Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 539/2021-T
Data da decisão: 2022-03-31  IMI  
Valor do pedido: € 65.701,48
Tema: IMI - Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Tempestividade.
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SUMÁRIO

 

Consideram-se reunidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento

tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações relativas ao ano de 2016.

Justificando-se, por isso, a anulação do indeferimento tácito respeitante às liquidações relativas ao exercício de 2016, bem como a anulação parcial desta liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

Decisão Arbitral

 

                Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs, Professor Doutor Luís Menezes Leitão e Dra. Marisa Almeida Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

               

1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ...- ..., na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa (adiante designada por “Requerente”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nºs. 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a  constituição de Tribunal Arbitral, com vista a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa  e a anulação parcial das Liquidações de IMI n.os ..., ... e ..., referentes as ano de 2016, e ser a Autoridade Tributária (de ora em diante designada por “AT” ou “Requerida”) condenada a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 65.701,48, respeitante às aludidas liquidações e ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do aludido montante.   

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03/09/2021.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico foram designados, em 25/10/2021, os árbitros, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.

 

As partes foram notificadas das referidas designações, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 15/11/2021, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

2. O pedido dirige-se à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI já identificadas por, no entender do Requerente, tais atos tributários serem contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e direito.

O Requerente suporta o seu ponto de vista alegando, sumariamente, que:

Os valores patrimoniais dos terrenos para construção que serviram de base às aludidas liquidações, terem sido apurados com a aplicação dos coeficientes, previstos nos artigos 41.º, 42.º, 43.º e 44.º do CIMI, que não faziam parte da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos terrenos para construção, prevista no artigo 45.º do mesmo Código à data do facto tributário relevante para efeitos de liquidação do IMI. A fundamentar a sua orientação o Requerente enumera ampla jurisprudência, mormente do STA e, também, no mesmo sentido diversas decisões arbitrais.

Entende, assim, o Requerente que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação a fórmula matemática consagrada no artigo 38 do CIMI”, pelo que “o valor patrimonial [dos terrenos para construção] deverá ser determinado por avaliação direta (n.º 2 do artigo 15.º do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45.º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços.

Acrescentando que, no seu entendimento para justificar a desconsideração dos referidos coeficientes multiplicadores do VPT nas avaliações dos terrenos para construção para efeitos fiscais, os tribunais têm decidido, segundo o Requerente que, para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45.º já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do n.º 3 do artigo 42.º Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

 

Por sua vez, a Requerida, na sua resposta defende, sumariamente, que:

Os atos de fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa estavam consolidados à data das liquidações, não podendo estas serem anuladas com fundamento em alegados erros ocorridos nas avaliações dos referido terrenos para construção. O tribunal arbitral é incompetente para apreciação de vícios de atos de fixação do valor patrimonial.

A Requerida termina, quanto ao fundo, pedindo a improcedência dos pedidos. 

 

3. Em 14/12/2021, foi proferido despacho para que o Requerente fosse notificado a, querendo, responder à matéria de exceção, o que fez em 12/01/2022, considerando improcedente qualquer da matéria de exceção invocada pela Requerida.

 

Em 21/01/2022 foi proferido Despacho a dispensar a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Mais foram as partes notificadas da dispensa de apresentação de alegações escritas.

Foi designado o dia 15 de maio de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

 

 

II - SANEAMENTO

 

 O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º n.º 1 e artigo 5.º n.º 1 e 2 do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º n.º 2, ambos do RJAT.

Foi suscitada matéria de exceção que será analisada mais adiante.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1             – Questões a dirimir 

 

Da alegada impugnabilidade dos atos de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário.

A título principal a questão central prende-se com a análise e decisão sobre o ato tributário de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI identificadas, referentes ao ano de 2016, deverá ser anulado por ser contra a lei, por padecer de erro nos pressupostos de facto e direito, como pretende o Requerente ou se pelo contrário o mesmo é legal e deverá permanecer na ordem jurídica como pretende a Requerida.

