Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 541/2022-T
Data da decisão: 2023-03-02  IRC  
Valor do pedido: € 616.945,18
Tema: IRC. Dedutibilidade de gastos. Ajudas de custo. Utilização de viatura própria do trabalhador. Despesas não documentadas e indevidamente documentadas. Tributações autónomas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira e Dr. Henrique Nogueira Nunes, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-11-2022, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

            A..., viúva, NIF..., residente na ..., Alcochete (doravante designada como ”Requerente"), na qualidade de Revertida no processo de Execução Fiscal para cobrança da dívida com o n.º ...2019..., de que é devedora originária a sociedade B..., LDA., anteriormente denominada C..., Lda. sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., ..., ..., Porto NIPC..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2014, com o número 2018..., no valor de € 541.678,75 e de juros compensatórios no valor de € 75.266,43, num total de € 616.945,18.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-09-2022.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 03-11-2022, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-11-2022.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 02-02-2023, realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

 

  1. Vício novo invocado nas alegações

 

A Requerente, nas suas alegações, para além de se pronunciar sobre as questões suscitadas no pedido de pronúncia arbitral, vem defender, nos artigos 70.º e seguintes, que tinha um estabelecimento estável na Holanda em 2014 e eram a este imputáveis as despesas com o aluguer de viaturas naquele país, pelo que não lhe podia ser aplicada a tributação autónoma que foi aplicada, prevista no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, por a sua aplicação ser afastada pelo n.º 16 do mesmo artigo 88.º, que estabelecia, na redacção de 2014, que «o disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio».

Está-se, aqui, perante a imputação à liquidação impugnada de um novo vício de violação de lei, consubstanciado em ilegalidade decorrente da violação do n.º 16 do artigo 88.º do CIRC, que não foi suscitado no pedido de pronúncia arbitral.

Não se enquadrando o vício referido em qualquer das situações previstas no artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente em 2014, ele é gerador de mera anulabilidade, por força do disposto no artigo 135.º do mesmo Código, pelo que a sua arguição em processo arbitral só podia ser efectuada pela Requerente, revertida na qualidade de responsável subsidiária em execução fiscal, dentro do prazo de 90 dias a contar da citação, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.

A Requerente foi citada em Junho de 2022 pelo que a arguição deste novo vicio apenas em Fevereiro de 2023 é manifestamente extemporânea, pelo que não se toma dela conhecimento.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:

 

 

  1. A sociedade B..., anteriormente denominada por C..., Lda. desenvolvia no ano de 2014 a actividade de prestação de serviços de serralharia naval, na especialidade de soldadura de peças de grande dimensão para navios e plataformas;
  2. A C... LDA, NIPC: ... foi sujeita a uma acção inspectiva, de âmbito parcial para efeitos de IRC e IVA em cumprimento da ordem de serviço nº 012018..., iniciada em 02-05-2018, com incidência ao ano de 2014;
  3. Nessa acção foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária (RIT), cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à

matéria tributável

 

III.1 Ajudas de custo

Conforme referido no ponto II.3.3, a conta "63 -Gastos com pessoal" tem um peso muito significativo na estrutura de gastos da empresa representando, em 2014, cerca de 83,5% do seu volume de negócios.

Analisadas as subcontas que compõe esta conta, destaca-se desde logo o peso significativo da subconta "Ajudas de custo" que ascendeu, neste ano, a um total de 3.292.101,57 EUR.

(...)

Os custos com remunerações (contas 6311, 6321, 6322 e 6323) totalizaram o montante de 1.853.145,94 EUR. Isto significa que o montante de ajudas de custo contabilizadas (3.292.101,57 EUR) é muito superior ao montante global de remunerações pagas, na ordem dos 177%.

Esta conta (63272- Ajudas de custo) é contabilizada por contrapartida da conta de pessoal "238298 – Ajudas custo" que agrega o montante global de ajudas de custo contabilizadas, sem separação (contabilística) por funcionário. Posteriormente esta conta de terceiros vai sendo saldada por contrapartida da respetiva conta de depósitos à ordem ou caixa, por via dos pagamentos efetuados.

De salientar que contabilisticamente não é possível determinar qual o valor de ajudas de custo pagas a cada um dos funcionários, nem se o respetivo pagamento individual foi registado por caixa ou depósitos à ordem.

O registo do gasto com ajudas de custo e o registo dos respetivos pagamentos são completamente independentes do processamento de salários, sendo que os salários são integralmente pagos por transferência bancária, mas o montante de ajudas de custo registadas não.

Os documentos de suporte dos lançamentos de gastos com ajudas de custo são documentos internos, denominados "mapa de ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro" (ANEXO III). Da análise destes mapas arquivados na contabilidade destaca-se desde logo que, salvo raras exceções, não estão na sua generalidade assinados pelos respetivos funcionários e o valor diário constante dos mesmos é sempre de 89,35 EUR, com exceção de 4 funcionários, cuja ajuda de custo diária é ligeiramente inferior.

É importante frisar que o valor das ajudas de custo em 2014 está enquadrado legalmente no regime de atribuição previsto na Portaria 1553-D/2008, de 31 de dezembro, após Decreto-Lei 137/2010, de 28 do mesmo mês, sob a Lei 66-B/2012.

Para enquadramento destes gastos coma ajudas de custo, foram solicitados para análise os contratos de trabalho efetuados com estes trabalhadores.

Os contratos de trabalho dos trabalhadores afetos às obras, para quem foram processadas ajudas de custo, são todos "Contratos de trabalho a termo incerto, conforme exemplo anexo (ANEXO I).

Este tipo de contrato (a termo incerto) é um acordo por escrito entre a entidade patronal e o colaborador com um período de início, mas sem um fim estipulado. Segundo o nº 1 do artigo 140º do Código do Trabalho, este tipo de contrato apenas pode ser celebrado para cumprir uma necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação da mesma, nomeadamente para a execução de obra, projeto ou outra atividade definida e temporária, incluindo a execução, direção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração direta, bem como os respetivos projetos ou outra atividade complementar de controlo e acompanhamento.

Segundo consta do Relatório único da empresa, a C..., Lda dispunha em 2014 de apenas 4 funcionários no seu quadro (com contrato sem termo), 2 sócios-gerentes e 101 trabalhadores incertos, contratados por projeto para exercerem funções nas respetivas obras. A C..., Lda recorre a este tipo de contrato para mão sobrecarregar a sua estrutura fixa de gastos adaptando-se à incerteza e sazonalidade da atividade, contratando apenas o pessoal que necessita para fazer face aos projetos que vai angariando nos seus clientes e pelo tempo necessário para fazer face a essa necessidade.

Conclui-se desde logo que os funcionários são contratados para executar as tarefas no local da obra para a qual foram contratados (a termo incerto), sendo desde logo do conhecimento de ambas as partes o local onde irá ser realizado o trabalho.

Nos contratos de trabalho celebrados entre a C... e os funcionários temporariamente contratados consta, na cláusula segunda, que "o local da prestação de trabalho será feito entre o estabelecimento do 1º outorgante e em local da obra, designado pelo 1º outorgante". Fica desde logo estabelecido entre as partes, e por escrito, que os funcionários serão afetos à obra que a empresa designar. Os funcionários necessários para cada obra/projeto são contratados depois de adjudicada a obra pelos clientes.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local dife1ente do seu domicílio necessário, sendo o seu domicílio necessário o local onde aceitou prestar o serviço. Tal enquadramento, para pressuposto de atribuição de ajudas de custo, seria possível caso os trabalhadores tivessem sido contratados para prestar serviço em Portugal e aceitassem trabalhar deslocados em qualquer uma das obras em que a C... viesse a exercer a sua atividade, incluindo no estrangeiro.

Acontece que, relativamente ao caso em apreço, e tal como a seguir ficará claramente demonstrado, os trabalhadores contratados (a termo incerto) são, desde o primeiro dia de trabalho, inclusive, exclusivamente afetos a obras no estrangeiro, ao que acresce o facto de, naquele ano, a C... não apresentar quaisquer evidências ele obras realizadas em Portugal.

Consequentemente, e inerente ao próprio propósito da celebração dos referidos contratos de trabalho, o domicílio necessário/profissional subjacente a cada contrato de trabalho celebrado, é, desde logo, a obra no estrangeiro à qual é afeto o respetivo funcionário, pelo que não se verifica a existência de deslocação para local diferente.

Como confirmação do referido, do cruzamento dos dados constantes dos mapas de ajudas de custo e dos contratos de trabalho conclui-se que desde o primeiro dia de contrato de trabalho, são registadas ajudas de custo no respetivo mapa, pelo valor global diário. (ANEXO V) Confirma-se que os trabalhadores são automaticamente afetos à respetiva obra que justificou a celebração do seu contrato de trabalho a termo

incerto.

Tendo em conta o especial enquadramento fiscal deste tipo de gastos, que no caso do montante registado pela C..., Lda não foi sujeito a qualquer tipo de tributação, nem em sede de IRS nem em sede de IRC, importa referir que a característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, com carácter temporário e fora do local habitual de trabalho fixado, que devam ser imputadas à sua atividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora Por conseguinte, não deve existir qualquer correspondência entre a sua perceção e a prestação do trabalho.

Dado este aspeto compensatório e uma vez que não devem representar qualquer acréscimo patrimonial, as ajudas de custo não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários, destinando-se apenas a compensar gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador.

No entanto, a empresa tem contabilizados nos seus gastos valores de rendas suportadas com dois imóveis na holanda, durante todo o ano. Nos recibos de rendas referem "warehouse" e "office" mas, de acordo com as moradas referidas no mesmo, constatamos que se trata de dois imóveis habitacionais, com dois pisos.

Por outro lado, na contabilidade da empresa estão também registadas em gastos diversas despesas de restaurantes e de supermercado, ao longo do ano, suportadas no estrangeiro (ANEXO VI).

Resumidamente, é relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho fixado e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efetuadas ao serviço e a favor desta, situação que não se verifica no caso em apreço, conforme mencionado anteriormente, dado que os trabalhadores são exclusivamente contratados para prestar serviço nas respetivas obras/projeto para o qual foram contratados, para além de que a empresa suportou diretamente gastos relacionados com rendas, deslocações e estadas.

Este é também o entendimento refletido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, Processo 00512/04.7BEPNF, de 2017-02-02, no qual se sumariza que:

(...)

No quadro seguinte são apresentados 3 exemplos que refletem o procedimento comum em relação aos funcionários incertos, elaborado com base no respetivo contrato de trabalho, mapa de afetação dos funcionários às obras (fornecido pelo sujeito passivo) e mapa de ajudas de custo do primeiro mês ao serviço da empresa (ANEXO VII -- documentos comprovativos)

(...)

