Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 543/2019-T
Data da decisão: 2022-07-25  IRC  
Valor do pedido: € 46.871,86
Tema: IRC 2016. Retenção na Fonte de IRC no pagamento de dividendos a OIC Não Residente. OICs residentes fiscais no Luxemburgo. Liberdade de circulação de capitais. Reenvio Prejudicial.
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SUMÁRIO:

1) A legislação portuguesa em IRC ao tributar por retenção na fonte (RF) dividendos de fonte portuguesa distribuídos a Organismos de Investimento Colectivo (OIC) constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro - ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa RF - não é compatível com o Direito da UE; 2) Por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE e em aplicação da Jurisprudência do TJUE cfr. Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19; 3) As liquidações de IRC por RF sobre dividendos distribuídos a OIC não residente em aplicação dessa mesma legislação são, consequentemente, de anular.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A...  (doravante também “Primeiro Requerente”, “Sujeito Passivo”, “SP” ou “B... Fund”) e C... (doravante também “Segundo Requerente” ou “Sub-fundo”), ambos Organismos de Investimento Coletivo constituídos de acordo com o direito luxemburguês e com sede em ..., Luxemburgo, com o número de identificação fiscal português ... atribuído ao Primeiro Requerente, representados por D... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede em ..., Alemanha (doravante em conjunto designados “Requerentes”), vêm, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticionam, assim, a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, em IRC, reportados ao exercício de 2016.

 

Às retenções na fonte (“RF”) em crise corresponde um valor total de € 46.871,86.

 

Segundo expõem, eles Requerentes são Organismos de Investimento Colectivo (OIC ou OICs) de direito luxemburguês, constituídos sob a forma contratual. O Primeiro Requerente, também comummente designado de “B... Fund” (ou Fundo Chapéu), é uma entidade autónoma que integra a participação de diversos investidores com políticas de investimento distintas – as sub-participações, também comummente designadas de Sub-fundos. E o Segundo Requerente é um Sub-fundo, integrado na esfera do Primeiro Requerente.

 

São geridos por uma mesma entidade gestora de Fundos de Investimento, sediada na Alemanha. E o Sub-fundo (o Segundo Requerente) é o beneficiário efectivo dos dividendos distribuídos pelas sociedades residentes em Portugal.

 

Ambos são residentes fiscais no Luxemburgo sem estabelecimento estável em Portugal.  Sendo sujeitos passivos de IRC, qualificam, em Portugal, para efeitos fiscais, como Não Residentes (NR ou NRs).

 

Têm a estrutura de OIC em valores mobiliários - OICVM[1] - conforme prevista na Directiva 2009/65/CE do Parlamento e do Conselho.

 

São, expõem, fundos abertos, autónomos, que têm por base o contrato entre a entidade gestora, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários. Não revestem, assim, a forma de sociedade comercial, referem.

O seu objecto é apenas a administração, gestão e investimento do respectivo património. E é à entidade gestora que cabe decidir, distribuir ou reservar os proveitos dos Requerentes. Os direitos dos investidores resumem-se aos de receber dividendos e solicitar o resgate de unidades de participação (“UPs”), referem.

 

Qualificam como residentes fiscais no Luxemburgo e, notam, não se encontram sujeitos, aí, a imposto sobre as pessoas colectivas. O que os impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional (“DTI”) impostos suportados ou pagos no estrangeiro, ou de formular qualquer pedido de reembolso dos mesmos impostos.

 

Detinham, em 2016, lotes de participações sociais em sociedade residente para efeitos fiscais em Portugal e assim, enquanto accionistas, receberam nesse ano dividendos que foram sujeitos a tributação, por retenção na fonte, à taxa liberatória, referem, de 25%[2].

 

As RF em crise, supra, efectuadas a título liberatório aquando do pagamento dos dividendos, tiveram lugar nos termos do art.º 87.º, n.º 4 al. c) do CIRC, era entidade responsável pela custódia dos títulos a E... .

 

O imposto retido foi entregue, referem ainda, junto dos cofres do Estado - Portugal, Estado da Fonte (EF), assim tendo suportado a quantia total de € 46.871,86[3].

 

Segundo os Requerentes, a RF que foi efectuada na distribuição de dividendos auferidos de sociedades residentes em Portugal - quando a distribuição de tais dividendos a OICs estabelecidos e domiciliados em Portugal está isenta - viola o artigo 63.º do TFUE.

