Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 135/2021-T
Data da decisão: 2022-04-30  IRC  
Valor do pedido: € 198.313,75
Tema: IRC - Organismo de Investimento Coletivo (OIC) não residente em Portugal - Retenção na Fonte - artigo 22º, n.º 1 do EBF e artigo 63º do TFUE
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DECISÃO ARBITRAL

Requerente – A…

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Amândio Silva e Sílvia Oliveira (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 22-06-2021, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A…, NIPC …, na qualidade de gestora do fundo de investimento imobiliário B…, com sede em …, em Munique, na Alemanha, titular do número de identificação fiscal alemão … (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo (TAC), no dia 01-03-2021, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida).

 

1.2.        Com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente visa a apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte identificados no pedido, no valor total de EUR 198.313,75, respeitante a IRC do período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018, dado que entende que os referidos atos de tributários enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem.

 

1.3.        Assim, peticiona a Requerente que o TAC “determine a anulação dos referidos atos tributários (…) e (…) na medida da procedência do pedido anterior, condene a (…) Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo, tudo com as demais consequências legais”.

 

1.4.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 03-03-2021e foi notificado à Requerida na mesma data.

 

1.5.        A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, foram os signatários designados como Árbitros, em 31-05-2021, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.6.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos Árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.7.        Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2021, tendo sido proferido despacho em

01-07-2021 no sentido de notificar a Requerida para “(…) no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional”.

 

1.8.        Em 01-09-2021 a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por exceção e por impugnação e concluído a mesma no sentido de que “(…) deve ser julgada procedente a exceção supra invocada, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância; Ou caso assim não se entenda, deve a presente instância arbitral ser suspensa, nos termos (…) referidos; deve, a final, o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

1.9.        Na mesma data, a Requerida anexou aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Por despacho arbitral de 02-09-2021, foi a Requerente notificada para no prazo de 10 dias apresentar defesa contra matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua Resposta.

 

1.11.      Em 17-09-2021, a Requerente apresentou defesa contra a matéria de exceção suscitada pela Requerida, tendo concluído no sentido da improcedência da exceção.

 

1.12.      Em 27-09-2021, foi proferido despacho arbitral no sentido de dispensar “(…) a reunião do Tribunal com as partes, considerando que (i)se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais e (ii) que foi já exercido o contraditório relativamente à matéria da defesa por exceção”; conceder o prazo de 20 dias simultâneo para as Partes apresentarem alegações escritas; esclarecer que “a matéria da exceção e o pedido de reenvio serão conhecidos a final ou em despacho autónomo, após as alegações ou o decurso do respetivo prazo” e fixar “o dia 25-11-2021, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final”.

 

1.13.      Adicionalmente, no mesmo despacho arbitral foi a Requerente advertida de que “(…) deverá dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral]”.

 

1.14.      Por último, foram ambas as Partes convidadas “(…) a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados, em formato editável (…)”.

 

1.15.      No dia 22-10-2021, a Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações, tendo concluído no mesmo sentido da Resposta e do Pedido Arbitral.

 

1.16.      Nas suas alegações, a Requerida veio apresentar pedido de suspensão da instância, com fundamento de que “(…) correm termos no CAAD vários pedidos de pronúncia arbitral deduzidos pela Requerente contra atos de retenção na fonte de IRC de outros períodos e que se sustentam na mesma argumentação de facto de direito aqui esgrimida”, “sendo que, nos processos n.ºs 131/2021-T, 133/2021-T e 134/2021-T foram proferidos despachos (…) que determinam a suspensão da instância até à prolação de decisão no processo de reenvio prejudicial n.º C-545/19 (…)”.

 

1.17.      A Requerente, com as alegações escritas, anexou cópia de seis novos documentos.

 

1.18.      A 29-10-2021, a Requerida apresentou requerimento no sentido de manifestar “(…) a sua oposição à junção dos documentos, devendo determinar-se o seu desentranhamento bem como devem considerar-se como não escritos os artigos das alegações que ao mesmo se reportam” mas, “sem conceder, e caso assim não entenda o Tribunal, requerer-se que seja concedido à Requerida um prazo de vista e pronúncia não inferior a 10 dias”.

 

1.19.      Adicionalmente, veio a Requerida solicitar ao TAC que fosse ordenada “(…) a junção aos presentes autos, por parte da Requerente, da tradução dos documentos para a língua portuguesa, nos termos do artigo 134.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT “, “devendo o prazo de pronúncia a conceder à Requerida iniciar-se após a notificação da junção dos documentos traduzidos”.

 

1.20.      Por despacho arbitral de 03-11-2021, foi a Requerente notificada para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o pedido de suspensão da instância formulado pela Requerida.

 

1.21.      Na mesma data, a Requereu anexou ao processo cópia do pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

1.22.      Em 15-11-2021, a Requerente apresentou requerimento no sentido de se pronunciar sobre o pedido de suspensão da instância apresentado pela Requerida, tendo concluído “(…) pela total desnecessidade de suspensão da presente instância, devendo os autos prosseguir até à prolação de decisão que se pronuncie sobre o mérito da causa, tudo com as demais consequências legais”.

 

1.23.      Na mesma data, a Requerente apresentou requerimento relativo à admissibilidade da junção de documentos com as suas alegações, tendo concluído no sentido de que se julgue admissível essa junção.

