Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 541/2014-T
Data da decisão: 2015-09-30  Selo  
Valor do pedido: € 6.375,06
Tema: Verba 28.1 da TGIS – Propriedade total
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Processo n.º 541/2014 - T

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Guilherme W. d’Oliveira Martins, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 01.10.2014, decide nos termos que se seguem:

 

I.                Relatório

1. No dia 28-07-2014, a Sociedade Imobiliária A..., Lda apresentou um pedido de disposições conjugadas dos artigos janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT).

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 30-07-2014 e notificado à AT em 31.07.2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 16.09.2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei  n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01.10.2014.

6. No dia 11.03.2015 foi dispensada a reunião exigida pelo artigo 18.º do RJAT, face à posição evidenciada pelas partes.

7. O Tribunal indicou o dia 01.04.2015 para a prolação da decisão arbitral.

8. Não tendo sido possível proferir a decisão até à data anunciada, o prazo inicial foi sucessivamente prorrogado até à data final de 30.09.2015, pelos despachos de 31.03.2015,  15.04.2015, 22.04.2015, 28.04.2015, 12.05.2015, 21.05.2015, 16.06.2015, 15.07.2015, 16.09.2015 e 29.09.2015.

9. No presente processo a Sociedade Imobiliária A..., Lda., pretende que sejam declaradas ilegais e anuladas as notas de liquidação  nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ... de Imposto do Selo no valor total de € 6.375,06, referentes ao ano de 2013, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira– conforme documentos n. 1 a 14 juntos no pedido inicial.

 

I2. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

-       Os tributos ora impugnados foram liquidados individualmente sobre o valor patrimonial tributário (VPT) das divisões ou partes suscetíveis de utilização independente (divisões) do prédio, em propriedade total, sito na Avenida …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito sob a matriz predial urbana com o nº ..., conforme documentos 1 a 14 já juntos aos presentes autos.

-       A ora impugnante é proprietária plena do prédio em causa, sito na Avenida …, inscrito na matriz predial urbana com o nº ..., freguesia de ..., Lisboa, conforme caderneta predial urbana que se junta como doc. 15 e se dá por integralmente reproduzida.

-       O prédio compreende um total de 21 (vinte e uma) divisões com utilização independente cujo VPT, determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, doravante designado CIMI, é de € 3.075.530,00, conforme caderneta predial urbana (doc. nº 15) e se dá por integralmente reproduzida.

-       Das vinte e uma divisões com utilização independente, apenas cinco são afetas a comércio/serviços, sendo as restantes afetas a habitação, cujo VPT total perfaz € 1.912.470,00 (valor este que consta das liquidações), (conforme doc. nº 15).

-       Sobre o VPT de cada divisão, a Administração Tributária, liquidou o imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, à taxa de 1% prevista na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º dessa mesma lei.

-       A AT emitiu notas de liquidação do imposto aqui reclamado porquanto catorze das vinte e uma divisões com utilização independente têm afetação habitacional e os respetivos catorze VPT perfazem a soma de € 1.912.470,00 (cf. documento n.ºs 1, “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”).

-       A verba n.º 28.1 da TGIS, criada pela Lei 55-A/2012 de 29 de outubro de 2012, mais precisamente pelo seu artigo 4º, dispõe que, sobre propriedade de cada prédio urbano com afetação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, tenha valor igual ou superior a € 1.000.000,00, incide imposto do selo sobre o seu VPT utilizado para efeito de IMI de 1%.

-       Assim, há lugar a sujeição a imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS quando se verifique a conjugação de dois pressupostos: (i) a afetação habitacional do prédio, (ii) o VPT constante da matriz seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

-       O legislador ao criar esta verba, 28.1 da TGIS, pretendeu tributar não o património imobiliário por si só, mas o património imobiliário de elevado valor ou de luxo, motivo pelo qual, a verba em causa incide apenas sobre prédios com afetação habitacional e não sobre prédios com afetação mista.

-       Neste sentido, e relativamente à ratio legis desta regra, veja-se decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 50/2013 T, “O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00” (sublinhado nosso).

-       Ora no caso em apreço sendo o prédio propriedade de pessoa coletiva a sua afetação habitacional apenas poderá ter lugar caso o mesmo seja arrendado, não estando em causa o seu uso como uma exteriorização de riqueza ou luxo, motivo pelo qual o mesmo se encontra fora do escopo da verba 28.1 da TGIS.

