Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 545/2014-T
Data da decisão: 2015-02-05  Selo  
Valor do pedido: € 13.067,40
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 545/2014 – T

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 1 de Outubro de 2014, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    “A”, Lda. (doravante designada por “Requerente”), Pessoa Colectiva nº …, com sede na Rua …, nº …, no Porto, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 28 de Julho de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral “julgue o pedido de pronúncia arbitral provado e procedente e, consequentemente, seja anulado o acto de liquidação de Imposto do Selo identificado (...) e seja declarado o erro imputável aos Serviços e ordenado o reembolso do Imposto do Selo pago bem como as demais prestações (…), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios devidos”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 30 de Julho de 2014 e notificado à Requerida em 31 de Julho de 2014.

 

1.4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 16 de Setembro de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 1 de Outubro de 2014, tendo sido proferido despacho arbitral a 2 de Outubro de 2014, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 4 de Novembro de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, concluindo que:

 

1.7.1.     “Não assiste qualquer razão à Requerente, impugnando-se desde já a totalidade dos argumentos por si aduzidos”.

1.7.2.     “Com efeito, é entendimento da AT que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos normativos”.

1.7.3.     Com a alteração legislativa, “o Imposto do Selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (VPT) constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00
”.

1.7.4.     “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de Imposto do Selo há que recorrer ao Código do IMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a Imposto do Selo, de acordo com o previsto no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10”.

1.7.5.     “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

1.7.6.     “Relativamente à alegada violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal ínsito no artigo 103º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a AT entende que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao referido preceito constitucional, isto porque a norma que determina a incidência objectiva – artigo 1º do Código do Imposto do Selo, tem a mesma redacção, desde a alteração dada pela Lei nº 55-A/2012 de 29/10, logo, em 2013 e 2014, não se verifica qualquer sucessão de leis relativamente a este preceito”.

1.7.7.     “(…) a ora Requerente peticiona os correspondentes juros indemnizatórios, em consequência do pagamento do imposto indevido e ora impugnado” mas “o peticionado deverá improceder, desde logo porque a actuação da Autoridade Tributária pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais a que se encontra vinculada” pelo que “em face de tudo o quanto vem dito, não se poderá nunca, salvo melhor opinião, considerar que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios”.

 

1.8.       Nestes termos, conclui a Requerida pedindo que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo- se a AT do pedido”.

 

1.9.       Com a apresentação da Resposta, a Requerida entregou também pedido de dispensa da primeira reunião arbitral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT, o qual foi objecto de despacho arbitral, datado de 4 de Novembro de 2014, no sentido de dar conhecimento do mesmo à Requerente e de esta se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre o seu teor.

 

1.10.   Dado que a Requerente nada disse em tempo útil, o pedido de dispensa da reunião acima referida foi aceite e, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 18 de Novembro de 2014, foi notificada a Requerente e a Requerida para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente”.

 

1.11.   Foi também designado, no despacho referido no ponto anterior, o dia 5 de Fevereiro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi a Requerente ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”, o que veio a efectuar em 1 de Dezembro de 2014.

 

1.12.   Em 17 de Dezembro de 2014, a Requerente apresentou requerimento no sentido de juntar ao processo cópia do comprovativo de pagamento da terceira prestação relativa ao imposto objecto do pedido, o qual foi aceite e despachado, na mesma data, no sentido de ser dado conhecimento do mesmo à Requerida.

 

1.13.   Requerente e Requerida não apresentaram alegações, apesar de atempadamente notificadas para o fazer (vide ponto 1.10., supra).

 

2.         CAUSA DE PEDIR

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    É proprietária do “prédio urbano inscrito na matriz sob o nº…, da União das freguesias de Cascais e Estoril” e foi notificada da “nota de liquidação nº 2014…, relativa ao Imposto do Selo do ano 2013, previsto na verba 28 da TGIS com a redacção introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), no valor de EUR 13.067,40”.

 

2.2.    “Não concordando (…) com a referida liquidação, vejamos (…) as razões que (…) são susceptíveis de comprometer a legalidade da decisão que originou a liquidação em escrutínio”.

 

Da aplicação da Lei no tempo

 

2.3.    “De acordo com o nº 3 do artigo 103º da CRP ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja cobrança e liquidação não se façam nos termos da lei”, “daqui resultando que (…) o legislador está impedido de criar ou aumentar retroactivamente os impostos” (sublinhado nosso).

 

2.4.    “Em apoio à interpretação da norma constitucional (…) o artigo 12º da Lei Geral Tributária (LGT) (…) dispõe que as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos (…)”.