 

1.24.      Por despacho arbitral de 19-11-2021, foi decidido suspender a instância até ser proferida decisão pelo TJUE, no âmbito do processo C-545/19, devendo “(…) qualquer das partes dar notícia nestes autos da decisão do TJUE a fim de ser determinada a cessação da suspensão e o prosseguimento imediato do processo”.

 

1.25.      Por despacho arbitral de 04-03-2022, foram ambas as Partes notificadas para “(…) requererem o que tiverem por conveniente com vista ao prosseguimento. do processo. informando, designadamente, qual o estado do processo que deu causa à suspensão da instância oportunamente determinada”.

 

1.26.      A Requerida, por requerimento de 10-03-2022, veio dizer que o processo n.º C-545/19 “(…) continua a correr termos, pelo que deve a instância continuar suspensa até à prolação de decisão pelo TJUE”.

 

1.27.      Por despacho arbitral de 18-03-2022, foi referido que, em 17-3-2022, a Senhora Coordenadora do Departamento Jurídico do CAAD veio prestar ao Tribunal esclarecimento no sentido de que “(…) para os efeitos tidos por convenientes, informamos que Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no âmbito do Processo C-545/19, no seguimento do reenvio prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral no Processo 93/2019-T, se encontra disponível para consulta (…)”, pelo que o TAC mandou notificar ambas as Partes para, “(…) no prazo de 5 (cinco) dias, se oporem, eventual e fundadamente, à projetada declaração de cessação da suspensão da instância e prosseguimento do processo e/ou requererem o que entenderem por conveniente”.

 

1.28.      Em 25-03-2022, a Requerente apresentou requerimento no sentido de concluir que “(…) perante a inequívoca semelhança da situação sub judice com a subjacente ao Processo n.º C-545/19 (…), impõe-se a aplicação do entendimento sufragado pelo TJUE no âmbito daquele aresto, em estrito cumprimento do princípio do primado do Direito europeu, ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e, concomitantemente, a prolação de decisão arbitral que pugne pela total procedência da presente ação, tudo com as demais consequências legais”.

 

1.29.      Por despacho arbitral de 26-03-2022 (notificado em 28-03-2022), o TAC veio referir que “I. Ponderadas as razões invocadas no anterior despacho e a não oposição das partes, declara-se cessada a suspensão da instância decretada por despacho de 27-9-2021. II - Fixa-se agora o próximo dia 30-4-2022 como data previsível para prolação e notificação da decisão arbitral final. III - Considerando a interposição, sem efeito suspensivo, de férias judiciais no prazo previsto no artigo 21º, do RJAT, decide-se, (…) à luz do nº 2, do citado artigo 21º, prorrogar, por 2 meses, o termo final do citado prazo. IV - Renova-se o convite às partes formulado no despacho de 27/9/2021 (…), de apresentação, em formato Word, dos respetivos articulados e alegações”.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        A Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral a apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte identificados no pedido, no valor total de EUR 198.313,75, respeitante a IRC do período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018, dado que entende que os referidos atos de tributários enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem, peticionando que o TAC “determine a anulação dos referidos atos tributários (…) e (…) na medida da procedência do pedido anterior, condene a (…) Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo, tudo com as demais consequências legais”.

 

2.2.        Em síntese, a Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial que atua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora – o A… –, os investidores e o banco responsável pela custodia dos valores mobiliários.

 

2.3.        Nos anos de 2016 a 2020, a Requerente detinha a totalidade do capital social da sociedade comercial portuguesa C…, S.A. (“C…”).

 

2.4.        A Requerente não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha.

 

2.5.        Enquanto Fundo de Investimento Imobiliário, a Requerente é uma entidade equiparada a um OIC residente em qualquer Estado-Membro da União Europeia, nos termos da Diretiva 2011/61/EU, e, por maioria de razão, uma entidade equiparada a um OIC residente em Portugal.

 

2.6.        No ano de 2010, a Requerente celebrou um contrato de financiamento com a C….

 

2.7.        Nos termos do contrato de financiamento celebrado com a sociedade portuguesa C…, a Requerente auferiu, no período compreendido entre 1 de agosto de 2016 e 31 de julho de 2018, juros no montante total bruto de EUR 1.322.091,66.

 

2.8.        Os juros foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo sido objeto de retenção na fonte a título de IRC no valor de EUR 198.313,75.

 

2.9.        A questão objeto da presente ação arbitral consiste em aferir da conformidade à lei – mormente ao principio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e, consequentemente, ao primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da Republica Portuguesa (“CRP”) – daqueles atos de liquidação de imposto por retenção na fonte acima identificados, por existir um tratamento discriminatório entre a tributação dos residentes e a tributação dos não residentes.

 

2.10.      Por força do benefício fiscal atribuído aos organismos de investimento coletivo residentes previsto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), a tributação de organismos de investimento coletivo não residentes afigura-se mais gravosa do que a tributação de idênticas entidades que residam em território nacional, o que reflete uma violação da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

 

2.11.      Com efeito, o n.º 3 do artigo 22.º do EBF estabelece que “Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicilio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.o-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1”.

 

2.12.      Deste modo, os organismos de investimento coletivo residentes encontram-se desonerados de tributação em sede de IRC relativamente a (i) rendimentos de capitais, nos termos do artigo 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”); (ii) rendimentos prediais, nos termos do artigo 8.º do CIRS; e (iii) mais-valias, nos termos do artigo 10.º do CIRS.

 

2.13.      Por força do disposto no n.º 10 do artigo 22.º EBF, estes organismos de investimento coletivo também não são sujeitos a retenção na fonte na fonte em território português relativamente aos rendimentos obtidos.

