Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2021-T
Data da decisão: 2022-07-04  IMI  
Valor do pedido: € 37.206,38
Tema: IMI - Inimpugnabilidade contenciosa do ato de liquidação — Vícios próprios do ato de fixação do valor patrimonial tributário — Liquidação de IMI — Revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória da matéria tributável (art. 78.º, n.º 4, da LGT).
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DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

            FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A..., contri­­buinte fiscal n.º ... (doravante “o requerente”), representado por B... Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., n.º..., ..., em Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­­RI­DADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticio­nando a declaração da ilegalidade e anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018 e, consequentemente, a anulação parcial destes atos. 

Para tanto alegou, em síntese, que é proprietário pleno dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da ... do município de Lisboa sob os artigos ... e ... e na matriz predial urbana da freguesia de ... do mesmo município sob o artigo ... (doravante “os Prédios”) que configuram terrenos para construção; que o valor patrimonial tributário dos Prédios foi determinado de forma ilegal em virtude do emprego na sua fórmula de cálculo de coeficientes de localização e de afetação, conforme foi já amplamente reconhecido pela jurisprudência tributária; que esse valor patrimonial tributário ilegalmente fixado se repercutiu, concomitantemente, na errónea quantificação dos tributos liquidados pelos atos ora sob impugnação; que, assim, os atos tributários que procederam à liquidação do IMI relativo aos anos de 2016 a 2018 padecem de ilegalidade; que em 30-12-2020 apresentou pedido de início de procedimento de revisão oficiosa contra os referidos atos de liquidação; que tal procedimento deveria ter sido alvo de decisão expressa no prazo de 4 meses, não o tendo sido; que se encontram igualmente verificados os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, que assim deverá também ser reconhecido, a par da restituição do quantitativo de imposto em excesso colocado a pagamento ao abrigo dos mencionados atos tributários.

Concluiu peticionando a declaração da ilegalidade e anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de início de procedimento de revisão oficiosa que deduziu e, consequentemente, a anulação parcial das Liquidações de IMI n.os2016-... de 22-03-2017, 2016-... de 10-06-2017 e 2016-... de 25-10-2017, relativas ao ano de 2016; das Liquidações de IMI n.os 2017-... de 20-03-2018, 2017-... de 19-06-2018, 2017-... de 22-10-2018 e 2017-... de 23-02-2019, relativas a ano de 2017; e das Liquidações de IMI n.os 2018-... de 04-04-2019, 2018-... de 17-07-2019, 2018-... de 17-10-2019, 2018-... de 28-03-2020 e 2018-... de 28-03-2020, relativas ao ano de 2018. Mais peticionou a condenação da requerida a proceder à restituição parcial das quantias de imposto por si indevidamente pagas ao abrigo de tais atos de liquidação, no valor total de EUR 37.206,38, e dos correspondentes juros indemnizatórios.

Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 37.206,38 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta, posteriormente aperfeiçoada na sequência de convite do Tribunal Arbitral, na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a incompetência da jurisdição arbitral tributária para apreciar vícios de atos de fixação de valor patrimonial tributário. Por impugnação, sustentou a consolidação administrativa dos atos de avaliação do valor patrimonial tributário dos Prédios cujos eventuais vícios, desse modo, já estariam sanados não podendo agora ser conhecidos neste processo; mais invocou a inimpug­na­bi­lidade de atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios da fixação do valor patrimonial tributário, porquanto, sendo essa a única causa de invalidade assacada ao ato tributário impugnado, ela não poderá ser conhecida na presente arbitragem na medida em que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, não podendo o seu teor ser sindicado a propósito da apreciação da legalidade dos atos de liquidação que têm por base aquele valor; finalmente, que nos termos do artigo 79.º da LGT, os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser objeto de anulação administrativa nos termos do CPA, subsidiariamente aplicável por força da alínea b) do artigo 2.º da LGT, quando verificadas as condições legais e dentro dos prazos legais consignados, aplicando-se, para o efeito, o regime jurídico previsto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA, nos termos do qual se prevê, como limite máximo para a anulação administrativa de atos administrativos, o prazo de cinco anos a contar da emissão do ato; que avaliação subjacente ao ato de fixação do valor patrimonial dos Prédios se encontra fixada há mais de cinco anos, pelo que não é passível de anulação com funda­mento em invalidade porquanto o prazo legal para anular administrativamente encon­trar-se-ia precludido; por último, que não se verificam os pressupostos para o reconhe­ci­men­to do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

            Concluiu pela sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e requereu a dispensa de junção do processo administrativo.