Da análise destes quadros podemos concluir que desde o primeiro dia do contrato que os funcionários são afetos à respetiva obra e desde esse dia, inclusive, são processadas ajudas de custo no respetivo mapa.

Não há por isso uma deslocação dos funcionários em relação ao local de trabalho fixado pois os mesmos são de imediato afetos à obra para a qual foram contratados, ao que acresce o facto de, naquele ano, a C...  não apresentar quaisquer evidências de obras realizadas em Portugal, pelo que, só se pode concluir que, no momento da celebração dos referidos contratos de trabalho, ambas as partes assumem, desde logo, essa afetação (a uma obra no estrangeiro) pelo que as condições salariais, nomeadamente no que diz respeito ao montante do salário acordado, não poderia ser indiferente a isso, pese embora, tenha sido dado o errado enquadramento de uma parte substancial do mesmo (com natural interesse para ambas as partes).

Foram também registados como gastos da C... Lda, os montantes pagos pelas viagens dos trabalhadores. Do cruzamento efetuado entre os dados constantes dos documentos de suporte a estes gastos com viagens (nomeadamente dados das reservas com identificação dos passageiros) e os mapas de ajudas de custo, foi possível detetar diversas situações em que os funcionários não estavam no local da obra (no estrangeiro) mas que esses dias constam no respetivo mapa a ajuda de custo diária (ANEXO VIII).

Comprova-se assim que, além dos funcionários serem contratados para exercerem funções nos locais das obras (não há deslocação) e existirem custos de alimentação e alojamento suportados pela C..., Lda, os montantes registados nos mapas de ajudas de custo não poderão corresponder integralmente a compensações pelos gastos incorridos no estrangeiro pois, nestes casos, mesmo o funcionário não estando

no local da obra (estrangeiro), foram processados valores de ajudas de custo diárias.

O valor registado em gastos referentes a ajudas de custos não está comprovado e o valor pago aos funcionários não pode ter este enquadramento pois não cumpre, desde logo, com o requisito base para esta consideração.

 

III.1.1 Rendimento do trabalho -Retenção de IRS

 

Tal como já referido e, ao contrário do que sucedeu com vencimentos, o montante registado a título de ajudas de custo não foi integralmente pago por transferência bancária.

Assim, colocado em causa o enquadramento daqueles gastos como ajudas de custo, importa desde logo distinguir o montante comprovadamente pago por transferência bancária (2.613.338,38 EUR) e o montante movimentado por contrapartida da conta caixa (678.763,19 EUR).

O art.º 82º do DL. 49.408, de 24-11-1969 (Regime jurídico do Contrato Individual de Trabalho) determina que:

«1-Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2-A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3-Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (sublinhado nosso)

A lei consagrou também, no nº 3 do art. 258º do Código do Trabalho, esta presunção ao determinar que "presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador".

Estabeleceu-se, pois, nestes normativos uma presunção no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição.

Assim, relativamente às importâncias comprovadamente pagas aos funcionários, como sendo referentes a ajudas de custo, comprova-se que as mesmas não podem ser justificadas como tal, pois

i) Os mapas não estão assinados pelos funcionários nem os valores expressos nos recibos de vencimento, pelo que não há prova de que funcionários tenham tido conhecimento e concordância dos valores processados;

ii) O local de trabalho para o qual estes funcionários são contratados, a termo incerto, corresponde ao local das várias obras/projetos adjudicados, portanto não se verifica a condição de o trabalhador se encontrar deslocado do seu local de trabalho habitual (domicílio necessário),

iii) São registadas ajudas de custo no mapa independentemente do funcionário estar ou não no estrangeiro e desde o primeiro dia em que se encontra em vigor o respetivo contrato de trabalho, inclusivamente no dia em que este é assinado;

iv) Há despesas dom alojamentos (rendas e hotéis) e alimentação (despesas de supermercado e outras), registadas em gastos na empresa que comprovam que a empresa suporta gastos em manter os seus trabalhadores no estrangeiro.

Os valores comprovadamente pagos constituem, assim, nos termos dos normativos invocados, parcela da retribuição.

 

Conclui-se assim que os montantes efetivamente pagos pelo sujeito passivo, como sendo ajudas de custo (enquadramento dado pela empresa), devem ser considerados como rendimentos do trabalho dependente, conforme o disposto nó art. 2.º, do Código do IRS, tributados para efeitos fiscais em sede daquele imposto e sujeitos a retenção na fonte nos termos dos artigos 98.º e n.º 1 d0 99.º do Código do IRS, pelo que caberia ao sujeito passivo ter comunicado aos respetivos beneficiários esses quantitativos.

Nos termos do n.º 4, do art.º 103.º, do Código do IRS, "Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido". Nestes termos, o sujeito passivo assume a responsabilidade solidária pelo imposto não retido referente aos valores pagos a título de ajudas de custo.

Para apuramento do montante de imposto que deixou de ser retido em relação a cada um dos funcionários da empresa foi recolhida a informação relacionada com a sua situação cadastral, do agregado familiar à data, e montante de rendimentos declarados pela empresa, nas declarações mensais de rendimentos.

Relativamente ao agregado, foi considerado aquele que foi declarado pelo trabalhador em sede de IRS em 2014, considerando-se a situação de "não casado, um titular, sem dependentes" nos casos em que essa declaração não existe.

Relativamente aos funcionários estrangeiros, pelo facto de serem considerados não residentes em Portugal, foi aplicada a taxa liberatória de 25%, prevista no n.º 4 do art.º 71.º do Código do IRS.

Consta em anexo (ANEXO IX) um mapa com o detalhe da situação familiar de cada trabalhador (titulares de rendimentos e número de dependentes), rendimentos mensais auferidos, taxa de retenção na fonte aplicável e respetivos cálculos do imposto em falta. No quadro seguinte são apresentados os quantitativos mensais do imposto em falta apurado, a título de Retenções na Fonte:

 

 

III.1.2 Tributação autónoma das despesas não documentadas

 

Relativamente aos montantes justificados como ajudas de custo mas cujo pagamento foi efetuado por caixa, no montante global de 678.763,19 EUR, tal não poderá ser tributado como rendimento do trabalho dependente pois não é comprovado que tenham sido efetivamente pagos ou colocados à disposição dos respetivos funcionários.

Foi efetuada a análise dos movimentos ocorridos na conta caixa, nomeadamente para aferir dos movimentos a débito (entradas) ocorridos na conta, que permitiram a dotação necessária para que estes pagamentos tenham sido efetuados por caixa sem que a conta apresentasse saldo negativo.

Ao longo do ano de 2014, foram efetuados diversos levantamentos de cheques da própria empresa, movimentados contabilisticamente da conta de depósitos à ordem (crédito) para caixa (débito). De forma a confirmar esta movimentação, e porque se trata de informação a coberto do sigilo bancário, o sujeito passivo autorizou que fossem solicitadas cópias bancárias (frente e verso) dos cheques de maior montante.

Da análise destes cheques verificamos que efetivamente foram efetuados os respetivos levantamentos para caixa (levantamentos ao balção), confirmando-se a capacidade da empresa em efetuar estes pagamentos por caixa.

Assim, desconsiderado o enquadramento destes gastos como ajudas de custo (efetuado no ponto III.1), não estando comprovado a quem foram efetivamente pagos estes montantes, mas comprovando-se a saída efetiva do dinheiro da conta da empresa, estes montantes assumem o caráter de despesas não documentadas.

Não há qualquer evidência do destino dado aos respetivos montantes devendo como tal ser classificados como despesas não documentadas, com as necessárias consequências tributárias nomeadamente a desconsideração do gasto, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 23-A do Código do IRC e sujeição a tributação autónoma, caindo na alçada do art.º 88º nº 1 do Código do IRC, à taxa de 50.

A motivação da tributação autónoma deste tipo de despesas, é que a mesma visa penalizar a realização de determinadas despesas, uma vez que não se sabendo quem é o respetivo beneficiário, impõe-se a necessidade de evitar que as mesmas constituam remunerações a pessoas cuja identidade se desconhece.

Se assim não fosse, estaríamos a aceitar como custo este tipo de despesas, sem que pudesse haver, dada a sua natureza confidencial, a tributação dos rendimentos auferidos por parte dos seus beneficiários, quer em sede de IRS quer em sede de IRC?

Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 23-A do Código do IRC, será acrescido ao lucro tributável o montante de 678.763, 19 EUR, numa linha em branco do quadro 07, e será acrescido o montante de 339.381,60 EUR (678.763,19 EUR x 50%) no campo 365, do quadro 10, ambos da declaração de rendimentos modelo 22.

 

III.2 Mapas de deslocação em viatura própria (Kms)

 

Na contabilidade, na conta "6328- KM em viatura própria", estão registados gastos no montante de 101.625,84 EUR.

Analisado o extrato desta conta (ANEXO X), verifica-se que este valor corresponde a um único lançamento no final do ano (Doc 15-12000024), datado de 2014-12-31.

Consultado o arquivo documental da contabilidade verificamos que o documento de suporte deste lançamento é um conjunto de mapas de quilómetros (ANEXO XI) de alguns funcionários da empresa mas referentes a todos os meses do ano (desde janeiro a dezembro).

Os mapas de quilómetros arquivados na contabilidade do sujeito passivo e de suporte aos lançamentos efetuados, não cumpriam os requisitos previstos na alínea h) do nº 1 do artº 23%-A do Código do IRC pois não referiam a matrícula do veículo.

Confrontada com este facto, a empresa substituiu os mapas constantes da contabilidade, por novos mapas com a identificação da matrícula do carro. Estes novos mapas não foram assinados pelos respectivos funcionários.

Um dos requisitos previstos na alínea h) do nº 1 do arº 23º - A do Código do IRC é que nos mapas conste a identificação do proprietário da viatura. Não constando outra informação, foi naturalmente presumida a propriedade das viaturas por parte do respetivo funcionário. Assim, foi verificada a propriedade dos veículos correspondentes às matrículas agora colocadas nos mapas, para confirmar se o funcionário identificado era o proprietário da viatura identificada pela respetiva matrícula.

Desta análise foi possível detetar diversas incongruências, nomeadamente a referência a uma matrícula posterior a 2017 (os mapas são de 2014), algumas matrículas que à data o proprietário já não era o funcionário identificado e matriculas que correspondem a veículos que só posteriormente foram propriedade do funcionário identificado (ANEXO XII).