 

Nessa base apresentaram reclamação graciosa (RG) pugnando pela anulação dos actos de RF em crise (doravante também “as Retenções na Fonte” ou “as RF”), a qual foi indeferida.

 

Não se conformam com a decisão de indeferimento, nem com as RF, pelo que vêm interpor o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) na origem destes autos.

 

Entre o mais, expõem que enquanto entidades constituídas ao abrigo da lei luxemburguesa, com residência nesse Estado Membro da UE (EM), é-lhes vedado beneficiar da norma de isenção prevista no art.º 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (conforme redacção introduzida pelo DL n.º 7/2015, de 13 de Janeiro, que procedeu à reforma do regime de tributação dos OIC).

 

E assim, defendem, aquando da distribuição de dividendos por sociedades sediadas em Portugal, um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC (RGOIC) estava sujeito, no ano em causa, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a lei de outro EM, como é o seu caso.

 

A situação, referem, assume maior gravidade no seu caso por força do seu estatuto de entidades isentas de tributação no Estado da Residência (Luxemburgo) – que os impede de recuperar (aí) o imposto retido na fonte (em Portugal).

 

Concluem, no essencial e entre o mais, que caso tivessem sido constituídos ao abrigo da lei portuguesa não teria incidido RF, em IRC, sobre os dividendos. Ao invés, e porque não podem beneficiar do mesmo regime de um OIC Residente, estão sujeitos a IRC a uma taxa definitiva de 25% sobre os dividendos obtidos de sociedades residentes.

 

Sendo Luxemburgo e Alemanha Estados Membros, apelam às liberdades fundamentais consagradas no TFUE - em especial no artigo 63.º (liberdade de circulação de capitais) - defendendo decorrer da legislação pertinente do Ordenamento Jurídico-Tributário Português tratamento discriminatório entre OICs constituídos ao abrigo da lei portuguesa e OICs constituídos ao abrigo de normas de outros EM. Convocam, em defesa da sua posição, Jurisprudência do TJUE. Sendo as situações em questão, defendem, objectivamente comparáveis.

 

Nem será, segundo defendem, de considerar, para efeitos do presente processo, que um OIC Residente esteja sujeito a outros tipos de tributação (IS e TAs). Nos autos o que está em causa é a RF em IRC sobre dividendos distribuídos a OICs Não Residentes. O imposto que se sindica, notam, é o IRC “e não qualquer outro tipo de tributo devido pelos OIC decorrente da sua atividade”. Uma análise em tal contexto “(...) não contribuindo, de facto, para a aferição de uma eventual situação discriminatória criada apenas por uma norma.”. Há uma discriminação “ao nível da retenção na fonte”. Estamos “perante uma situação de discriminação evidente no artigo 22.º do EBF.”[4]

 

O art.º 22.º do EBF é contrário ao Direito da União Europeia (“Direito da UE” ou “DUE”), cujas normas prevalecem sobre o Direito Interno, cfr. art.ºs 8.º da CRP e 1.º da LGT. Resulta violada a Constituição, concretamente os princípios da legalidade tributária e do primado do Direito Internacional, e a liberdade de circulação de capitais. São violados o art.º 8.º da CRP, e os Art.ºs 18.º e 63.º do TFUE, referem.

 

Peticionam, assim, a anulação das RF, e do despacho de indeferimento da RG - por vício de violação de lei -, a devolução da quantia de € 46.871,86, juros indemnizatórios e a condenação da Requerida em custas.

 

Requerem, ainda, a suspensão do processo até decisão do TJUE no Processo de Reenvio Prejudicial junto do mesmo pendente e que teve origem no Processo Arbitral Tributário n.º 93/2019-T. E, subsidiariamente ainda, se proceda a Reenvio Prejudicial.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente, e não acompanhada pela Requerida - ilegalidade do regime jurídico de tributação de OICs Não Residentes, do qual foi feita aplicação nos actos em crise. Regime que os Requerentes defendem ser violador do DUE e, por essa via, estarem aqueles feridos de ilegalidade.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 19.08.2019 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 07.10.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 28.10.2019.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do PPA por não provado, e pela consequente manutenção dos actos em crise na Ordem Jurídica. Entende, em síntese, que as RF, e o acto de segundo grau, não padecem do vício que lhes vem imputado. Subsidiariamente requer seja dado provimento ao pedido de suspensão da instância (até decisão do TJUE em sede de Reenvio Prejudicial originado no Proc. 93/2019-T, CAAD).