Em caso de a decisão vier a ser favorável ao Requerente, este também solicita o reembolso do valor de € 65.701,48, que deverá ou não ser acompanhado de juros indemnizatórios nos termos legais.

 

2 – Matéria de facto provada e não provada e fundamentação

 

A matéria de facto que considerámos relevante para a decisão é a seguinte:

 - A Requerente no ano de 2016 era proprietária de diversos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...;

- O Requerente foi notificado das Liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016 ... e 2016..., de 03.03.2017 e de 26.09.2017, relativas ao ano de imposto de 2016, no valor agregado de € 124.813,11;

- Os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção em causa eram os constantes a 31 de dezembro do ano em causa, calculados tendo em conta os coeficientes de localização, afetação e de qualidade e conforto usados nas respetivas avaliações.

- A AT, para a determinação dos VPTs dos terrenos para construção aplicou:

(i) um coeficiente de afetação de 1,1 e um coeficiente de localização de 1,57 nos terrenos e parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para serviços; e

a) um coeficiente de localização de 1,57 nos terrenos e nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação.

- A fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

- O Requerente apresentou reclamações de matrizes e pedidos de avaliação para os lotes de terrenos para construção atualmente inscritos na matriz predial da União de Freguesias do ..., ... e ... sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... .

- No contexto dos procedimentos de avaliação iniciados em dezembro de 2020, a AT já reconheceu (ainda que parcialmente) tais erros imputáveis aos serviços na conclusão dos procedimentos de avaliação dos Terrenos para Construção, tendo desconsiderado, nas avaliações promovidas, os coeficientes de localização e de afetação nos termos solicitados pelo Requerente nos pedidos de avaliação apresentados.

- O Requerente pagou IMI em excesso por referência ao ano de imposto de 2016 em valor correspondente a € 65.701,48.

- O Requerente fez o pagamento atempado da totalidade das liquidações, embora não se conformando com o valor pago, apresentou em 31 de dezembro de 2020, um pedido de revisão oficiosa destes atos tributários, que veio a presumir-se tacitamente indeferido, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT.

- O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 1 de setembro de 2021.

 

Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT.

 

O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

3 – Matéria de Direito

 

Estamos perante uma impugnação de atos tributários de liquidação de IMI que, no entender do Requerente, estão suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, uma vez que, na referida avaliação, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo inaplicável aos terrenos para construção, ao usar coeficientes multiplicadores de VPT que o artigo 45.º do CIMI não contempla.

 

3.1 – Da possibilidade ou não de usar o procedimento impugnatório contra liquidações de IMI, com base em erros de atos de fixação de valores patrimoniais

 

Na perspetiva da AT o Requerente não aponta qualquer erro específico aos atos tributários de liquidação do IMI em causa, questionando tão só o valor patrimonial tributário que suportou as mesmas, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação. Por essa razão considera o tribunal arbitral incompetente uma vez que está em causa, na sua perspetiva, a apreciação de vícios de atos de fixação do valor patrimonial.

Considera que sendo a avaliação direta dos prédios urbanos uma regra conforme estabelece no n.º 2 do artigo 15.º do CIMI e que, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, a mesma é suscetível de impugnação contenciosa direta, tal como também prevê o artigo 134.º do CPPT, concedendo, para o efeito, um prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade. Deste modo, entende que os atos de fixação dos valores patrimoniais são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, quando inseridos num procedimento de liquidação de tributos, o que afasta a possibilidade de apreciação do valor patrimonial fixado, na impugnação do ato de liquidação.