De referir que a C... Lda tem registados na sua contabilidade gastos de alugueres de viaturas (rent-a-car) no estrangeiro, suportados durante todo o ano e que ascenderam a 111.018,26 EUR, no total do ano. Por outro lado, é muito pouco plausível que estes funcionários fizessem a viagem de carro até ao local da obra no estrangeiro, suas expensas, dado que a empresa suporta a viagem (de avião) dos funcionários para o local das obras e disponibiliza carros (alugados) para as deslocações do pessoal.

Não há comprovativo do pagamento destes montantes, referidos nos mapas de quilómetros, aos respectivos funcionários. Os mapas referem-se a todos os meses do ano, existindo mapas desde janeiro que, pela contabilidade, não foram pagos até ao final do ano.

O valor total (um só lançamento referente a todos os meses do ano) foi efetuado por contrapartida da conta 278000008, correspondendo a uma conta de terceiros (outros credores) do sócio gerente D... .

No mapa de contas da empresa existe a conta de terceiros, referente a pessoal, denominada "238296 - KMS Viat Pp" mas que não foi utilizada para este lançamento. Este montante foi lançado por contrapartida da conta "278000008-D...", pressupondo que o pagamento será efetuado ao sócio-gerente e não aos respetivos funcionários.

Conclui-se assim que os mapas apresentados não justificam o gasto contabilizado, pelo que o mesmo não poderá ser aceite para feitos fiscais, nos termos da alínea h) do artº 23º do Código do IRC, pelo que será acrescido ao lucro tributável, numa linha em branco do quadro 07 da declaração modelo 22, o montante de 101.625,84 EUR

 

III.3 Tributação autónoma dos gastos com alugueres de viaturas ligeiras de passageiros–

 

Tal como já referido, C..., Lda tem registado na sua contabilidade, na conta "62511-Viagens", gastos com alugueres e viaturas (rent-a-car) suportados no estrangeiro, no montante global de 111.018,26 EUR, conforme extrato e lista anexa (ANEXO XIII).

Em anexo (ANEXO XIV) são apresentadas cópias dos documentos de suporte dos gastos suportados no mês de janeiro, a título exemplificativo do que se verifica em todos os meses do ano.

Conclui-se que são alugadas diversas viaturas, utilitários ligeiros de passageiros, para as deslocações dos funcionários nos locais das obras (estrangeiro).

Dispõe o artº 88º do Código do IRC que são tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.

Não sendo cumprida nenhuma das exceções previstas no nº6 do referido art.º 88º, nem havendo evidência que se trate de viaturas movidas exclusivamente a energia elétrica, e tratando-se de veículos utilitários cujo valor de aquisição não ultrapassará os 25.000,00 EUR, estes gastos estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%, prevista na alínea a), do nº 3 do art.º 88 do Código do IRC.

De salientar que neste mesmo sentido dispõe a informação vinculativa do Processo nº 2012 001228 (ANEXO XV), de considerar que "Os encargos provenientes dos contratos de rent-a-car, ou seja, contratos de aluguer sem condutor por períodos muito curtos (iguais ou inferiores a três meses, não renováveis) são considerados encargos relacionados com aquelas viaturas nos termos daquele n.º 5, sendo assim sujeitos a tributação autónoma" e de, não havendo indicação expressa do montante de aquisição, considerar a taxa mais baixa (10%).

Assim, será acrescido no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22, o montante de 11.101,83 EUR, correspondente a 10% dos gastos com rent-a-car suportados durante o ano.

 

(...)

 

IX. Direito de Audição

 

(...)

 

Parágrafos 33 a 40 – Da alegada não assinatura das folhas de liquidação das ajudas de custo

Ao contrário do referido, este facto (as folhas de ajudas de custo não estarem assinadas pelos beneficiários não foi o mais relevante do relatório, nem aliás faria qualquer sentido, para se concluir que o valor registado em gastos referentes a ajudas de custos não estava comprovado e que o valor pago aos funcionários não podia ter esse enquadramento.

A respondente tenta com esta argumentação desviar a atenção dos restantes argumentos e factos apresentados no relatório da Inspeção Tributária.

Relativamente a este facto, a respondente refere que "todas as folhas de cálculo das ajudas de custo liquidadas e pagas aos funcionários estão assinadas. Todas e em relação a todos os funcionários. Junta-se a esta resposta todas as folhas."

Numa tentativa de suportar a sua argumentação, a respondente juntou à petição 1.480 folhas (3 pastas de arquivo), exclusivamente correspondentes à cópia dos referidos mapas, agora com assinaturas apostas.

Refere que "Na contabilidade foram realizados os lançamentos a partir de cópias de tais folhas logo que liquidadas (...). As folhas assinadas estavam onde sempre estiveram, nos escritórios da empresa".

Claramente que a exponente, tenta criar esta ilusão de que a Inspeção Tributária recolheu cópias de cópias em arquivo na contabilidade.

No entanto, o que a correspondente aparentemente desconhece, e que compromete toda a sua argumentação, é que recolha da prova foi efetuada com base em digitalizações dos documentos disponibilizados.

Consequentemente, estas afirmações não correspondem à verdade porque, consultadas as digitalizações efetuadas dos documentos constantes da contabilidade (mapas de ajudas de custo em formato digital, a cores, constantes do processo individual do sujeito passivo, anexando-se algumas cópias em formato digital (Anexo XVI -DVD anexo), verificamos que os mesmos são anteriores às assinaturas apresentadas pois têm apostas expressões manuscritas com caneta azul, que agora (nos mapas agora apresentados) estão fotocopiadas. Logo conclui-se que as assinaturas que agora constam dos mesmos foram, ao contrário do referido na petição, apostas posteriormente ao seu lançamento e contabilização e com base em cópias dos

documentos lançados na contabilidade.

Da análise dos mapas agora apresentados, verificamos também diversas incongruências das assinaturas apostas, quer por se verificarem diferentes assinaturas do mesmo beneficiário nos seus mapas referentes a meses diferentes (alguns exemplos no ANEXO XVII-- DVD anexo) quer por se verificarem também diferentes assinaturas do mesmo beneficiário, por confronto dos mapas de Kms que constavam da contabilidade e os mapas de ajudas de custo agora enviados (alguns exemplos no ANEXO XVIII -- DVD

anexo).

 

Parágrafos 41 a 49 -- Do pagamento de algumas ajudas de custo em dinheiro

Nestes parágrafos a respondente alega que "existem adiantamentos realizados aos trabalhadores".

Obviamente que tal pode acontecer, aqui como em qualquer outra empresa, o que não dispensa que esse facto deva estar refletido na contabilidade, o que não se verifica no caso do sujeito passivo. Na contabilidade não estão refletidos quaisquer adiantamentos desta natureza aos trabalhadores nem o facto de estes existirem (apesar de não refletidos na contabilidade) justificariam a necessidade de serem efetuados em numerário, já que o próprio salário era pago por transferência bancária. De realçar que todos os trabalhadores em causa têm conta bancária para o efeito.

Atentos à extensão do quadro do pessoal da C..., e aos montantes mensais globais alegadamente entregues como adiantamentos por conta de ajudas de custo, seria perfeitamente razoável que tais adiantamentos, a existirem, ou seriam realizados por transferência bancária, ou, caso os mesmos fossem realizados em numerário, que fosse exigida uma declaração do trabalhador a assumir a receção do adiantamento, no sentido da C... se salvaguardar com prova da sua realização. É claro que, caso fosse este o caso, facilmente teria sido apresentada prova em anexo à petição agora em apreciação. Relativamente ao facto dos registos das ajudas de custo constarem de "documentos internos", esta foi efetivamente uma circunstância constatada, não sendo por si só fundamento para qualquer correção ou contra ordenação. Mais uma vez a respondente tenta desviar as atenções e desvirtuar a fundamentação.

De salientar apenas, por contraposição, e conforme referido no relatório, que as alegadas ajudas de custo não constam dos recibos de salários dos funcionários, ou seja, não foram pagas da mesma forma nem conjuntamente com estes.

A respondente vem também referir que "na contabilidade os credores das ajudas de custo, os trabalhadores, não aparecem discriminados uma a um na contabilidade" e defender esta forma de contabilização, referindo que teria sido posta em causa no relatório, tentando induzir o leitor numa falsa importância deste facto.

Este facto foi constatado no relatório de inspeção para, mais uma vez, justificar a dificuldade em determinar a quem e quais os montantes pagos e que não há qualquer tipo de adiantamentos registados, e nunca como fundamento de correções efetuadas ou apuramento de irregularidades sujeitas a qualquer tipo de contra ordenação.

 

Parágrafos 50 a 61 --Dos contratos de trabalho

A respondente vem desde logo argumentar que poucos foram os contratos analisados. No entanto, não poderia estar mais equivocada, já que no âmbito da ação inspetiva foram analisados todos os contratos de trabalho, sendo que apenas foram juntos ao relatório alguns exemplos, por serem do conhecimento do sujeito passivo e terem1 todos a mesma forma e estrutura.

Mais uma vez, a exponente cai no erro de tentar vingar a sua argumentação com base no levantamento da (falsa) suspeita de que a Inspeção Tributária foi displicente na recolha da prova, quer quanto à extensão, quer quanto à suposta seleção enviesada Reforça-se que esta estratégia seguida pela exponente é complemente errada, falsa, e por isso derroga qualquer princípio da boa-fé, e como tal, só poderá abonar a favor da descredibilização da sua argumentação.

Anexa-se a este relatório, em formato digital (ANEXO XIX - DVD anexo) mais alguns exemplares, que comprovam o referido e refutam a argumentação apresentada. Saliente-se que a exponente, apesar de considerar que são "pouquíssimos contratos analisados", não apresenta um único contrato (nem poderia porque não existe) que não cumpra os requisitos em questão e que fundamentam a análise, que pudesse contrariar as conclusões apresentadas.

Refere ainda que o "erro mais clamoroso é a da interpretação de que os contratos de trabalho ao intitularem-se como de termo incerto, significam que são contratados para obras no estrangeiro". Obviamente que tal conclusão não resulta do relatório de inspeção. Conforme informações recolhidas na empresa, nomeadamente dadas pela representante do sujeito passivo, este tipo de contrato (a termo incerto) justificava-se porque os trabalhadores eram contratados para determinada obra que, no ano em causa, eram todas no estrangeiro, e não faziam parte do quadro fixo da empresa.

A respondente refere ainda na sua petição que "não obstante o título dado, tais contratos são contratos definitivos ou sem termo". Como se o facto dos contratos se denominarem, logo na primeira linha, em letras maiúsculas e sublinhado, de "contratos a termo incerto" não tivesse qualquer significado. Pelo referido, são completamente desprezadas as justificações e esclarecimentos dados pela representante do sujeito passivo durante o procedimento inspetivo, a realidade operacional da empresa, assim como as informações constantes do seu Balanço Social. Por outro lado, é feita alusão à legislação laboral sem qualquer referência ao texto da lei que permita retirar tais conclusões.

