Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 542/2019-T
Data da decisão: 2020-02-28  IMT  
Valor do pedido: € 22.083,10
Tema: IMT – Utilidade Turística – Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12.
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DECISÃO ARBITRAL

I.            RELATÓRIO

No dia 14 de agosto de 2019, A..., S.A., com sede no ..., ...-... ... e com o NIPC ..., adiante designada por “Requerente”, veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), emitida pela Requerida pelo valor de € 22 083,10, conforme a notificação efetuada pelo ofício n.º 59, do Serviço de Finanças de ..., de 22 de janeiro de 2019, liquidação posteriormente objeto da reclamação graciosa apresentada para o efeito, que mereceu decisão de indeferimento.

 

  Tendo procedido ao pagamento da referida liquidação de IMT, acrescida de custas do processo de execução fiscal instaurado para a sua cobrança coerciva, no montante global de € 22 239,97, valor económico que atribui ao pedido, vem a Requerente pedir a condenação da AT na restituição daquela quantia, bem como no pagamento de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data do pagamento até integral reembolso, nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

A Requerente fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IMT objeto dos autos em vício de violação de lei, decorrente da errónea qualificação e, subsidiariamente, quantificação do ato tributário, nos seguintes termos:

  1. Em 23 de janeiro de 2013, adquiriu à B..., S.A., pelo preço de € 339 740,00, o lote de terreno para construção inscrito na matriz da freguesia do ..., concelho de ..., sob o artigo ..., tendo beneficiado de isenção em sede de IMT, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro;
  2. Encomendou e pagou a elaboração do projeto de construção de um Centro ... e fez obras no lote de terreno em apreço, transformando-o numa infraestrutura desportiva ímpar no panorama nacional, dotado de um campo de saltos, um picadeiro coberto, um campo de aquecimento, um núcleo permanente de boxes, casas de arreios, zonas de aparelhagem e duches para cavalos, paddocks, uma zona para instalação de boxes amovíveis (para concursos), uma área social composta por zona de bar e restauração, com cozinha devidamente equipada, quatro apartamentos e parques de estacionamento;
  3. Para o efeito, na qualidade de promotora, beneficiou de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação, contratualizados com o Turismo de Portugal, tendo sido emitido em seu nome, pela Câmara Municipal de ..., o “Alvará de Utilização Para Fins Turísticos n.º.../2014”, em 4 de abril de 2014, mais de um ano após a aquisição do lote de terreno;
  4. A Requerente não adquiriu um empreendimento já instalado, nem tão pouco frações, como pretende a Requerida, pois procedeu, de facto, à instalação de um empreendimento turístico, não se limitando a adquirir frações já instaladas;
  5. Nem a Requerente é um consumidor final, nem o que construiu/instalou são apenas meras unidades de alojamento;
  6. A construção do Centro ... foi determinante na atribuição da Utilidade Turística a Título Definitivo, já que a dita construção fazia parte integrante do compromisso assumido aquando do pedido de atribuição de Utilidade Turística a Título Prévio e a sua não construção inviabilizaria a obtenção do “Alvará de Utilização Para Fins Turísticos” do próprio Aldeamento Turístico;
  7.  A situação da Requerente é totalmente diversa da que foi objeto do Acórdão Uniformizador do STA n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, invocado aquando da liquidação;
  8. Nem da letra da lei, nem do seu espírito, pode resultar a inaplicabilidade da isenção de IMT prevista no artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, à aquisição do terreno em apreço, no qual a Requerente instalou um Centro ... .

 

2.  Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou o processo administrativo (PA) e resposta, na qual apresentou defesa por exceção e por impugnação, defendendo a legalidade e a manutenção do ato de liquidação de IMT impugnado, com os seguintes fundamentos:

  Por exceção:

  1. Invoca a AT a caducidade do direito de ação, posto que, tendo a presente ação arbitral por objeto o ato de liquidação de IMT, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 23 de março de 2019, à data da sua propositura, já se encontrava esgotado o prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT;
  2.  Entende a AT que, não sendo sindicada a legalidade da decisão da reclamação graciosa que teve por objeto o ato tributário de liquidação, o termo inicial do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral não se conta a partir da data da notificação daquela decisão, mas sim da data limite para pagamento da liquidação de imposto.