 

2.5.    “Ora, no caso em apreço, é a propriedade do prédio urbano em crise a 31 de Dezembro de 2013 que a norma de incidência real define como facto gerador da imposição do Imposto do Selo e a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2014, i.e., em data posterior ao facto gerador de Imposto de Selo”.

 

2.6.    “Assim, a liquidação do imposto em apreço, deverá ser regulada pelo regime consagrado na TGIS com a redacção introduzida pela Lei 55-A/2012, dado que o facto gerador de imposto se verificou no período da sua vigência” (sublinhado nosso).

 

Erro quanto aos pressupostos

 

2.7.    “O prédio urbano em que radica a tributação em Imposto de Selo é, no que respeita à sua classificação, terreno para construção (…), conforme caderneta predial urbana, (…) cuja capacidade construtiva está definida (…)”.

 

2.8.    “No terreno em causa não está edificada qualquer construção, integrando o activo da Contribuinte com o propósito de efectuar futuramente uma operação de promoção imobiliária”.

 

2.9.    Segundo a Requerente, “confrontada a natureza do prédio, com a definição legal que resulta do Código do IMI e com a norma de incidência prevista na Verba 28 da TGIS, facilmente se percebe que a liquidação em crise não dispõe de norma habilitante” porquanto “(…) a norma de incidência real apenas sujeita a tributação em Imposto de Selo os prédios urbanos com afectação habitacional (…)” e “a Lei citada apenas aditou à TGIS a Verba 28.1., não estabelecendo qualquer definição do que se deve entender por prédio urbano com afectação habitacional” (sublinhado nosso).

 

2.10.  Assim, “considerando que a Verba 28 da TGIS incide sobre imóveis com afectação habitacional, os prédios serão considerados como tais desde que preencham os pressupostos do art. 6º nºs 1 e 2 do Código do IMI”.

 

2.11.  Ora, sendo “o imóvel em causa terreno para construção, é forçoso concluir que ocorreu um erro quanto aos pressupostos da liquidação, dado que a ATA liquidou Imposto do Selo sobre imóvel que se integra na esfera de terreno para construção, quando é certo que a norma de incidência real [insusceptível de aplicação analógica, conforme art. 11º nº 2 da LGT] tipifica como facto gerador apenas os prédios com afectação habitacional” (sublinhado nosso).

 

2.12.  Assim, “inexistindo norma de incidência real habilitante da liquidação, o acto impugnado é ilegal nos termos do artigo 99º a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.

 

2.13.  Acresce que, segundo a opinião da Requerente, “o que pretendeu o legislador com a Lei 55-A/2012 e com a alteração à TGIS foi, num quadro de emergência nacional, tributar os contribuintes titulares de capacidade contributiva acrescida, no caso concreto através da tributação de imóveis de luxo (…) que, tendo afectação habitacional [e não qualquer tipo de imóvel], o seu VPT seja superior a
EUR 1.000.000,00
” (sublinhado nosso).

 

2.14.  “Ocorre, todavia, que os terrenos para construção não são considerados bens de luxo, mas antes bens de investimento afectos a operações de promoção imobiliária”.

 

2.15.  Assim, “a titularidade de imóveis por uma sociedade imobiliária que detém na sua esfera terreno para construção que se destina a realizar o seu objecto social e desenvolver actividade de promoção imobiliária, não representa um património de luxo e, muito menos, uma capacidade contributiva excepcional, pelo que a liquidação do imposto em causa, que tem por base um terreno para construção, para além de literalmente não observar o cumprimento das normas de incidência real, afecta claramente a ratio do legislador representada no aditamento introduzido à TGIS com a Lei 55-A/2012”.

 

Vício de fundamentação

 

2.16.  Prossegue a Requerente referindo ainda que “para além de ilegais por erro quanto aos pressupostos, a liquidação recorrida é igualmente ilegal por vício de fundamentação”, porquanto “o dever de fundamentação é uma exigência directamente decorrente do texto constitucional, nomeadamente do artigo 268º da CRP (…)”o que, nos termos do artigo 99º do CPPT, é gerador da sua anulabilidade (…)”.

 

2.17.  Por último, peticiona ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios devidos, “de acordo com o artigo 43º da LGT (…)” por “(…) erro imputado aos Serviços de que resulte o pagamento de dívida superior ao devido, que no caso em apreço corresponde à totalidade”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e invocando os seguintes argumentos:

 

3.2.    Segunda a Requerida, “é entendimento da AT que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos normativos” (sublinhado nosso).