 

2.14.      Em sentido distinto, caso se trate de um organismo similar não residente, os rendimentos em análise são considerados obtidos em território português, nos termos do artigo 4.º, n.º 3, al. c), ponto 3 do CIRC e consequentemente sujeito a retenção na fonte com carácter definitivo à taxa de 25% aquando do respetivo pagamento/vencimento - artigo 94.º, n.ºs 1, alínea c), n.º 3, alínea b), e  n.º 6, do CIRC.

 

2.15.      Em síntese:

 

2.16.      Assim, o benefício fiscal previsto no EBF, com vista à não tributação da generalidade dos rendimentos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes em Portugal, é mais favorável que a tributação conferida às entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português.

 

2.17.      Do exposto resulta que o tratamento discriminatório operado pelo artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF constitui uma restrição às liberdades fundamentais, e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito interno.

 

2.18.      Segundo a Requerente, tendo presente o primado das normas de Direito da União Europeia – nomeadamente do artigo 63.º do TFUE – caberá analisar a admissibilidade da aplicação exclusiva do benefício fiscal relativo a organismos de investimento coletivo a entidades beneficiárias de rendimentos de capitais que operem e se constituíam nos termos da legislação nacional, cumprindo para o efeito verificar:

 

(i)           Se a situação em análise cai no âmbito de aplicação do TFUE;

(ii)          Se os artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e n.º 6, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e n.º 10, do EBF, ao consubstanciarem uma discriminação entre residentes e não residentes em Portugal constituem uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE; e

(iii)         Se existe um motivo justificativo para a restrição ao exercício dessa liberdade fundamental e, caso exista, se essa restrição é proporcional ao fim que visa atingir.

 

2.19.      Citando a Requerente a doutrina de BEN TERRA e PETER WATTEL, a presente situação beneficia da proteção das liberdades fundamentais europeias, porque a Requerente detém a capacidade de investidor e há um claro elemento transfronteiriço em que a Requerente, residente na Alemanha, investe em Portugal mediante a aquisição de ações com sede em território nacional (cabe referir que a situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe dividendos de uma participação no capital de uma sociedade residente noutro Estado-Membro da União Europeia constitui uma operação intraeuropeia que se encontra abrangida pelo TFUE, conforme foi já́ por diversas vezes afirmado pelo TJUE, designadamente nos acórdãos Verkooijen (C -35/98), Manninen (C-319/02), ACT 4 (C-374/04) e Denkavit II (C-170/05)).

 

2.20.      Quanto ao segundo requisito, para aferir a existência de um tratamento discriminatório, a Requerente cita NIELS BAMMENS que considera ser necessário verificar a existência de quatro elementos: (i) a existência de duas situações (ii) sujeitas a um tratamento diferenciado, (iii) apesar de comparáveis, (iv) e de que resulta um tratamento desvantajoso para uma das situações (NIELS BAMMENS, The Principle of Non-discrimination in International and European Tax Law, IBFD DOCTORAL SERIES, 2012, p. 9).

 

2.21.      Para a verificação do elemento (i) supra, pois sob análise estão duas situações, a saber: a tributação de rendimentos de capitais de origem nacional auferidos pela Requerente, fundo de investimento não residente, por um lado, e a tributação de rendimentos de capitais de origem nacional (quando) auferidos por um fundo de investimento residente em Portugal, por outro lado.

 

2.22.      O elemento (ii) supra também se encontra verificado na medida em que a lei nacional impõe às situações acima identificadas um tratamento diferenciado em matéria de tributação de rendimentos de capitais, apesar de comparáveis.

 

2.23.      Na mesma situação – uma sociedade localizada em território português paga juros ou dividendos a um organismo de investimento coletivo – são isentos de tributação se auferidos por uma sociedade com sede em território nacional e são tributados se auferidos por uma sociedade de outro Estado-membro da EU.

 

2.24.      Ou seja, a legislação interna prevê dois regimes de tributação distintos cuja aplicação depende da qualidade de residente (ou não) do fundo de investimento que os aufere.

 

2.25.      No entender da Requerente, a situação na qual uma sociedade portuguesa paga rendimentos de capitais a outro organismo de investimento coletivo residente em Portugal é comparável à situação que está na origem do presente procedimento, em que esses rendimentos lhe são pagos na sua qualidade de residente na Alemanha ou em qualquer outro Estado-Membro.

 

2.26.      Pelo que, segundo entende a Requerente, há que concluir que a aplicação dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.ºs 1, alínea c), n.º 3, alínea b), e n.º 6, do CIRC, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais percecionados pela Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido percecionados por um organismo de investimento coletivo residente em Portugal, consubstancia uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

 

2.27.      Resulta da jurisprudência do TJUE sobre o referido artigo 65.o do TFUE – em particular dos acórdãos Verkooijen (C-35/98), Manninen (C-319/02) e Amurta (C-379/05) – que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa possa ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que se mostre verificado um dos dois requisitos alternativos:

 

(i)           A diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objetivamente ou,

(ii)          A diferença de tratamento se justifique por razões imperiosas de interesse geral (a denominada “rule of reason” ou regra da razoabilidade) – sejam elas a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal, prevenir a evasão fiscal ou evitar a diminuição de receitas fiscais –, devendo, em tal caso, não apenas ser adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue, mas também não ultrapassar o que é necessário para atingir esse objetivo, respeitando um princípio de proporcionalidade.