 

Em defesa da sua posição remete para a fundamentação na RG, daí salientando alguns pontos. Entre o mais, e sumariando, o de não competir a ela Requerida avaliar da conformidade das normas internas com as do TFUE, nem apreciar da sua constitucionalidade, cabendo-lhe actuar em conformidade com a lei.

 

Expõe que os Requerentes, na descrição do regime fiscal dos OIC Residentes, omitem dois aspectos, de relevo. Um referente à opção do legislador de aliviar os OIC Residentes da tributação em IRC mas deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo (IS). Refere, neste ponto, o aditamento à TGIS da Verba 29 e a tributação trimestral que da mesma resulta - incluídos potencialmente na base tributável dividendos distribuídos -, tributação da qual ficam excluídos os OICs constituídos e a operar ao abrigo de legislação estrangeira. Outro referente à sujeição às taxas de Tributação Autónoma (TA), cfr. art.º 88.º, n.º 11 do CIRC e art.º 22.º, n.º 8 do EBF. Sendo que só os OIC Residentes (os abrangidos pelo art.º 22.º do EBF) estão obrigados a liquidar e entregar a TA incidente sobre os lucros distribuídos (nas condições que refere).

 

Refere também os Requerentes pressuporem, como Fundos de Investimento constituídos ao abrigo da legislação luxemburguesa que são, que virão a ser tratados como veículos de investimento transparentes.

 

E assim qualquer rendimento gerado por um Fundo de investimento luxemburguês é tributável na esfera dos respectivos investidores, independentemente de distribuição. De onde também decorre, como melhor desenvolve, que os regimes fiscais de uns e outros OICs - “Portugueses” versus “Luxemburgueses” - não são genericamente comparáveis. A tributação dos primeiros abrange uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo em IS, ao passo que os segundos se encontravam isentos em imposto sobre o rendimento e aparentemente também de outros impostos.

 

Não pode afirmar-se de forma categórica, como fazem os Requerentes, que os OIC Residentes estavam sujeitos em 2016 a um regime fiscal mais favorável na distribuição de dividendos de fonte portuguesa que os OICs constituídos segundo a legislação de qualquer outro EM.

 

Para efeitos de comparação da carga fiscal respectiva é redutor atender apenas ao imposto retido na fonte abstraindo de outras imposições susceptíveis de onerar fiscalmente os dividendos. Mais não se demonstrou que a parte do imposto não recuperado pelo Fundo não o venha a ser pelos investidores.

 

Não pode afirmar-se estarmos perante situações objectivamente comparáveis. Não há uma discriminação em substância, mas apenas uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos. Centrar a análise no n.º 3 do art.º 22.º do EBF revela uma visão parcial do regime dos OICs abrangidos pelo art.º 22.º[5]. Mais acertadamente do que em “dicotomia discriminatória, centrada no Estado da residência (...)” deverá falar-se em diferentes modalidades de tributação. Do que, também nota, poderá até resultar a carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos pelos OICs Residentes ser superior à que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal por Fundos de Investimento constituídos ao abrigo de legislação de outros EM.

 

Não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que se não contém apenas no n.º 3 do art.º 22.º - seja desconforme ao Art.º 63.º do TFUE. Para extrair conclusões quanto a uma tal eventual violação se tornando necessária uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal. Sendo aí de considerar também, refere, possíveis efeitos da capitalização dos dividendos (pelos OIC Residentes) na tributação em IS e, ainda, TA sobre dividendos.

 

Seria necessário comparar, no tocante à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente, a carga fiscal que onera OIC R versus OIC NR em relação ao mesmo tipo de investimentos.  A análise não pode cingir-se à consideração das regras sobre RF. Devem ser tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes acções.[6]

 

Acresce que deverá ter-se em conta, quanto à Jurisprudência do TJUE, que a mesma é sempre proferida por referência a casos concretos submetidos pelos Tribunais Nacionais em Reenvio Prejudicial, havendo assim que considerar o respectivo contexto casuístico. Não se coloca uma questão de violação do art.º 8.º da CRP pois que não está em causa a observância de normas de DUE, mas de decisões do TJUE, às quais subjazem factos concretos e normas de Ordenamentos Jurídico-Fiscais de outros EM.

