Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 54/2016-T
Data da decisão: 2016-06-17  IUC  
Valor do pedido: € 1.443,50
Tema: IUC - Incidência Subjetiva; Presunções Legais
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DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA

                                                                                                      

 

1           RELATÓRIO

 

1.1     –A…, S.A.; com o NIPC: … (devidamente identificada nos respectivos autos), Reclamante no procedimento tributário, acima e à margem referenciado, doravante, denominada “Requerente”, veio, invocando o disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e, no artigo  99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e nos números 1 e  2 alínea d) do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, com vista a:

 

-   A anulação de 10 atos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), referente ao ano de 2015 respeitante a  veículos constantes da listagem  anexa ao Pedido de Pronuncia Arbitral (docº 3), cujo teor  se dão por integralmente  reproduzidos para todos os efeitos legais;

-   O reembolso do valor total de €1 443,50 (dcº 1), acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT.

 

1.2     Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:

 

-   Em 05-04-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

-   Pelo que, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20-04-2016, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

-   Aquando da Resposta da Requerida (AT), em 25-05-2016, a mesma requereu a dispensa da reunião, ao abrigo do artigo 18º do RJAT;

-   Consequentemente foi determinado a prolação da Decisão Arbitral para o dia 17-06-2016.

 

1.3     A Requerente “é uma Instituição Financeira de Crédito, que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com exceção da receção de depósitos (docº 2)”, prosseguindo com a actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente, sob a forma de concessão de empréstimos para a aquisição de veículos ou de celebração de contratos de locação financeira”, pelo que, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

-  A Requerente foi notificada pela AT, em sede de audição prévia, por alegadamente, ser considerada o sujeito passivo de Imposto Único de Circulação, devido ao exercício do ano de 2015 ( docº 1);

-  Embora não tenha exercido o direito de audição prévia, a Requerente efectuou o pagamento de todos os veículos, para os quais foi notificada;

-   Contudo, considera que, no referente aos dez veículos, melhor identificados no documento nº 3, anexo aos autos, a Requerente não pode ser considerada sujeito passivo do IUC, porque nove (9) dos veículos controvertidos, foram alienados em data anterior ao ano de 2015 e, um dos veículos encontrava-se em regime de locação financeira, “durante o exercício de 2015”

-   Decorrendo do exposto que as 10 viaturas (constantes do documento 3º, anexo aos autos), a que respeitam o imposto único de circulação liquidado, não eram, à data, dos factos tributários, propriedade da Requerente, não sendo, a mesma, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento;

-   A Requerente fundamenta a sua posição no facto de 9 dos veículos automóveis tributados, já terem sido vendidos a terceiros, conforme o descrevem: “listagem em nome das empresas, numero de liquidação e valor (docº nº 3), as faturas de venda (docº nº 5), contratos de locação financeira (docº nº 6)”, todos anexos à PI e, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais;

-   Atentos os factos apresentados, não pode ser imputado à Requerente a propriedade dos referidos veículos, não podendo ser sujeito passivo do imposto, face à letra e espírito do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação (doravante designado por CIUC);

-   É um facto que o nº 1 do artigo 3º do CIUC, considera a propriedade do veículo automóvel, a pessoa em nome do qual o mesmo se encontre registado, no entanto, o nº 2 do mesmo artigo, salienta que: são equiparados a proprietários os Locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do CONTRATO DE LOCAÇÃO;

-   Contudo, os registos dos veículos na competente Conservatória do Registo Automóvel, não é condição de transmissão de propriedade, uma vez que tal registo visa, somente, dar publicidade à situação jurídica dos bens, conforme resulta, designadamente, do preceituado no artigo nº 1 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro;

-   Pelo que a tributação tributária relativa ao CIUC não pode apenas incidir sobre quem conste no registo como proprietário dos veículos, há que considerar os seus efetivos proprietários.

 

1.4     A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT),  procedeu à junção do Processo Administrativo Tributário e apresentou Resposta, da qual se retira que, os atos tributários, em crise, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação controvertidos, defendendo, sumariamente o seguinte:

 

-   Os sujeitos passivos do imposto único de circulação são as pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos, conforme o disposto no nº1 do artigo 3º do CIUC, o que no caso, sub judice, se verifica quanto à Requerente;

-   Verificando-se, para tal, que o registo dos veículos esteja em nome de uma determinada pessoa para que a mesma corporize a posição de sujeito passivo da obrigação fiscal de IUC;

-   Que notoriamente é errada a interpretação que a Requerente faz do preceituado no artigo 3º do CIUC, na medida em que incorre numa” interpretação enviesada da letra lei” e na adoção “de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal”, seguindo, ainda, a Requerente, uma “interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo, em apreço e, bem assim em todo o CIUC”.