 

2.28.      Relativamente ao primeiro requisito alternativo, alega a Requerente que a situação pela qual uma sociedade portuguesa paga rendimentos de capitais a um organismo de investimento coletivo localizado em Portugal é objetiva e inequivocamente comparável à situação na qual este organismo é, como no presente caso, residente na Alemanha.

 

2.29.      Quanto ao segundo requisito alternativo, a Requerente entende que não se mostra verificada qualquer razão imperativa de interesse geral, suscetível de justificar o tratamento discriminatório provocado pelo artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF com a consequente restrição ao exercício da liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE.

 

2.30.      Assim, uma justificação para a retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais pagos a organismos de investimento coletivo não localizados em Portugal, tendo por base a necessidade de manutenção da coerência do sistema fiscal português, não apresenta, no entender da Requerente, qualquer fundamento na situação sub judice.

 

2.31.      Com efeito, segundo a Requerente, basta recordar que, conforme o TJUE decidiu nos acórdãos Verkooijen (C-35/98), Lankhorst (C-324/00) ou Bosal Holdings (C-168/01), para que um Estado-Membro possa invocar a necessidade de preservar a coerência do seu sistema fiscal é necessário que exista um nexo direto – por estar em causa, por exemplo, a mesma tributação – entre a exclusão de tributação concedida aos rendimentos percecionados por uma entidade residente e o facto de essa entidade ser residente em Portugal.

 

2.32.      Ora, no presente caso, não parece existir qualquer nexo direto entre a exclusão de tributação sobre os rendimentos de capitais auferidos por um organismo de investimento coletivo residente e a sua residência em Portugal.

 

2.33.      Deste modo, entendendo a Requerente inexistirem quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório operado, conclui-se que o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF comporta uma restrição injustificada à livre circulação de capitais, e, como tal, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP

 

2.34.      Mais se refira que uma situação análoga à ora suscitada já foi julgada pelo TJUE no acórdão Santander Asset Management SGIIC SA proferido em 10 de maio de 2012 nos processos n.ºs C-338/11 e C-347/11, com pleno vencimento no pedido apresentado, por violação da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.

 

2.35.      Requer, por isso, a Requerente, a anulação dos atos impugnados e a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, al. d) da LGT.

 

2.36.      Em sede de requerimento autónomo, a Requerente veio clarificar a devida identificação da Requerente, em resposta às dúvidas levantadas pela Requerida.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        A Requerida, na resposta apresentada, defendeu-se por exceção (invocando a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral) e por impugnação, concluindo a sua resposta no sentido de que “(…) deve ser julgada procedente a exceção (…) invocada, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância; Ou caso assim não se entenda, deve a presente instância arbitral ser suspensa, nos termos (…) referidos; deve, a final, o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

3.2.        Por exceção, a Requerida alega que não obstante à data da apresentação do pedido de revisão, em 03-08-2020, ainda se encontrar a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.° da LGT, não se verifica que a liquidação ora contestada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da administração tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efetuada a sua revisão oficiosa – nem tão pouco a Requerente o alega, tendo-se limitado, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, a afirmar que os atos tributários enfermam «de erro sobre os pressupostos de direito e, por via disso, de vício de violação de lei».

 

3.3.        Nestes termos, entende a Requerida que não se verificam os pressupostos cumulativos para a realização da revisão oficiosa, mormente não se demostra que os atos liquidação foram praticados por erro imputável aos serviços da AT.

 

3.4.        Por impugnação, a Requerida alega, em primeiro lugar, que no Doc. 1 junto à P.I. constam declarações assinadas por “On of behalf D…”, mencionando, entre outros, os rendimentos e retenções na fonte, pagos pela C…– Investimentos Imobiliários, SA à mesma entidade que assinou as referidas declarações – D…, agindo em nome do E… e não o B… identificado na P.I., pelo que, segundo alega a Requerida, não ser percetível se estamos perante a mesma entidade.

 

3.5.        De igual forma, alega a Requerida que os certificados de residência juntos como Doc. 4 foram emitidos pelas autoridades fiscais alemãs em nome de F… (gerida por D…), mencionando que esta entidade “is a special real estate investment fund established and ruled under de German Investment Law...” e que “is subject to unlimited taxation on a personal basis in German and is not regarded as fiscally transparent entity.”, ocorrendo, segundo a Requerida, uma vez mais, uma divergência no nome da entidade.

 

3.6.        Acrescenta ainda a Requerida que, analisado o contrato de empréstimo e a respectiva adenda (Doc. 5) verifica-se que o mesmo foi celebrado entre o D… (anteriormente denominada G…), representada pelo “Managing Diretor” e “pelo “Authorized Officer”, por conta do fundo E,,,, e a a C… – Investimentos Imobiliários, SA., constando do mesmo que os juros deverão ser depositados numa conta denominada “G… (iii)”.

 

3.7.        Nestes termos, entende a Requerida que a Requerente não prova a qualidade de entidade equiparada a um OIC constituído de acordo com a legislação nacional.

 

3.8.        Impõe-se também salientar que, para a Requerida, a Requerente omite alguns aspetos de grande relevância para a apreensão integral do regime fiscal especial aplicável aos OIC’s constituídos e a operar que de acordo com a legislação nacional.