Vem a respondente aludir ao disposto no artº 147º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho. Esta alínea refere algumas das condições em que os contratos de trabalho se consideram contratos de trabalho sem termo.

Analisando os contratos a termo incerto, celebrados pela C..., Lda, constata-se que nenhum destes requisitos se verifica porque estão reduzidos a escrito, identificam as partes e estão assinados por ambas, constam dos mesmos as datas de celebração do contrato e de início de trabalho e referem, inequivocamente, que se trata de contratos de trabalho a termo incerto com o motivo justificativo expresso nas suas cláusulas sextas.

De referir ainda que da análise do Relatório Único da empresa (preenchido pela exponente ou por alguém legitimado pela mesma), entregue na Segurança Social, e disponibilizado pela empresa, é possível aferir que efetivamente os trabalhadores da C... eram trabalhadores temporários, nomeadamente no seu ANEXO B-FLUXO DE ENTRADA OU SAÍDA DE TRABALHADORES, onde consta, por funcionário, a data de entrada e o motivo do contrato, sendo este campo apenas de "preencher só para tipo de contrato a termo". Anexa-se, em formato digital, o Relatório único (ANEXO XX-DVD anexo). É possível também constatar que diversos trabalhadores, contratados nesta modalidade, têm mais do que um registo neste anexo, o que significa que estiveram na empresa durante mais do que um período no mesmo ano, por isso, celebraram mais do que um contrato no mesmo ano, o que reforça e dissipa quaisquer dúvidas do enquadramento no tipo de contrato

 

Parágrafos 62 a 67 -- Do facto do trabalhador ser destacado logo no início da sua relação de trabalho

Novamente aqui a respondente vem pôr em causa a representatividade dos casos apresentados como se os mesmos fossem uma amostra, confundido "amostra" com "exemplo do que se passa na universalidade dos registos".

Vem novamente referir que os trabalhadores "são sempre contratados em definitivo, através de contratos sem prazo" tentando apenas com recurso a argumentação infundada, contrariar a natureza dos contratos efetuados, o seu teor, a realidade operacional da empresa e o que consta do seu balanço social.

 

Parágrafos 68 a 73 - Das rendas do armazém e escritório serem consideradas de habitação dos trabalhadores destacados custeada pela contribuinte

Nestes pontos da petição, a respondente limita-se apenas a levantar dúvidas e fazer juízos de valor sobre a atuação da Inspeção Tributária, revelando ela própria ideias e suposições que nos abstemos de comentar, não sendo apresentado nenhum documento ou elemento objetivo de prova que permita concluir em sentido contrário do constante do Relatório de Inspeção.

No ponto 73 da petição refere que "E mesmo que os escritórios fossem em zonas residenciais...", como se não soubesse de antemão que efetivamente os "escritórios" são localizados em zonas residências ou não tivesse forma de objetivamente provar o contrário (caso não o fossem).

 

Parágrafos 73 (repetido) a 79-Das despesas com supermercado e almoços

Nestes pontos da petição, a respondente vem novamente tecer comentários à atuação da Inspeção Tributária, com base em juízos de valor próprios, aos quais nos abstemos de responder.

Vem no entanto, no parágrafo 76, tentar justificar estas despesas com a necessidade de "ter um mínimo de limpeza e conforto no escritório e armazém, tem de convidar e pagar refeições em restaurantes aos seus clientes e aos colaboradores destes (...) e isso justifica as faturas de restaurante, de supermercados e de rendas de escritório e de armazém."

Apesar desta argumentação, não é efetuada qualquer relação congruente entre as despesas contabilizadas e as justificações apresentadas, nomeadamente não se justificando cerca de 5.086,63 EUR de despesas em supermercado, conforme exemplos apresentados, para pagamento de despesas com os "seus clientes e colaboradores destes".

 

Parágrafos 80 a 83-Do pagamento de ajudas de custo a quem não estava deslocado

Relativamente a este assunto, vem, a respondente na sua petição, novamente tentar lançar a dúvida quanto aos factos relatados no relatório de inspeção, não logrando nunca apresentar as provas que justificam qualquer dúvida em relação ao Relatório de Inspeção.

É o caso, por exemplo, do constante no ponto 81, onde refere "que a viagem foi paga, comprova-o a passagem aérea registada, se o trabalhador veio é coisa diferente e que não pode ser presumida", nunca dizendo especificamente a que eventuais casos se refere, nem apresentando os meios de prova que contrariem os documentos registados na contabilidade.

Se de facto alguma das hipóteses levantadas no ponto 82 aconteceram, a empresa facilmente o comprovaria junto da agência de viagens ou companhia aérea. Não sendo concretizadas as afirmações genéricas e sem qualquer documento de prova do contrário, tratar-se-á apenas de suposições e cenários hipotéticos, aqui apresentados para lançar a dúvida quanto aos factos invocados e sem aderência à realidade.

 

Parágrafos 84 a 87-Da falta de fundamentação da desconsideração total das ajudas de custo e da existência de rendimentos

Nestes parágrafos a respondente vem, mais uma vez, tecer comentários e juízos de valor, que, por serem inválidos e infundados, não merecem qualquer comentário.

Especificamente em relação aos mapas constantes do anexo IX e referidos no parágrafo 86, trata-se de mapa de apoio ao cálculo objetivo e direto, com base nos rendimentos e situação familiar de cada um dos trabalhadores, para se determinar, de forma exata e clara, o montante de imposto em falta. Não são feitas quaisquer estimativas ou presunções que justifiquem o recurso à tributação por métodos indiretos, ao contrário do alegado.

 

Parágrafos 88 a 95 -- Tributação autónoma de despesas não documentadas

Nestes parágrafos, vem a respondente novamente fazer referência aos mapas de ajudas de custo agora apresentados, sendo que relativamente aos quais já foi esclarecido que os mesmos foram assinados em data posterior à sua contabilização, não podendo justificar os pagamentos anteriormente efetuados.

 

Parágrafos 96 a 104 - Kms pagos a colaboradores que usaram viaturas própria em deslocação ao serviço da empresa

Relativamente a este assunto, vem a respondente nestes parágrafos novamente tentar induzir o leitor em dúvidas, recorrendo a cenários hipotéticos e juízos de valor quanto à atuação da Inspeção Tributária, não apresentado qualquer facto concreto e comprovado que contrarie as conclusões do relatório de Inspeção

De salientar que a respondente se refere aos seus próprios mapas como "não estavam devidamente falsificados" (palavras suas), conclusão não retirada do relatório de inspeção. Por outro lado, refere que "lhe foi sugerido a alteração dos mapas", o que não corresponde à verdade pois nunca tal sugestão foi efectuada pela IT. Apenas foi comunicada à representante do sujeito passivo, durante o procedimento inspetivo, a falta formal constante dos mapas, no cumprimento do princípio de transparência e boa-fé que pauta a nossa atuação. Face a esta constatação, a representante do sujeito passivo tomou a iniciativa de alterar os mapas e de os apresentar, reformulados, para análise no âmbito do procedimento inspetivo.

Mais uma vez a respondente tentar condicionar o leitor, referindo que "(em alguns poucos casos) as matrículas não correspondiam ao tempo ao registo de propriedade do trabalhador", quando no caso em apreço, num universo de 18 mapas, de dezembro de 2014, foram detetadas irregularidades relacionadas com as matrículas em 14 desses mapas.

Por outro lado, no parágrafo 102, são mais uma vez apresentados cenários hipotéticos mas não concretizados ou comprovados relativamente à realidade da empresa e dos seus funcionários.

Obviamente que a desconsideração deste gasto para efeitos fiscais não configura, de forma alguma, a aplicação de presunções ou estimativas para o apuramento da matéria tributável, antes sim uma correção técnica de correção dos montantes declarados pelo sujeito passivo com base na análise dos documentos de suporte constantes da contabilidade do próprio sujeito passivo (métodos diretos).

 

Parágrafos 105 a III-Tributação de gastos com alugueres de viaturas ligeiras de passageiros no estrangeiro

No parágrafo 105 a respondente vem novamente tentar concluir sobre a não representatividade da amostra, quando, mais uma vez, apenas nos limitamos a juntar alguns exemplos ilustrativos do que se passa na universalidade dos registos. A respondente não logra juntar qualquer justificação ou comprovação da sua argumentação ou documento que contrarie as conclusões apresentadas.

É também ignorada a informação constante da informação vinculativa anexa ao relatório, que impõe e melhor justifica os critérios utilizados.

No parágrafo 109, vem a respondente referir que "discutirá se efetivamente se tratam de viaturas ligeiras de passageiros ou se tratam de veículos ligeiros de transporte de mercadorias, ou se se tratam de veículos de transporte de passageiros com mais de nove lugares de lotação". A respondente vem novamente lançar mão da dúvida infundada para tentar condicionar o leitor ao seu raciocínio, mas relativamente à realidade não logrou juntar ao processo qualquer documento relativo a estes alugueres (provavelmente por não existirem) que comprovassem que os veículos não se enquadravam na categoria de viaturas ligeiras de passageiros.

De salientar que a empresa disporá de outros elementos (nomeadamente os contratos) e dos contactos das empresas de aluguer, que lhe permitiriam (caso quisessem e fosse possível) facilmente efetuar essa prova.

Por outro lado ainda, a respondente não tomou em consideração o descritivo dos documentos constantes da contabilidade, que na sua maioria referem qual a viatura em causa, não podendo os veículos referidos ser enquadrados noutra categoria que não a de viaturas ligeiras de passageiros.

 

Parágrafos 112 e seguintes -Conclusão

Em conclusão, a respondente vem reconhecer que a sua argumentação poderá "ter ultrapassado a devida e permitida dureza e crueza da sua exposição" e volta a fazer comentários e juízos de valor sobre a inspeção.

