Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 553/2014-T
Data da decisão: 2015-03-30  Selo  
Valor do pedido: € 27.173,23
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I.            RELATÓRIO

A…, com sede na Rua …, n.º …, …-… Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação de dois actos tributários de liquidação de Imposto do Selo (IS), referentes ao ano de 2012, no montante global de € 27.173,23, bem como a condenação da AT no reconhecimento do direito da Requerente à indemnização pelos encargos a suportar com a constituição de garantia. 

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)     A Requerente foi notificada das notas de liquidação respeitantes a Imposto do Selo, referentes ao ano de 2012;

b)     As liquidações a que se alude na alínea anterior dizem respeito a terrenos para construção da propriedade da Requerente, sitos no Concelho de Amadora, Freguesia da …;

c)     Tais liquidações foram efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS);

d)     Nos termos e para os efeitos do disposto nesta verba são três os elementos que constituem o facto tributário: a propriedade, o usufruto ou o direito de superfície sobre os prédios urbanos; a afectação habitacional desses prédios e o seu valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00;

e)   Os imóveis objecto de liquidação não têm afectação habitacional, pelo que falha um dos pressupostos inerentes ao facto tributário verificado;

f)      Os terrenos para construção consubstanciam uma espécie de prédios distinta dos prédios tipificados como habitacionais;

g)     Os terrenos para construção, sobre cuja propriedade incidiram as liquidações de Imposto do Selo em crise, não cabem na previsão da verba 28.1 da TGIS;

h)     A liquidação em causa é ilegal, por violação do disposto naquela verba, e inconstitucional, por violação dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da igualdade.

 

A Requerente juntou três (3) documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 02 de Outubro de 2014.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando em síntese serem, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao IS, os terrenos para construção equiparáveis aos prédios com afectação habitacional.

Conclui peticionando a improcedência do pedido e, consequentemente, a manutenção dos actos de liquidação em crise.

A Requerida não juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado qualquer testemunha.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

II.            QUESTÕES A DECIDIR:

Nos presentes autos as questões a decidir são:

a)     Determinar se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, um terreno para construção é considerado como um prédio com afectação habitacional;

b)     Determinar se se verificam os requisitos legais necessários ao reconhecimento do direito da Requerente a ser indemnizada pelos encargos a suportar com a prestação de garantia com vista à suspensão de processos de execução fiscal.

 

III.            MATÉRIA DE FACTO:

a.       Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.              Encontram-se inscritos na matriz a favor da Requerente: i) o prédio urbano sito na … e …, Lote …, …, freguesia de …, concelho da Amadora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …; e ii) o prédio urbano sito na Estação … e …, Lote …, …, freguesia de …, concelho da Amadora, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;

2.              Os prédios a que se alude em 1 são dois terrenos para construção, com o valor patrimonial tributário de, respectivamente, € 1.355.765,97 e € 1.361.557,03;

3.              Em 18/01/2014, a AT liquidou, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, imposto de selo sobre os dois imóveis a que se alude em 1, relativamente ao ano de 2012;

4.              A Requerente foi notificada das prestações únicas a pagar, no valor de, respectivamente, € 13.557,66 e € 13.615,57, do IS liquidado pela AT.

 

b.     Factos não provados:

Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.

 

c.        Fundamentação da matéria de facto:

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, cuja autenticidade e adesão à realidade não foi questionada pela Requerida.

 

IV.            SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade, não existindo excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

V.            DO DIREITO:

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

Invoca a Requerente que os terrenos para construção não podem considerar-se, para efeitos da sujeição a IS, como prédios com afectação habitacional.

No seu entendimento, a previsão da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS não permite qualquer interpretação extensiva, por forma a que os terrenos para construção se possam equiparar a prédios com afectação habitacional, não lhes sendo, por via disso, aplicável a indicada verba 28.1.