As RF em crise respeitam o disposto na legislação nacional e na CDT e devem manter-se na Ordem Jurídica. O PPA deverá improceder ou, quando não, ser dado provimento ao pedido de suspensão da instância.

*

 

Por despacho de 07.01.2020 o Tribunal decidiu dar provimento ao pedido de suspensão da instância, que então determinou, cfr. art.ºs 269.º, n.º 1 al. c) e 272.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT, pelas razões que aí melhor desenvolveu - e que incluem a de a questão em causa nos autos não legitimar a conclusão de existir Acto Claro -, e ficarem os autos a aguardar a resposta do TJUE às questões prejudiciais que lhe foram submetidas no âmbito do Processo Arbitral n.º 93/2019-T.[7]

 

A 17.03.2022 o TJUE prolatou o seu Acórdão no Processo de Reenvio Prejudicial que justificou a suspensão da instância – Processo C-545/19.

 

Por despacho de 22.03.2022, o Tribunal determinou o levantamento imediato da suspensão da instância, comunicando o link de acesso ao Acórdão do TJUE e convidando as Partes a se pronunciarem querendo, em alegações escritas, sobre a aplicação da doutrina firmada no Acórdão do TJUE.

 

Requerentes e Requerida apresentaram Alegações.

 

Os Requerentes defendem que do Acórdão do TJUE decorre necessariamente a procedência do PPA. Concluem que se impõe a anulação dos actos de RF por força do princípio do primado, cfr. art.º 8.º, n.º 4 da CRP, julgado que foi pelo TJUE o regime interno que impõe a RF ser incompatível com o DUE.

 

A Requerida remete para os factos e alegações de Direito constantes da sua Resposta e conclui dever decidir-se pelo indeferimento do PPA, por não provado.

*

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º/2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03. O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

O Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. duas últimas alíneas dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º n.º 1 al. b) do CPPT).

 

Por despacho de 01.07.2022 o Tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da Decisão Arbitral, por motivos justificados, nos termos do art.º 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) Os Requerentes são Organismos de Investimento Colectivo (OIC) constituídos de acordo com o direito luxemburguês, operam de acordo com esse mesmo direito, têm sede no Luxemburgo, qualificando, em 2016, para efeitos fiscais, como Residentes no Luxemburgo, e como Não Residentes em Portugal, sem estabelecimento estável (em Portugal);

 

b) O Primeiro Requerente é um OIC constituído sob a forma de sociedade de investimento mobiliário, organizado em sub-fundos ou compartimentos patrimoniais autónomos, cada um com específicos objectivos de investimento - sendo o Segundo Requerente um desses sub-fundos -, é gerido por entidade gestora de fundos de investimento com sede na Alemanha, a saber a sociedade D... GMBH, e tem como entidade responsável pela custódia dos títulos a E...;

 

c) O Primeiro Requerente, OIC constituído sob a forma de sociedade de investimento mobiliário, de capital variável, também denominada SICAV, é uma entidade autónoma, com personalidade jurídica, e não é uma entidade fiscalmente transparente; (cfr. doc.s 3 e 5, juntos pelos Requerentes)

 

d) Os Requerentes são Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários luxemburgueses harmonizados, conforme Directiva 2009/65/EC; (cfr. doc.s 1 e 2, juntos pelos Requerentes)

 

e) Nos termos da legislação aplicável no Luxemburgo, o Primeiro Requerente não está sujeito a imposto sobre o rendimento, nem as distribuições feitas pelos sub-fundos estão sujeitas a qualquer retenção na fonte de imposto; (cfr. doc. 5 junto pelos Requerentes)

 

f) Os Requerentes dispõem de Certificado de Residência Fiscal emitido pelas autoridades fiscais luxemburguesas para efeitos da CDT PT-Luxemburgo; (cfr. doc. 3 junto pelos Requerentes)

 

g) Como se lê no respectivo Prospecto, de Junho de 2016, os dividendos e outros rendimentos pagos ao Primeiro Requerente poderão ficar sujeitos a retenção na fonte, não reembolsável, no Estado da Fonte; (cfr. doc. 5 junto pelos Requerentes)