 

CONCLUSÃO

Concluindo, como não é apresentado qualquer facto ou elemento novo pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição, que pudesse condicionar qualquer alteração às conclusões inicialmente apontadas no projeto de relatório, somos de opinião que as referidas correções se deverão manter.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., relativa ao ano de 2014;
  2. Foi instaurado o processo executivo n.º ...2019..., para cobrança coerciva da quantia liquidada;
  3. Nesse processo executivo foi proferido em 01-06-2022 despacho de reversão contra a aqui Requerente, tendo a mesma sido citada da reversão em 17-06-2022 através do ofício de saída GPS 2022... registo RH...PT de 14-06-2022 com aviso de recepção;
  4. A impugnante deduziu oposição instaurada sob o nº ...2022..., apresentada em 18-07-2022 e que foi remetida a tribunal em 12-09-2022;
  5. Em 14-09-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
  6. Os trabalhadores da C... eram contratados para trabalharem na região de Viana do Castelo, principalmente nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  7. Os contratos de trabalho incluíam uma cláusula relativa a possibilidade de deslocações (depoimento da testemunha E...);
  8. Em 2014 havia falta de trabalho nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, pelo que a C... obteve contratos em estaleiros navais no estrangeiro, designadamente na Holanda (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  9. Os trabalhadores da C... eram muito especializados pelo que conseguiram obter vários clientes no estrangeiro (depoimento da testemunha F...);
  10. Os trabalhos de soldaduras da indústria naval têm de ser feitos nos locais onde estão as peças por serem muito grandes (depoimento da testemunha F...);
  11. Quando havia um contrato para um projecto no estrangeiro, os trabalhadores da C... eram deslocados para o local, enquanto ele durava (depoimento da testemunha F...);
  12. A C... pagava as viagens de avião para os seus trabalhadores se deslocarem para o estrangeiro e também até ao mesmo valor as deslocações de trabalhadores em automóvel de uso próprio quando  estes (cerca de 14% ou 15%) porque preferiam dispor deles no estrangeiro ou não gostavam de andar de avião ou queriam transportar coisas ou levar as famílias (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  13. No estrangeiro a C... pagava as despesas de deslocações entre os locais onde os trabalhadores ficavam a residir e os respectivos locais de trabalho (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  14. Uma parte dos pagamentos aos trabalhadores era efectuada através de transferências bancárias e outra parte era feita em dinheiro, esta última quando os trabalhadores pediam os trabalhadores pediam adiantamento para despesas para alojamento e alimentação (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  15. Na Holanda, o custo de vida era elevado (depoimento da testemunha E...);
  16. Para alugar casa na Holanda os trabalhadores tinham de pagar vários meses ou caução (depoimento da testemunha E...);
  17. Eram também efetuados adiantamentos aos trabalhadores para obterem qualificações (depoimento da testemunha E...);
  18. O controle dos adiantamentos era efectuado através de um mapa em Excel (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  19. A compensação dos adiantamentos relativamente aos pagamentos a efectuar aos trabalhadores era efectuada no final de cada mês (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  20. Os adiantamentos eram feitos quase diariamente e a C... preferia fazer a compensação mensal em vez de comunicar diariamente à contabilidade os adiantamentos que efectuava (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  21. Os mapas de controle dos adiantamentos são internos e não foram apresentados à inspecção tributária nem faziam parte da contabilidade, sendo indicado a esta apenas os valores pagos por transferência e por caixa (depoimento da testemunha E...);
  22. Os valores dos adiantamentos saíram da conta da empresa para a do sócio-gerente (depoimentos das testemunhas E... e G...);
  23. Os adiantamentos nunca eram de valores de 1.000 euros (depoimento da testemunha E...);
  24.  Não eram emitidos recibos pelos trabalhadores relativamente a cada adiantamento (depoimento da testemunha F...);
  25. Os serviços de contabilidade eram externos à C... (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  26. A contabilidade era feita em lote no fim de cada mês, não sendo possível fazer diariamente os lançamentos relativos a cada adiantamento (depoimento de G...);
  27. Os lançamentos relativos aos adiantamentos não eram individualizados em relação a cada um dos trabalhadores (depoimento de G...);
  28. No final de cada mês era feita a compensação na contabilidade, relativamente a cada trabalhador, dos adiantamentos que tinha recebido (depoimento de G...);
  29.  O controle dos adiantamentos não era feito pelos serviços de contabilidade, sendo os registos efectuados com base em informações da C... (depoimento de G...);
  30. Os mapas de quilómetros percorridos pelos trabalhadores em viaturas de uso próprio entre os locais de residência e os locais de trabalho eram assinados pelos trabalhadores, sem indicação das matrículas das viaturas e respectivos proprietários (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  31. Em 2018, por a inspecção tributária ter aludido à falta de indicação das matrículas e proprietários no mapa, foi elaborado um novo mapa com as indicações que a C... obteve dos trabalhadores, que não teve possibilidade de confirmar, mapas estes que não foram assinados pelos trabalhadores (depoimentos das testemunhas E... e F... e documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  32. A C... alugou cerca de 40 viaturas na Holanda para deslocações dos trabalhadores que não dispunham de viaturas de uso próprio, sendo cada uma delas utilizada por 4 ou 5 trabalhadores (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  33. As viaturas alugadas pela C... só podiam ser utilizadas para as deslocações casa/trabalho (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  34. Eram utilizados mapas para controle da utilização das viaturas alugadas (depoimentos das testemunhas E... e F... e documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  35.  As despesas com aluguer de viaturas e ajudas de custo eram consideradas nos orçamentos apresentados aos clientes (depoimentos das testemunhas E... e F...);
  36. Os mapas de ajudas de custo eram do tipo do que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  37. No processo arbitral n.º 616/2019-T foi anulada uma liquidação de IRS relativa a ajudas de custo que foram consideradas rendimento do trabalho;
  38. Os valores que foram considerados para liquidação de IRS são os que constam do anexo IX ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido;
  39. No exercício do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, a C... apresentou 1480 folhas de ajudas de custo assinadas por seus funcionários (página 25 do RIT).

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não se provou que os valores que foram considerados para liquidação de IRS, por falta de retenção na fonte, incluam o montante de € 678.763,19, que foi considerado para efeitos de tributação autónoma por despesas não documentadas.

Na verdade, para além de no ponto III.1.2. se referir expressamente que relativamente a este montante de € 678.763,19 «não é comprovado que tenham sido efetivamente pagos ou colocados à disposição dos respetivos funcionários», o exame do Anexo IX ao Relatório da Inspecção Tributária, em que são indicados os valores considerados para efeitos de determinação da falta de retenção na fonte de IRS, mostra que o valor considerado é inferior ao que resultaria da soma das remunerações contabilizadas (€ 1.853.145,94) com as ajudas de custo contabilizadas (€ 3.292.101,57), que é de € 5.145.247,51.

Com efeito, como se vê pelo referido anexo IX o montante considerado para efeitos de liquidação por falta de retenção de IRS (remunerações + ajudas de custo pagas por transferência bancária) foi de € 4.374.778,14, como se pode ver pelos totais referentes a cada mês:

Janeiro

387.007,17

 documento 2 parte 3 página 5 do Anexo IX

Fevereiro

388.344,81

documento 2 parte 3 página 10 do Anexo IX

Março

453.378,05

documento 2 parte 4 página 15 do Anexo IX

Abril

462.320,80

documento 2 parte 4 página 20 do Anexo IX

Maio

355.126,96

documento 2 parte 4 página 25 do Anexo IX

Junho

322.648,64

documento 2 parte 4 página 30 do Anexo IX

Julho

439.906,65

documento 2 parte 4 página 35 do Anexo IX

Agosto

319.089,57

documento 2 parte 4 página 40 do Anexo IX

Setembro

353.985,60

documento 2 parte 4 página 45 do Anexo IX

Outubro

394.658,63

documento 2 parte 4 página 50 do Anexo IX

Novembro

319.842,36

documento 2 parte 4 página 55 do Anexo IX

Dezembro

178.468,90

documento 2 parte 4 página 60 do Anexo IX

       

 

Total:  4.374.778,14

 

Assim, é de concluir, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, que o valor de € 678.763,19 contabilizado como ajudas de custo não pagas por transferência bancária não foi considerado para efeitos de liquidação de IRS.

 

2.2.2. Não se provou que todos os pagamentos em dinheiro efectuados a trabalhadores tivessem por fim compensar adiantamentos.

Na verdade, os documentos de fls. 88, 92 e 95 do processo administrativo referem pagamentos em dinheiro em situações em que se refere o valor de 0,00€ de adiantamentos.

 

2.2.3. Não se provou que as folhas de ajudas de custo assinadas que a C... apresentou no exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT estivessem assinadas anteriormente, quando foram consultadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira na inspecção, mas também não se provou que o não estivessem, quando os serviços de inspecção tributária estiveram nas instalações da empresa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere, na página 25 do RIT, que essas folhas já existiam, mas não estavam assinadas e que há «diversas incongruências nas assinaturas apostas do mesmo beneficiário, por confronto dos mapas de Kms que constavam da contabilidade e os mapas de ajudas de custo agora enviados», mas não apresentou a este Tribunal prova do que afirma, para além de não ser clara a identificação das incongruências a que alude.

Neste contexto, apenas se considera provado que existiam na posse da C... folhas indicando os beneficiários das ajudas de custo, não se tendo apurado se estavam ou não assinadas.

 

2.2.4. Não se provou que todos os veículos alugados pela Requerente na Holanda para deslocações de trabalhadores sejam ligeiros de passageiros, nem que nenhum deles seja movido exclusivamente a energia elétrica, nem que todas as despesas consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para aplicar a tributação autónoma se reportem ao ano de 2014.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas juntou ao Relatório da Inspecção Tributária cópias de 13 facturas que constam do seu Anexo XIV, que diz reportarem-se ao mês de Janeiro, «a título exemplificativo do que se verifica em todos os meses do ano».

Mas, nessas facturas não se referem as características das viaturas e o tipo de combustível utilizado.

Por outro lado, a Requerente reconhece que se tratava de «viaturas, as mais das vezes, de transporte de passageiros» (artigo 102.º do pedido de pronúncia arbitral), o que não permite concluir que aceite que a totalidade era de viaturas desse tipo, antes pelo contrário, está-se perante uma afirmação que tem ínsita que nem todas eram desse tipo.

Para além disso, em algumas daquelas 13 facturas, fazem-se referência a períodos de aluguer que abrangem o ano de 2013.

Na verdade, as facturas que constam das páginas 187 e 190 do processo administrativo reportam-se a alugueres referentes totalmente ao ano de 2013 e as que constam das páginas 186, 192, 194, 196 e 197 abrangem períodos de 2013.

 

2.2.5. Não se provou que todos os alugueres de viaturas na Holanda tenham sido por períodos iguais ou inferiores a três meses.

Na verdade, não há qualquer elemento de prova que confirme essa duração e da prova testemunhal resulta que os alugueres de viaturas se prolongaram durante todo o ano de 2014.

 

2.2.6. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, nos que constam do processo administrativo e ainda, nos pontos indicados, com base nos depoimentos das testemunhas.

A testemunha E... era directora geral da C... e trabalhava na C... desde vários anos antes e até depois de 2014.

A testemunha F... era gestora financeira da C... e também trabalhava na C... desde vários anos antes e até depois de 2014.