-       Decorre ainda da proposta de lei nº 96/XII, que o legislador pretendeu com esta inovação legislativa e em atenção aos princípios da equidade social e da justiça fiscal, que, contribuintes titulares de propriedades de elevado valor e destinadas à habitação, contribuíssem de forma mais intensa.

-       Ainda em sede de decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 50/2013 T, “Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, suscetível autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

-       Veja-se também decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 132/2013 T, “Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fração autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros.”

-       Ora no caso em apreço, o prédio tem uma afetação mista, tendo 14 das divisões suscetíveis de utilização independente afetação habitacional, e as restantes afetação comercial ou para serviços, motivo pelo qual, o mesmo se encontra fora do espoco e da incidência da verba 28.1 da TGIS.

-       Motivos pelos quais entendemos que as notas de liquidação em causa foram emitidas pela AT, em desrespeito pela ratio da verba 28.1 e em clara violação das normas vigentes e princípios fiscais vigentes e aplicáveis ao caso em apreço.

-       Mesmo que assim não entenda, e por mero dever de patrocínio, a verdade é que o facto de o prédio se encontrar em propriedade vertical não horizontal, não poderá ser por si só um indicador de maior capacidade contributiva.

-       À inscrição matricial de imóveis em propriedade vertical, ainda que constituídos por diferentes divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, aplicam-se as mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo assim o respetivo Imposto Municipal sobre Imóveis, IMI, e Imposto de Selo, IS liquidados individualmente em relação a cada uma das divisões.

-       A Lei 55-A/2012, que alterou Código de Imposto de Selo, mais propriamente, o seu artigo 67º, aditando-lhe o nº 2, dispõe que, em todas as matérias não reguladas pelo mesmo, e no que concerne à verba 28, dever-se-á aplicar subsidiariamente o CIMI.

-       A verdade é que, tanto do artigo 2º do CIMI, que define o conceito de prédio, quer do artigo 38º do mesmo diploma, relativo à determinação do VPT, não resulta qualquer destrinça quanto à situação registral do prédio, isto é, se este se encontra em propriedade vertical ou horizontal. 

-       A este respeito e conforme decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 132/2013, “não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denúncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.”

-       Também neste sentido, veja-se decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo nº 50/2013 T, “Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material. Já a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fração for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00.” (sublinhado nosso).

-       Até porque decorre do nº 3 do artigo 12º do CIMI, que cada fração ou parte de prédio suscetível de utilização independente deve ser considerada separadamente na inscrição matricial.

-       A própria AT, em sede de notas de liquidação aqui impugnadas, assumiu isso mesmo, ao declarar como valor total sujeito a imposto apenas o VPT relativo às divisões com afetação habitacional com utilização independente que integram o prédio (1.912.470,00), com exclusão do demais (cf. Doc. n. 1 a 14). 25.º

-       A verdade é que a AT emitiu notas de liquidação para cada divisão suscetível de utilização independente e que com afetação habitacional, tal como faria se o prédio estivesse constituído em propriedade horizontal, no entanto, para efeitos de incidência teve em conta o VPT global do prédio ao invés de considerar o VPT de cada fração.

-       No entanto, e tendo em conta que prédio da ora Impugnante, integra divisões com utilização independente, a sujeição a imposto de selo deveria ter sido determinada, não pelo VPT global do prédio, mas sim pelo VPT dessas divisões.

-       Até porque, é precisamente ao “VPT constante da matriz” que o texto da lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS.

-       Mais, sendo o VPT, calculado nos termos do CIMI, e o constante da matriz de cada uma destas frações inferior a € 1.000.000,00, não deverá incidir qualquer o imposto do selo da verba n.º 28.1 da TGIS, sobre as mesmas, como a AT pretende.

-       Relativamente ao critério que deve determinar a incidência desta regra veja-se decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo 132/2013, “O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado art. 67.º, n.º 2, do CIS.”

-       A discriminação operada pela AT, no caso em apreço, não tem assim qualquer fundamento, sendo atentatória de princípios de legalidade e justiça fiscal, arbitrária e ilegal, uma vez que e conforme decisão arbitral do processo 50/2013 T, já citada, “O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.”, quando assim e no entendimento da AT, por se encontrar em propriedade vertical, cabe na incidência deste imposto.