Em sentido contrário, alega a Requerida que os prédios sobre os quais recaem as liquidações impugnadas têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, não padecendo de nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Quanto à incidência objectiva, dispõe o número 1 do artigo 1.º do CIS que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral.

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou à TGIS, anexa ao CIS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redacção:

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”.

 

Dito isto,

Na verba 28.1 da TGIS aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, utilizou-se um conceito inovador, que não é utilizado por mais nenhuma legislação tributária: o conceito de prédio com afectação habitacional.

Nem no CIMI, indicado pela referida Lei n.º 55-A/2012 como diploma de aplicação subsidiária relativamente ao tributo introduzido pelo aditamento da verba 28 à TGIS, é utilizado qualquer conceito assim definido.

Com efeito, o CIMI define o conceito de prédio, define os vários tipos de prédios e identifica as espécies dos prédios urbanos.

 

Assim,

Nos termos do artigo 2.º do CIMI, “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico.”

Os prédios dividem-se em rústicos (artigo 3.º), urbanos (artigo 4.º) ou mistos (artigo 5.º), subdividindo-se os prédios urbanos em 4 espécies: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção e outros (artigo 6.º).

O número 3 do artigo 6.º do CIMI esclarece que se consideram terrenos para construção “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.”

Conjugados os indicados preceitos, verifica-se não existir, em nenhuma das indicadas normas, qualquer referência a prédio com afectação habitacional.

Pelo que, para se determinar o que seja um prédio com afectação habitacional terá de ser feito um exercício de interpretação, recorrendo às regras gerais de hermenêutica jurídica constantes do artigo 9.º do Código Civil.

Assim, a actividade interpretativa terá de começar pela análise da letra da lei, a qual constitui o limite da interpretação, não podendo considerar-se uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Ora, conforme resulta das disposições legais já citadas, o conceito de prédio com afectação habitacional é absolutamente inovador no CIS, não existindo em qualquer outra lei fiscal.

O conceito mais próximo é o de “prédio habitacional”, definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como sendo o edifício ou construção para tal licenciado ou, na falta de licença, que tenha como destino normal este fim.

A verdade, porém, é que o legislador, na verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS não utilizou a expressão “prédio habitacional” mas sim “prédio com afectação habitacional”.

Pelo que, partindo do princípio – que se tem como certo – de que o legislador se soube expressar em termos adequados, não poderá defender-se terem estas expressões distintas o mesmo significado. Ao invés, e por via da aplicação dos princípios consagrados nos números 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, tem necessariamente de se defender que, ao utilizar expressões distintas, o legislador pretendeu abarcar realidades diferentes.

Atentemos, pois, no vocábulo “afectação”, substantivo do verbo “afectar”.

Este conceito já foi exaustivamente analisado por diversa e douta jurisprudência proferida por este centro arbitral[1], pelo que nos dispensaremos de dissecar tal conceito, aceitando e defendendo consistir na acção de destinar alguma coisa a determinado uso.

Assim, prédio com “afectação habitacional” será aquele que se destina a habitação.

Aliás, a tal conclusão se chega igualmente através da reconstituição do pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada tal como imposto pelo indicado artigo 9.º do Código Civil.

Antes de mais, importa ter em consideração que a introdução desta verba 28 na TGIS aconteceu numa altura em que, havendo absoluta necessidade de fazer face à crise instalada, se impunha arrecadar o máximo de receita possível, o que se pretendia alcançar, designadamente, através da tributação dos imóveis ditos de “luxo”.

Pretendeu-se, pois, com a introdução da tributação prevista na verba 28 da TGIS, tributar a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos “de luxo”, com afectação habitacional.

Que apenas se incluem nesta nova tributação os prédios com afectação habitacional resulta de forma expressa da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 96/XII, na qual se refere que, com vista a reforçar o “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, o diploma legal a aprovar “alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Assim, pode ler-se ainda na referida Exposição de Motivos que é “criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros” (sublinhado nosso).