A testemunha G... era contabilista certificado da C... desde o ano de 2014.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

Não foram juntos aos autos os anexos XVI a XX a que a Autoridade Tributária e Aduaneira alude na página 31 do RIT, pelo que, quanto a assinaturas de folhas de ajudas de custo o decidido baseia-se nas referências que são feitas nas páginas 24 e 25 do RIT.

 

 

3. Matéria de direito

 

         A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à C... em que fez correcções em sede de IRS, por falta de retenção na fonte relativamente a montantes contabilizados como tendo sido pagos a título de ajudas de custo aos seus trabalhadores, e correcções em sede de IRC e respectivas tributações autónomas.

         No presente processo é impugnada a apenas a liquidação de IRC e tributações autónomas.

 

         3.1. Tributação autónoma das despesas não documentadas

 

         3.1.1. Posições das Partes      

 

         A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu o seguinte, no RIT, em suma:

Relativamente aos montantes justificados como ajudas de custo, mas cujo pagamento foi efetuado por caixa, no montante global de 678.763,19 EUR, tal não poderá ser tributado como rendimento do trabalho dependente pois não é comprovado que tenham sido efetivamente pagos ou colocados à disposição dos respetivos funcionários.

(...)

Assim, desconsiderado o enquadramento destes gastos como ajudas de custo (efetuado no ponto III.1), não estando comprovado a quem foram efetivamente pagos estes montantes, mas comprovando-se a saída efetiva do dinheiro da conta da empresa, estes montantes assumem o caráter de despesas não documentadas.

Não há qualquer evidência do destino dado aos respetivos montantes devendo como tal ser classificados como despesas não documentadas, com as necessárias consequências tributárias nomeadamente a desconsideração do gasto, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 23-A do Código do IRC e sujeição a tributação autónoma, caindo na alçada do art.º 88º nº 1 do Código do IRC, à taxa de 50.

A motivação da tributação autónoma deste tipo de despesas, é que a mesma visa penalizar a realização de determinadas despesas, uma vez que não se sabendo quem é o respetivo beneficiário, impõe-se a necessidade de evitar que as mesmas constituam remunerações a pessoas cuja identidade se desconhece.

Se assim não fosse, estaríamos a aceitar como custo este tipo de despesas, sem que pudesse haver, dada a sua natureza confidencial, a tributação dos rendimentos auferidos por parte dos seus beneficiários, quer em sede de IRS quer em sede de IRC?

Nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 23-A do Código do IRC, será acrescido ao lucro tributável o montante de 678.763, 19 EUR, numa linha em branco do quadro 07, e será acrescido o montante de 339.381,60 EUR (678.763,19 EUR x 50%) no campo 365, do quadro 10, ambos da declaração de rendimentos modelo 22.

 

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– as despesas não documentadas que foram objeto da liquidação adicional resultam do que a contribuinte pagou aos seus trabalhadores deslocados nesse ano de 2014, para o estrangeiro a título de ajudas de custo e na parte que as pagou em dinheiro e não por transferência bancária;

– em sede de IRS foram aceites como custos fiscais tudo o que foi pago a trabalhadores a título de ajudas de custo, independentemente de serem consideradas ajudas de custo ou de rendimentos, e nenhuma correção de IRC foi feita a tal título;

– todas as ajudas de custo pagas em tal ano foram declaradas recebidas pelos trabalhadores que assinaram os recibos das quantias recebidas a tal título;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou como despesas fiscais, na totalidade, para efeitos de IRC, não corrigindo este;

 - considerando-as como remunerações ao pessoal, na totalidade, e por tal procurando tributar a contribuinte pelo IRS correspondente, a título de responsabilidade solidária;

– ficaram bem claras e coerentes sobre as razões que levavam a que fossem feitos adiantamentos e parte das ajudas de custo, ou das remunerações se assim se preferir, (não sendo tal o caso relevante nestes autos e nestas liquidações) fossem pagas em dinheiro;

– uso do dinheiro para receber e pagar ainda não é ilegal. E mesmo quando o legislador o pretende proibir, tal não significa que as operações com ele realizadas sejam nulas e de nenhum efeito, ou que permitam à AT uma qualquer presunção não fundamentada;

– todos os pagamentos realizados de ajudas de custo têm documento suficiente,

centenas deles, e a AT consultou-os, analisou-os, deu-os como válidos, aceitou-os quanto ao que representavam de despesas fiscalmente relevantes, pelo que nunca, quanto a eles.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira contesta, dizendo o seguinte, em suma:

 

– da inquirição não resultou igualmente justificada a razão de € 2.613.338,38 estar comprovadamente pago por transferência bancária, com identificação dos trabalhadores beneficiários, e de € 678.763,19 ter como contrapartida a conta caixa, através do levantamento de cheques ao balcão;

– para este montante de € 678.763,19, contabilizado como ajudas de custo, a Requerente não logrou juntar qualquer documento de suporte externo idóneo e admissível (nomeadamente bancário), prática comum para 80% dos encargos com ajudas de custo;

– o artigo 63.º-C da LGT, que obrigava os sujeitos passivos de IRC, a possuir conta bancária através da qual deviam ser, exclusivamente, “movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida”;

– Não resultou nos presentes autos qualquer evidência do destino dado aos respetivos montantes, devendo como tal ser classificados como despesas não documentadas, com as necessárias consequências tributárias nomeadamente a desconsideração do gasto, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 23-A do Código do IRC e sujeição a tributação autónoma, caindo na alçada do art.º 88º nº 1 do Código do IRC, à taxa de 50%”.

 

 

3.1.2. Apreciação da questão da tributação autónoma relativa a despesas não documentadas

 

  O artigo 88.º, n.º 1, do CIRC estabelece que «as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A».

Para além do conceito de «despesas não documentadas», utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A e no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, este Código utiliza o conceito de «encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º», que corresponde ao conceito de «encargos não devidamente documentados», utilizado na alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Trata-se de conceitos distintos, como se esclarece no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-04-2017, proferido no processo n.º 01320/16:

 

I – A terminologia empregue no art. 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental.

II – Tendo neste caso sido possível identificar as pessoas que no relatório de inspecção se referem ser trabalhadores/prestadores de serviços que receberam tais quantias, identificados pelos nomes, estamos perante identificação dos prestadores de serviços incorrecta, mas ainda assim, identificação daqueles.

III – Tais despesas não podem ser objecto de tributação autónoma porque estão documentadas embora de forma insuficiente, não havendo elementos que as permitam enquadrar nos específicos tipos de despesas objecto de tributação autónoma e concretamente referenciados no referido art. 81.º do CIRC.

 

            Embora esta acórdão tenha sido emitido à luz da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a não coincidência dos conceitos de «despesas não documentadas» e «encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º» é patente no artigo 23.º-A, n.º 1 do CIRC, pois faz-lhes referências cumulativas nas suas alíneas b) e c), que só se justificam por diferente amplitude dos respectivos conceitos.

            Assim, ambos os tipos de despesas não relevam para determinação do lucro tributável, por força do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, mas deverá continuar a entender-se que só as «despesas não documentadas» justificam a aplicação da tributação autónoma prevista no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, por só a estas, e não também às insuficientemente documentadas, se faz referência nesta norma. As despesas relativamente às quais há documentos indicativos de quem recebeu as quantias correspondentes, mesmo que que não satisfaçam os requisitos exigidos para assegurar a dedutibilidade como gastos, não são «despesas não documentadas», à luz da jurisprudência referida.

            No caso em apreço, a C... apresentou, no exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, 1.480 folhas indicando as ajudas de custo liquidadas e pagas aos funcionários assinadas.

            Segundo se refere no RIT, essas folhas já existiam quando a inspecção tributária recolheu documentação nas instalações da C..., mas não estavam assinadas.

            Mas, independentemente de estarem ou não assinadas as folhas referidas, está-se perante documentos que identificam quem recebeu as ajudas de custo.

Está-se, assim, perante uma situação substancialmente idêntica à apreciada no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pois é «possível identificar as pessoas que no relatório de inspecção se referem ser trabalhadores/prestadores de serviços que receberam tais quantias, identificados pelos nomes», pelo que poderemos estar «perante identificação dos prestadores de serviços incorrecta, mas ainda assim, identificação daqueles».

Consequentemente, não se está perante «despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental», como exige a citada jurisprudência para enquadramento da situação no âmbito do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC e também da alínea b) do n. 1 do artigo 23.º-A do mesmo Código.

             Assim, tendo as correcções efectuadas relativamente às ajudas de custo (desconsideração dos gastos montante de € 678.763,19 e tributação autónoma no montante de € 339.381,60) sido baseadas na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A e no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, tem de se concluir que enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a anulação da liquidação nas partes respectivas.

 

            3.2. Não aceitação de gastos relativos a mapas de quilómetros

 

            3.2.1. Posições das Partes   

 

Na contabilidade, na conta "6328- KM em viatura própria", estão registados gastos no montante de € 101.625,84.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade de qualquer destes gastos pelas seguintes razões:

 

Os mapas de quilómetros arquivados na contabilidade do sujeito passivo e de suporte aos lançamentos efetuados, não cumpriam os requisitos previstos na alínea h) do nº 1 do artº 23%-A do Código do IRC pois não referiam a matrícula do veículo.

Confrontada com este facto, a empresa substituiu os mapas constantes da contabilidade, por novos mapas com a identificação da matrícula do carro. Estes novos mapas não foram assinados pelos respectivos funcionários.

Um dos requisitos previstos na alínea h) do nº 1 do arº 23º - A do Código do IRC é que nos mapas conste a identificação do proprietário da viatura. Não constando outra informação, foi naturalmente presumida a propriedade das viaturas por parte do respetivo funcionário. Assim, foi verificada a propriedade dos veículos correspondentes às matrículas agora colocadas nos mapas, para confirmar se o funcionário identificado era o proprietário da viatura identificada pela respetiva matrícula.

Desta análise foi possível detetar diversas incongruências, nomeadamente a referência a uma matrícula posterior a 2017 (os mapas são de 2014), algumas matrículas que à data o proprietário já não era o funcionário identificado e matriculas que correspondem a veículos que só posteriormente foram propriedade do funcionário identificado (ANEXO XII).

De referir que a C... Lda tem registados na sua contabilidade gastos de alugueres de viaturas (rent-a-car) no estrangeiro, suportados durante todo o ano e que ascenderam a 111.018,26 EUR, no total do ano. Por outro lado, é muito pouco plausível que estes funcionários fizessem a viagem de carro até ao local da obra no estrangeiro, suas expensas, dado que a empresa suporta a viagem (de avião) dos funcionários para o local das obras e disponibiliza carros (alugados) para as deslocações do pessoal.

