetivo pagamento (23.10.2018) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva de 4%,por força da aplicação dos artigos 43º, n°s 1 e 4 e do artigo 35.º, n.º 10, todos, da LGT[6], assim como do artigo 61.º do CPPT[7].

 

  1. Suporta o seu ponto de vista, em síntese; no entendimento de que sendo um não residente, domiciliado num Estado-membro da União Europeia, foi tributado com uma carga fiscal superior àquela que é aplicada aos sujeitos passivo residentes (que beneficiam da limitação prevista no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS[8]), encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.
  2. Ao proceder assim a ATA violou o Direito da União Europeia, em particular, a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE[9], constituindo uma discriminação injustificada, sendo, nesta medida, ilegal a liquidação em causa.
  3. Entende que a ATA, ao escudar-se no regime opcional de equiparação dos não residentes aos residentes, previsto nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º do CIRS não elimina o carater discriminatório do n.º 2 do artigo 43.º do mesmo Código, nem a ilegalidade da referida liquidação, na verdade a referida opção apenas permite a um contribuinte não residente escolher um regime fiscal menos discriminatório, mas que não deixa de o ser.
  4. Cita jurisprudência do TJUE[10], do STA[11] e dos Tribunais constituídos no âmbito do CAAD, cujas decisões vão no sentido por si propugnado da liquidação em causa violar o direito europeu, devendo ser parcialmente anulada nos montantes já referidos.
  5. Termina a pedir a condenação da requerida na restituição do valor indevidamente pago de € 6.334,78, acompanhado do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa de 4%, desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento da liquidação n.º 2018 ... (23.10.2018), até ao integral pagamento do montante que deva ser reembolsado.
  6. Por sua vez a ATA, e também síntese, considera que o pedido não pode obter provimento, face à alteração do artigo 72.º do CIRS, efetuada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, nomeadamente o aditamento dos n.ºs 7 (atual n.º 9) e 8 (atual n.º 10).
  7. Na verdade, o quadro legal aplicável aos rendimentos em questão no ano de 2015, bem como a obrigação declarativa, diverge daquele que existia à data do Acórdão C-443/06 do TJUE, invocado pelo requerente, uma vez que o legislador nacional, como já se viu, operou à adaptação do direito nacional ao direito europeu.
  8. Salienta, que por força dessa alteração legislativa, as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 (em vigor a partir de Janeiro de 2009) e seguintes, mais concretamente o Modelo 3, têm um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68º do CIRS e, consultada a declaração Modelo 3 de IRS entregue em nome do Requerente (relativa ao ano fiscal de 2015), verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
  9. Para que pudesse ser tributado pela taxa do artigo 68°, ou seja, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68° do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro) o que não fez e assim não lhe é aplicável o nº 2 do artigo 43° do CIRS.
  10. Por último considera que em face da jurisprudência por si invocada, não há suporte para aceitar o entendimento do Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados, suspendendo-se a instância até à sua decisão a estabelecer a interpretação vinculante sobre a matéria.

 

 

II - SANEAMENTO

 

 

O Tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Junta a resposta da requerida, o Tribunal proferiu, em 20/05/2019, o seguinte despacho: ” Na resposta da requerida é manifestada a desnecessidade da inquirição de testemunhas e da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, pelo que o Tribunal decide que a requerente se pronuncie, em 10 dias, querendo, sobre as referidas propostas. Notifique”

O requerente apresentou requerimento em 30/05/2019 no qual não se opunha à dispensa da produção da prova testemunhal e admitindo como possível também a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, exerceu o seu direito de contraditório ao pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.

Na mesma data o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Vistos os autos:

- Acolhe-se a unanimidade das partes quanto à dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

- Considerando clara a lei comunitária que, conjuntamente com a jurisprudência do TJUE sobre matéria, se dispensa a necessidade de reenvio prejudicial;

- Os autos prosseguem com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, iniciando-se, com a notificação do presente despacho, o prazo para alegações do requerente e com a notificação da apresentação das mesmas, o prazo para alegações da requerida;

-Indica-se o dia 10/07/2019 para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data o requerente fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

Notifique”.

A requerente produziu alegações escritas, conforme requerimento de 12 de Junho último que se limita a repetir e sustentar o ponto de vista constante na petição.

A requerida, em requerimento de 17 do referido mês de junho, apresentou as suas alegações, remetendo para a resposta oportunamente apresentada, por concluir que o requerente, nas alegações produzidas, manteve o sentido e argumentação da petição.

Não havendo outras formalidades a cumprir e não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

 

  1. – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

O tribunal tem que decidir se, a liquidação posta em crise deverá ser anulada parcialmente por ilegal nos termos aduzidos pelo requerente com o consequente pagamento de juros indemnizatórios, ou, se pelo contrário, deverá ser mantida na ordem jurídica, por não sofrer de qualquer ilegalidade, como pretende a requerida.