Já no âmbito da discussão na generalidade da indicada proposta de Lei, pode ler-se:

Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhado nosso).

Dúvidas não restam, pois, que a intenção do legislador foi tributar casas, prédios urbanos habitacionais, propriedades destinadas à habitação, isto é, prédios que já se encontrem efectivamente destinados a fim habitacional.

Assente que está o conceito de “prédio com afectação habitacional” como prédio efectivamente destinado a, afecto a habitação, importa agora analisar o efectivo alcance de tal conceito. Por outras palavras, impõe-se verificar se tal afectação habitacional, para efeito da aplicação do disposto na verba 28.1 da TGIS, tem de ser presente ou poderá ser futura, isto é, se abrangerá apenas os prédios que já se encontrem efectivamente afectos a habitação ou também os prédios que, sendo terreno para construção, não têm ainda qualquer destino definido.

A distinção assume especial acuidade se atentarmos que um terreno para construção pode destinar-se a construir, no futuro, uma ou mais habitações, pelo que, se se incluir no conceito de “afectação habitacional” as futuras afectações que possam vir a ser dadas ao prédio, poderá, neste caso, defender-se a aplicação da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção.

Este entendimento, no entanto, não tem qualquer aderência, quanto a nós, à letra e ao espírito da lei.

Com efeito, analisado o teor literal da verba 28.1 da TGIS parece manifesto ser de afastar a sua aplicação aos prédios cujo destino é desconhecido, pois que estes, manifestamente e sob qualquer ponto de vista, não se podem considerar destinados a fim habitacional.

É que, não sendo conhecido o destino do prédio em causa, tanto pode este destinar-se a habitação, como a comércio, indústria ou serviços, sendo certo que a verba 28.1 apenas será aplicável a prédios com afectação habitacional e já não a prédios com qualquer outra afectação, designadamente económica.

No caso dos autos, analisados os factos provados, verifica-se que os prédios em causa não têm ainda qualquer destino conhecido, pelo que é manifesto não ser de aplicar a verba 28.1 da TGIS.

Mas ainda que os prédios dos autos tivessem já um destino conhecido, embora não efectivo, e esse destino fosse habitacional, não se encontrariam estes abrangidos pela aplicação da verba 28.1 da TGIS.

Isto porque, da conjugação das normas ínsitas na verba 28.1 da TGIS e no n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que a afectação tem de ser efectiva e não apenas futura ou provável.

Em suma, um terreno para construção cujo destino é desconhecido, como é o caso dos prédios em causa nos presentes autos, não pode ser considerado como prédio com afectação habitacional para efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS.

Nem se diga, como faz a Requerida, que a identidade jurídica, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, entre terrenos para construção e prédios com afectação habitacional resulta de forma clara do facto de o legislador determinar a aplicação aos terrenos para construção a metodologia de avaliação dos prédios em geral.

É certo que o artigo 45.º do CIMI determina a aplicação aos terrenos para construção dos mesmos métodos de avaliação aplicáveis aos prédios em geral.

No entanto, não pode deixar de se referir que tal identidade se resume à metodologia de avaliação e não à sua classificação.

No que diz respeito à avaliação, não há dúvidas de que o legislador manda aplicar as mesmas regras quer aos terrenos para construção, quer aos prédios habitacionais.

Mas já quanto à classificação do prédio, nada na lei nem no pensamento legislativo em geral nos permite concluir pela existência de tal identidade.

Aliás, conforme, a nosso ver, bem se refere em aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI)”[2].

Por isso, e seguindo de perto jurisprudência já fixada por este centro arbitral[3], é de concluir que “os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”, como é o caso dos autos.

Mas não só a jurisprudência deste centro tribunal arbitral se tem pronunciado neste sentido. Em acórdãos proferidos muito recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”[4].