Não há comprovativo do pagamento destes montantes, referidos nos mapas de quilómetros, aos respectivos funcionários. Os mapas referem-se a todos os meses do ano, existindo mapas desde janeiro que, pela contabilidade, não foram pagos até ao final do ano.

O valor total (um só lançamento referente a todos os meses do ano) foi efetuado por contrapartida da conta 278000008, correspondendo a uma conta de terceiros (outros credores) do sócio-gerente D... .

No mapa de contas da empresa existe a conta de terceiros, referente a pessoal, denominada "238296 - KMS Viat Pp" mas que não foi utilizada para este lançamento. Este montante foi lançado por contrapartida da conta "278000008-D... ", pressupondo que o pagamento será efetuado ao sócio-gerente e não aos respetivos funcionários.

Conclui-se assim que os mapas apresentados não justificam o gasto contabilizado, pelo que o mesmo não poderá ser aceite para feitos fiscais, nos termos da alínea h) do artº 23º do Código do IRC, pelo que será acrescido ao lucro tributável, numa linha em branco do quadro 07 da declaração modelo 22, o montante de 101.625,84 EUR.

(...)

Apenas foi comunicada à representante do sujeito passivo, durante o procedimento inspetivo, a falta formal constante dos mapas, no cumprimento do princípio de transparência e boa-fé que pauta a nossa atuação. Face a esta constatação, a representante do sujeito passivo tomou a iniciativa de alterar os mapas e de os apresentar, reformulados, para análise no âmbito do procedimento inspetivo.

Mais uma vez a respondente tentar condicionar o leitor, referindo que "(em alguns poucos casos) as matrículas não correspondiam ao tempo ao registo de propriedade do trabalhador", quando no caso em apreço, num universo de 18 mapas, de dezembro de 2014, foram detetadas irregularidades relacionadas com as matrículas em 14 desses mapas.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– não há qualquer deficiência nos mapas que criou para justificar o pagamento a título de compensação aos seus trabalhadores pelo uso por estes de viaturas que não eram da empresa ao serviço desta;

– tais mapas estavam assinados pelos trabalhadores e permitia a verificação, além de tudo o mais, de que o valor da compensação não ultrapassavam os limites estabelecidos pelo Estado para a compensação aos seus funcionários, quando igualmente usavam as suas viaturas ao serviço do próprio Estado;

– faltavam a tais mapas, e então, a indicação da matrícula da viatura utilizada, daí

decorrendo a titularidade da viatura, pelo que em 2018, os inspetores da AT solicitaram tal informação à contribuinte;

– informação que a contribuinte prontamente prestou, complementando a informação que constavam dos mapas, o que fez utilizando o formato dos mesmos mapas originais, agora com a informação expressamente pedida, as matrículas;

– a contribuinte não tem meios de poder confirmar a quem pertenciam, ou pertencem, as viaturas que os trabalhadores usaram, se a eles, se a algum familiar ou amigo/a, se os alugaram ou o que quer que fossem. Presumiu que fossem do trabalhador que indicou o seu uso, do mesmo modo que aceitou que durante todas as deslocações ao serviço da empresa a viatura fosse a mesma;

– a titularidade não é relevante para a conclusão da existência do uso pelos seus trabalhadores de viaturas que não são da empresa ao seu serviço são ou não da sua pertença, ou a que título a utilizou;

– a AT, no seu RIT, não demonstrou, nem sequer alegou que tal elemento, por si não pedido quando pediu a informação complementar que lhe foi dada, que as divergências que diz ter encontrado a impediu de comprovar da realidade das deslocações em viatura ao serviço da empresa, viaturas que lhe não pertenciam;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira partiu para a desconsideração de todos os pagamentos a título de compensação pelo uso de viatura própria ao serviço da empresa por parte dos seus trabalhadores, mesmo para os casos em que a matrícula correspondia ao próprio trabalhador que a utilizou, o que verificou, e nunca tendo colocado a existência e a necessidade da deslocação efectuada;

– e tal constitui um abuso de direito, uma falta de fundamentação suficiente, uma ilegalidade, já que existindo a informação de qual a viatura utilizada, de que mesma pertence ao trabalhador que a utilizou ao serviço da empresa, e sem que se demonstre a não existência ou a não utilidade ou necessidade para a empresa de tal deslocação, ao desconsiderar relevante como custo fiscal tal despesa, viola o direito do contribuinte em deduzir aos seus rendimentos brutos os gastos em que incorreu para os obter;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou como custo fiscal qualquer compensação paga por utilização de viatura própria ao serviço da empresa, não porque esta não fosse necessária e comprovada, mas porque, anedoticamente, encontrou alguns poucos casos em que a viatura utilizada, nesse ano de 2014, não estava registada na sua base de dados da IUC em nome do trabalhador;

– por tais despesas da contribuinte esta pagou a Tributação Autónoma correspondente, pelo que se despesa não ocorreu, a TA liquidada e paga, deveria ter sido retificada por indevida, para tal tendo a AT competência e o dever, e o seu valor devolvido.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, em suma:

 

– a não aceitação do valor aqui em causa não se ficou a dever apenas ao aspeto formal dos mapas, mas sobretudo à falta de evidências de que os trabalhadores tenham utilizado as suas viaturas em deslocações efetuadas no estrangeiro ao serviço da entidade patronal;

– a própria Requerente refere no pedido arbitral, que alugou cerca de vinte viaturas para deslocar o pessoal dos locais onde dormem para os locais de trabalho, justificando que o aluguer de viaturas de pequena dimensão foi a melhor e mais económica solução encontrada;

– não resultou da inquirição que estes montantes, apurados nos mapas de quilómetros, tenham sido pagos aos trabalhadores, nem parece haver por parte da Requerente, a intenção de identificar na contabilidade o valor em dívida a cada um deles, pois o montante aqui em causa foi registado na contabilidade no final do ano, num único lançamento e por contrapartida da conta corrente do sócio-gerente D... conta 278000008.

 

 

            3.2.2. Apreciação da questão         

 

         Resulta da prova testemunhal produzida que alguns trabalhadores, em vez de se deslocarem para o estrangeiro em avião, com viagem paga pela C..., preferiram deslocar-se em viaturas de uso próprio, ou porque queriam dispor delas no estrangeiro ou porque não gostavam de andar de avião ou porque queriam transportar coisas ou porque pretenderam levar as famílias.

         Não há, assim, razão para concluir, como fez a Autoridade Tributária e Aduaneira, que todas as despesas relativas a utilização de viaturas de uso próprio não tem correspondência com a realidade (designadamente por, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, ser «muito pouco plausível que estes funcionários fizessem a viagem de carro até ao local da obra no estrangeiro»), pois a prova testemunhal corrobora a documental no sentido dessa utilização e foram dadas explicações para a disponibilidade pelos trabalhadores de viaturas de uso próprio no estrangeiro.

         No que concerne aos requisitos formais, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão, quanto à exigência de indicação das matrículas dos veículos utilizados e seus proprietários, pois ela é expressamente feita na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC ao considerar não dedutíveis, para determinação do lucro tributável, «... os encargos com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário».

         Estas acentuadas exigências de ordem formal justificam-se para permitir o controle da realidade das despesas com utilização de viaturas próprias do trabalhador.

         No caso em apreço, os mapas apresentados com indicação das matrículas não merecem credibilidade, pois foram elaborados cerca de 4 anos depois das datas indicadas como sendo as da realização das despesas, com base em informações pedidas aos trabalhadores em 2018 e sem qualquer controle pela Requerente da correspondência ou não à realidade das informações obtidas, como confirmaram as testemunhas E... e F... [alínea HH) da matéria de facto fixada].

         Para além disso, a alínea h) do n.º 1 do artigo 23.ºA do CIRC não exige apenas que dos mapas referidos conste a identificação da viatura, exigindo também a indicação do «respectivo proprietário» e a Requerente nem mesmo nos mapas que elaborou em 2018 fez esta indicação dos proprietários, afirmando mesmo que «a contribuinte não tem meios de poder confirmar a quem pertenciam, ou pertencem, as viaturas que os trabalhadores usaram, se a eles, se a algum familiar ou amigo/a, se os alugaram ou o que quer que fossem. Presumiu que fossem do trabalhador que indicou o seu uso, do mesmo modo que aceitou que durante todas as deslocações ao serviço da empresa a viatura fosse a mesma».

         Por isso, tem de se concluir que a falta do requisito formal da posse pela C..., por cada pagamento efetuado, de um mapa de que conste a identificação do proprietário da viatura utilizada, justifica, só por si, a não aceitação da dedutibilidade dos encargos contabilizados relativos a utilização de viatura própria, à face do preceituado no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do CIRC.

         Esta conclusão afasta a relevância para a decisão desta questão, das outras questões colocadas, pois, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a sua legalidade é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [1] )

         Por isso, nestes casos em que são invocados vários fundamentos para efectuar uma correcção, basta que um deles tenha suporte legal para assegurar a legitimidade do acto que naquela se baseie.

         Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

 

         3.3. Questão da tributação autónoma relativa a gastos com alugueres de viaturas

 

         3.3.1. Posições das Partes      

 

         A C..., Lda registou na sua contabilidade, na conta "62511-Viagens", gastos com alugueres e viaturas (rent-a-car) suportados no estrangeiro, no montante global de 111.018,26 EUR, no ano de 2014.

         A Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a este valor a tributação autónoma de 10%, no montante de €11.101,83, com fundamento na alínea a), do nº 3 do art.º 88 do CIRC, dizendo o seguinte, em suma:

 

Conclui-se que são alugadas diversas viaturas, utilitários ligeiros de passageiros, para as deslocações dos funcionários nos locais das obras (estrangeiro).

Dispõe o artº 88º do Código do IRC que são tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.

Não sendo cumprida nenhuma das exceções previstas no nº 6 do referido art.º 88º, nem havendo evidência que se trate de viaturas movidas exclusivamente a energia elétrica, e tratando-se de veículos utilitários cujo valor de aquisição não ultrapassará os 25.000,00 EUR, estes gastos estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%, prevista na alínea a), do nº 3 do art.º 88 do Código do IRC.

De salientar que neste mesmo sentido dispõe a informação vinculativa do Processo nº 2012 001228 (ANEXO XV), de considerar que "Os encargos provenientes dos contratos de rent-a-car, ou seja, contratos de aluguer sem condutor por períodos muito curtos (iguais ou inferiores a três meses, não renováveis) são considerados encargos relacionados com aquelas viaturas nos termos daquele n.º 5, sendo assim sujeitos a tributação autónoma" e de, não havendo indicação expressa do montante de aquisição, considerar a taxa mais baixa (10%).