-       A concentração de divisões independentes num mesmo prédio não pode constituir uma causa de incidência do imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS sobre cada uma, tal como não constitui causa dessa incidência sobre um prédio habitacional a concentração de vários prédios habitacionais na titularidade da mesma pessoa.

-       A este respeito veja-se argumentação vertida na decisão arbitral proferida pelo CAAD em processo 132/2013 T, “conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade.”, sublinhado nosso.

-       Até porque e como já referimos supra a ratio desta inovação legislativa, não é a tributação do património imobiliário em si, mas sim a tributação do património de luxo, daí se exigir um esforço mais intenso por parte desses contribuintes.

-       Não podendo constituir e também de acordo com o que já referimos, causa dessa incidência, a falta de constituição em regime de propriedade horizontal, um prédio que é constituído por habitações/divisões com utilização independentes.

-       Motivos que nos levam a entender que tais notas de liquidação emitidas pela AT são totalmente arbitrárias e ilegais, devendo ser revogadas até porque e neste sentido decisão arbitral 50/2013 T “Não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”

-       Ora, se do nº 1 do artigo 4º da Lei Geral Tributária (LGT) decorre que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, sendo esta revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.

-       E se em nada releva a forma ou realidade jurídico-forma como o sujeito passivo detêm o seu património imobiliário, ou seja, se este se encontra em propriedade vertical ou horizontal, concentrado ou a disperso, não poderão estes ser critérios de capacidade contributiva, nem critério legítimo de tributação.

-       Neste sentido veja-se decisão arbitral 50/2013 T do CAAD, “a verdade material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico- formal do prédio.”

-       Para além do exposto, decorre das normas transitórias da Lei 55-A/2012, mais concretamente do seu artigo 6º, que a tributação prevista pela verba 28 da TGIS, para o ano de 2012, deverá ser efetuada à taxa de 0,5, sobre do VPT desde que, igual ou superior a € 1.000.000,00 dos prédios urbanos com afetação habitacional, e não de 1% conforme efetuado pela AT em sede de atos de liquidação.

-       É por demais evidente que a interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1 da TGIS anexa ao CIS feita pela AT e a emissão das notas de liquidação é inconstitucional e arbitrária por se consubstanciar numa violação frontal do princípio da equidade, princípio da legalidade fiscal previsto no nº 2 do artigo 103º da CRP bem como, dos princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal também eles previstos na Constituição da República Portuguesa, motivos pelos quais, deverão tais notas de liquidação ser revogadas.

 

I3. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT:

-       A situação do prédio da requerente subsume-se, linearmente, o que quer dizer, literalmente, na previsão da verba em causa, que tem a seguinte redação: “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz. nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000000,00”.

-       A ora requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.0 do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios -n.o 4 do citado artigo 2.° do CIMI. Logo,  encontrando-se o prédio de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui frações autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio.

-       Assim, o ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não é proprietária de 21 frações autónomas. mas sim de um único prédio.

-       Tendo por adquirido este facto, o que a ora requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto. exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade por ser ilegal.

-       Como é consabido, a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.° e seguintes do Código Civil, cujo modo de constituição se encontra aí previsto, assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, tendo de se reconhecer nesta estatuição, a existência de um regime mais evoluído de propriedade.

-       Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal, como iremos, detalhadamente, ver.

-       Estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI.

-       E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.°, n.o 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal: "Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei".

-       Por outro lado, ainda tendo em conta, que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.°, n.o 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.º sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei.

-       Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna.

-       Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as frações constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as frações são partes suscetíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.

-       Não podemos, pois, aceitar que se considere, que para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao  CIS, que as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das frações autónomas do regime da propriedade horizontal.

-       Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12°, n.º 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

-       Os andares ou divisões independentes, avaliados nos termos do artigo 12.°, n.º 3, do CIMI, são considerados separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.

-       Tal norma legal não é inédita, tendo correspondência no corpo do art. 232°, regra 1Q, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha cada habitação ou parte de prédio ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento coletável sobre o qual deva incidir a liquidação.

-       Já, assim, no âmbito do C.C.P.I.I.A., o rendimento coletável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das componentes do prédio com autonomia económica.