 

3.3.    Com o aditamento da verba 28 à TGIS, “o Imposto do Selo passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.4.    Assim, segundo a Requerida, “o Imposto do Selo incidiria assim sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na TGIS, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

 

3.5.    “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de Imposto do Selo há que recorrer ao Código do IMI na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a Imposto do Selo, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29/10”.

 

3.6.    “Nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o disposto no Código do IMI” e as definições aí descritas de “prédio” (artigo 2º, nº 1) e de “prédio urbano” (artigo 6º, nº 1).

 

3.7.    “Ao contrário do propugnado pela Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

 

3.8.    “Relativamente à alegada violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal ínsito no art. 103º, nº 3 da CRP, a AT entende que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao referido preceito constitucional, isto porque a norma que determina a incidência objectiva - art. 1º do Código do Imposto do Selo, tem a mesma redacção, desde a alteração dada pela Lei nº 55-A/2012 de 29/10”.

 

3.9.    “Logo, em 2013 e 2014, não se verifica qualquer sucessão de leis relativamente a este preceito” (sublinhado nosso).

 

3.10.  “No que concerne ao alegado vício de falta de fundamentação da liquidação ora impugnada, a AT terá de discordar com tal entendimento (…) porque (…) a jurisprudência do STA tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do acto a decidir daquela maneira e não outra”.

 

3.11.  “Todavia, a verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação (…) cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37º do CPPT”, pelo que “não tendo a Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o acto sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanando”.

 

3.12.  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida defende que “o peticionado deverá improceder, desde logo porque a actuação da Autoridade Tributária
pautou-se pela estrita observância dos preceitos legais a que se encontra vinculada (…) não se podendo considerar que houve erro imputável aos serviços na emissão da liquidação em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios
” (sublinhado nosso).

 

3.13.  Nestes termos, conclui a Requerida que “a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.

 

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.2.1.     A Requerente é proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da união das freguesias de Cascais e Estoril (conforme documentos nº 2 e 3, anexados com o pedido);

5.2.2.     O VPT do imóvel é de EUR 1.306.740,00 (conforme documento nº 2, anexado com o pedido);

5.2.3.     A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo, datada de 18 de Março de 2014, relativa ao ano 2013, no montante de EUR 13.067,40;

5.2.4.     A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 1ª, 2ª e 3ª prestações respeitantes à liquidação de Imposto do Selo acima identificada no ponto 5.2.3., tendo pago o imposto relativo à 1ª prestação, no montante de EUR 4.355,80, em 5 de Maio de 2014 (conforme documento nº 4, anexado com o pedido) e tendo pago o imposto relativo à 3ª prestação, de igual montante, em 5 de Dezembro de 2014 (conforme documento nº 1, anexado com o requerimento entregue em 17 de Dezembro de 2014).

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.      Dos factos não provados

 

5.5.    Não obstante a Requerente ter indicado, no artigo 153º do pedido, a intenção de pagar “as demais prestações que se irão vencer ao longo do ano civil de 2014”, não foi obtida evidência documental do pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo relativo à liquidação acima identificada no ponto 5.2.3.

 

5.6.    Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro, nomeadamente, saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”, de modo a determinar se as liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral enfermam de vício de violação daquela verba nº 28.1., por erro sobre os pressupostos de direito, o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

6.2.    Por outro lado, tendo em consideração o disposto na Lei do Orçamento do Estado para 2014 em matéria de alterações introduzidas em sede da verba 28.1. da TGIS, com a introdução expressa na redação da norma da previsão “terrenos para construção destinados à habitação”, é necessária aferir tais alterações ao texto da lei serão de aplicar à liquidação de Imposto do Selo objecto destes autos.

 

6.3.    A resposta a estas questões impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP.

 

Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)

 

6.4.    A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a

EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 – (…)".

 

6.5.    Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).

 

6.6.    Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.7.    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.8.    Ainda de acordo com o nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano” (sublinhado nosso).

 

6.9.    Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

 

6.10.  Neste âmbito, entre os vários tipos de “prédios urbanos” previstos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção” [nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).

 

6.11.  Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando aquela terminologia em qualquer outro diploma.

 

6.12.  Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, também daí não é possível retirar a intenção do legislador aquando da sua elaboração.

 

6.13.  Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional” com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem equacionar-se várias hipóteses interpretativas, sendo que o texto da lei deve ser o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT).

 

Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”

 

6.14.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso) [1].