Assim, será acrescido no campo 365 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22, o montante de 11.101,83 EUR, correspondente a 10% dos gastos com rent-a-car suportados durante o ano.

 

(...)

No parágrafo 109, vem a respondente referir que "discutirá se efetivamente se tratam de viaturas ligeiras de passageiros ou se tratam de veículos ligeiros de transporte de mercadorias, ou se se tratam de veículos de transporte de passageiros com mãos de nove lugares de lotação". A respondente vem novamente lançar mão da dúvida infundada para tentar condicionar o leitor ao seu raciocínio, mas relativamente à realidade não logrou juntar ao processo qualquer documento relativo a estes alugueres (provavelmente por não existirem) que comprovassem que os veículos não se enquadravam na categoria de viaturas ligeiras de passageiros.

De salientar que a empresa disporá de outros elementos (nomeadamente os contratos) e dos contactos das empresas de aluguer, que lhe permitiriam (caso quisessem e fosse possível) facilmente efetuar essa prova.

Por outro lado ainda, a respondente não tomou em consideração o descritivo dos documentos constantes da contabilidade, que na sua maioria referem qual a viatura em causa, não podendo os veículos referidos ser enquadrados noutra categoria que não a de viaturas ligeiras de passageiros.

 

 

         A Requerente diz o seguinte, em suma:

 

– resultou do testemunho de conhecedor diretos da realidade da empresa em tal ano de 2014, que a contribuinte alugou viaturas na Holanda para o transporte dos seus trabalhadores dos locais de pernoita para as obras, como era de sua obrigação, alugueres que se mantiveram durante todo o ano, e que se justificavam porque nas imediações das obras, estaleiros navais na sua maioria, não haveria alojamento suficiente, ou em preço suportável, quer em vivendas quer em hotéis;

– a utilização de autocarros, atento o número de trabalhadores envolvidos, cerca de uma centena, e a dispersão das casas de habitação que usavam, seria por demais inconveniente, pela morosidade e atenta ainda a diversidade de horários de trabalho;

– todas as testemunhas foram unânimes em confirmar que: - não constava de qualquer contrato de trabalho a faculdade de qualquer trabalhador, por si ou em conjunto, poderem usar as viaturas para uso próprio e particular, - e que de novo através de mapas elaborados diariamente e assinados dia a dia por cada trabalhador que conduzia a viatura utilizada para o transporte de vários trabalhadores, em média 4.7 trabalhadores por viatura;

– inclusive, regras de rentabilidade e anti abuso assim o obrigavam, estavam proibidas mesmo deslocações aos supermercados ou outras que não o exclusivo uso para a função de deslocação casa trabalho e volta;

– a empresa controlava exaustivamente tais mapas para a determinação de que as viaturas não eram usadas para outros fins;

– sendo o aluguer de tais viaturas uma despesa avultada e significativa, o seu custo, aliás facilmente determinável pelos contratos de aluguer e o controlo de distâncias a percorrer no decurso de cada obra, eram debitadas aos clientes finais por serem refletidos na determinação do preço de venda praticado;

– dos documentos constantes da contabilidade, aceites quanto à existência da despesa e o seu valor, não consta de que viaturas se trata, qual o seu preço de aquisição, qual o seu combustível ou até se se tratam exclusivamente de veículos de passageiros, ou também de veículos de mercadorias. Até podia ter acontecido tratarem-se de veículos elétricos, de veículos de locomoção mista, elétricos e de combustível líquido, recarregáveis por tomada, a gás natural líquido ou gás propano liquidificado, sendo que a primeira hipótese só em tribunal tendo sido colocada e não respondida.

  

         No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, em suma:

– pela análise das faturas que suportam os encargos que as viaturas alugadas correspondem a viaturas utilitárias ligeiros de passageiros, cujo valor de aquisição não ultrapassará os € 25.000,00, e que, não havendo lugar a nenhuma das exceções previstas no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC, os encargos com estas viaturas deviam ser sujeitos à taxa de tributação de 10%, prevista na alínea a) do n.º 3 deste mesmo;

– não parece relevante o argumento de que a empresa controlava exaustivamente toda a utilização das viaturas e os trabalhadores não retiraram qualquer vantagem na utilização dessas viaturas.

   

         3.3.2. Apreciação da questão

 

         A Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou a tributação autónoma de 10%, prevista no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC às despesas com aluguer de viaturas na Holanda.

 

O n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, na redacção vigente em 2014, estabelecia o seguinte:

3 - São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;

 

Decorre do texto desta norma que, para haver lugar à tributação autónoma, relativamente ao período de 2014, com base em todas as facturas consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de € 11.101,83, seria necessário que todas elas fossem viaturas de passageiros e que nenhuma das utilizadas fosse movida a energia eléctrica, para além de as despesas se reportarem ao período de 2014.

Como se refere na fundamentação da decisão da matéria de facto, não se provou que todos os veículos alugados pela Requerente na Holanda para deslocações de trabalhadores sejam ligeiros de passageiros, nem que nenhum deles seja movido exclusivamente a energia elétrica, nem que todas as despesas consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para aplicar a tributação autónoma se reportem ao ano de 2014.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas juntou ao Relatório da Inspecção Tributária cópias de 13 facturas que constam do seu Anexo XIV, pelo que nada se apurou sobre as características da totalidade dos veículos utilizados, para além de resultar das facturas que constam das páginas 186, 187, 190, 192, 194, 196 e 197 do processo administrativo que foram consideradas facturas que abrangem despesas imputáveis total ou parcialmente ao período de 2013.

Por outro lado, de referência à aplicação do entendimento adoptado na informação vinculativa do Processo nº 2012 001228, junta no ANEXO XV ao RIT, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira teve como pressuposto da aplicação da tributação autónoma que se tratava de contratos de duração não superior a três meses, o que não corresponde à realidade.

Pelo exposto, a aplicação da tributação autónoma enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto que justifica a sua anulação, nos termos nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT .

 

3.3. Juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respectivas liquidações de IRC e tributações autónomas (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação, na parte correspondente às liquidações anuladas.

 

          

         4. Decisão        

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1.  Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de 2018 ..., nas partes em que tem como pressuposto o acréscimo ao lucro tributável do montante de € 678.763,19, relativo a despesas não documentadas, bem como a respectiva tributação autónoma no valor de € 339.381,60;
  3. Anular a referida liquidação na parte em que aplicou a tributação autónoma de € 11.101,83, relativa a gastos com alugueres de viaturas;
  4. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da não aceitação de gastos relativos a mapas de quilómetros, no valor de € 101.625,84, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
  5. Anular a liquidação de juros compensatórios na parte em que tem como pressupostos as liquidações de IRC e tributação autónoma que são aqui anuladas.

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 616.945,18, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.180,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

A Requerente obtém procedência quanto ao valor de matéria tributável de € 678.763,19, a que corresponde à taxa de 23% prevista no artigo 87.º do CIRC na redacção vigente em 2014, o valor de IRC de € 156.115,53, e quanto às tributações autónomas nos valores de € 339.381,60 e  € 11.101,83.

Assim, no total, a Requerente obtém procedência quanto ao valor de € 506.598,96.

Sendo indicado o valor da causa de € 616.945,18, conclui-se que a Requerente obtém procedência na percentagem de 82,11%.

Nestes termos, fixam-se as responsabilidades pelos encargos do processo, nas percentagens de 17,89% a cargo da Requerente e 82,11% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

 

Lisboa, 02-03-2023

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)

(vencido conforme declaração junta)

 

 

 (Henrique Nogueira Nunes)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei favoravelmente o acórdão arbitral com a precisão, em relação ao decidido na alínea b) do dispositivo, de que, na minha opinião, não se podem considerar como “documen­tadas” as despesas cujo suporte documental tenha sido da inteira confeção do próprio sujeito pas­si­­vo. O art. 88.º, n.º 1, do CIRC constitui uma norma antiabuso específica cujo objetivo é o de dis­su­adir práticas de evasão fiscal consistentes na erosão da base tributária mediante a dis­si­­­pação dos recursos financeiros da empresa por destinatários desconhecidos, normal­men­te colo­­cados na órbita das suas relações e relativamente aos quais a se torna assim inviá­­vel a tribu­­tação nas suas esferas jurídicas. A norma ficaria esvaziada de qualquer efeito útil se se acei­tasse como bastante para efeitos de ‘documentação da despesa’ um qualquer escri­­to confecionado pelo próprio sujeito passivo (e, portanto, não proveniente do desti­na­tá­rio da des­pesa ou de algum intermediário com intervenção no fluxo financeiro a ela relativo). Es­ta exi­gência formal de documentação da despesa não pode ser interpretada como uma finali­da­de em si mesma, como se tratasse de uma bizantinice burocrática: pelo contrário, ela é ins­tru­men­tal à demonstração da substân­cia da operação económica que lhe estará subja­cen­­te e à verificação da realidade das transfe­rências patrimoniais ocorridas. Quanto a mim, por­­tanto, carecem em absoluto de comprovativo documental as despesas cujo suporte apre­sen­­tado consista em meros escritos inteiramente da confeção e elaboração do próprio sujei­to passivo.

No caso dos autos, as despesas que o RIT considerou como não documentadas mostravam-se, de facto e à luz dos considerandos que antecedem, como carecidas de qualquer suporte documental bastante, na medida em que os ‘documentos’ apresentados não passavam de meros escritos elaborados pelo próprio sujeito passivo e que nem sequer estavam subscritos por aqueles que neles se identificava como sendo os seus autores. Sucede que, como se alcança do RIT e melhor se descreve no acórdão, no decurso da fase de participação proce­di­mental o sujeito passivo apresentou à equipa inspetiva os mapas de ajudas de custo já devi­damente subscritos por aqueles que, afinal de contas, seriam os autores desses quiró­gra­fos. Não é relevante a circunstância de tais documentos apenas terem sido apresen­tados em sede de audiência prévia: bem vistas as coisas, essa circunstância é uma manifestação paradig­mática da realização da finalidade dialógica visada pela exigência, de raiz consti­tu­cio­nal, da participação procedimental dos administrados. Questão diversa seria, natural­men­te, uma eventual falsificação ideológica ou material de tais documentos e das assinaturas neles apostas, matéria que não vem sequer alegada pela AT.

Quanto a mim, portanto, só a partir desse facto procedimental se pode concluir pela ‘docu­men­­tação’ de tais despesas em termos que preencham negativamente a factispécie do art. 88.º, n.º 1, do CIRC e, pari passu, consintam na sua consideração como gasto do exercí­cio.

 

CAAD, 02/03/2023

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 



[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.

               Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que "tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável.".