 

3.9.        Em primeiro lugar, omite-se que o regime em vigor desde 1-07-2015, concretiza a opção legislativa que teve em vista “aliviar” estes sujeitos passivos em matéria de tributação em IRC (n.º 3 do artigo 22.º), mediante a subtração ao lucro tributável dos rendimentos típicos dos OIC’s, isto é, rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicilio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, a que acresce a isenção de derrama municipal e de derrama estadual (n.º 6 do artigo 22.º), mas, em contrapartida, sujeitá-los a uma tributação substitutiva entidades no domínio do Imposto do Selo.

 

3.10.      Com efeito, por via do citado decreto-lei foi aditada a Verba 29 à TGIS, que prevê̂ a tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor liquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, o valor tributável (artigo 9.º, n.º 5 do CIS), além de incluir os investimentos de que provêm os dividendos e os juros pode incluir igualmente os dividendos e juros acumulados até à sua atribuição aos investidores ou detentores das unidades de participação.

 

3.11.      Ora, a tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, porquanto são sujeitos passivos (artigo 2.º, n.º 1, alínea s) do CIS), “As entidades abrangidas pelo regime estabelecido no artigo 22.º do EBF, quando estas tenham personalidade jurídica, ou as respetivas sociedades gestoras, nos restantes casos”, recaindo o encargo do imposto sobre os “fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário” (artigo 3.º, n.º 3, alínea x) do CIS).

 

3.12.      A segunda omissão prende-se com a sujeição dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, n.º 1, às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC (cfr., n.º 8 do artigo 22.º do EBF), que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º.

 

3.13.      Os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é, segundo entende a Requerida, o caso da Requerente, não estão sujeitos a tributação autónoma sobre os dividendos nem ao imposto do selo, portanto, não pode a Requerente pretender “a aplicação do benefício fiscal relativo a organismos de investimento coletivos localizados em território nacional – com a consequente dispensa de retenção na fonte – resultante do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF”, ignorando que os mesmos se encontram sujeitos a outras formas de tributação sobre idênticas realidades.

 

3.14.      Importa sublinhar que o TJUE tem sistematicamente reafirmado que “(...) os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos”, mas devem exercer essa competência no respeito pelas liberdades fundamentais”.

 

3.15.      No pleno uso dessa liberdade, o legislador nacional optou por tributar em IRC os rendimentos de juros e dividendos e os rendimentos de capitais, em geral, obtidos em território português por não residentes, incluindo os OIC’s, pelo mecanismo de retenção na fonte, com carácter liberatório, ao passo que os OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF são tributados em imposto de selo, numa base trimestral, calculado sobre o valor global do património líquido, que agrega os investimentos financeiros e os rendimentos (juros e dividendos) acumulados.

 

3.16.      Conforme reconheceu a Advogada-Geral nas suas Conclusões sobre o processo C-545/191, «Portugal tributa por igual medida os veículos de investimento residentes e não residentes, mas com métodos diferentes. Isso implica, certamente, diferenças de encargos num sentido ou noutro. Se não forem distribuídos dividendos ao veículo de investimento, o encargo fiscal do veículo de investimento nacional é nitidamente mais elevado. Se forem distribuídos dividendos ao veículo de investimento, o caso já́ pode ser diferente. Mas isso só será assim se o contribuinte não residente não for tributado no seu Estado de residência ou nele estiver sujeito a uma tributação reduzida.».

 

3.17.      Ora, cabe reiterar que não foi cabalmente demonstrado que a tributação dos juros e dividendos, por retenção, na fonte à taxa de 15% (prevista na CDT) resulte sempre num encargo fiscal significativamente mais oneroso do Requerente do que o que se verificaria por efeito da aplicação do regime fiscal a que se encontram sujeitos os OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF.

 

3.18.      De todo o modo, considerando, hipoteticamente, que seria esse o resultado apurado, ou seja, que a carga fiscal suportada pela Requerente seria expressivamente superior à que recairia sobre um OIC residente que se encontrasse em situação idêntica, i.e., com os mesmos investimentos em ações e em financiamento, prefigurando a existência de uma restrição à livre circulação de capitais entre dois Estados-Membros da UE, haveria que analisar se a mesma é justificada.

 

3.19.      Com efeito, estabelece o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE: “No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, com exceção das derrogações previstas no artigo 65.º.

3.20.      A respeito da disposição do artigo 65.º, n.º 1, recorda a Advogada Geral, no processo C-545/19 que: «65. É jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esta disposição, por constituir derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE é, por sua vez, limitada por efeito do artigo 65.°, n.º 3, TFUE, que prevê̂ que as disposições nacionais referidas no n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.° [TFUE]»

66. Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, há́ que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE. No entanto, na jurisprudência do Tribunal de Justiça permanecem em aberto os critérios pelos quais estas disparidades de tratamento admissíveis [artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE] se podem distinguir da discriminação arbitrária proibida pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE ou da restrição dissimulada. A este respeito, o Tribunal de Justiça utiliza a fórmula habitualmente aplicável a todas as outras liberdades fundamentais.

67. Nos termos dessa formulação, um regime fiscal nacional só́ pode ser considerado compatível com as liberdades fundamentais se a diferença de tratamento nele previsto disser respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou se for justificado por uma razão imperiosa de interesse geral.».

 

3.21.      Na apreciação da comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna para efeitos da aplicação da livre circulação de capitais, a jurisprudência do TJUE tem vincado que deve ser tido em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em questão, bem como a sua finalidade e o seu conteúdo.

3.22.      E isto levou a Advogada-Geral a concluir nos parágrafos 83 e 84 das Conclusões:

 

«Assim, há́ que constatar que, à luz do objetivo prosseguido pela legislação nacional, bem como do seu objeto e do seu conteúdo, um OIC não residente não se encontra numa situação comparável à de um OIC residente.