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            Manifestado o acordo de ambas as partes, e a instâncias da requerida, por intermédio do despacho de 18-01-2022 foi dispensada a junção do processo adminis­tra­tivo.

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            Tendo-se dispensado a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, produzirem alegações escritas quanto à matéria de facto e de direito, ambas as partes vindo a apresentá-las, nas quais mantiveram no essencial as posições por si já avançadas nos respetivos articulados.

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            Por despacho de 8-3-2022 foi determinada, pelo Tribunal Arbitral, a reabertura da instrução da causa, no termo da qual se facultou novamente às partes a faculdade de exercício do contraditório mediante a apresentação de alegações complementares, faculdade de que apenas o requerente se fez valer, reiterando no essencial as suas anteriores posições já manifestadas no processo.

 

 

— II —

As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos. 

***

            Apresenta-se a requerente cumulando, a título principal, pedidos de declaração de ilega­lidade e anulação parcial de vários atos tributários — todos eles dizendo respeito à liqui­dação de IMI com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018 — bem como a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de início de procedimento de revisão oficiosa deduzido conjuntamente contra todos esses atos. Ora, uma vez que a procedência de todos esses pedidos depende essencialmente da aprecia­ção das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nada há que obste a referida cumulação.

            Vai assim admitida a cumulação dos pedidos principais.

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            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.

            Ora, o valor que a requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 37.206,38, valor que não foi objeto de impugnação por parte da requerida. Na ausência de quaisquer outros elementos factuais que permitissem fixar à causa um valor diferente daquele que resulta do acordo das partes, não se antevê motivo para corrigir o montante indicado pela requerente.

            Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 37.206,38.

***

Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à desig­nação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 3, do RJAT). 

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            Vem, porém, excecionada a incompetência em razão da matéria. Em síntese, sustenta a requerida que o pedido formulado pelo requerente se prende com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente impugnável, e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no art. 2.º do RJAT, circunstância que constituiria uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento da causa e determinante da absolvição da instância arbitral. 

            Respondendo a esta exceção, veio o requerente alegar que na competência atribuída à jurisdição arbitral tributária pelo art. 2.º, n.º 1, do RJAT se compreende a declaração de ilegalidade de uma decisão de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa.

            Importa decidir.

Antes de mais, é forçoso ter presente que a competência é um pressuposto processual — e, portanto, necessariamente um requisito puramente formal — que exprime uma relação entre a parcela do poder jurisdicional cujo exercício foi confiado em concreto a um tribunal e o objeto de um determinado litígio que lhe foi submetido para decisão. Na apreciação da competência há, assim, que abstrair da relação material controvertida e atender à concreta pretensão apresentada em juízo. É, portanto, pelo critério do pedido, eventualmente complementado pelo critério da causa de pedir, que se deve aferir a competência de um tribunal para conhecer dos feitos que lhe tenham sido apresentados a julgamento.

No caso dos presentes autos não se oferece qualquer dúvida de que a pretensão deduzi­da é, a título principal, a invalidação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de início de procedimento de revisão oficiosa o qual, por seu turno, tem por objeto diversos atos de liquidação de um tributo. Acessoriamente, vem também pedida a condenação na restituição dos montantes pagos e de juros indemnizatórios. Ora, por um lado, a pretensão de invalidação de atos de liquidação de um tributo tem perfeito cabimento na norma competencial prevista no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT. A circunstância de esse pedido ser deduzido indiretamente, por via da impugnação do ato (tácito) de segundo grau que confirmou a legalidade de tais atos, não afasta a conclusão de que o objeto da presente arbitragem é a impugnação de ato de liquidação de tributos, e não dos atos de fixação de valor patrimonial tributário que serviram de pressuposto à liquidação daqueles tributos. Por outro lado, do instrumento jurídico através do qual a requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária não se encontra prevista qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (cfr., assim, as situações elencadas no n.º 2 do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011).

            Improcede assim esta exceção, havendo que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária instituciona­lizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.

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            Embora não expressamente identificada como tal, vem ainda invocada pela requerida a exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios que afetam a fixação do valor patrimonial tributário que tais atos tiveram por pressuposto.

Importa assim conhecer desta exceção.