 

h) O Primeiro Requerente tem o número de contribuinte fiscal português ... e era titular, em 2016, através do sub-fundo Segundo Requerente, de participações no capital social de uma sociedade considerada residente para efeitos fiscais em Portugal, tendo assim auferido dividendos, no mesmo ano, no valor total bruto de € 312.479,03, sobre os quais recaiu retenção na fonte à taxa de 25%, tendo através da entidade gestora solicitado o reembolso de 10% ao abrigo da CDT PT-Luxemburgo; (cfr. PPA e doc.s 7, 8, 9 e 10 juntos pelo SPs - conjugadamente)

 

i) A quantia de € 46.871,86, retida na fonte e cuja devolução os Requerentes ora peticionam, correspondente a 15% dos rendimentos brutos auferidos, foi entregue junto dos cofres do Estado em Portugal e tem correspondência na Guia de Pagamento com o n.º ... (2016-05), referente a pagamentos de dividendos efectuados em 2016; (cfr. PPA, e doc. 10 junto pelos SPs – Informação sucinta constante do despacho de indeferimento da RG);

 

j) A 29.12.2017 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa (RG) dos actos de retenção na fonte de IRC (v. supra) - que tramitou sob o n.º ... - pugnando pela respectiva anulação por vício de ilegalidade por violação directa do Direito Comunitário, solicitando o reembolso da quantia de € 46.871,86 e demais consequências legais;

 

k) Os Requerentes foram notificados do projecto de indeferimento da RG e para o exercício do direito de audição, que não exerceram, tendo o projecto sido convolado em definitivo;

 

l) O indeferimento da RG assenta essencial e sumariamente nos fundamentos seguintes: “(...) 10 - Cumpre referir que, não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP. / 11 - E, por outro lado, não pode a AT, aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu. / 12 - Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE. / 13-Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira, “(...) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)” considerando a autora que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.” / 14 - Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido. (...)”

 

m) A 20.05.2019 os Requerentes foram notificados da decisão final de indeferimento da RG, cfr. despacho da Chefe de Divisão de Direcção de Finanças de 13.05.2019 ao abrigo de subdelegação de competências;

 

n) A 16.08.2019 os Requerentes deram entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes, todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

O PA não foi junto aos autos, apesar de notificada a Requerida para o efeito.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[8]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[9]).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

É o regime jurídico-tributário nacional em matéria de tributação de OICs violador da liberdade fundamental de circulação de capitais conforme consagrada no TFUE e, assim, violador do Direito da União Europeia?

Colocado de outro modo, encontram-se os actos em crise, de liquidação de IRC no ano de 2017 sobre dividendos auferidos por OIC constituído ao abrigo de legislação de outro EM que não Portugal - por RF à taxa liberatória de 25% cfr. art.s  94.º, n.ºs 3, al. b) e 5, e 87.º, n.º 4 do CIRC - feridos de ilegalidade por vício de violação de lei em decorrência do que vem imediatamente de se questionar?

 

Recapitulando muito brevemente.

 

Os Requerentes entendem que, ao não lhes poder ser aplicável o art.º 22.º do EBF e a isenção daí constante por simplesmente serem constituídos ao abrigo de uma legislação que não a nacional, enquanto que, diferentemente, aos OIC Residentes a isenção em questão é aplicável, deixam de poder beneficiar de um regime que é mais vantajoso e estão assim a ser alvo de um tratamento discriminatório violador da liberdade de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE. Situação que consideram se agrava no seu caso por – estando isentos de tributação no seu país de origem – estarem impedidos de recuperar o imposto retido na fonte. Acrescentam que, para os efeitos do presente processo, não há que considerar senão a tributação em imposto sobre o rendimento, e apenas por referência a eles Requerentes (que não já a Participantes).

 

A Requerida, por seu lado, é do entendimento de que para efeitos de avaliar da compatibilidade do regime jurídico em questão com o Direito Comunitário não será suficiente considerar isoladamente o art.º 22.º do EBF, e o seu n.º 3, pois que outras normas integram também o regime de tributação em questão onerando os dividendos distribuídos a OICs Residentes embora sob outras modalidades, a saber em sede de IS e TAs. E que os dividendos auferidos por estes poderão até resultar mais onerosamente tributados que os dividendos auferidos em Portugal pelos Requerentes. É necessário, para retirar conclusões, fazer a comparação da carga fiscal que onera uns versus os outros OICs em relação ao mesmo tipo de investimentos. Apela ao constante do Art.º 65.º do TFUE e considera não poder entender-se estarmos perante situações objectivamente comparáveis.