E que assim é resulta de forma clara do facto de, na última alteração operada à verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, terem sido aqui expressamente incluídos os terrenos para construção. Note-se, porém, que mesmo com esta alteração, nem todos os terrenos para construção ficam sujeitos a tributação por efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, mas apenas e só os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Não se tratando da indicada LOE 2014 de qualquer lei interpretativa, parece evidente que, se o legislador sentiu necessidade de incluir nesta verba 28.1 os terrenos para construção, é porque anteriormente tais terrenos não estavam incluídos na mesma.

Qualquer outra interpretação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não tem o mínimo acolhimento legal, não podendo ser defendida.

Verifica-se, assim, que a liquidação em causa nos presentes autos é claramente ilegal, por não ter qualquer fundamento ou sustentação legal.

Assim, não constando da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, os terrenos para construção, nem podendo estes classificar-se, para este efeito, como prédios com afectação habitacional, parece evidente não poderem estes ser objecto de tributação ao abrigo desta verba.

Pelo que, não havendo fundamento legal para os actos de liquidação efectuados, impõe-se a sua anulação tout court.

Posto isto, resta abordar a questão relacionada com a condenação da Requerida no reconhecimento do direito da Requerente a ser indemnizada pelos encargos que venha a suportar com a prestação de garantia bancária com vista à suspensão de processos de execução fiscal.

Ora, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, “o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.”

Do exposto resulta claro que o direito a tal indemnização pelos prejuízos implica a montante não só a instauração de um processo de execução fiscal, como a inerente prestação de garantia na sequência da instauração desse mesmo processo.

Analisados os factos provados resulta, no entanto, que a Requerente não fez prova da instauração de qualquer processo executivo em virtude da falta de pagamento das prestações únicas de imposto de selo de que foi notificada.

Aliás, nem a instauração de tal processo nem a prestação de garantia com vista à sua suspensão foram sequer alegados pela Requerente, limitando-se esta a invocar, a este respeito, que com vista a suspender as execuções fiscais, irá prestar garantia bancária.

Não se encontrando provado nos presentes autos a instauração de qualquer processo de execução fiscal, não pode este tribunal condenar a AT a reconhecer o direito da Requerente a ser indemnizada pelos encargos que venha a suportar com a prestação de qualquer garantia.

A instauração de um processo de execução fiscal contra a Requerente, pela falta de pagamento das prestações tributárias aqui em causa é, neste momento, um facto incerto, não podendo o tribunal decidir em função de um enquadramento factual que na presente data não existe e não se sabe se irá existir ou não, não passando, actualmente, de uma mera hipótese.

Por outro lado, ainda que venha a ser instaurado qualquer processo de execução fiscal pela falta de pagamento do imposto em causa nos presentes autos, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o direito da Requerente a ser indemnizada pelos encargos que venha a suportar com a prestação de qualquer garantia terão de ser analisados nesse momento e não agora.

Nestes termos, não pode o tribunal condenar a Requerida no reconhecimento do direito pretendido pela Requerente.

 

VI.            DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

a)     julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo no valor global de € 27.173,23, com a consequente anulação dos mesmos e das guias de pagamento emitidas;

b)     julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no reconhecimento do direito da Requerente a ser indemnizada pelos encargos a suportar com a prestação de garantia.

 

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Fixa-se o valor do processo em € 27.173,23, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de Março de 2015.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, regendo-se a sua redacção pela ortografia antiga.



[1] Veja-se, entre outras, as decisões proferidas no âmbito dos processos 48/2013-T; 50/2013-T e 132/2013-T, todas disponíveis em www.caad.org.pt.

[2] Acórdão de 09/04/2014, processo n.º 1870/13, disponível in www.dgsi.pt.

[3] Processo n.º 53/2013-T, disponível in www.caad.org.pt.

[4] Acórdãos de 23/04/2014, processo n.º 0272/14, e de 09/04/2014, processos n.ºs 1870/13, já citado, e 48/14, todos in www.dgsi.pt.