Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 543/2014-T
Data da decisão: 2015-04-06  Selo  
Valor do pedido: € 25.746,50
Tema: IS - Verba 28 da TGIS – Terrenos para construção
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Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

Em 28 de Julho de 2014, A… - EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS. S.A. número de pessoa colectiva …, com domicílio fiscal na Avenida …, Vila Nova de Gaia, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 5.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (decreto-lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro), para apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do Imposto de Selo previstos na Verba 28 da Tabela Geral com a redacção introduzida pela Lei n.° 83-C/2013, de 31 de Dezembro, referentes aos prédios identificados na matriz predial urbana sob os artigos ... e ... da freguesia de Avintes e ... e ... da freguesia de Oliveira do Douro e ao ano de 2013.

 

As referidas liquidações referem-se aos seguintes bens imóveis:

a.      Prédio Avintes ... U;

b.      Prédio Avintes ... U;

c.       Prédio Oliveira do Douro ... U; e

d.      Prédio Oliveira do Douro ... U;

Foram, portanto geradoras de uma colecta no valor de 25.746,50 €, tendo, à data da constituição do presente tribunal, sido pagas as primeiras prestações abaixo melhor identificadas:

– Liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.196,98 €;

- Liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.196,98 €;

- Liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.306,34 €; e

- Liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 1.881,90 €.

O âmbito do pedido não se circunscreve às prestações pagas – as primeiras – mas sim às liquidações referentes a todo o ano de 2013 umas já pagas – as primeiras -, e as outras a serem pagas decorrer do ano de 2014.

 

Não se conformando com as referidas liquidações de imposto, a Requerente solicitou a constituição de tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos:

i)               Anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo com fundamento:

a)      Erro quanto aos pressupostos;

b)      Vício de Fundamentação.

c)             Condenação da Administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 1, da LGT.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo em prazo.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro da Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 2 de Outubro de 2014.

Em 7 de Novembro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta em que defendeu que a acção em causa não teria objecto devendo portanto ser declarada extinta a instância, por inutilidade, de acordo com o disposto no artigo 277.° do Código de Processo Civil. Com efeito, considerou a Administração tributária que o documento indicado pela Requerida como petição inicial, consubstanciava, na verdade, um pedido de constituição de tribunal arbitral e um pedido de pronúncia arbitral, referentes ao sujeito passivo B… - Edificações Imobiliárias, Lda., NIPC ….

Em 19 de Novembro de 2014, a Requerente apresentou ao Tribunal um Requerimento de resposta no qual defende, em resumo, que se tratou de um erro material na junção dos documentos ao pedido de pronúncia arbitral não tendo a entidade Requerida contestado este despacho.

Nessa mesma data o Tribunal proferiu, a este propósito, um despacho cujo teor em síntese referia que:

(…) Após análise dos requerimentos apresentados pelas partes em 19 de Novembro e em 01 de Dezembro p.p., considera o tribunal nos termos do artigo 16.º alíneas c) e f) do RJAT que o processo deve prosseguir os seus termos normais.

Neste sentido, deve a entidade Requerida apresentar, caso nisso veja interesse e no prazo de 10 dias, a contestação quanto à matéria controvertida no processo na medida em que o erro da Requerente na junção de documentos é qualificado por este Tribunal como um erro material e portanto rectificável.

Nos termos gerais de Direito há erro material quando existe uma divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito, entre a vontade real e a declarada. No erro de na junção de documentos - no nosso caso, no erro de inserção de documentos - o que se inseriu no requerimento electrónico, não era o que se queria ter inserido, nem tão pouco o que se identificou no pedido de pronúncia arbitral, tal como se veio posteriormente a reconhecer. Assim, no caso em apreço, estamos perante um erro material susceptível portanto de correcção. Neste sentido são várias as decisões jurisprudenciais quer dos tribunais da Relação quer do Supremo Tribunal de Justiça e Administrativo.

Outra decisão que não esta seria afirmar, no limite, que cabe à Secretaria do CAAD a análise de mérito dos elementos de prova juntos pelas partes no pedido de constituição do Tribunal Arbitral. Uma conclusão como esta seria portanto ilegal. Cabe ao tribunal arbitral analisar o mérito da questão controvertida cabendo-lhe, naturalmente, a análise da bondade dos documentos para provarem os factos alegados.