-       Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.

-       Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos artigos. 370 e seguintes do CIMI.

-       A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente.

-       Tal prédio não deixa, pelo facto de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às frações autónomas em regime de propriedade horizontal.

-       Sem prejuízo do regime de compropriedade, quando for o caso, a sua titularidade não pode ser atribuída a mais de um proprietário.

-       Porém, como afirmam Silvério Mateus e Leonel Curvelo de Freitas, "Os Impostos sobre o Património Imobiliário e o Imposto de Selo Comentados e Anotados", Lisboa 2005, págs. 159 e 160, cada uma das partes do prédio pode ser objeto de arrendamento ou qualquer outro tipo de utilização pelo titular, o que deve ficar expresso na respetiva matriz predial.

-       O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação da verba 28°, n.º 1, da Tabela Geral.

-       É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.

-       Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

-       Cabe à lei - Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado -estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos.

-       Um tipo de incidência de acordo com o qual o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos de que depende a aplicação da verba 28.1. da Tabela Geral é o valor patrimonial de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano com afetação habitacional não tem seguramente qualquer expressão na lei.

-       E, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.

-       Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pela requerente.

-       Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

-       A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (Ofício-circulado n.º 40.025, de 11 de agosto de 2000, da Direção de Serviços de Contribuição Autárquica, D.S.C.A.).

-       O legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

-       Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

-       O facto da ora requerente legitimamente discordar dessa discriminação não implica a violação de qualquer princípio constitucional.

-       Por fim, saliente-se, que a inscrição matricial de cada parte suscetível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade - veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio. 

-       o que se pretende concluir é que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes suscetíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu,

-       Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeito-os.

-       O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igualou superior a € 1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente.

-       E esta interpretação da norma de incidência a imposto de selo resulta da conjugação da outra norma de incidência a IMI que é o artigo 1.º, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, atendendo à noção de prédio do artigo 2.º e de prédio urbano constante do artigo 4. o e ainda das espécies de prédios urbanos descritas no artigo 6.º.

-       Nesta senda, não logra vingar o pedido da requerente de que seja aplicado, por analogia ao seu prédio o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das frações suscetíveis de utilização independente constitua um prédio, pois isso não seria interpretar aS normaS do CIMI, e por consequência do CIS, isso seria subverter todo o regime aí instituído, com as violações dos princípios supra referidos.

-       Por fim, o argumento do prédio não ser totalmente afeto à habitação, o que inquinaria a aplicação da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

-       Note-se, desde já, que nenhuma ilegalidade foi cometida, porque da liquidação foi expurgada as partes afetas ao comércio, logo, foram, somente, tributadas as partes afetas a habitação, tal como literalmente a lei determina.

-       E note-se que um prédio afeto ao comércio ou à habitação não deixa de ser um prédio urbano, o artigo 6.º do CIMI classifica os prédios urbanos em espécies, consoante a sua utilização.

-       Tendo as partes, ou as frações (não sendo este o caso), diferentes utilizações, a lei dá relevância a este facto, por exemplo, para efeitos de avaliação e de exclusão ou aproveitamento de certos benefícios fiscais.

-       No caso da verba 28.1, o legislador incluiu na incidência, somente a espécie de prédios urbanos habitacionais.

-       E a tributação da ora requerente assim foi feita, sem que qualquer ilegalidade tenha sido cometida nas liquidações, ora impugnadas.

-       Tudo visto, temos, necessariamente, de concluir que os atos tributário sem causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos.

 

II. SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

3. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que importe analisar.

 

4. Estão, pois, reunidas as condições para se apreciar o mérito do pedido.

 

II.              FUNDAMENTAÇÃO

 

iiI.a fACTOS PROVADOS

Antes de entrar na apreciação das questões de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

1. A ora impugnante é proprietária plena do prédio em causa, sito na Avenida …, inscrito na matriz predial urbana com o nº ..., freguesia de ..., Lisboa, conforme caderneta predial urbana que se junta como doc. 15 e se dá por integralmente reproduzida.

2. O prédio compreende um total de 21 (vinte e uma) divisões com utilização independente cujo VPT, determinado ao abrigo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, doravante designado CIMI, é de € 3.075.530,00, conforme caderneta predial urbana (doc. nº 15) e se dá por integralmente reproduzida.