 

Sobre a matéria veio o TJUE pronunciar-se especificamente, e muito recentemente. A saber, por Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN[10], que teve origem no Processo Arbitral n.º 93/2019-T deste CAAD, e por relação com cujo processo de Reenvio Prejudicial este Tribunal Arbitral determinou a suspensão da instância, para que se aguardasse a decisão do Alto Tribunal.[11]

 

Vejamos, antes de mais e de avançarmos, o quadro legal mais pertinente ao caso.

 

No EBF,

Estabelece o art.º 22.º, conforme redacção aplicável, e introduzida pelo DL n.º 7/2015 já referido supra[12], assim[13]:

 

Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional


2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 


3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º1.

  
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. 


5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. 


6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 
 

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. 


8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 


9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: 
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; 
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. 


10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. 


11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. 


12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. 


13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. 


14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. 


15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. 


16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. 

 

No CIRC,

Artigo 2.º - Sujeitos passivos

  1. São sujeitos passivos de IRC:

(...) c) As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS.

(...)

 

Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto

(...)

2 – As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português (...)

  c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

(...) 3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

 

Artigo 87.º- Taxas

(...)

4 — Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: (...)

 

 

Artigo 94.º- Retenção na fonte

1 — O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando (...);

(...)

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados (...).

 

3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis. (...)

 

4 - As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25 %, aplicando-se aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 1 a taxa de 21,5 %. 


5 — Exceptuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º 

6 — A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.

 

No TFUE,

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º. /(…)

 

*

No nosso caso, temos que o Primeiro Requerente, é um OIC constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo sob a forma de sociedade – mais especificamente SICAV - e melhor descrito no probatório (v. supra, em especial al.s a) - d) ), considerado Residente no Luxemburgo para efeitos da CDT PT-Luxemburgo, EM da UE, sem estabelecimento estável em Portugal.

 

Auferiu rendimentos - dividendos - de fonte portuguesa, através do seu sub-fundo Segundo Requerente no ano de 2017. Sobre os quais foi feita RF à taxa liberatória de 25%.

 

Sempre se refira que, como não poderia deixar de ser nos tempos presentes, também nos termos da nossa lei interna – e, desde logo cfr. RGOIC[14] – os OICs podem ser constituídos sob a forma de sociedades de investimento (colectivo) mobiliário de capital variável – SICAV. V., entre o mais, o art.º 6.º, n.º 3 do RGOIC.

 

Sendo constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, o Primeiro Requerente (bem como os seus sub-fundos, e assim o Segundo Requerente) não cabe na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF, que delimita o campo de aplicação subjectiva do artigo e, assim, de aplicação da isenção.[15]

 

Vêm os Requerentes, nos autos, peticionar a anulação das RF, no montante que referem ter sido de € 46.871,86.

 

De notar, neste ponto, que não obstante os Requerentes se referirem sempre à taxa de 25% a que foi efectuada a RF, referem também que a RF foi no montante de € 46.871,86, e peticionam, sempre e apenas, nos autos (e já assim também em sede de RG), a devolução da quantia de € 46.871,86. A quantia que, como também alegam, suportaram. E que corresponde, afinal, a 15% do montante bruto dos dividendos – tudo cfr. probatório, supra.

 

Mais uma vez, vejamos. Em sede de DUE.

 

Tratando-se de distribuição de dividendos estamos, no caso, sempre se diga, em matéria enquadrável no conceito Comunitário de “movimentos de capitais” – cfr. nomenclatura anexa à Directiva 88/361/CEE.[16]

 

O TJUE, dizíamos, veio decidir naqueles já referidos autos de Reenvio Prejudicial, em que lhe foram colocadas as questões prejudiciais[17] reportadas, assim, ao nosso Ordenamento Jurídico e à matéria de tributação de dividendos, distribuídos a OICs, enquadrável na isenção consagrada no art.º 22.º do EBF.

 

Resumiu o Alto Tribunal as ditas questões assim:

 

“29 - Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado‑Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.”