Na perspetiva do Requerente, estribando-se nas disposições contidas no artigo 99.º do CPPT, em doutrina e jurisprudência, que sustentam o seu ponto de vista, considera que a impugnação dos atos tributários de liquidação de IMI aqui em apreciação não pode ser posta em causa pela suscetibilidade de os atos destacáveis de fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção em causa poderem ter sido objeto de uma impugnação autónoma pelo Requerente, relativamente à aplicação ilegal dos coeficientes de localização, afetação e conforto, impugnação que nunca ocorreu. Entende que a exceção ao princípio da impugnação autónoma prevista para os atos destacáveis em procedimento tributário, não poderá ser invocada, no caso em apreço, para justificar o impedimento de impugnação dos atos tributários de liquidação do IMI pelo Requerente, sob pena de violação grave do princípio da tutela jurisdicional efetiva bem como a falta de base legal que o justifique.

Na solução da questão iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o Acórdão do Tribunal Coletivo, presidido pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo do CAAD n.º 487/2020, que transcrevemos na parte aplicável:

 

“…Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que – «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1);

 

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº.7)

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previsto no procedimento de avaliação. 

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo76.º, n.º1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º1 do CIMI). Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes factos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos  passivos que  constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT,

previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributáriode1991, querem sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se

pelos seguinte acórdãos:

   de 30-06-1999, processo n.º023160;

  de 02-04-2003, processo n.º02007/02;

 – de 06-02-2011, processo n.º037/11;

 – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12

  – de 5-2-2015, processo n.º08/13;

  – de 13-7-2016, processon.º0173/16;

  – de 10-05-2017, processo n.º0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI. Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais. Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação o poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS , IRC e Imposto do Selo o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de  vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo102.º do CPPT…)”.

 

Deste modo, no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a 31 de dezembro de 2016, há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 meses concedido para o efeito.

Estando os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de IMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.

 

Porém, o artigo 78.º da LGT, nos seus n.os 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos n.os 4 e 5 do artigo 78.º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T.

No que concerne às liquidações em causa – respeitantes ao ano de 2016 – o prazo de 3 anos ainda não estava esgotado e o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.

Assim sendo verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pelo Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte. Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45.º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

Aqui chegados constamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos n.os 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes ao ano de 2016.

Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações em apreço e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

Esta conclusão leva, por isso, à anulação do IMI respeitante ao ano de 2016, quantificado pelo Requerente no valor global de € 65.701,48.

 

3.2 – Questões de conhecimento prejudicado

Procedendo, ainda que parcialmente, o pedido de pronúncia arbitral, nos termos mencionados, que se reflete na ilegalidade da liquidação impugnada, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, em especial as de inconstitucionalidade, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Juros Indemnizatórios

 

O Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto indevidamente pago, até ao reembolso integral da quantia devida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na LGT artigo 43.º, n.º 1 e no CPPT artigo 61.º, n.º 5.

Porém, resulta da matéria de facto que o Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 31/12/2020, situação que conduz a que os juros indemnizatórios sejam devidos nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, isto é, quando a revisão do ato tributário ocorra para além de um ano sobre o pedido, sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios, apenas a partir de 31/12/2021 até ao reembolso do IMI indevidamente pago no montante de € 65.701,48, calculados à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV - DECISÃO

Face ao exposto, o Tribunal Coletivo acorda o seguinte:

a.            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no sentido da anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes ao ano de 2016, e, consequentemente, 

b.            Anular parcialmente as liquidações de IMI em questão, respeitantes a 2016 no valor de € 65.701,48 a ser reembolsado ao Requerente acompanhado de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

V – VALOR DO PROCESSO

Fixar o Valor do Processo em € 65.701,48, de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC, artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT .

 

VI - CUSTAS

Fixar em custas do Processo, ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT no montante de € 2.448,00, ficando a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de março de 2022

 

O Tribunal Coletivo

 

Fernanda Maçãs

(Presidente e Relatora)

 

(Com a declaração de que não acompanho a posição defendida quanto à impossibilidade de impugnação das liquidações de IMI com base em erro na fixação do valor patrimonial, em conformidade com a decisão que proferi no processo 405/2021-T)

 

Luís Menezes Leitão

(Árbitro Auxiliar)

 

Marisa Almeida Araújo

(Árbitro Auxiliar)