3. Das vinte e uma divisões com utilização independente, apenas cinco são afetas a comércio/serviços, sendo as restantes afetas a habitação, cujo VPT total perfaz € 1.912.470,00 (valor este que consta das liquidações), (conforme doc. nº 15).

4. Sobre o VPT de cada divisão, a Administração Tributária, liquidou o imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS) na redação que lhe foi dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, à taxa de 1% prevista na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º dessa mesma lei.

5. A AT emitiu notas de liquidação do imposto aqui reclamado porquanto catorze das vinte e uma divisões com utilização independente têm afetação habitacional e os respetivos catorze VPT perfazem a soma de € 1.912.470,00 (cf. documento n.ºs 1, “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”).

6. As notas de liquidação estão identificadas com os nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., nº 2014 ..., respeitam ao Imposto do Selo no valor total de € 6.375,06, referentes ao ano de 2013, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira– conforme documentos n. 1 a 14 juntos no pedido inicial.

 

III.B FACTOS NÃO PROVADOS

Não há, alegados ou de conhecimento oficioso, factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

III.C MOTIVAÇÃO

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial ou no decurso do presente processo.

 

IV.do direito

1. O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

2. Nos termos do disposto do nº 7 do artigo 23º do Código do Imposto do Selo (CIS) “Tratando -se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

Adicionalmente, também o n.º 2 do artigo 67 do CIS estabelece que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

3. Vejamos, então, que indícios interpretativos com utilidade para a questão em litígio podem ser encontrados no CIMI.

Ora, estipula o n.º 4 do artigo 2º do CIMI: “Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Nos termos do nº 3 do artigo 12º do CIMI: “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Assim, importa analisar qual a interpretação a que se deve atender do n.º 7 do artigo 23.º do CIS. A AT considerou que, nos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, os referidos andares ou divisões não são por definição jurídica formal considerados prédios urbanos (mas serão “partes de prédio” segundo o nº 3 do artigo 12º do CIMI).

Assim, procedeu à soma dos seus VPT para determinar se era atingível, no referido prédio, o VPT mínimo de 1 000 000,00 de euros, valor sobre o qual, se igual ou superior a este limiar, fez incidir a taxa de 1% do IS da verba 28.1 da TGIS.

Não obstante, formalmente, a nota de liquidação veio subdividida em tantas liquidações quanto aos andares ou partes do prédio em propriedade vertical, assim como ocorre ao nível da liquidação do IMI.

Ora, a referida atuação pela AT vai de encontro à interpretação de que a mesma faz do preceito no qual se defende a aplicação “com as necessárias adaptações” das “regras do CIMI” às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral (nº 7 do artigo 23º do CIS).

No entanto, a interpretação feita pela AT não encontra correspondência com a realidade jurídica atual. Se não vejamos,

4. Ao somar os VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros, a AT estipulou uma interpretação jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afetação habitacional. Isto porque, não obstante as verbas 28 e 28.1 fazerem referência ao substantivo “prédios urbanos” e “por prédio”, a verdade é que, para efeitos de apuramento da matéria tributável deve atender-se ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

Ora, este é o elemento literal sobre o qual incide a referida norma. Assim, o valor patrimonial tributário a considerar na operação de determinação da matéria coletável e subsequente liquidação do IS da verba 28 e 28.1 da TGIS quanto aos prédios urbanos com afetação habitacional, em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, é o que resulta exclusivamente do nº 3 do artigo 12º do CIMI.

5. Estabelecendo o referido artigo que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Na falta de correspondência terminológica exata do conceito, o ponto de partida da interpretação é, naturalmente, o texto da lei, sendo com base nele que se há de reconstituir o pensamento legislativo, como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O próprio teor literal da expressão utilizada na verba 28.1 da TGIS é o de “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.

6. O que nos leva à conclusão de que os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, não têm VPT, determinando a lei nesses casos que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte do prédio separadamente – conforme o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI.

Pelo que, não existe suporte legal para o somatório de valores patrimoniais tributários dos andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional, por forma a atingir-se o limiar de tributação elegível de 1 000 000,00 de euros ou mais.