Caso os documentos juntos ao processo não correspondam aos factos alegados então a consequência será a de não se darem os referidos factos como provados. Não será naturalmente o “indeferimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral”.

(…)

Em face do exposto, aceitando-se a rectificação do erro notifica-se a entidade Requerida para, apresentar, caso queira e no prazo de 10 dias, a contestação quanto à matéria controvertida no processo uma vez que aquando da contestação alegou inexistência do pedido de constituição do Tribunal Arbitral e do Pedido de Pronúncia Arbitral, não se tendo manifestado quanto à questão controvertida.

Em 6 de Janeiro de 2015, a Requerida apresentou resposta em que defendeu a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 16 de Janeiro de 2015 o tribunal decidiu não realizar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Por sugestão do Tribunal foram apresentadas alegações.

A Requerente concluiu a sua alegação dizendo que termina como no Requerimento Arbitral, devendo haver a integral procedência do aí peticionado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, reiterando o pedido de total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, com as demais consequências legais

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa além da questão relativa ao erro na junção de documentos. Quanto a esta questão ela foi sanada pelo tribunal logo em 19 de Novembro de 2014, ao qualificar o sucedido como um erro material do Requerente.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental, ao facto de não ter sido junto Processo Administrativo aos autos nem, tão pouco, sido apresentada prova testemunhal e atendendo especialmente ao facto de a Administração não ter contestado nenhum dos factos alegados pela Requerida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

2.      A Requerente é titular da propriedade plena dos prédios urbanos da espécie "terreno para construção", inscritos na matriz predial urbana, sob o artigo U ..., U ..., U ... e U, ....

3.      Os prédios urbanos em causa têm um valor patrimonial tributário de:

a.       Prédio Avintes ... U – 1.318.180,00€;

b.      Prédio Avintes ... U – 1.318.180,00€;

c.       Prédio Oliveira do Douro ... U – 1.383.800,00€; e

d.      Prédio Oliveira do Douro ... U – 1.129.140,00€;

4.      A descrição do prédio urbano é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção”;

5.      A Requerente foi notificada das primeiras prestações das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, do ano de 2013.

6.      O imposto foi sempre liquidado apenas com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo.

7.      Em 30 de Abril de 2014, a Requerente pagou as primeiras prestações do imposto liquidado, no montante de:

a.       Prédio Avintes ... U – 2.196,98,00€;

b.      Prédio Avintes ... U – 2.196,98,00€;

c.       Prédio Oliveira do Douro ... U – 2.306,34€; e

d.      Prédio Oliveira do Douro ... U – 1.881,90€;

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).

Assim, não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual desde logo porque não se colocou em causa a valoração probatória dos documentos juntos ao processo pela Requerente.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente tribunal arbitral consiste em apreciar a legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios aos actos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o tribunal irá apreciar em primeiro lugar o vício de violação de lei.

A este propósito, a questão a apreciar, independentemente da posição das partes e ao abrigo do princípio do inquisitório, consiste em determinar se a norma de incidência de Imposto do Selo, tal como se encontra redigida, na versão em vigor à data dos factos tributários, comporta na sua previsão “prédios urbanos … com afectação habitacional” a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

Erro quanto aos pressupostos

Sem grandes delongas, porque não se afigura de grande complexidade a questão da aplicação da lei no tempo ao caso em apreço, o tribunal ir-se-á pronunciar sobre a mesma na medida em que a sua resolução é pressuposto para as conclusões seguintes.

A liquidação do imposto em apreço deverá ser regulada pelo regime consagrado na Tabela Geral do Imposto de Selo com a redacção introduzida pela Lei 55-A/2012, dado que os factos tributários se verificaram no período da sua vigência.

Com efeito, não há dúvidas que os factos tributários em causa – propriedade dos terrenos para construção -, tendo ocorrido em 31 de Dezembro de 2013, ocorreu na vigência da redacção anterior da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo, pelo que a actual redacção que lhe foi dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014), não é aqui aplicável, uma vez que só vigora para os factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2014.

O que cumpre portanto saber é se, à luz da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo na redacção em vigor à data dos factos, se poderia considerar que os terrenos para construção estavam também abrangidos pela norma de incidência ou se, ao invés, só o vieram a ficar pós 2014.