 

Por impugnação:

  1. Em 23 de janeiro de 2013, a Requerente adquiriu à sociedade “B..., SA”, NIPC..., pelo preço de € 339.740,00, o lote de terreno para construção, inscrito na matriz da freguesia do ..., concelho do ..., sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 339.740,00;
  2. A sociedade vendedora havia requerido a classificação de utilidade turística, a título prévio, para o “Aldeamento Turístico ...”, classificado como de “Utilidade Turística”, pelo Despacho n.º.../2010, do Sr. Secretário de Estado do Turismo (DR - 2ª Série de 2010/06/09);
  3. Em 4 de abril de 2014, foi emitido o alvará de utilização para fins turístico n.º .../2014, à entidade exploradora A..., S.A. (Proc:... /2014);
  4. Em 3 de setembro de 2015 foi publicado no DR, 2ª série, o Despacho n.º .../2015, de confirmação da utilidade turística atribuída a título prévio ao Aldeamento Turístico ... (1.ª fase), com a categoria de 5 estrelas, sito em ..., de que foi requerente a sociedade B..., SA, fixando a validade da utilidade turística em 7 anos, contados da data do Alvará de Utilização n.º .../2013 para Fins Turísticos, da Câmara Municipal de ..., de 22 de abril de 2013, ou seja, até 22 de abril de 2020;
  5. Por despacho de 10 de dezembro de 2018, do Chefe do Serviço de Finanças de..., foi cancelado à Requerente o benefício fiscal, previsto no artigo 20.º, n.º1, do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, a que se seguiu a notificação da liquidação em análise, para pagamento no prazo de 30 dias;
  6. Em 1 de abril de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IMT, indeferida por despacho de 14 de maio de 2019, notificado por ofício da mesma data;
  7. Os argumentos da Requerente não são suscetíveis de influenciar nem determinar a atribuição de uma isenção, pois na data da escritura de aquisição do lote de terreno em causa, esta não reunia os pressupostos do n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n º 423/83, de 5/12, por ter sido a entidade B..., SA, que desenvolveu todo o projeto do empreendimento e o submeteu às entidades competentes para a sua aprovação, tendo obtido a classificação de utilidade turística em seu nome, sem que tenha sido comunicada a substituição da empresa proprietária ou exploradora do empreendimento, nos termos legais;
  8. Na falta de tal comunicação, não poderá a Requerente beneficiar dos efeitos (fiscais) da atribuição de utilidade turística;
  9. Também ficou comprovado no pedido de classificação de utilidade turística a título definitivo apresentado por B... SA, que esta assumiu, na qualidade de proprietária do empreendimento turístico, com a natureza de aldeamento, que a data de abertura ao público foi em 22/04/2013, dois meses depois da aquisição do empreendimento pela ora Requerente;
  10. Por outro lado, a Requerente A..., SA adquiriu um lote de terreno, mas em 20/02/2013 apresentou uma declaração Modelo 1, conforme documento que se junta, onde declara que nesse artigo ... está construído um prédio novo ao qual foi atribuído o artigo provisório ..., constituído por várias frações tendo juntado escritura de Propriedade horizontal em que declarou como data de conclusão de obras o dia 20/02/2013;
  11. De tudo resulta que a Requerente adquiriu um produto acabado em termos de instalação que já havia sido realizada pela entidade requerente da utilidade turística (B... , SA), razão pela qual não reúne as condições para beneficiar da isenção de IMT, nos termos do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12;
  12. Por não se verificar qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Termina a AT por requerer a dispensa de realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, com inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, por inútil face à prova documental carreada pelas Partes.

 

Pelo despacho arbitral de 11 de dezembro de 2019, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, salvo oposição expressa e devidamente fundamentada da Requerente, no prazo de 5 dias.

 

Mais foi determinado, naquele despacho arbitral, que o processo prosseguisse com alegações escritas no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, após o decurso do prazo de 5 dias anteriormente referido, nelas podendo a Requerente pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida.

 

Foi ainda indicado o dia 28 de fevereiro de 2020 como data previsível para prolação da decisão final, não se tendo advertido a Requerente para o cumprimento do disposto no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por esta ter apresentado pedido de proteção jurídica junto dos serviços da Segurança Social.