Esta conclusão corresponde igualmente à valoração constante do artigo 65.°, n.º 1, alínea a), TFUE e com o facto de não haver diferença de tratamento arbitrária proibida pelo artigo 65.°, n.º 3, TFUE. Pode-se certamente criticar o imposto do selo ou considerá-lo estranho por várias razões. No entanto, devido aos limitados direitos de tributação acima referidos, este tratamento diferente dos OIC residentes e não residentes é compreensível e, portanto, não arbitrário, no sentido do artigo 65.°, n.º 3, TFUE.».

 

3.23.      Portanto, não sendo as situações comparáveis está justificado o diferente regime fiscal, assente em técnicas de tributação diferenciadas concedido pela legislação nacional aos dividendos e juros pagos por sociedades residentes em território português a OIC’s constituídos e a operar ao abrigo da legislação nacional e aos OIC’s não residentes.

 

3.24.      Quanto ao segundo requisito, em linha com as Conclusões da Advogada Geral, no Processo C-545/19, a título supletivo, isto é, na hipótese de o TJUE declarar que as situações em confronto são objetivamente comparáveis e que existe uma restrição à livre circulação de capitais, esta restrição, diferentemente do alegado pelo Requerente, é considerada devidamente justificada em razões imperiosa de interesse geral, como sejam, a salvaguarda da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros, a prevenção da não tributação e a eficácia da cobrança e ainda a salvaguarda da coerência do sistema fiscal português, acrescentando ainda que a modalidade de tributação em imposto do selo é adequada e não ultrapassa o necessário para esse fim, ou seja, não é excessiva.

 

3.25.      Alega ainda que foi determinado no processo n.º 93/2019-T, no âmbito da qual se discute exatamente a mesma questão a dirimir nos presentes autos, o reenvio prejudicial para o TJUE, processo que corre termos sob o n.º C-545/19, pelo que requer a suspensão do processo até à prolação de decisão naquele processo de reenvio prejudicial n.º C-545/19, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

3.26.      Sem prescindir, relativamente ao pedido de juros indemnizatórios, considera a Requerida que, em caso de deferimento, estando em causa a correção de erro na autoliquidação do contribuinte, que promove a sua revisão por via de revisão oficiosa, então, não é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT, mas sim na norma especial vertida na alínea c) do n.º 3 do referido artigo 43.º da LGT.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.        O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.4.        Foi suscitada, pela Requerida, a exceção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral porquanto entende que “(…) não obstante à data da apresentação do pedido de revisão (…) ainda se encontrar a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.° da LGT, não se verifica que a liquidação ora contestada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da administração tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efetuada a sua revisão oficiosa (…)” pelo que entende a Requerida que “(…) não se verificam os pressupostos cumulativos para a realização da revisão oficiosa, mormente não se demostra que os atos liquidação foram praticados por erro imputável aos serviços da AT”, concluindo que não pode a Requerente “(…) pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito de um pedido de revisão que não respeita os requisitos legais exigidos pelo legislador para a sua apresentação”.

 

4.5.        Esta exceção será analisada no Capítulo 6. desta decisão, previamente à análise do mérito do pedido porquanto, a proceder, determinará a absolvição total da Requerida do pedido dado que a intempestividade consiste num facto que extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente.

 

4.6.        Não foram suscitadas quaisquer outras exceções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        Foram considerados provados os seguintes factos:

 

i)             A Requerente é um Fundo de Investimento Imobiliário Especial que atua a coberto de um contrato celebrado entre a sua entidade gestora – o A… –, os investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.

ii)            Nos anos de 2016 a 2020, a Requerente detinha a totalidade do capital social da sociedade comercial portuguesa C…, S.A. (“C…”).

iii)           A Requerente não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais na Alemanha.

iv)           No ano de 2010, a Requerente celebrou um contrato de financiamento com a C….

v)            Por força do contrato de financiamento celebrado com a sociedade portuguesa C…, a Requerente auferiu, no período compreendido entre 1 de agosto de 2016 e 31 de julho de 2018, juros no montante total bruto de EUR 1.322.091,66.

vi)           Tais juros (recebidos pela Requerente) foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo sido objeto de retenção na fonte a título de IRC a quantia de EUR 198.313,75.

vii)          Por referência aos rendimentos pagos à Requerente, a C… emitiu guias de retenção na fonte, dando nota à Autoridade Tributária das importâncias retidas, do tipo de rendimento a que se referem e da circunstância de tais rendimentos terem sido pagos a uma entidade não residente.

viii)         Os montantes plasmados em tais guias de retenção na fonte foram oportunamente entregues pela C… junto dos cofres da Fazenda Pública.

ix)           Em 03-08-2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra aqueles atos de retenção na fonte.

x)            Do ato de indeferimento tácito foi apresentado, em 01-03-2021, o presente pedido de pronúncia arbitral, no sentido de obter a anulação dos atos tributários identificados no pedido arbitral e, na medida da procedência deste pedido, obter a devolução do imposto pago, bem como a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.4.        No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), nos factos não contestados pela Requerida e no teor dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

Dos factos não provados

 

5.5.        Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

Ponto prévio - Da exceção dilatória de intempestividade

 

6.1.        A Requerida alega que se verifica a exceção dilatória de intempestividade porquanto, segundo entende, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado fora de prazo.

 

6.2.        Neste âmbito, alega, em síntese, que:

 

6.2.1.     O revogado n.º 2 do artigo 78.º LGT ficcionava que o erro na autoliquidação era um erro imputável aos serviços.

6.2.2.     A supressão da ficção legal de «imputabilidade do erro aos serviços», quanto aos atos tributários autoliquidados, configura uma eliminação de uma garantia pois, por força da sua revogação, os contribuintes passaram a ter o ónus de comprovar a imputabilidade do erro que, pela lei antiga, legalmente se presumia atribuída aos serviços.

6.2.3.     Ora, os atos de retenção na fonte a título definitivo em causa na presente Acão arbitral correspondem a atos de autoliquidação de uma obrigação tributária, respeitante a IRC devido por entidade não residente, à luz do disposto no artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC.

6.2.4.     Face ao teor da nova redação do artigo 78.º da LGT, constata-se que, se por um lado é admissível a revisão do ato, por iniciativa do contribuinte, no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por impulso do contribuinte, também pode desencadear a revisão oficiosa.

6.2.5.     No caso em apreço, para a realização da revisão oficiosa exigir-se-ia assim que, cumulativamente, se tivesse verificado os seguintes requisitos: i) que o pedido tivesse sido formulado no prazo de quatro anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita; ii) que o mesmo tivesse origem em «erro imputável aos serviços» e iii) que este procedesse da iniciativa do contribuinte ou se realizasse oficiosamente pela AT.

6.2.6.     Não existiu, pois, qualquer erro, de facto ou de direito, no ato de retenção na fonte de IRC de que vem pedida a revisão, nem parece que o mesmo padeça de qualquer ilegalidade, antes tendo sido observada a disciplina legal, sem intervenção da Administração Fiscal.

6.2.7.     Pelo que, não obstante à data da apresentação do pedido de revisão, em 03-08-2020, ainda se encontrar a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte, do n.º 1, do artigo 78.° da LGT, não se verifica que a liquidação ora contestada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da administração tributária, que possibilite o alargamento do prazo para ser efetuada a sua revisão oficiosa – nem tão pouco o Requerente o alega, tendo-se limitado, no âmbito do pedido de revisão oficiosa, a afirmar que os atos tributários enfermam «de erro sobre os pressupostos de direito e, por via disso, de vício de violação de lei».

6.2.8.     Nestes termos, não se verificam os pressupostos cumulativos para a realização da revisão oficiosa, mormente não se demostra que os atos liquidação foram praticados por erro imputável aos serviços da AT.

6.2.9.     Em consequência, entende a Requerida que a Requerente não pode pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito de um pedido de revisão que não respeita os requisitos legais exigidos pelo legislador para a sua apresentação.

 

6.3.        Nesta matéria, a Requerente considera, no entanto, que:

6.3.1.     Estamos perante um manifesto erro de raciocínio já que as situações de substituição tributária, nas quais se insere a retenção na fonte, não consubstanciam situações de autoliquidação, mas antes de heteroliquidação de imposto.

6.3.2.     A substituição tributária por retenção na fonte, o devedor dos rendimentos a que o sujeito passivo tem direito – a fonte desses rendimentos – deduz aos referidos rendimentos um montante que irá entregar ao credor tributário, tudo ao abrigo de um dever de colaboração na arrecadação da receita tributária.

6.3.3.     Acrescenta ainda que a retenção na fonte foi efetuada pelo substituto tributário de acordo com as orientações administrativas constantes da Circular nº 6/2015, de 17 de junho, a qual estipula a diferença de tratamento entre os organismos de investimento coletivo residentes e não residentes.

6.3.4.     Adicionalmente, considera que, em plena harmonia com a jurisprudência dos tribunais superiores, padecerão de erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária as liquidações referentes a retenções na fonte desconformes com o direito europeu, podendo por isso as mesmas ser objeto de pedido de revisão oficiosa no prazo alargado de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

6.3.5.     Pelo que conclui pela improcedência da exceção suscitada pela Requerida.

 

6.4.        Cumpre decidir.

 

6.5.        O pedido de revisão oficiosa está sujeito aos prazos estabelecidos no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), como a seguir se transcreve (na redação em vigor à data que que o pedido de revisão oficiosa identificado nos autos foi interposto):

 

“Artigo 78.º

Revisão dos atos tributários

1 – A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação (número já revogado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março).

3 – A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 – O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 – Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 – A revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta pode efetuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 – Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.

 

6.6.        Ou seja, no nº 1 artigo 78º da LGT prevê-se, em primeiro lugar, a revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo, a efetuar dentro do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa, com fundamento em qualquer ilegalidade (1ª parte do nº 1); e, em segundo lugar, a revisão do ato tributário por iniciativa da Autoridade Tributária, dentro do prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte do nº 1).

 

6.7.        É entendimento da doutrina e jurisprudência que o conceito de “erro imputável aos serviços” compreende qualquer ilegalidade, consubstanciada num erro de direito ou erro material, que seja imputável à conduta da Autoridade Tributária.

 

6.8.        A título meramente exemplificativo, com expressa referência a vária jurisprudência uniforme do STA, veja-se o Acórdão de 08-03-2017, relativo ao Proc. 01019/14, disponível em www.dgsi.pt:

 

Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respetivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).

 

6.9.        No caso específico da alegada violação de normas de direito comunitário, o STA, em Acórdão de 19-11-2014, relativo ao Proc. n.º 0886/14 estabelece que «(...) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que “existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será́ imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário (nosso sublinhado) e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será́ imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.o 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.».