 

E, após desenvolver o seu caminho decisório, conclui por sua vez assim:

 

“(...) há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”[18]

 

Para assim concluir, e resumidamente, o Alto Tribunal começa por, após fazer o devido enquadramento da questão à luz da liberdade de circulação de capitais - assim, do Art.º 63.º do TFUE[19]-, referir que é facto assente que no caso a isenção fiscal é concedida aos OICs constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa e, diferentemente, os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção. E que, ao assim proceder - ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte - a legislação portuguesa procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.[20]

 

Tratamento desfavorável esse, identificado, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE”.[21]

 

Como se sabe, e como o Alto Tribunal ali também passa a desenvolver - não obstante o disposto naquele Art.º 63.º - ainda assim é reconhecido o direito dos EM de aplicarem as disposições pertinentes dos seus Ordenamentos Jurídico-Tributários que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação quanto ao local da sua residência ou ao local onde o seu capital é investido. 

 

Porém, como também se refere no Acórdão, tal derrogação ao princípio fundamental da liberdade de circulação de capitais é, por sua vez, limitada - cfr. Art.º 65.º do TFUE, n.º 1 versus n.º 3. Em suma, e por nossas palavras, as diferenças de tratamento admitidas - apesar do Art.º 63.º - pelo Art.º 65.º, n.º 1, deixam de o ser se enquadráveis no n.º 3 do mesmo Art.º 65.º.[22]

 

Ora, conforme Jurisprudência sedimentada do TJUE na interpretação destes últimos normativos, o tratamento diferenciado será admissível neste contexto (e, assim, a legislação fiscal de um EM considerada compatível com o DUE) quando diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou quando se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Sendo que, após apreciação, conclui o TJUE no Acórdão que nenhuma destas duas se verifica no caso.

 

Neste seu percurso decisório, e para concluir como acaba de se referir, o Alto Tribunal não deixou de ter em consideração (i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e o de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes.

 

Notando, entre o mais, que a legislação nacional (sob reserva de verificação pelo OJR[23]) prevê uma tributação sistemática dos dividendos de fonte nacional que apenas onera os OIC não residentes, e assumindo o critério de distinção na legislação nacional ser unicamente o do local da residência, conclui verificar-se um tratamento discriminatório para o qual não foi apresentada justificação (que permitiria, afinal, enquadrar a situação no Art.º 65.º, n.º 1).

 

*

Vejamos por fim.

 

Como no início ficou percorrido, os Requerentes, OICs constituídos ao abrigo da lei do Luxemburgo, colocam em crise a liquidação em IRC por RF com o fundamento único de - ao a isenção consagrada no art.º 22.º do EBF não ter sido aplicada à sua situação na distribuição dividendos de fonte portuguesa - se ter incorrido em violação do DUE.

 

Defendem, assim, a ilegalidade da liquidação em IRC ao terem sidas retidas na fonte as quantias supra em aplicação do disposto nos dispositivos do CIRC que acima também percorremos. E vêm, nestes termos, peticionar a respectiva anulação e a devolução da quantia de € 46.871,86.

 

Aqui chegados.

 

É questão fundamental a apreciar nos autos, para então se decidir quanto à peticionada anulação, vimo-lo, a da conformidade (ou não) do regime jurídico português de tributação de dividendos distribuídos a OICs com o DUE.

 

Com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estão rendimentos, sob a forma de dividendos, obtidos por OICs constituídos ao abrigo da lei de outro EM e a actuar em conformidade também com essa lei. No confronto com o regime aplicável aos OICs Residentes e enquadráveis na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF.

 

Tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do DUE, foi feito, com origem em processo arbitral com factualidade subjacente substancialmente idêntica à dos presentes autos, Reenvio Prejudicial na matéria, como visto.[24]

 

O TJUE veio, referimos já, declarar que:                    

 

“O artigo 63.º [do] TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Pois bem.

 

Tendo em conta a pronúncia do TJUE no Acórdão;

 

Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível;[25]

 

Tendo presente o consagrado no art.º 8.º, n.º 4 da CRP[26], a preeminência aplicativa do DUE daí decorrente e, ainda, os valores fundamentais da Certeza e Segurança Jurídicas;

 

Haverá que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE.

 

Assim, e retornando mais concretamente ao caso, em que os Requerentes são OICs NR, constituídos ao abrigo da lei do Luxemburgo, tendo ficado sujeitos – na distribuição de dividendos de fonte portuguesa de que beneficiaram em 2016 – a tributação em IRC por RF à taxa liberatória de 25%, nos termos conjugados dos art.ºs 4.º, 94.º e 87.º do CIRC (cfr. supra), não tendo sido aplicado o regime de isenção constante do art.º 22.º do EBF,

 

Em aplicação, como devido, da referida Jurisprudência que vem de se percorrer, e tendo em conta o mais que vimos de referir,

 

À questão a decidir haverá que responder que sim, é ilegal a liquidação ao tributar na fonte (a título definitivo) os dividendos distribuídos ao Primeiro Requerente através do seu sub-fundo em aplicação de uma legislação violadora da liberdade de circulação de capitais. Houve erro de direito, vício de violação de lei decorrente de incompatibilidade com o DUE. Tudo como supra.