 

Nas alegações escritas produzidas pela Requerente, notificadas ao tribunal arbitral em 13 de janeiro de 2020, veio esta pronunciar-se pela não verificação da exceção suscitada pela AT.

 

No mais, para além de reiterar quanto consta do pedido de pronúncia arbitral, vem a Requerente pronunciar-se sobre os novos argumentos aduzidos pela Requerida na sua Resposta, segundo os quais,

(i) a abertura ao público do empreendimento em causa ocorreu dois meses depois da aquisição pela Requerente, do qual a AT pretende retirar que esta não poderia ter procedido à sua construção/instalação. A fim de contestar tal argumento, junta a Requerente 11 documentos destinados a comprovar ter sido ela quem procedeu à construção/instalação do empreendimento, com início em 2009, e que,

(ii) só em sede de resposta vem a AT sustentar que à Requerente não foi atribuído o estatuto de Utilidade Turística, o qual foi reconhecido apenas à sociedade B..., SA, daí retirando que os benefícios concedidos ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, não são aplicáveis à aquisição que a Requerente efetuou, em virtude de não ter sido comunicada à Direção-Geral do Turismo a substituição da empresa proprietária do empreendimento a quem foi atribuída a utilidade turística no prazo previsto no artigo 31,º daquele diploma,

 

Entende a Requerente que não tendo esta factualidade servido para fundamentar a liquidação de imposto em apreço, não pode a mesma ser agora atendida.

 

Nas alegações da Requerida, com entrada nos autos em 23 de janeiro de 2020, vem esta dizer que mantém tudo quanto disse em sede de contestação e que, atendendo ao alegado pela Requerente, tudo se encontra documentado no processo, nomeadamente a atribuição de utilidade turística, quer a título prévio, quer a título definitivo, a favor da entidade vendedora, decorrendo o mais das normas legais aplicáveis.

 

 

II. SANEAMENTO

1.  O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 28 de outubro de 2019, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

2.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. A exceção de intempestividade do pedido, invocada pela Requerida, será apreciada a final.

4.  O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A – Factos provados:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima com sede em território nacional, que prossegue a sua atividade com os CAE 93110 e 55201, enquadrada em IVA no regime normal mensal por opção e, em IR, com contabilidade organizada, por opção informatizada (pág. 2 da informação do Serviço de Finanças de ..., de 10.12.2018, junta como Doc. 8 ao pedido de pronúncia arbitral – PPA, que se dá por reproduzida);
  2. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de janeiro de 2013, no Cartório Notarial a cargo da Licenciada C..., sito na ..., a Requerente adquiriu à sociedade B..., SA, pelo preço de € 339 740,00, equivalente ao respetivo VPT, o lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ..., concelho de ... (pág. 2 da informação do Serviço de Finanças de ..., de 10 de dezembro de 2018, junta como Doc. 8 ao pedido de pronúncia arbitral – PPA, que se dá por reproduzida);
  3. Na mesma data anterior, em momento prévio ao da escritura, foi emitido pela AT o DUC n.º ...3, referente à aquisição do imóvel identificado, de que não resultou qualquer coleta, por ter sido invocado pela Requerente o benefício fiscal com o código 33 – “Utilidade Turística (Art. 20º do D. L. 423/83), de 100% sobre a matéria coletável” (Doc. n.º 2 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  4. A sociedade alienante, B..., SA, requereu a classificação de utilidade turística a título prévio para o “Aldeamento Turístico...”, concedida pelo Despacho n.º .../2010, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, II Série, de 06.09.2010 (cfr. informação proferida na reclamação graciosa n.º ... 2019..., junta ao PPA como Doc. 12, que se dá como reproduzida);
  5. O mencionado Despacho n.º .../2010, do Secretário de Estado do Turismo, tem o seguinte teor (disponível em https: ...

Despacho n.º... /2010

Atento o pedido de atribuição da utilidade turística a título prévio ao Aldeamento Turístico ..., com a categoria projectada de 5 estrelas, a instalar no concelho de ..., de que é requerente a sociedade B..., S. A.;

Tendo presentes os critérios legais aplicáveis e o parecer do presidente do conselho directivo do Turismo de Portugal, I. P., que considera estarem reunidas as condições para a atribuição da utilidade turística a título prévio ao empreendimento, decido:

1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, atribuir a utilidade turística a título prévio ao Aldeamento Turístico ... .