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No caso em apreço, está em causa a impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de início de revisão oficiosa que tinha por objeto diversos atos de liquidação relativos ao IMI dos anos de 2016, 2017 e 2018, todos eles incidindo sobre, entre outros, três imóveis e os respetivos valores patrimoniais tributários, tal como fixados para esses imóveis e averbados nas correspondentes cadernetas prediais. 

Insurge-se o requerente contra a circunstância de tais atos tributários — tacitamente confirmados pelo ato impugnado a título principal — terem tido por pressuposto os valores patri­moniais tributários dos Prédios que, sustenta, foram ilegalmente determinados, circuns­tância que assim se projetaria na concomitante ilegalidade dos próprios atos de liquidação.

Ora, nos termos do art. 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é “suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (art. 86.º, n.º 1, da LGT). Nos termos do n.º 2 deste mesmo art. 86.º da LGT, “[a] impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.” E, no caso específico do imposto que se vem cuidando (IMI e AIMI) os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais vêm regulados no art. 134.º do CPPT, em que se estabelece que “[o]s atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade” (n.º 1) e que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7). 

Como decorre do n.º 1 deste artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em qualquer ilegalidade” — e bem assim do n.º 7 deste mesmo artigo, ao exigir-se nele o esgotamento prévio dos meios graciosos — está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indireta ou incidental, na sequência da notificação de atos de liquidação que tenham a essa avaliação, e ao valor tributário nela fixado, como pressuposto.

Do exposto decorre que, no âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concor­dar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, ou lhe imputar qualquer vício gerador da sua ilegalidade, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (art. 76.º, n.º 1, do CIMI). E é apenas do resultado das segundas avaliações (depois, portanto, de esgotados os meios graciosos do procedimento de avaliação) que cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (art. 77.º, n.º 1, do CIMI). Por outro lado, o art. 130.º, n.º 3, als. a), do CIMI faculta aos sujeitos passivos deste imposto a possibilidade de, “a todo o tempo,” reclamar das inscrições matriciais relativas a um prédio com fundamento em “[v]alor patrimonial considerado desatualizado” (cfr. também o n.º 4 do mesmo preceito legal).

Quer isto significar então que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, devendo formar objeto de impugnação autónoma e não podendo, assim, ser conhecidos, mesmo que incidentalmente, nos processos de impugnação dos atos das liquidações que com base neles sejam efetuadas, os quais não podem assim ter por objeto a discussão da legalidade dos atos de fixação do valor patrimonial tributário. 

Desse modo, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações dos corres­pon­den­tes tributos mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de ava­lia­ções e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.os 1 e 7 do art. 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em rela­ção a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que cons­tem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (art. 113.º do CIMI; no art. 135.º-C. n.º 1, do CIMI prevê-se um regime análogo para o AIMI, mas reportado à data de 1 de janeiro de cada ano).

Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurí­dico tributário inerentes à circunstância de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e de AIMI e even­tuais liquidações de IMT) e relevar inclusivamente para vários efeitos a nível de tribu­ta­ção do rendimento (IRS e IRC) e em Imposto do Selo, o que não se compagina com a possi­bi­li­dade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patri­moniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento. Esta natureza de ato desta­cável que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhe­cida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idên­tico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.os 1 e 6 do artigo 155.º do Códi­go de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT (assim, cfr. Ac. STA 30-06-1999, P.º 023160; Ac. STA 02-04-2003, P.º 02007/02; Ac. STA 06-02-2011, P.º 037/11; Ac. STA 19-09-2012, P.º 0659/12; Ac. STA 05-2-2015, P.º 08/13; Ac. STA 13-7-2016, P.º 0173/16; Ac. STA 10-05-2017, P.º 0885/16). Conforme resulta do cit. Ac. STA 19-09-2012: “Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o ato de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este ato, como é sabido, é um ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa exceção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os atos da avaliação direta são diretamente impugnáveis.” 

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Sem embargo do que ficou dito, diferente da questão da impugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade é a possibilidade da revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no art. 78.º, n.º 4, da LGT, que constitui, como é entendimento dominante da jurisprudência e da doutrina, um afloramento do dever de revogação (rectius, anulação administrativa) de atos ilegais que emerge do princípio a legali­dade da atuação da administração fiscal (arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).