 

A pretendida anulação das liquidações por RF (e do acto de segundo grau confirmativo) deve, pois, proceder.

*

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O SP requer a devolução dos montantes que suportou.

 

Há que decidir, como vimos de concluir, pela anulação das liquidações por RF por vício de violação de lei. Cabe, consequentemente, condenar a Requerida na devolução das quantias indevidamente suportadas e entregues nos cofres do Estado. Tudo cfr. também, entre o mais, art.º 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT.

 

Peticionam-se ainda juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

É de entender, como vimos, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento de quantia indevida. Erro de considerar imputável aos Serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate[27], e que é afinal, também ela, reflexo do sedimentado pelo TJUE na sua Jurisprudência a respeito do tema.

 

Sendo Jurisprudência assente do TJUE a violação do DUE dar lugar não só à devolução das quantias pagas indevidamente mas também ao pagamento de juros indemnizatórios, é também assente que este pagamento se deverá fazer nos termos previstos por cada EM, no respeito pelo princípio da equivalência e da efectividade.[28]

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5[29] do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a respectiva natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Conforme disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT[30], a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando se determine ter havido erro, imputável aos Serviços, do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Como vimos de concluir haver que entender-se ter sucedido.

 

Procede, pois, em consequência de tudo o que vimos de ver, o PPA também nesta parte. Como se decidirá.

 

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o PPA como segue:

 

- Anular as liquidações de IRC por retenção na fonte liberatória melhor identificadas nos autos e, consequencialmente, anular a decisão de indeferimento da RG;

- Condenar a Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga e efectivamente suportada, de € 46.871,86, e no pagamento de juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 46.871,86.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 25 de Julho de 2022

 

O Árbitro,

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 



[1] UCITS na sigla Inglesa

[2] (cfr. Artigo 27.º do PPA)

[3] (cfr. Artigo 28.º-30.º do PPA)

[4] (cfr. Artigos 89.º, 109.º, 127.º e 128.º PPA)

[5] Sempre que nos referirmos ao art.º 22.º estaremos a referir-nos ao art.º 22.º do EBF.

[6] (pelas razões que melhor desenvolve)

[7] Decisão Arbitral de Reenvio de 09.07.2019, disponível em www.caad.org.pt

[8]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[9] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT – cfr. anterior.

[10] Doravante também “o Acórdão”.

[11] V. supra, Relatório.

[12] De 13 de Janeiro e aplicável aos rendimentos auferidos a partir de 01.07.2015.

[13] Quaisquer sublinhados e/ou negritos ao longo da Decisão serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[14] Regime Geral dos OIC – Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, com todas as suas alterações.

[15] V. supra.

[16] Nomenclatura que conserva o seu valor indicativo e que está disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31988L0361&from=PT

[17] (que constam da Decisão de Reenvio – v. nota 7 supra – e que transcreveu no Par. 20 do Acórdão)

[18] Par. 85

[19] Assim afastando, para efeitos da apreciação em questão e em sintonia também com a sua Jurisprudência assente, quer o Art.º 18.º, quer o Art.º 56.º do Tratado.

[20] Cfr. Par.s 37 e 38

[21] Cfr. Par. 39

[22] V. supra

[23] Órgão Jurisdicional de Reenvio

[24] No âmbito do Proc. 93/2019-T deste CAAD.

[25] Ressalvadas, entendemos, eventuais situações onde o disposto no art.º 8.º, n.º 4, in fine, da CRP de forma clara se revele de convocar.

[26] Que determina: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições (...) são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.”

[27] (entre muitos outros, pode ver-se o Ac. do STA de 14.10.2020, proc. 01273/08)

[28] V., entre outros, Ac. do TJUE Caso Littlewoods Retail Ltd., de 19.07.2012, Proc. C-591/10.

[29] E v. também o n.º 1, al. b) do mesmo artigo e o art.º 100.º da LGT;

[30] V. também o art.º 61.º, n.º 5 do CPPT