2 - Ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do citado decreto-lei, fixar o prazo de validade da utilidade turística atribuída em 36 meses, contado da data da publicação no Diário da República do presente despacho.

3 - Nos termos do disposto no artigo 8.º do mesmo diploma legal, a atribuição da utilidade turística fica subordinada ao cumprimento dos seguintes condicionamentos:

a) O empreendimento não deverá ser desclassificado;

b) O empreendimento deverá abrir ao público antes do termo do prazo de validade desta utilidade turística, atribuída a título prévio;

c) A confirmação da utilidade turística deverá ser requerida no prazo máximo de seis meses, contado da data de abertura ao público, ou seja, da data da emissão do alvará de autorização de utilização para fins turísticos ou de outro título válido bastante para o efeito, e dentro do prazo de validade desta utilidade turística atribuída a título prévio;

d) A requerente deverá comunicar ao Turismo de Portugal, I. P., quaisquer alterações que pretenda introduzir no projecto aprovado, para efeitos da verificação da manutenção da utilidade turística que agora se atribui, sem prejuízo de outros pareceres ou autorizações por parte daquele organismo, legalmente devidos.

23 de Agosto de 2010. - O Secretário de Estado do Turismo, Bernardo Luís Amador Trindade.”;

  1. A Requerente incorreu em gastos para a construção do Centro ... (cfr. faturas emitidas em seu nome, entre maio de 2009 e o final de 2013, cujas cópias constituem os Doc.s 1 a 11, juntos às alegações escritas da Requerente, que se dão como reproduzidos);
  2. A construção do Centro ... foi determinante na atribuição da “Utilidade Turística a Título Definitivo”, “uma vez que a dita construção fazia parte integrante do compromisso assumido aquando do pedido de atribuição de “Utilidade Turística a Título Prévio”, e a sua não construção “inviabilizaria (…) a obtenção do “Alvará de Utilização Para Fins Turísticos” do próprio Aldeamento Turístico” (pág. 4 do PPA, que se dá como reproduzida);
  3. Em 20 de março de 2013, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz (Modelo 1), na qual participou a edificação de um “prédio novo”, proveniente do anterior prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia do ..., concelho de ..., sito em ..., Lote ..., a que foi atribuído o artigo provisório P..., constituído em propriedade horizontal, com várias frações autónomas, cujas obras foram concluídas na mesma data da declaração (Doc. junto à resposta da AT, que se dá como reproduzido);
  4. O “Alvará de Utilização n.º .../2013 para fins Turísticos” foi emitido pela Câmara Municipal de  ... (Processo: AU-UTI –.../2013) em 22 de abril de 2013, em nome de “...”, com o NIPC..., com sede na Rua ..., n.º...– Porto, referente à 1.ª Fase de construção do Aldeamento Turístico de 5 estrelas, sito no ..., freguesia do ..., do concelho de ..., respeitante a diversas unidades de alojamento e lotes, entre os quais o “Lote 1, quatro unidades de alojamento incluídas no Centro  ...– quatro apartamentos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., da freguesia do ... e inscrito na matriz sob o artigo n.º ..., tendo a obra de edificação sido aceite através da comunicação prévia emitida em 27 de Janeiro de 2009, projetada por D..., SA (…)” – Doc. n.º 13 junto ao PPA, que se dá como reproduzido;
  5. Em 4 de abril de 2014, a Câmara Municipal de ... emitiu em nome da Requerente o “Alvará de Utilização para Fins Turísticos n.º .../2014 – processo AU-UTI –.../2014, referente ao ..., sito no Aldeamento Turístico ..., freguesia do..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º..., destinado a “centro ..., com zona social, torre de júri, boxes e áreas técnicas, picadeiro interior fechado, campo de saltos e zonas de estacionamento” (Cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  6. Durante o ano de 2014, a Requerente fez investimentos em “edifícios e outras construções” (conta 432), “equipamento básico” (conta 433), “equipamento de transporte” (conta 434), “equipamento administrativo” (conta 435) e “outros ativos fixos tangíveis” (conta 436) pelas quantias de € 1 788 112,82, € 134 729,11, € 4 000,00, € 3 008,66 e € 476 887,50, respetivamente (cfr. cópia do balancete de 2014, junto ao PPA como Doc. 4, que se dá como reproduzido);
  7. No ano de 2014, a Requerente beneficiou de um incentivo financeiro contratualizado com o Instituto de Turismo de Portugal, IP, ao abrigo do Programa Operacional Regional do Centro, no âmbito do Regulamento do Sistema de Incentivos à Inovação, anexo à Portaria n.º 1464/2007, de 15.11, na redação da Portaria n.º 353-C/2009, de 3.04, que regulamentou o enquadramento nacional do sistema de incentivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17.08, alterado pelo Decreto-Lei n.º 65/2009, de 20.03 (Doc. 6 anexo ao PPA, que se dá por reproduzido);