 

 

 

  1. - Matéria de Facto

 

  1. O ato tributário em causa respeita à tributação de rendimentos de Mais-Valias obtidos em Portugal, conforme liquidação de IRS nº 2018..., datada de 14.09.2018, referente ao período de 2015, emitida pela ATA, no valor global de € 11.691,56, sendo € 10 713,55 de imposto e € 978,01 de juros compensatórios, valor pago em 23/10/2018.
  2. O requerente tinha, ao tempo, residência fiscal em França, em concreto na Rue ..., ..., ... ...
  3. A mais-valia apurada resultou da alienação do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo urbano nº... da União de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Braga, conforme escritura de 03 de Dezembro de 2015, por ele adquirido pelo preço de € 12.469,95 no ano de 1990.
  4. A mais – valia foi de € 38 262,68, apurada como se segue:  

Aquisição

Coeficiente de correção, calculado nos termos da Portaria 400/2015

Valor corrigido

Venda

Encargos

Mais-Valia Fiscal

12.469,95 €

                       2,22

€ 27.683,28

€ 75.000,00

9.054,03 €

38.262,68 €

 

  1.  Esta mais-valia foi o único rendimento declarado em Portugal, após notificação da requerida para apresentar a respetiva declaração modelo 3 de IRS, sendo os restantes rendimentos do requerente obtidos e declarados em França.
  2. O apuramento do imposto foi sobre a totalidade da Mais-valia apurada, sem ter em conta o regime de exclusão de tributação de 50% previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, apurando-se o imposto e juros compensatórios já referidos, no valor global de € 11 691,56 pago em 23/10/2018.
  3. O Requerente optou pela tributação autónoma dos rendimentos da categoria G, uma vez que não exerceu a opção pelo englobamento dos mesmos, tendo no quadro 8 B do Modelo 3 assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes.

Esta é a matéria de facto que o Tribunal selecionou, considerou provada e pertinente para a decisão da causa que resulta dos elementos juntos aos autos pelas partes e por elas aceites, tendo a requerida declarado que a não junção do Processo Administrativo se deve ao facto de não existir.

Não consideramos a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como não provados.

 

 

3- Matéria de Direito

 

 

3.1 – Da legalidade da liquidação

 

 

Resulta da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, entre outros, da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. O nº 4 do mesmo normativo estipula que o ganho sujeito a tributação corresponde à diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição sendo que este é corrigido pela aplicação do coeficiente de desvalorização monetária, acrescido dos encargos e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel, conforme artigos 50.º e 51.º do CIRS.

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, estipulando o seu nº 2 que esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor, no caso de transmissões efetuadas por residentes (redação anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro).

Ainda quanto a estes, sobre esse valor, incidem as taxas gerais previstas no artigo 68º do CIRS. Diferente é a situação para os não residentes em território português, o artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prevê a aplicação de uma taxa autónoma especial de 28%, aplicável à totalidade das mais-valias.

O artigo 63.º do TFUE estabelece a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais e pagamentos entre Estado Membros e entre estes e países terceiros, conforme redação que se transcreve: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movi­mentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos paga­mentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.

 

Ao abrigo desta disposição o TJUE considerou incompatível com o Direito da União Europeia, o regime instituído pelo nº 1 do artigo 72º do CIRS, na redação anterior à Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro, por o considerar contrário à livre circulação de capitais, conforme Acórdão C - 443/06.

Já vimos, ainda que sucintamente a posição das partes, tendo a requerida suscitado a questão do reenvio prejudicial e a suspensão dos autos até decisão, tendo o requerente considerado desnecessário o reenvio prejudicial, uma vez que a jurisprudência do TJUE é clara no sentido de considerar discriminatório o tratamento dado aos não residentes, em relação aos residentes no que concerne a esta matéria. O Tribunal, no saneador, também entendeu ser clara a lei comunitária que, conjuntamente com a jurisprudência do TJUE sobre a matéria, considerou dispensável o reenvio prejudicial.

Vamos apreciar a questão do reenvio suscitado pela requerida aderindo ao decidido no Processo 600/2018 do CAAD, que, com a devida vénia, transcrevemos, na parte que consideramos aplicável à situação em apreço.

Transcrição:

“O TJUE considerou incompatível o com o Direito da União, por se tratar de um tratamento diferenciado incompatível com a livre circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (anterior artigo 56.º), o regime do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, no processo C-443/06, acórdão de 11-10-2007, Hollmann versus Fazenda Pública, por tributar as mais-valias de contribuintes não residentes a uma taxa fixa (em 2017, de 28 %), enquanto os residentes estão sujeitos a um imposto progressivo sobre o rendimento. Nesse acórdão entendeu-se que é incompatível com a norma que assegura aquela liberdade de circulação de capitais um regime que «sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel». Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais‑valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado‑Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais‑valias realizadas por um residente naquele Estado‑Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia». No entanto, esta última decisão foi também proferida tendo como pressuposto a redacção do artigo 72.º introduzida pela Lei n.º 109‑B/2001,de 27 de Dezembro, anterior à Lei n.º 67-A/2007.Assim, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, não há jurisprudência específica do TJUE sobre a compatibilidade do regime introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, nos n.ºs 7 e 8 do CIRS com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. No entanto, o TJUE entendeu naquele acórdão do processo C-443/06, que o essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir «um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de mais‑valias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável» (§ 54).Na mesma linha, decidiu o TJUE no acórdão de 19-11-2015, processo C-632/13 (Skatteverket contra Hilkka Hirvonen) que «a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21.º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeitos a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhes são assimiladas, cuja situação seja comparável à sua». Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado. O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo. (…)

Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. Foi este regime negativamente discriminatório para os não residentes que foi aplicado nas liquidações impugnadas. O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes. Para além disso, na linha do que entendeu o TJUE no acórdão de 18-03-2010, processo C-440/08 (F. Gielen contra Staatssecretaris van Financiën), a propósito de uma questão paralela de eventual relevância da possibilidade de opção de afastamento de um regime discriminatório (no caso relativamente ao artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), a conclusão de que ocorre incompatibilidade «não é posta em causa pelo argumento de que os contribuintes não residentes podem optar pela equiparação, que lhes permite escolher entre o regime discriminatório e o regime aplicável aos residentes, dado que essa opção não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.º TFUE em razão do seu carácter discriminatório. Por outro lado, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. Decorre do exposto que a escolha concedida ao contribuinte não residente através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação». No mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 28-02-2013, processo C-168/11:62Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation,C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.

Ainda no mesmo sentido se pronunciou o TJUE no acórdão de 08-06-2016, processo C-479/14:42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28defevereiro de 2013, Beker,C-168/11,EU:C:2013:117, n.º62 e jurisprudência referida). É à luz desta jurisprudência que há que apreciar a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de reenvio prejudicial. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia. E, quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial.

No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro). No caso em apreço, conclui-se com segurança da reiterada jurisprudência do TJUE que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não é sanada pela possibilidade do seu afastamento, o que dispensa a necessidade de reenvio prejudicial. Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no recente acórdão de 20-02-2019, processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, sem aventar a necessidade de reenvio, concluiu pela ilegalidade do regime que resulta da conjugação do artigo 43.º, n.º 2, com o artigo 72.º do CIRS, relativamente a uma situação em que as mais-valias foram realizadas em 2010, portanto já na vigência da Lei n.º 67-A/2007”.

Como se verifica do Acórdão a que aderimos e da jurisprudência do TJUE sobre esta matéria, concluímos que a ilegalidade da aplicação do regime discriminatório não fica sanada pela possibilidade que é dada para o seu afastamento, sendo essa constatação evidente para o Tribunal que considerou desnecessário o reenvio prejudicial.

Nesta perspetiva consideramos parcialmente ilegal a liquidação aqui posta em crise por violação do direito comunitário, na parte em que afasta os não residentes, domiciliados num Estado Membro, da possibilidade de usufruírem das disposições contidas no nº 2 do artigo 43º do CIRS, considerando-se indevidamente cobrado o valor de IRS € 5 356,77.

 Os juros compensatórios a devolver no montante de € 489,00, correspondem ao montante do valor do IRS indevidamente cobrado e não à sua totalidade como pretende o requerente, cifrando-se assim o valor global a devolver ao requerente de € 5 845,77 (€ 5 356,77 de IRS e € 489,00 de Juros compensatórios).

 

3.2 – Do pagamento de juros indemnizatórios

 

  O requerente pede o reembolso do valor indevidamente pago de € 6 334,78, acrescido de juros indemnizatórios, valor que o Tribunal reduziu para € 5 845,77, pelos motivos antes expostos.

Tendo em conta as disposições contidas na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT, o que está em sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, está a ATA obrigada a repor a legalidade que compreende o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

Nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

Considerando que o nº 5 do artigo 24º do RJAT, dispõe que é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT, leva-nos a concluir que se permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, enfermando a liquidação de vício de violação de lei, facto que é imputável à ATA que a efetuou, tem o requerente direito ao reembolso do IRS e juros compensatórios indevidamente pagos, no montante de € 5 845,77, e também de juros indemnizatórios calculados à taxa legal sobre o referido valor, contados desde a data do pagamento, até à data do seu reembolso.

 

    

 

IV – DECISÃO

 

 

 

Face ao exposto, o tribunal decide:

 

  1. Declarar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente com a consequentemente devolução do IRS e juros compensatórios correspondentes no valor global de € 5 845,77 acrescido do montante de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à data do reembolso.
  2. Fixar o valor do Processo em € 6.334,78, considerando as disposições contidas nos artigos 299º nº 1 do CPC[12], 97-A do CPPT e 3º nº 2 do RCPAT[13].
  3. Fixar as custas, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, sendo € 564,76 a cargo da requerida e € 47,24 a cargo do requerente, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT.

Notifique.

Lisboa, 10 de Julho de 2019

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O Árbitro,

 

 

Arlindo Francisco

 

 

 



[1] Acrónimo de número de identificação fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[7] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[8] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares

[9] Acrónimo de Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

[10] Acrónimo de Tribunal Judicial da União Europeia

[11] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[12] Acrónimo de Código de Processo Civil

[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária