Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 545/2015-T
Data da decisão: 2016-02-23  Selo  
Valor do pedido: € 15.954,58
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Propriedade vertical.
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, …, …, em Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade de liquidações de imposto do Selo - Verba 28.1, da Tabela Geral - relativas a segundas prestações referentes ao ano de 2014 e ao prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … da freguesia de …, Lisboa, no montante global de € 15 954,58.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 14 de agosto de 2015, foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e notificado à Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 7 de setembro de 2015.

 

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 17 de novembro de 2015.

 

4. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 2 de dezembro de 2015.

 

6. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

8. Estando em causa essencialmente matéria de direito e atento o conhecimento que decorre das peças processuais, julgado suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

9. Está em causa no presente processo a incidência do imposto do selo, prevista no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e Verba 28.1 da respectiva Tabela, sobre prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a 1 milhão de euros, quando referida a imóveis em regime de propriedade total, ou vertical, mas compostos de partes susceptíveis de utilização independente.

 

10. Relativamente aos prédios que revestem tal característica entende a Requerida (AT) que o valor limite a considerar para efeitos de incidência tributária é o resultante do somatório dos valores patrimoniais das partes habitacionais, objecto de avaliação separada. Diversamente, é entendimento da jurisprudência arbitral maioritária que tal valor limite deverá ser definido em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das unidades habitacionais susceptíveis de utilização independente.[i]

 

11. É, pois no quadro legal assim sumariamente descrito que se insere o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral para cuja apreciação relevam os elementos factuais referidos nos pontos seguintes.

 

12. A Requerente, no ano de 2014, era proprietária do prédio urbano, sito em Lisboa, freguesia de …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … .

 

14. O referido prédio, com o valor patrimonial total de € 4 786 400, encontra-se constituído em propriedade total, sendo composto de 9 andares e divisões susceptíveis de utilização independente.

 

15. De acordo com as normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos compostos de unidades susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial de cada uma dessas partes foi determinado separadamente, verificando-se que o valor patrimonial tributário total das unidades com afectação habitacional era, no ano em causa, de € 4 786 400,00.

 

16. O valor patrimonial tributário de cada uma das partes que integram o prédio em causa é inferior a um milhão de euros.

 

17. Considerando que o valor patrimonial tributário resultante do somatório dos valores patrimoniais das unidades habitacionais era, naquele ano, superior a um milhão de euros, a AT procedeu à liquidação de Imposto do Selo a que se refere a Verba 28 da respectiva Tabela Geral relativamente a cada uma dessas unidades, apurando, com referência às segundas prestações de pagamento, o montante total de € 15 954,58, conforme consta das notas de cobrança anexas ao pedido (Docs. 1 a 27), sendo este valor correspondente ao somatório dos valores daquelas segundas prestações.

 

18. Para cobrança dessas segundas prestações foram emitidos pela AT os correspondentes documentos de cobrança, para pagamento voluntário em abril de 2015.

 

19. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

20. Relativamente às liquidações questionadas, como acima referido, a questão que motiva a discordância da Requerente é a que se relaciona com a aplicação da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo aos prédios urbanos, que, constituídos em propriedade total, são compostos por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, mas cujo valor patrimonial tributário, considerado separadamente, é inferior ao valor limite que releva para efeitos da incidência tributária.

 

21. É a legalidade dessa tributação que a Requerente vem contestar, alegando, no essencial, que "o critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal. não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS".

 

22. Discordando, assim, do entendimento da AT que subjaz e fundamenta as questionadas liquidações, considera a Requerente ser "ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o corresponde ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, porquanto tal constitui nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal."

 

23. Considera, pois, a Requerente, que "O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto."

 

24. Com os fundamentos acima sumariamente referidos, a Requerente conclui pedindo a declaração nulidade ou, caso assim se não entenda, a anulação dos actos de liquidação que constituem o objecto do pedido.

 

25. É, ainda, pedido ao Tribunal que, em qualquer dos casos, condene a AT a "ressarcir a Requerente de todos os montantes suportados em virtude do pedido de suspensão das execuções eventualmente instauradas, com as despesas decorrentes da eventual prestação de garantias, concretamente comissões respeitantes à emissão das mesmas, taxas, juros e demais encargos bancários a quantificar logo que efectivamente determinados."

 

26. A Requerida (AT) apresentou resposta em que, além de defender a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, suscitou excepção dilatória, relativa à inimpugnabilidade autónoma das prestações de pagamento decorrente de actos de liquidação.

 

27. Na sequência de despacho de 21 de janeiro de 2016 foi a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, responder à questão previa suscitada pela Requerida. Decorrido o referido prazo, verifica-se que a Requerente não respondeu à invocada excepção.

 

 

 

Questão prévia

 

28. Sintetizados os elementos factuais relevantes bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas partes, importa, antes de mais, analisar e decidir a questão prévia suscitada pela Requerida (AT) que, como acima referido, se prende com a inimpugnabilidade autónoma dos actos que constituem objecto do pedido.

 

Da inimpugnabilidade dos actos

 

29. Considera a Requerida que o presente processo tem como objecto a anulação não de um acto tributário mas, antes, do pagamento de prestações - as segundas - de um acto tributário, constante de notas de cobrança.

 

30. De acordo com o entendimento da Requerida, extrai-se dos elementos do processo que aquilo que a Requerente impugna não são os actos de liquidação mas as prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto.

 

31. É, segundo a Requerida, o que se retira da conjugação dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, do Código do IMI, para além do n.º 7 do artigo 23,º do Código do Imposto do Selo, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55.A/2012, de 29 de Outubro: o imposto do selo a que se refere a Verba 28 da TGIS é liquidado anualmente não sendo o seu pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto.

 

32. Conclui, pois, a Requerida que existe uma única liquidação de imposto, sendo o respectivo pagamento concretizado em prestações, não sendo permitida a impugnação de uma só prestação ou documento de cobrança desse valor parcelar.

 

33. Em abono da sua tese, a Requerida cita diversas decisões arbitrais, no sentido da inimpugnabilidade autónoma de prestações de pagamento de imposto, concluindo que "atendendo à manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, ocorre a excepção dilatória prevista na al. c), do n.º 1, do art. 89.º do CPTA [ii], subsidiariamente aplicável pelo art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância".

 

34. Com efeito, como sustenta a Requerida, a tributação em imposto do selo dos prédios urbanos a que se refere a Verba 28.1 da TGIS origina uma liquidação anual, por cada prédio que se encontre nas condições aí referidas, seguindo, por remissão expressa, as regras do Código do IMI no tocante à respectiva cobrança, conforme decorre do artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo.

 

35. De acordo com o disposto nos artigos 113.º e 120.º do CIMI, o imposto apurado naquela liquidação anual, é posteriormente cobrado em várias prestações, a ser pagas ao longo do ano, variando o número de prestações em função do montante de imposto liquidado.

 

36. No presente caso, conforme decorre dos elementos do processo, as liquidações foram efectuadas em março de 2015, sendo o imposto apurado dividido para pagamento em diversas prestações.

 

37. Para pagamento das segundas prestações, foram oportunamente emitidas as correspondentes notas de cobrança, decorrendo o respectivo prazo de pagamento voluntário até ao final do mês de abril seguinte.

 

38. Conforme aponta a Requerida, a Requerente vem impugnar notas de cobrança parcelares, relativas às segundas prestações do imposto que lhe foi liquidado com referência ao prédio já acima identificado.

 

39. Pese embora as referências que faz ao acto tributário e à fundamentação que constitui suporte do seu pedido de declaração de ilegalidade das liquidações, não subsistem dúvidas que o objecto da contestação, tal como afirma a Requerida, é apenas o pagamento das segundas prestações.

 

40. É o que se extrai da petição, em que o que se indica é apenas o valor global das segundas prestações, das notas de cobrança anexas ao pedido (Docs. 1 a 27) em que vêm discriminados os valores relativos à segunda prestação e a cada uma das partes autónomas a que a mesma se refere e ainda do valor económico associado ao pedido, corresponde ao valor de imposto resultante do somatório daquelas segundas prestações.

 

41. Conforme salienta a Requerida, o Tribunal Arbitral já se pronunciou sobre esta matéria, em situações idênticas à do presente processo, destacando-se, entre outras decisões que vão no mesmo sentido [iii] , as conclusões formuladas no Proc. n.º 726/2014, a que inteiramente se adere:

 

“As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28 da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual. Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, … estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação. A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, determina a incompetência do tribunal arbitral e obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação de mérito da causa. Motivos pelos quais se decide absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.” 

 

42. A fundamentação da decisão acima transcrita, que, sem reservas, se subscreve, é identicamente aplicável ao presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que, igualmente, deve ser declarada procedente a excepção invocada pela Requerida, absolvendo-se a Administração Tributária e Aduaneira (AT) da instância, reconhecendo-se a invocada excepção de inimpugnabilidade autónoma das prestações constantes das notas de cobrança que constituem objecto do pedido.

 

43. Reconhecida a invocada excepção, fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no pedido.

 

IV. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido e, em consequência, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) da instância;

 

b) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo: € 15 954,58

 

Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 23 de fevereiro de 2016

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[i]  A título meramente indicativo e referindo apenas as mais recentes decisões arbitrais, podem ver-se, neste sentido, as proferidas nos seguintes processos: 749/2014-T, 752/2014-T, 754/2014-T, 808/2014-T, 812/2014-T, 818/2014-T, 822/2014-T, 824/2014-T, 849/2014-T, 41/2015-T, 65/2015-T, 70/2015-T, 73/2015-T, 110/2015-T, 174/2015-T, 236/2015-T , 449/2015-T , 461/2015-T e 463/2015-T.

[ii]  Actualmente, art.89.º, n.º 4, al. i) do CPTA, conforme republicado em anexo ao DL 214-G/2015 de 2 de outubro.

[iii]  Vd. Procs. 120/2012-T, 408/2014-T, 797/2014-T, 37/2015-T, 90/2015-T. 137/2015-T e 140/2015-T, entre outros.