É precisamente o procedimento de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória que faculta, nessas situações clamorosas, a possibilidade de invalidação de atos tributários que já não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços. Trata-se, assim, explicitamente, da possibilidade de revi­são da matéria tributável, inclusivamente da matéria tributável que resulta de atos de fixação de valores patrimoniais, após a normal consolidação que decorre da não impugnação das avalia­ções nos prazos legais. 

Esta possibilidade de revisão da matéria tributável no âmbito do procedimento de revi­são oficiosa está prevista em termos mais restritos do que aqueles em que podem ser tempes­ti­va­mente impugnados os atos de liquidação, pois, por um lado, só a injustiça grave ou notória da matéria tributável pode servir de fundamento da revisão oficiosa e não qualquer ilegalidade que afete o ato revidendo e, por outro lado, esta possibilidade de revisão da matéria tributável é mais restrita do que a prevista no n.º 1 do mesmo artigo para a revisão de atos de liquidação em geral, pois o prazo é de três anos, em vez do de quatro, ainda que esteja em causa erro impu­tável à administração fiscal. 

A possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI (assim, por exemplo o art. 115.º do CIMI reporta-se a atos de liqui­dação e não a atos de fixação de valores patrimoniais). Por outro lado, trata-se de um regime especial para cumprimento pela administração fiscal do dever de anulação administrativa que emana do princípio da legalidade que, estando especialmente previsto para o contencioso tributário, afasta a aplicabilidade subsidiária do art. 168.º do CPA, pois inexiste uma qualquer lacuna de regulamentação. 

Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão dos atos de liquidação que formam o objeto mediato da presente arbitragem com fundamento na ilegalidade dos valores patrimoniais tributários que tiveram por pressuposto. Da procedência da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do art. 78.º decorrerá a anulação dos atos tributários que tenham tido por pressuposto matéria tributável determinada com injustiça grave ou notória, como é o caso dos atos de liquidação de IMI — embora sem os efeitos retroativos previstos para a impugnação tempestiva, designa­da­mente a nível de juros indemnizatórios, como decorre dos n.os 1 e 3, als. b) e c), do artigo 43.º da LGT. Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente” a “revisão da matéria tributável,” trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. Ac. STA 07-10-2009, P.º 0476/09; Ac. STA 02-11-2011, P.º 329/11; Ac. STA 14-12-2011, P.º 366/11; Ac. STA 17-02-2021, P.º 39/14.9BEPDL).

Nestas situações em que o erro reside na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão oficiosa (que, de resto, pode partir da iniciativa do sujeito passivo — cfr. o n.º 7 do art. 78.º da LGT) não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses atos, mas apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória” desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Será assim este o meio procedimental próprio para os sujeitos passivos obterem a reparação de situações de injustiça notória decorrentes da liqui­da­ção de IMI com base num valor patrimonial tributário ilegalmente determinado, mas já defi­nitivamente consolidado. Nestes casos o objeto imediato do procedimento de revisão ofi­cio­sa é o próprio ato de liquidação (como se depreende da referência a um prazo de “[…] três anos posteriores ao do ato tributário […]”) mas o seu objeto mediato assentará na apreciação de uma situação de “[…]tributação manifestamente exagerada e despropor­cio­na­da com a reali­dade” resultante da matéria tributável que o ato de liquidação teve como pres­su­posto.

Como os presentes autos revelam à saciedade, o requerente deduziu, contra as diversas liqui­dações de IMI que coloca em crise, um pedido de início de procedi­mento de revisão ofi­ciosa, com expressa invocação do regime procedimental previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT. Pedido que, de resto, foi tacitamente indeferido, por omissão de decisão no prazo legal previsto para o efeito. 

Ora, na sequência de um pedido de desencadeamento de um procedimento de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória — e, naturalmente, do seu inde­fe­ri­men­to expresso ou tácito — pode então proceder-se à sindicância jurisdicional dessa impu­ta­da injustiça grave e notória decorrente de se ter feito assentar um ato de liquidação numa base tribu­tável ilegalmente determinada.

Por outro lado, tratando-se da impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa não se suscitam dúvidas de que se está na presença de uma pretensão atinente à legalidade de um ato de liquidação. Com efeito, e como já se deixou dito, o objeto imediato do procedimento previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT é o próprio ato de liquidação, embora com fundamento na injustiça grave ou notória da base tributável em que assentou. A ausência de decisão do procedimento de revisão oficiosa dentro do prazo legal faculta aos sujeitos passivos o acesso à via contenciosa, nos termos previstos no art. 57.º, n.º 5, da LGT, que assim terá mediatamente por objeto a legalidade do ato tributário que, por seu turno, formava o objeto imediato do procedimento de revisão oficiosa tacitamente indeferido.