  8. No Diário da República, II Série, de 03/09/2015, foi publicado o Despacho n.º .../2015, do Secretário de Estado do Turismo, de confirmação da utilidade turística atribuída a título prévio ao Aldeamento Turístico de ... (1.ª fase), com a categoria de 5 estrelas, sito no concelho de ..., de que é requerente, proprietária e exploradora a sociedade B..., SA, Processo n.º .../13093, pelo período de 7 anos a contar da data do Alvará de Utilização n.º .../2013 para Fins Turísticos, da Câmara Municipal de ..., de 22 de abril de 2013, mediante as seguintes condições: “(i) O empreendimento não poderá ser desclassificado; (ii) A requerente deverá promover, até ao termo do segundo ano após a publicação do presente despacho, a realização de uma auditoria de qualidade de serviço por uma entidade independente, cujo relatório deve remeter ao Turismo de Portugal, I. P.. Caso o empreendimento disponha de um sistema de gestão de qualidade, o relatório de auditoria pode ser substituído pela descrição detalhada do referido sistema, evidenciando, nomeadamente, a política de qualidade prosseguida, a monitorização e medição de satisfação do cliente e o tratamento das reclamações, a frequência e metodologia das auditorias internas e o envolvimento da gestão de topo.” (disponível em https:...  e Doc. junto à resposta da AT;
  9. Pelo despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., datado de 10 de dezembro de 2018, após audição prévia da Requerente, foi cancelado o benefício fiscal indicado no DUC n.º ..., de 23 de janeiro de 2013;
  10. Da informação de suporte ao despacho de cancelamento do referido benefício fiscal consta, nomeadamente, o seguinte: (i) “considera-se que a isenção em apreço (100% de IMT) foi indevidamente reconhecida, uma vez que a aquisição do imóvel em causa não se destinou à instalação do referido empreendimento por parte da entidade promotora, tratando-se antes de uma transmissão, que na mais abrangente das interpretações, terá que ver somente com a exploração” e (ii) “Releva-se que a aquisição deste imóvel constitui para o SP do Imposto (IMT), um investimento imobiliário e (…) afasta-se do princípio orientador de atribuição deste benefício fiscal – contribuir para o desenvolvimento do sector (…), através do estímulo ao investimento na “instalação” de equipamentos turísticos pelos promotores. Essa será a razão de ser e finalidade das isenções consagradas no Artigo 20º do DL nº 423/83, conforme salientado no preâmbulo do Diploma Legal, bem como da jurisprudência já citada (…) – Doc. 8, anexo ao PPA;
  11.  O referido despacho de revogação do benefício fiscal em apreço foi notificado à Requerente através do ofício n.º ... do Serviço de Finanças de ..., no qual foi fixado o prazo de 30 dias para que a Requerente solicitasse a emissão de guias para pagamento da liquidação de IMT n.º .../..., pela quantia de € 22 083,10 (Doc. 8 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  12. Em 20 de março de 2019, foi emitida citação no processo de execução fiscal n.º ...2019..., instaurado para cobrança da liquidação de IMT n.º .../... (Doc. 1 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  13. Em 1 de abril de 2019, foi instaurado o procedimento de reclamação graciosa n.º ...2019..., indeferido por despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., de 14.05.2019, notificado à Requerente por ofício do mesmo Serviço de Finanças e da mesma data, remetido Via CTT (Doc. 13 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  14. Na informação de suporte à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, lê-se, designadamente, que (i) “Da redação da norma citada [artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro] ressaltam duas exigências a ter em conta: os prédios ou frações devem ter como destino a instalação de empreendimentos”; “seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento” (…); (ii) “ Na realidade a A..., S.A. adquiriu um lote de terreno com projeto de construção de um empreendimento turístico; No fundo a reclamante adquiriu um produto acabado em termos de instalação, ou seja, comprou um terreno de construção com projeto (para obtenção da utilidade turística a título prévio terá que existir um anteprojeto aprovado do empreendimento, ficando o benefício condicionado à aprovação do projeto final, artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 423/83)”; “A instalação já havia sido realizada pela requerente da utilidade turística (B... SA) que vendeu o projeto na qualidade de promotor de um produto turístico, parte integrante do empreendimento ...”; (iii) “ (…) no caso em apreço, a entidade promotora do empreendimento turístico foi a sociedade B... SA e que por esse facto beneficiou da isenção de IMT, não cabendo o mesmo benefício à aqui reclamante”. (Doc. 13 junto ao PPA, que se dá como reproduzido);
  15. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e acrescidos da execução fiscal, em maio de 2019.