 

6.15.  Nestes termos, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI e definido no nº 2 do mesmo artigo, abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, os que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso) [2].

 

6.16.  A entender-se que a expressão “prédio com afectação habitacional” coincide com o de “prédios habitacionais”, é manifesto que a liquidação em análise enfermará de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1. é um terreno para construção, sem qualquer edifício ou construção exigidos para se preencher aquele conceito de “prédios habitacionais” (sublinhado nosso).

 

 

6.17.  Por isso, adoptando-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida será, de facto, ilegal, por não haver no terreno qualquer edifício ou construção com aquele tipo de afectação.

 

6.18.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil [3], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.19.  Com efeito, neste âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).

 

6.20.  Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matéria da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:

 

6.20.1.   “A prossecução do interesse público, em face da situação
económica-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental
”.

6.20.2.   “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.

6.20.3.   “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

6.20.4.   “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.21.  Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios”, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).

 

6.22.  Contudo, por ser demasiado ampla, a enunciação dos motivos subjacente à adopção das referidas medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.

 

6.23.  E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[4], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada [5].

 

6.24.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir (…) os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.25.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção”(sublinhado nosso).

 

6.26.  Na verdade, e como refere a Requerente, “a titularidade de imóveis por uma sociedade imobiliária que detém na sua esfera terrenos para constução que se destinam a realizar o seu objecto social e a desenvolver a actividade de promoção imobiliária, não representarão um património de luxo e muito menos uma capacidade contributiva excepcional, sendo que esses terrenos não são considerados bens de luxo mas antes bens de investimento afectos às operações de promoção imobiliária desenvolvida pela sociedade”.

 

6.27.  Deste modo, “a titularidade destes imóveis não eveidenciará, por si só, uma capacidade contributiva superior à média, de modo a legitimar um imposto solidário” como é o caso do Imposto do Selo previsto na verba 28.1. da TGIS.

 

6.28.  Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.

 

6.29.  Assim, face ao acima exposto, e em resposta à primeira das questões acima colocadas (vide ponto 6.1.), conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS, na redacção prevista pela Lei nº 55-A/2012, sendo ilegal o acto de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente.

 

Da alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014

 

6.30.  Como vimos, o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

6.31.  Na verdade, trata-se de um conceito que teve uma vida bastante curta, porquanto o mesmo foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 [6] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que veio delimitar o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI [7].

 

6.32.  Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013)”, como é o caso da liquidação respeitante ao ano de 2013 que está em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [8].

 

6.33.  Ora, não resulta inequivocamente, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta, desde 1 de Janeiro de 2014, do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014) (sublinhado nosso).

 

 

6.34.  Neste âmbito, da letra da lei não decorre nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam ser a preocupação primordial do legislador).

 

6.35.  E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012, nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho (em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade), motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o consideram como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.

 

6.36.  Tal esclarecimento terá, porém, surgido aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo (…) criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros[9].

 

6.37.  Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades.

 

6.38.  Acrescente-se ainda que a expressão “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (sublinhado nosso).

 

6.39.  Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, por si só, qualquer condição para como tal ser licenciado (ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal) e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno (sublinhado nosso).

 

6.40.  Pode assim concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [10].

 

Princípio da não retroactividade da lei fiscal

 

6.41.  No que diz respeito à questão da aplicabilidade, à liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2013, das alterações introduzidas em sede de verba 28.1. pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (com a introdução expressa na redação da norma da previsão “terrenos para construção destinados à habitação”), será necessário analisar a questão do princípio da não retroactividade da lei fiscal, constitucionalmente previsto.

 

6.42.  Ora, neste âmbito, de acordo com o disposto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa:

 

6.42.1.   “O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

6.42.2.   Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

6.42.3.   Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

 

6.43.  Consagrando o artigo 103º, nº 3, da CRP a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal (abrangendo os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga), não é possível permitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a liquidações de Imposto do Selo que digam respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior, verificando-se assim uma situação de retroatividade autêntica proibida pelo artigo 103º, nº 3 da Constituição (sublinhado nosso) [11].

 

 

6.44.  Ora, de acordo com o disposto no artigo 3º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, (na redacção que deu ao artigo 23º, nº 7 do Código do Imposto do Selo)“o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI”, ou seja, “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos VPT’s dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitasendo esta liquidação “efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte” (sublinhado nosso) [12].

 

6.45.  Nestes termos, facilmente se compreende que a redação da verba 28.1. da TGIS, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2014, não pode ser aplicável a liquidações efectuadas com respeito ao ano de 2013 porquanto, face ao acima exposto, o facto tributário que lhes dá origem ocorre a 31 de Dezembro de 2013, data que é anterior à da entrada em vigor da nova redacção da lei.