Em conclusão, as ilegalidades dos atos de avaliação invocados pela requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dire­tamente assacáveis aos atos de liquidação de IMI que formam o objeto mediato da presente arbitragem. Porém, a circunstância de o requerente ter requerido o desenca­dea­mento do procedimento de revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT — tendo por objeto tais atos de liquidação, com fundamento em injustiça grave ou notória da base tributável que eles tiveram como pressuposto — consente que se possa, agora nesta sede arbitral, conhecer da injustiça grave ou notória da matéria tributável que serviu de base aos referidos atos tributários.

Assim, terá também de improceder esta exceção.

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Inexistem quaisquer outras questões prejudiciais ou obstativas do conhecimento do objeto da causa ou nulidades processuais que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso.

***

            Devidamente saneados os presentes autos, resulta assim que a única questão de que importa nestes conhecer é, então, a da ilegalidade do ato tácito de indeferimento do pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa deduzido pelo requerente na medida em que não terá reconhecido a injustiça grave ou notória dos atos de liquidação de IMI objeto do mencionado pedido de revisão.

            Acessoriamente, importará ainda decidir os pedidos de condenação na restituição das quantias de imposto indevidamente pagas e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

— III—

FACTOS PROVADOS:

            Com relevância para a questão decidenda nos presentes autos considero provados os seguintes factos:

A.    Em 31-12-2016, 31-12-2017 e 31-12-2018, o requerente era proprietário dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da ..., sob os artigos matriciais U-... e U-..., e do prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo U-..., todos do município de Lisboa, todos eles constituindo terrenos para construção. 

B.    O requerente foi notificado dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2016:

— Liquidação n.º 2016-... datada de 22-03-2017;

— Liquidação n.º 2016-... datada de 10-06-2017;

— Liquidação n.º 2016-... datada de 25-10-2017. 

C.    As liquidações referidas em B. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:

— Art. …: EUR 3.039.330,13;

— Art. …: EUR 1.691.040,00;

— Art. …: EUR: 1.405.293,33. 

D.    O requerente foi notificado dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2017:

— Liquidação n.º 2017-... datada de 20-03-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 19-06-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 22-10-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 23-02-2019;

E.    As liquidações referidas em D. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:

— Art. …: EUR 3.062.125,11;

— Art. …: EUR 1.691.040,00;

— Art. …: EUR: 1.415.833,33. 

F.    O requerente foi notificado dos seguintes atos de liquidação de IMI relativos ao ano de 2018:

— Liquidação n.º 2018-... datada de 04-04-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 17-07-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 17-10-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 28-03-2020;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 28-03-2020.

G.   As liquidações referidas em F. incidiram, entre outros, sobre os prédios indicados em A. e tiveram por base os seguintes valores patrimoniais tributários:

— Art. …: EUR 3.062.125,11;

— Art. …: EUR 1.716.405,60;

— Art. …: EUR: 1.415.833,33. 

H.   Na determinação dos valores patrimoniais tributários referidos em C.E. e G. foi tida em consideração, pela requerida, a aplicação de coeficientes de localização e, quanto aos Arts. ... e ..., também de coeficientes de afetação.

I.      Em 30-12-2020 o requerente remeteu, simultaneamente aos Serviços de Fi­nan­ças de Lisboa-... e de Lisboa-..., um pedido de início de procedimento de re­vi­são oficiosa tendo por objeto os atos de liquidação referidos em B.D. E., por via postal registada sob os registos postais n.os RH...PT e RH...PT.

J.     Sobre o pedido referido em I. não foi proferida, pelos órgãos da requerida, qualquer decisão expressa.

 

FACTOS NÃO PROVADOS:

            Da factualidade alegada, ou daquela que cumprisse ao Tribunal conhecer oficiosamen­te, inexistem quaisquer outros factos que sejam relevantes para a decisão da causa de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão que forma o objeto da presente arbitragem, tal como delimitado em sede saneamento.