 

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, às alegações da Requerente e à resposta da AT, bem como da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

 

III.2 DO DIREITO

 

  1. Delimitação das questões a decidir:

Por se tratar de uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, apreciar-se-á prioritariamente a questão da intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, invocada pela Requerida na sua Resposta (artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

 

Apreciar-se-á, subsequentemente, do mérito da liquidação de Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Da intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral

Os tribunais arbitrais em matéria tributária dispõem da competência definida pelo artigo 2.º, do RJAT, em que se inclui a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora com as restrições decorrentes da alínea a) do artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, quando seja necessário o prévio recurso à via administrativa.

 

Fora das situações ali previstas, a defesa da legalidade de um ato tributário tanto pode efetivar-se diretamente pela via judicial, como na sequência da decisão de indeferimento de atos de segundo ou terceiro graus, que tenham tido por objeto aquele ato primário, cuja apreciação se pretende.

 

Deste modo, o n.º 1 do artigo 10.º, do RJAT, limita-se a fixar os prazos para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, com início em qualquer dos factos enunciados nas alíneas do n.º 1 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o qual remete, prazo que se conta, designadamente, da “Notificação dos restantes atos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, como é o caso da decisão de indeferimento expresso de uma reclamação graciosa que se tenha pronunciado sobre o mérito de um ato de liquidação.

 

Efetivamente, mesmo nos casos em que o pedido de constituição do tribunal arbitral tenha sido precedido de reclamação graciosa, necessária ou facultativa, “(…) o objeto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.”[1].

 

Assim, a referência à notificação da decisão da reclamação graciosa que manteve o ato de liquidação impugnado, apenas releva para que o tribunal possa aferir da tempestividade do pedido por referência àquela notificação e não por referência à data limite para pagamento da liquidação que lhe serviu de objeto.

 

No caso em apreço, embora a Requerente indique como objeto do pedido de pronúncia arbitral a “Liquidação Adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) relativa à aquisição, em 23/01/2013, do lote de terreno para construção inscrito na matriz predial da freguesia do ... sob o artigo ..., no montante de € 22.083,10”, não deixa de fazer referência à reclamação graciosa, cuja cópia junta e cuja decisão de indeferimento lhe foi notificada por ofício do Serviço de Finanças de ..., de 14 de maio de 2019, remetido Via CTT, notificação que se tornou perfeita nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 39.º, do CPPT.

 

Porque à data do pedido de constituição do tribunal arbitral, em 14 de agosto de 2019, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias sobre a data em que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa se deve considerar efetuada, deverá considerar-se a sua tempestividade, dando-se como não verificada a exceção invocada pela Requerida.

 

 

  1. Da liquidação de IMT

A apreciação da legalidade da liquidação de IMT objeto do pedido de pronúncia arbitral gira em torno do conceito de “instalação” de um empreendimento turístico e da subsunção àquele conceito dos factos dados como provados, para efeitos de atribuição do benefício fiscal de isenção de IMT ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, com a seguinte redação à data dos factos:

Artigo 20.º - São isentas de sisa e do Imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.”.

 

            Ou seja, a questão a decidir é a de saber se a Requerente adquiriu um imóvel a fim de nele instalar um empreendimento turístico ou se, pelo contrário, à data dessa aquisição, o empreendimento já se encontrava instalado.

 

O conceito de “instalação” já foi suficientemente dilucidado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão Uniformizador n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, no Processo n.º 968/12 – 2.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 44, de 4 de março de 2013.

 

À data dos factos, o “regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos” encontrava-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março que, no n.º 1 do seu artigo 4.º, veio estabelecer as diversas tipologias de empreendimentos turísticos: a) Estabelecimentos hoteleiros; b) Aldeamentos turísticos; c) Apartamentos turísticos; d) Conjuntos turísticos (resorts); e) Empreendimentos de turismo de habitação; f) Empreendimentos de turismo no espaço rural; g) Parques de campismo e de caravanismo e, h) Empreendimentos de turismo da natureza.

 

Embora este diploma legal não contenha a noção de “instalação”, remete, nos seus artigos 5.º e 23.º, para o regime jurídico da urbanização e edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro.

 

Artigo 5.º Requisitos gerais de instalação

1 - A instalação de empreendimentos turísticos que envolvam a realização de operações urbanísticas conforme definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação devem cumprir as normas constantes daquele regime, bem como as normas técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, designadamente em matéria de segurança contra incêndio, saúde, higiene, ruído e eficiência energética, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.

 (…)”

 

Artigo 23.º - Regime aplicável

1 - O procedimento respeitante à instalação dos empreendimentos turísticos segue o regime previsto no presente decreto-lei e está submetido ao regime jurídico da urbanização e da edificação, com as especificidades constantes do presente regime e respectiva regulamentação, sempre que envolva a realização das operações urbanísticas ali previstas.

2 - O pedido de licenciamento e a apresentação da comunicação prévia de operações urbanísticas relativas à instalação dos empreendimentos turísticos deve ser instruído nos termos do regime jurídico referido no número anterior, e ainda com os elementos constantes de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do turismo e do ordenamento do território, devendo o interessado indicar no pedido o tipo de empreendimento, bem como o nome e a classificação pretendidos.

(…)”

 

O conceito de instalação compreende, pois, o conjunto de operações e procedimentos “que vão desde o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia de operações urbanísticas, passando pelos pareceres e aprovações das várias entidades oficiais competentes, pedido de autorização ou comunicação de utilização para fins turísticos, e obtenção do respetivo alvará (art. 30º) ou título de abertura ao público (art. 32º)[2].

 

Distintos do conceito de “instalação” são os de “funcionamento” e de “exploração”, ainda que em regime de propriedade plural, donde resulta que “eventuais vendas de unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim, dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo à prática das operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda de unidades projetadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.”[3] 

 

Revertendo para a situação em análise, resulta da factualidade dada como provada que não foi a Requerente, mas sim a entidade vendedora do lote de terreno em que foi construído o Centro ..., a sociedade B..., SA, quem requereu e obteve a classificação de utilidade turística para o “Aldeamento Turístico ...”, quer a título prévio, concedida pelo Despacho n.º..., do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 06.09.2010, quer a título definitivo, pelo Despacho n.º .../2015, do Secretário de Estado do Turismo, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 03.09.2015, na sequência da emissão, pela Câmara Municipal de ..., do “Alvará de Utilização n.º .../2013 para Fins Turísticos”, de 23.04.2013, em nome da entidade com o NIPC ... (a sociedade B..., SA, com sede na Rua ...– Porto, embora por manifesto lapso de escrita se indique a “...), no qual se contempla o Lote 1, sito no lugar do ..., em que a Requerente construiu o Centro ..., correspondente ao prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia do ..., daquele concelho.

 

Aliás, é a própria Requerente quem afirma que a construção do Centro ... foi determinante na atribuição da “Utilidade Turística a Título Definitivo”, uma vez que já fazia parte integrante do compromisso assumido aquando do pedido de atribuição de “Utilidade Turística a Título Prévio”.

 

Contudo, como melhor resulta do probatório, tal compromisso não terá sido assumido pela Requerente, mas antes pela sociedade B..., SA, a cujo projeto foi conferida a atribuição de Utilidade Turística, quer a título prévio quer, posteriormente, a título definitivo.

 

E, embora a isenção consagrada no n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, tenha caráter objetivo, dela beneficiando “as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, o que resulta dos despachos de atribuição de Utilidade Turística é que tal classificação foi atribuída ao “Aldeamento ...”, como um todo, e não a qualquer um dos lotes que o integram, maxime, o adquirido pela Requerente.