Ainda que o nº 7 do artigo 23º ilustre que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano”, a expressão “cada prédio urbano” abrange, atendendo aos princípios enunciados de interpretação e aplicação das normas, os prédios urbanos em propriedade horizontal e os andares ou partes de prédios urbanos em propriedade vertical, desde que afetos a fins habitacionais, partindo sempre da base tributável que vem referida na lei, o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI  (parte final da verba 28 da TGIS).

Ora, como muito bem se refere na pronúncia arbitral proferida no âmbito do processo n.º 203/2014-T, “ao nível da interpretação das normas tributárias poderá utilizar-se a regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

- Ora, se para os andares que compõem as frações autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, (ainda que sejam por definição e “ope legis” prédios urbanos), por cada contribuinte, não se adicionam os VPT para determinar o limiar do valor elegível para sujeição a IS (1 000 000,00 de euros) da verba 28 da TGIS (operação de determinação da matéria coletável), porque é que quanto às “partes de prédio ou andares” dos prédios urbanos em propriedade vertical isso deve ocorrer?”

E continua:

- “Em ambos os casos se manifesta a mesma capacidade contributiva dos contribuintes (o seu nível de riqueza ao nível de bens imóveis). Trata-se da mesma “substância económica” analisada sobre diversos prismas, reveladora da mesma “ability-to-pay”.

- Da literalidade das verbas 28 e 28-1 da TGIS, especialmente da parte final da verba 28 da TGIS, conjugada com o nº 7 do artigo 23º do CIS, retirar-se-á a conclusão, com as “necessárias adaptações das regras do CIMI” que não deveriam adicionar-se os VPT dos andares ou parte do prédio acima identificados para se encontrar um novo VPT global de prédio urbano, na parte com afetação habitacional, operação de determinação de matéria coletável elegível que a lei não contempla.”

Ao liquidar o imposto ao ora Requerente, por considerar que o VPT seria apurado com base nas somas dos VPT de cada andar ou divisão independente afeta a fins habitacionais com vista a apurar o limiar de tributação de 1 000 000,00 de euros, a AT incorreu em erro na aplicação do direito.

7. O referido procedimento apresenta-se em total oposição com o espírito subjacente à norma constante da aditada verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, que manda expressamente ter em conta o “valor patrimonial tributário para efeito de IMI”.

Conforme resulta do princípio da legalidade tal como se encontra previsto no art. 103.º n.º 2 da C.R.P., e sendo a norma em causa de incidência, não se pode através da via interpretativa afirmar um resultado que não se encontra expresso na lei.

Esse erro consubstancia um vício de violação de lei que determina a anulabilidade da liquidação em questão, nos termos do disposto do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT.

8. Da mesma forma, a interpretação da AT viola o princípio da igualdade estabelecido nos artigos 13.º e n.º 3 do 104.º da Constituição. Isto porque não faz sentido estabelecer-se um VPT diferente para dois tipos de Impostos, VPT sem suporte legal para aplicação de distintos critérios que irão influenciar a base tributável.

O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, o qual tem como equação fundamental: tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reconhecido o princípio da capacidade contributiva como expressão da igualdade tributária, daí extraindo as exigências técnicas precisas para a conformação legal dos impostos com o referido princípio (cfr. Acórdão n.º 106/2013, de 20.02.2013).

Ora a distinção entre “propriedade total” e “propriedade horizontal” não é suficiente para justificar um tratamento diferenciado do âmbito de aplicação da verba 28 da Tabela do Imposto do selo, uma vez que em ambos os casos se verifica a mesma capacidade contributiva.

Veja-se a posição defendida pelo CAAD, salientando-se, a título meramente exemplificativo, o que ficou dito na pronúncia arbitral proferida no processo n.º 132/2013-T:

“Com efeito, como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional? E como compatibilizar esta discriminação com o que se dispõe no artigo 104.º, n.º 3, da CRP?

Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade.”

Por isto, e adicionalmente, o ato de liquidação do imposto do selo que é objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é um ato consequente da violação de um princípio constitucional, sendo, portanto, nulo.

 

V. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido o pedido de anulação das liquidações de imposto do selo impugnadas, com a consequente anulação dessas liquidações.

Fixa-se o valor do processo em € 6.375,06, nos termos da alínea a) do n.º 1 do
artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária. O pagamento da taxa de arbitragem, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, cabe à Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 30 de setembro de 2015

O árbitro,

Guilherme W. d’Oliveira Martins