 

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

            Os factos dados como provados resultam demonstrados pela prova documental junta pela requerente com o pedido de pronúncia arbitral, em especial dos documentos juntos com tal articulado sob os n.os 2 (factos A. H.) e 3 (facto B. G.), bem como pelo documento n.º 2 junto com o requerimento do requerente de 25-03-2022 (facto I.). Já o facto J. foi considerado provado dada a ausência de demonstração, pela requerida, da prolação de qualquer ato expresso que tivessem decidido o pedido de desencadeamento do procedimento de revisão oficiosa apresentado pelo requerente.

 

 

— IV—

DA INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA DAS LIQUIDAÇÕES DE IMI,

            Nos presentes autos está em causa a impugnação de um ato tácito de indeferimento de um pedido de desencadeamento do procedimento revisão oficiosa previsto no art. 78.º, n.º 4, da LGT que, por seu turno, tinha por objeto diversos atos de liquidação de IMI.

            Importa assim apreciar se o requerente teria direito à revisão oficiosa dos atos que impugnou administrativamente, com fundamento na injustiça grave ou notória da matéria tributável em que tais atos assentaram.

Ora, no cit. 78.º, n.º 4, da LGT estabelece-se que “[o] dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte,” acrescentando o n.º 5 do mesmo preceito legal que “apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.” Apesar de naquele cit. n.º 4 o legislador se referir ao dirigente máximo do serviço e a uma autorização, excecional, está consolidado na jurisprudência fiscal que de se trata de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional (Ac. STA 07-10-2009, Proc.º 0476/09; Ac. STA 02-11-2011, Proc.º 329/11; Ac. STA 14-12-2011, Proc.º 366/11; Ac. STA 17-02-2021, Proc.º 39/14.9BEPDL).

A procedência da revisão oficiosa — que, repita-se, pode resultar da iniciativa do pró­prio contribuinte, como se prevê no art. 78.º, n.º 7, da LGT — depende assim do preenchi­men­to cumulativo de dois requisitos: i) a verificação de uma injustiça grave ou notória na fixa­ção da matéria tributável em que o ato de liquidação assentou; ii) que não seja imputável a compor­tamento negligente do contribuinte.

Quanto ao segundo destes requisitos não se suscita qualquer dúvida quanto à sua verifi­cação. A fixação da matéria tributável que serviu de pressuposto às liquidações em crise na presente arbitragem foi efetuada pela Administração fiscal com base numa fórmula previs­ta na lei, sem que se tenha demonstrado que a requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza ou configuração dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pelo requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

Já quanto ao primeiro daqueles dois requisitos, também se terá de concluir pela sua verificação.

Com efeito, o vício que o requerente imputa à fixação dos valores patrimoniais dos três prédios identificados em A. do probatório é o de ter aplicado à avaliação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção normas legais relativas à avaliação de prédios edificados.

Ora, acerca desta questão o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (Ac. STA 23-10-2019, Proc.º 170/16.6BELRS 0684/17), que:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.o do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto

 

Na fundamentação do aresto acima mencionado refere-se o seguinte:

O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.

A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)”

Concordando, e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Com o devido respeito, tal como se fez no já referido acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016 tirado no rec. nº 01083/13 não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência

(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.

 

Esta jurisprudência tem vindo a ser sucessivamente reiterada e reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo — assim, cfr. Ac. STA 05-04-2017, Proc.º 01107/16; Ac. STA 28-06-2017, Proc.º 0897/16; Ac. STA 16-05-2018, Proc.º 0986/16; Ac. STA 14-11-2018, Proc.º 0133/18; Ac. STA 23-10-2019, Proc.º 170/16.6BELRS 0684/17; Ac. STA 13-01-2021, Proc.º 0732/12.0BEALM 01348/17.

Na linha desta jurisprudência é de entender que a avaliação dos terrenos para construção deve ser efetuada sem haver lugar à aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais se incluem os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.

            No caso dos prédios referidos em A. do probatório resulta demonstrado que, nas operações de avaliação tendentes à fixação dos respetivos valores patrimoniais tributários, houve lugar à aplicação de coeficientes de localização e de afetação (cfr. ponto H. do probatório), circunstância que, face à jurisprudência acima referida, tem conduzir à conclusão de que a fixação dos valores patrimoniais dos referidos prédios enferma do vício que o requerente lhes imputa, o qual é de resto exclusivamente imputável à requerida, que foi quem praticou os mencionados atos de avaliação.