 

2           QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1     Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição escrita, das partes e, aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

 

-   A impugnação feita pela Requerente relativa à liquidação material dos atos de liquidação, relativamente ao ano de 2015, referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI;

-   A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;

-   O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

3           FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1     Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

 

-   A Requerente apresentou elementos probatórios dos veículos automóveis em questão, correspondente ao momento anterior ao período de tributação – cfr. cópias de faturas de venda dos veículos, cópias dos contratos de locação financeira (constantes nos docºs nºs 1, 3, 5, 6) que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. 

 

3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

 

-   Os factos dados como provados estão baseados, na Listagem em nome das empresas (numero de liquidação e valor)

-    nas faturas, emitidas à data de venda de veículos a terceiros;

-    Cópias dos contratos de Locação Financeira, em questão;

      3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

 

-   Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

4-FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

3.2     O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1,alínea a) e nº 2 do RJAT:

 

-   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

-   O processo não enferma de nulidades;

-   Não existindo  questão prévia sobre a qual o Tribunal se deva pronunciar;

-   O Pedido, objecto do presente processo, é a declaração de anulação dos (10) atos de liquidação do IUC relativo aos veículos automóveis melhor identificados nos autos.

 

3.2.1        Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 1 443,50;

3.2.2        Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

 

3.3     Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.

 

3.4     A matéria de facto controvertida está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

 

3.5     Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

4           QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

 

4.1     Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação, os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria Lei, objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

 

-   A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12 e de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

-   Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

-   A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão  pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas , com sentidos equivalentes;

-   Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos  dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da  expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-   Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão ”presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

-   O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efectivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

-   A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efectivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que, inicialmente, e em principio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objectivamente postergados.

 

4.2     Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

 

4.3     Atentos os factos supra descritos, importa salientar que  os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

-   Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redireccionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efectivo, sujeito passivo do imposto em causa.

-   O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

-   A audição prévia que, naturalmente, se há de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança, se identificar o sujeito passivo do IUC.

 

5           SOBRE O VALOR JURÍDICO DO REGISTO

 

5.1     Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “ o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

 

-   O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

-   O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;

-   Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

-   Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

-   Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

-   Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

6           A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL

 

6.1     A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3º DO CIUC

 

-   A AT considera que a presunção que existe no nº 1 do artigo 3º do CIUC é decorrente de uma interpretação contra legem, decorrente de uma leitura enviesada da letra da lei e, por isso, violadora da unidade do sistema jurídico, contudo, e salvo o respeito devido, o entendimento da jurisprudência vai no sentido de que se deve considerar a existência de uma presunção legalmente ilidível, pelo que, consequentemente, serve os valores e interesses questionados, quer ao nível da justiça fiscal material, quer ao nível das finalidades ambientais visadas pelo IUC;

-   No referente à unidade do sistema jurídico é de relevar tudo o que foi supracitado, nomeadamente, sobre o ratio do artigo 1º do CIUC; sobre as normas e princípios da LGT; sobre as normas pertinentes e aplicáveis ao registo de veículos automóveis, sobre a interpretação que melhor serve e alcança a mencionada unidade e assegura a conexão dessas mesmas normas, considerando-se a presunção legal que se encontra preceituado no artigo 3º do CIUC.

 

6.2     DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

-   O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

-   É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

-   Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, no ano de 2015, não são de considerar, porque ao momento dos factos tributários as viatura já não lhe pertenciam,  pois os referidos veículos foram vendidos a terceiros, antes do ano de 2015 sendo de considerar, também, o veículo  que se regia ao abrigo do contrato de locação financeira, cfr. os documentos probatórios, já supra citados e, anexos à PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 

6.2.1        Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

6.2.2        Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”,  III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito, cfr., documentos anexos à PI e, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 

6.3     ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

-   A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser proprietário dos veículos, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos:

-   Listagem em nome das empresas (numero de liquidação e valor);

-   Cópias de faturas emitidas à data da venda dos veículos;

-    Cópias dos contratos de locação financeira

 

-   Desta forma, a propriedade dos referidos veículos, já não lhe pertenciam, não podendo, por isso usufruir da sua utilização, desde data anterior aquela, em que o IUC era exigível, corporizando, assim, meios de prova com força bastante e adequada para ilidir a presunção fundada no registo, conforme o preceituado no nº 1 do artigo 3º do CIUC, documentos, esses, que gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT.

-    Decorre daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel não era a Requerente

 

7           OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

 

-   Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

 

8           REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

 

-   Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência  da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário, objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”

-   Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

-   O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

9           DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

-   A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-   No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT.

-   Pelo que tem, a Requerente, direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago, referente à liquidação anulada.

 

10       DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

-   Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante ao ano de 2015, relativamente aos veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-   Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 1 443,50 (mil quatrocentos e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos), acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, legalmente devidos, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

VALOR DO PROCESSO:

- Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1443,50 (mil, quatrocentos e quarenta e três  euros e cinquenta cêntimos).

 

CUSTAS:

 

- De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em  € 306,00, nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.

 

Notifique-se, as partes.

 

Lisboa,17-06-2016

 

O Árbitro

 

 

Maria de Fátima Alves

 

 

 

 

 

 (o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia atual)