Estamos assim, e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da Tabela Geral de Imposto do Selo que na redacção em vigor à data dos factos tributários estabelecia que estão sujeitos a Imposto do Selo:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Terá a Administração tributária razão quando defende que na norma de incidência cabe automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie “terrenos para construção”?

Ou caberá razão ao Requerente quando defende que “norma de incidência real apenas sujeita a tributação em Imposto de Selo os prédios urbanos com afectação habitacional e sempre por referência à sua identificação matricial e que o conceito de prédio com afectação habitacional será o que literalmente resulta do artigo 6o n.°s 1 e 2 do CIMI e, como tal, a “Afectação Habitacional” impõe que o imóvel que gera o imposto de selo da Verba 28 esteja habilitado com uma licença destinada à habitação ou tenha como destino normal a “habitação”, neste segmento se enquadrando os imóveis que pela sua configuração física - independentemente da licença camarária - possam ser utilizados efectivamente como habitação”?

A este propósito muitas têm sido as decisões do CAAD em considerar que não cabe razão à Administração tributária.

Porém, e no entendimento deste tribunal só assim é porque o objectivo do legislador em 2013 foi o de só abranger a segunda realidade – prédios urbanos habitacionais -, vindo só no ano seguinte a alargar a norma de incidência também a terrenos para construção.

A este propósito, transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T (a título exemplificativo), na parte a que aderimos:

“Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.

Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (negrito nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” e não sobre terrenos de construção. Haveria fundamento para o ter feito, até porque as razões que justificam o pagamento de imposto sobre bens de “luxo” por um proprietário de um bem superior a 1 milhão de euros se justificam, nas palavras da Administração tributária, indistintamente nos casos de prédios urbanos “habitacionais” e de “terrenos para construção”. Porém não foi esse o objectivo do legislador. E tanto assim é que no ano a seguir, seguramente por perceber a lacuna da redacção original, altera a lei acrescentando portanto claramente esta realidade.

Bem compreendendo os argumentos da Administração tributária esta não pode porém fazer-se substituir ao legislador, mais, não nos parece possível através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que, percute-se, haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo são ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim totalmente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Do vício de fundamentação

Tal como já anteriormente decidido em sede arbitral em sede do Processo n.º 91/2012-T – CAAD: “A procedência integral dos vícios de violação de lei prejudica o conhecimento dos vícios de forma e procedimentais, como decorre da ordem do conhecimento de vícios prevista no n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.

Na verdade, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios só se justifica pela eventual procedência dos vícios de conhecimento prioritários tornar desnecessário o conhecimento dos restantes, pois, se fosse sempre necessário conhecer todos os vícios seria irrelevante a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, procedendo os vícios de violação de lei, fica prejudicado o conhecimento do vício de fundamentação.

Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente às quantias de 2.196,98 €, de 2.196,98 €, de 2.306,34 €, e de 1.881,90 € já pagas e, bem assim, relativamente às quantias que tenham sido pagas após a constituição do presente tribunal.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[2].

Já nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” mais não é do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Cumpre a este propósito esclarecer que o pedido de pronúncia versa não só sobre as primeiras prestações do Imposto do Selo pagas à data da entrega do pedido no CAAD, mas também sobre as seguintes prestações que terão estado a pagamento no ano de 2014.

Assim, caso as mesmas tenham sido pagas haverá igualmente lugar a juros indemnizatórios pois a ilegalidade de ambas as prestações, das primeiras e das remanescentes, é imputável à Administração tributária.

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente na data do pedido de constituição do tribunal arbitral ou no decorrer do ano de 2014, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

***

 

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Declarar a ilegalidade dos seguintes actos:

– Liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.196,98 €, liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.196,98 €, liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 2.306,34 €, e liquidação n.º 2014 ..., com o montante a pagar de 1.881,90 € todas correspondentes às primeiras prestações de Imposto do Selo de 2013;

– Liquidações correspondentes às seguintes prestações referentes ao Imposto do Selo de 2013;

c) Anular as liquidações de Imposto do Selo referidas;

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente à data do pedido de constituição do tribunal arbitral ou sobre a quantia relativa às seguintes prestações que tenham sido pagas posteriormente desde que relativas ao ano de 2013, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT), desde a data em que efectuou o pagamento até integral pagamento.

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 25.746,50, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa

 

6 de Abril de 2015

 

A Árbitro

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

.

[2] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.