            Importa ainda importa averiguar se esse vício se subsume no conceito de “injustiça grave ou notória” a que se refere o art. 78.º, n.º 4, da LGT: o n.º 5 desse mesmo preceito legal esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.” De resto, a gravidade ou notoriedade da injustiça é exigida em alternativa, como se depreende do emprego da conjunção “ou,” pelo que basta a verificação de uma ou outra para a satisfação da previsão legal.

No caso em apreço afigura-se ser manifesta a gravidade da injustiça gerada com as erradas avaliações dos valores patrimoniais tributários dos prédios identificados em A. do probatório, porquanto a tributação em sede IMI que incidiu sobre tais prédios, demonstrada pelo teor as liquidações que se juntaram como documento n.º 2 com o pedido de pronúncia arbitral, foi consideravelmente superior àquela que seria normalmente devida, como resulta da quantificação efetuada pelo próprio requerente e que não foi contraditada pela requerida.

Finalmente, importa averiguar por último se o procedimento de revisão oficiosa despoletado por iniciativa do requerente seria tempestivo, atendendo a que o legislador estabelece um prazo preclusivo para o exercício do correspondente poder administrativo. Com efeito, o art. 78.º, n.º 4, da LGT estabelece uma norma de caducidade perentória para o exercício, pela Administração fiscal, do poder oficiosa de proceder à revisão dos atos tributários por si praticados, cujo prazo corresponde aos “três anos posteriores ao do ato tributário.” Este prazo interrompe-se com o pedido do contribuinte para a realização da revisão oficiosa (art. 78.º, n.º 7, da LGT).

Tendo ficado provado nos presentes autos que os atos tributários objeto do procedimento de revisão oficiosa foram proferidos entre 22-03-2017 e 28-03-2020 (factos B.D. e F. do probatório) e que o pedido do requerente para a realização da revisão oficiosa foi remetido à requerida por via postal registada através de correspondência expedida em 30-12-2020 (facto I. do probatório), tem que se considerar o pedido do requerente apresentado nesta última data [cfr. 104.º, n.º 1, al. b), do CPA] e, também nessa mesma data, como interrompido o prazo para a realização da revisão oficiosa que, assim, passou a ter o seu termo em 31-12-2023 (que corresponde ao fim do terceiro ano seguinte ao da verificação do facto interruptivo da contagem do prazo).

Assim, quer à data do termo do prazo legal de decisão do procedimento de revisão oficiosa despoletado por iniciativa do requerente (i. é, 30-04-2021), quer à data da propositura da presente arbitragem (01-09-2021), não se tinha ainda verificado a caducidade do poder de revisão oficiosa dos atos tributários em crise nos presentes autos.

Em conclusão, estão preenchidos todos os requisitos de que dependeria a procedência da revisão oficiosa dos atos tributários referidos em B.D. F. do probatório, com fundamento em injustiça grave ou notória da matéria tributável, nos termos previstos nos n.os 4 e 5 do art. 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzida pelo requerente, deveria a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira ter procedido à pretendida revisão, anulando parcialmente os atos de liquidação de IMI relativos aos anos de 2016, 2017 e 2019.

Pelo exposto, procede o vício assacado ao ato tácito que constitui o objeto imediato da presente arbitragem e, consequentemente, terá também de proceder a anulação parcial dos atos de liquidação de IMI que formavam o objeto do procedimento de revisão oficiosa despoletado pelo requerente junto da requerida.

  

DOS PEDIDOS CONDENATÓRIOS,

            Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, caracterizado por pronúncias constitutivas (arts. 99.º e 124.º do CPPT), nele podem ainda extrair-se efeitos condenatórios no confronto da administração tributária, como resulta patente do facto de nesse meio processual poder haver lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida. Acresce que de harmonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão,” preceitos legais aplicáveis à arbitragem tributária por força da expressa remissão, a título de direito subsidiário, do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c), do RJAT.

Por outro lado, face ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, fica a administração tributária requerida vinculada a, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.”

Donde, nada obsta a que, no processo arbitral tributário possa haver lugar à conde­na­ção da administração tributária requerida na restituição aos requerentes das quantias por eles pagas na decorrência de atos tributários que venham, nessa sede arbitral, a ser anulados ou decla­rados nulos. De resto, tal constitui uma prática jurisdicional difusa nos tribunais arbitrais tributá­rios constituídos sob a égide do CAAD.

Pelo que, na procedência do pedido deduzido a título principal na presente arbitragem, terá também de proceder a pretensão de condenação da AT a restituir ao requerente a quantia de imposto por ele indevidamente paga ao abrigo dos atos de liquidação agora parcialmente anulados.

*

            Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da preten­são da qual não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária, deven­do esta — nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tribu­tá­rios estaduais — restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbi­tral não tivesse sido praticado, adotando todos os atos e operações necessários para o efeito, norma esta que não pode ser desligada do que se dispõe no art. 100.º da LGT, nos termos do qual a plena reconstituição da situação atual hipotética compreende “o pagamento de juros indem­nizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” 

Dúvidas não podem existir de que a pretensão relativa a juros indemnizatórios tem tam­bém cabimento no meio processual arbitral. Na realidade, dispõe-se no art. 24.º, n.º 5, do RJAT que é “devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previs­tos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.” Tal norma­­tivo, conjugado com a circunstância de o processo arbitral ser uma alternativa à impug­na­ção judicial, deve ser entendido como permitindo a condenação da administração fiscal no paga­­mento de juros indemnizatórios no quadro do processo arbitral. Conclusão que apenas sai refor­çada pela leitura do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010 que autorizou o Governo a legislar “no senti­do de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de confli­tos em matéria tributária” com o deliberado fito de que o processo arbitral tributário funcio­nas­se como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

Especificamente no que concerne à obrigação de juros indemnizatórios dispõe-se no art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Porém, acrescenta-se no n.º 3 do mesmo preceito legal que “[s]ão também devidos juros indemniza­tó­rios [...] [q]uando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste.”

E embora seja configurável a equiparação, para efeitos de juros indemnizatórios, entre o procedimento de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte e o procedimento de reclamação graciosa quando aquele é requerido dentro do prazo de reclamação administrativa (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT), o mesmo não se pode afirmar quanto às demais situações de inicia­tiva particular no despoletar do procedimento de revisão oficiosa. Com efeito, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) [...]apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT” (Ac. STA 12-07-2006, Proc.º 402/06).   

Como decorre do probatório, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pelo requerente em 30-12-2020, circunstância que permite concluir pela formação de ato tácito de indeferimento em 30-04-2021, pelo que na ausência de decisão expressa apenas a partir de 31-12-2021 teria o requerente direito à perceção de juros indemnizatórios. Tendo, porém, optado por impugnar o ato tácito de inde­fe­rimento, formado antes desta data e assim aceitando a extinção do correspondente procedimento tributário, não se consolidou na sua esfera o direito a juros indem­ni­zatórios.

Improcede assim o pedido acessório de condenação no pagamento de juros indemni­za­tó­rios. 

 

DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS,

Vencida na presente arbitragem quanto à pretensão deduzida a título principal, é a requerida responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD. 

Assim, tendo em conta o valor de EUR 37.206,38 atribuído ao presente processo arbitral em sede de saneamento, por aplicação da l. 6 da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento, há que fixar a taxa de arbitragem desta arbitram em EUR 1.836,00, em cujo pagamento se condenará a final a requerida.

 

 

— V—

            Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação arbitral parcialmente procedente e, consequentemente:

a)    Declaro ilegal e anulo o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referido em I. do probatório;

b)    Declaro ilegal e anulo parcialmente, apenas na parte em que para o apuramento do quan­titativo de imposto neles liquidado tiveram por pressuposto os valores patri­mo­niais tributários referidos em C.G. E. do probatório referentes aos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da ... do município de Lisboa sob os artigos ... e ... e na matriz predial urbana da freguesia de ... do mesmo município sob o artigo ..., os seguintes atos de liquidação de IMI:

— Liquidação n.º 2016-... datada de 22-03-2017;

— Liquidação n.º 2016-... datada de 10-06-2017;

— Liquidação n.º 2016-... datada de 25-10-2017. 

— Liquidação n.º 2017-... datada de 20-03-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 19-06-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 22-10-2018;

— Liquidação n.º 2017-... datada de 23-02-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 04-04-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 17-07-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 17-10-2019;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 28-03-2020;

— Liquidação n.º 2018-... datada de 28-03-2020.

 

c)    Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A... montantes de imposto por este indevidamente pagos ao abrigo dos segmentos ora anulados dos atos tributários referidos em b);

d)    Absolvo a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios;

e)    Condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente proces­so arbitral, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 1.836,00.

 

Notifiquem-se as partes.

Registe-se e deposite-se.

 

CAAD, 4/7/2022,

O Árbitro,

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)