 

6.46.  Nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

 

6.47.  Também em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadamente nos Acórdãos (AC) nº 128/2009, de 12 de Março e nº 85/2010, de 3 de Março, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103º, nº 3, CRP é somente a autêntica.

 

6.48.  Com efeito, de acordo com o defendido no AC TC nº 128/2009, “decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova (…) a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (…)” (sublinhado nosso) [13].

 

6.49.    Nestes termos, face ao acima exposto, quer quanto ao facto de os “terrenos para construção” não poderem ser considerados como “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (vide ponto 6.4. a ponto 6.40., supra), quer quanto á impossibilidade de a nova redação da verba 28.1. da TGIS (em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2014), não poder ser aplicável a liquidações efectuadas com respeito ao ano de 2013 (dado que o facto tributário que lhe dá origem é anterior porque ocorre a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à data da entrada em vigor da nova redacção daquela verba 28.1. da TGIS) (vide ponto 6.41. a ponto 6.48., supra), conclui-se pela ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo objecto destes autos [14].

 

Do vício de fundamentação

 

6.50.  Neste âmbito, tendo em consideração o facto de se ter já concluído, face ao acima exposto, pela ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo objecto dos presentes autos, fica assim prejudicada, por inútil, a análise da questão relativa ao alegado vício de fundamentação da referida liquidação, suscitado pela Requerente no seu pedido de pronúncia.

 

Do pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

 

6.51.  Por último, e quanto ao pedido apresentado pela Requerente de “reembolso do Imposto do Selo pago bem como as demais prestações (…), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios”, é importante referir que, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” (sublinhado nosso) [15].

 

6.52.  Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).

 

6.53.  Na situação em análise, e na sequência da ilegalidade do acto de liquidação acima já identificado terá de haver lugar, por força das normas anteriormente referidas, ao reembolso dos montantes já pago pela Requerente, a título do imposto suportado, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.54.  Quanto aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, afigura-se que, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente à liquidação de Imposto do Selo datada de 18 de Março de 2014 (e referente ao ano de 2013), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º acima referido, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.    Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for [artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].

 

7.3.    No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.

 

7.4.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo datada de 18 de Março de 2014, respeitante ao ano de 2013 (e identificada neste processo),
anulando-se, em consequência, o respectivo acto tributário;

7.4.2.     Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.4.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 13.067,40.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015

 

O Árbitro

 

Sílvia Oliveira

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] No sentido de que as normas fiscais se interpretam como quaisquer outras, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.

[2] Neste sentido, vide CAAD Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[3] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deverá cingir-se à letra da Lei, mas reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.  Contudo, “as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação” (neste sentido, vide AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[4] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[5] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD, nomeadamente, no já referido Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[6] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

[7] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.

[8] Neste sentido, vide AC referidos no ponto anterior.

[9] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012 (p. 32).

[10] Vide AC STA 048/14, de 9 de Abril, AC STA 0272/14, de 23 de Abril, AC STA 0505/14, de 29 de Outubro e AC STA 0740/14, de 10 de Setembro.

[11] Vide AC TC 128/2009, de 12 de Março, referido no AC STA 01375/12, de 14 de Fevereiro de 2013.

[12] Conforme disposto no artigo 113º, nº 1 e 2 do Código do IMI.

[13] Na doutrina, e defendendo a retroactividade autêntica e não a imprópria ou "inautêntica" veja-se V. Casalta Nabais, Direito Fiscal, p. 147; Rui Guerra da Fonseca, Comentário à Constituição Portuguesa, II volume, coordenação de Paulo Otero, pp. 872 e segs., Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, p. 145 e segs.).

Em sentido contrário, veja-se V. Paz Ferreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo II, Coimbra, 2006, p. 223, seguindo a posição de Diogo e Mónica Leite de Campos e Jorge Bacelar Gouveia.

[14] Neste sentido, existem diversas decisões emitidas pelo CAAD, nomeadamente, a Decisão Arbitral 511/2014-T, de 26 de Janeiro de 2015, emitida pela signatária.

[15] Neste sentido, no que diz respeito ao “reembolso do montante total pago e juros indemnizatórios”, existem diversas decisões emitidas pelo CAAD, nomeadamente, a Decisão Arbitral 511/2014-T, acima referida e a Decisão Arbitral 578/2014-T, de 28 de Janeiro de 2015, ambas emitidas pela signatária.