 

Em sede de alegações escritas, veio a Requerente juntar documentos que comprovam gastos por si incorridos desde 2009 na construção do Centro ..., mesmo antes da data da aquisição do lote de terreno por cuja transmissão foi emitida a liquidação de IMT impugnada, por nada existir na lei que a impedisse de proceder a tal construção.

 

De facto, atento o princípio da liberdade contratual, nada na lei impediria a Requerente de financiar o projeto de um promotor que o viesse a submeter, como foi o caso da sociedade B..., SA, às entidades competentes para reconhecimento do estatuto de Utilidade Turística a esse mesmo projeto.

 

Porém, tal financiamento sempre ocorreria no âmbito das relações comerciais entre as sociedades intervenientes, não tendo a virtualidade de influir na definição legal de “instalação” de um empreendimento turístico, para efeitos de concessão do benefício fiscal a que se refere o n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

 

Invoca ainda a Requerente em abono da sua tese o facto de, para construção do Centro ... implantado no Lote de terreno inscrito na matriz urbana da freguesia do ..., concelho de..., sob o artigo ..., ter beneficiado de incentivos financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação, anexo à Portaria n.º 1464/2007, de 15 de novembro, alterada pela Portaria n.º 353-C/2009, de 3 de abril, que regulamentou o enquadramento nacional do sistema de incentivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 65/2009, de 20 de março, precisamente por ter executado um projeto de investimento no turismo.

 

O Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17 de agosto, publicado no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), destinado a orientar a programação da utilização de fundos estruturais comunitários no período de 2007-2013, veio estabelecer sistemas de incentivos ao investimento empresarial, designadamente na área do turismo, abrangendo “todos os sistemas de incentivos ao investimento nas empresas, (…), com exceção dos regimes de natureza fiscal, de apoio ao emprego e à formação profissional, dos regimes aplicáveis aos investimentos sujeitos às restrições comunitárias existentes no quadro da Política Agrícola Comum (PAC) e dos regimes de incentivo específicos orientados para os investimentos apoiáveis pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e pelo Fundo Europeu para as Pescas (FEP).” (artigo 2.º).

 

Como se depreende do âmbito de aplicação do regime de incentivos criado pelo Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17 de agosto, ele em nada contende com o regime fiscal estabelecido pelo n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, no qual o legislador abstrai dos tipos de financiamento, públicos ou privados, adotados por quem promove a instalação de empreendimentos turísticos que, como se deixou exposto, não pode deixar de ser entendido, no caso em análise, como a entidade que submeteu o projeto do Aldeamento Turístico ... às entidades competentes para reconhecimento do estatuto de Utilidade Turística, a título prévio e a título definitivo.

 

Ao adquirir um lote (Lote 1, acima descrito – alínea i) dos factos provados) desse empreendimento turístico, no qual construiu um Centro ..., com vista à sua exploração, não poderá a Requerente ser considerada como responsável pela instalação do empreendimento, pois o referido lote que faz parte integrante do “Aldeamento Turístico ...”, devendo antes concluir-se que a sua posição se aproxima da de um consumidor final de um produto turístico colocado no mercado pelo respetivo promotor.

 

Em face do exposto, conclui-se, pois, que não tendo a Requerente sido a entidade responsável pela instalação de um empreendimento turístico, embora tenha adquirido uma sua fração destinada à exploração para fins turísticos, não pode proceder a sua pretensão, por não cumprir os requisitos de aplicabilidade da isenção de IMT a que alude o n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Face à solução dada às questões acima identificadas, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, designadamente a alusiva à restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, dada a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se em, julgando integralmente improcedente a pretensão formulada pela Requerente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 22 083,10 (vinte e dois mil e oitenta e três euros e dez cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da Requerente, que apresentou pedido de proteção jurídica junto dos serviços da Segurança Social.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 28 de fevereiro de 2020.

 

O Árbitro,

 

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.



[1] Cfr. o Acórdão do STA, de 18.05.2011, processo n.º 0156/11, apud Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 69.

[2] Cfr. o citado Acórdão Uniformizador n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, no Processo n.º 968/12 – 2.ª Secção.

[3] Idem.