 

6.10.      Também no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31-01-2019, relativo ao Proc. n.º 1058/10.0BELRS, de 31.01.2019, se decidiu que «(...) o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE.».

 

6.11.      Por outro lado, estará sempre enquadrado no conceito de erro imputável aos serviços (sem necessidade de qualquer presunção legal a sustentá-lo), a autoliquidação ou retenção na fonte por substituto tributário feitas com base nas orientações genéricas da administração tributária, como aconteceu in casu, em que a retenção foi feita tendo por base as orientações da Circular n.º 6/2015, de 17 de Junho.

 

6.12.      Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, “não se poderia justificar que, nos caso de retenção na fonte, não houvesse possibilidade de revisão oficiosa, no prazo alargado do artigo 78.º, n.º 1, da LGT quando o erro for imputável à administração tributária (o que pode suceder, nomeadamente, quando a retenção foi efetuada de acordo com instruções desta) (nosso sublinhado), pois o facto de na retenção se impor aos particulares, que não têm formação em direito tributário, a prática de atos de natureza tributária, até justificará que lhes seja proporcionada uma proteção mais intensa contra ilegalidades de que a prevista para a generalidade dos atos práticos pela administração tributária.” - JORGE LOPES DE SOUSA, Código do Procedimento e Processo Tributário, Volume II, 2011, p. 422.

 

6.13.      Também o legislador é claro no nº 2 do artigo 43.º da LGT, a propósito dos juros indemnizatórios, que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”

 

6.14.      Não é, por isso, relevante, no caso, saber se a substituição tributária constitui ou não um ato de autoliquidação, já que o facto de o contribuinte ter seguido as orientações emanadas pela Autoridade Tributária constitui um erro que lhe é imputável, por força da vinculação a que está sujeita (68.º-A da LGT).

 

6.15.      Em conclusão, não procede a exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa, cujo indeferimento tácito é objeto de impugnação nos presentes autos.

 

6.16.      No que diz respeito à matéria de direito subjacente ao processo em análise, refira-se que a Requerente é uma é uma Pessoa Coletiva de Direito Alemão, que está constituída como Organismo de Investimento Coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente na Alemanha, nos termos do disposto no artigo 4º da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e a República Alemã para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto alemão sobre o rendimento de sociedades nos anos a que se reportam os atos tributários (por retenção na fonte) objeto de impugnação.

 

6.17.      Nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 a ora Requerente detinha participações diretas na sociedade comercial portuguesa C… Investimentos Imobiliários, S.A. e, por força de contrato de financiamento celebrado com esta entidade, a Requerente auferiu juros no montante total bruto de EUR 1.322.091,66, no período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Agosto de 2018, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal, em matéria de IRC, por retenção na fonte, no montante total de EUR 198.313,75.

 

6.18.      A Requerente entende que o benefício fiscal previsto no EBF, com vista à não tributação da generalidade dos rendimentos auferidos por Organismos de Investimento Coletivo residentes em Portugal, é bem mais favorável que a tributação conferida às entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português, pelo que a não aplicação de um regime de exclusão de tributação aos não residentes semelhante ao previsto naquela disposição do EBF aplicável aos residentes consubstancia uma discriminação injustificada em função da nacionalidade (proibida, por isso, pelo artigo 18.º do TFUE) e, concomitantemente, em função do lugar da residência.

 

6.19.      Assim, conclui a Requerente que, “na medida em que coloca as sociedades residentes em Portugal, que aufiram rendimentos de capitais junto de outras sociedades portuguesas, numa situação de vantagem relativamente às sociedades residentes noutros Estados-Membros da União Europeia que efetuem investimentos semelhantes, a discriminação assinalada é (…) proibida pelo artigo 63.º do TFUE, constituindo uma restrição à liberdade de circulação de capitais (…)”.

 

6.20.      Nestes termos, por não concordar com esta tributação dos rendimentos auferidos em Portugal, a Requerente apresentou, em 31-07-2020, pedido de revisão oficiosa contra aqueles atos tributários, com fundamento no artigo 78º, nº 1 da LGT, não tendo sido notificada à Requerente, até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral (01-03-2021), qualquer decisão escrita relativa àquele pedido de revisão oficiosa.

 

6.21.      Por não se conformar com os atos tributários acima referidos, a Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral por considerar que os mesmos padecem de ilegalidade por alegada violação do disposto no artigo 63º do TFUE (princípio da livre circulação de capitais).

 

6.22.      Assim, “(…) entendendo a Requerente inexistirem quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório operado, conclui-se que o artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF comporta uma restrição injustificada à livre circulação de capitais, e, como tal, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a anulação das liquidações por retenção na fonte ora em crise, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte (…)”.

 

6.23.      Com a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente visa a apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte identificados, no valor total de EUR 198.313,75, respeitante a IRC retido na fonte no período compreendido entre 1 de Agosto de 2016 e 31 de Julho de 2018, dado que entende que os referidos atos de tributários enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem, impondo-se para a Requerente a anulação dos atos tributários identificados no pedido por se afigurarem ilegais, atentos os argumentos apresentados, com a consequente restituição do montante total de imposto indevidamente retidos em território nacional, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, que peticiona.

 

6.24.      Por seu lado, a Requerida defende que a diferença de tratamento dos OIC residentes e não residentes não é incompatível com o Direito da UE, porquanto alega que os OIC’s residentes e os OIC’s não residentes “(…) estão sujeitos a técnicas de tributação diferenciadas, quer no método de cálculo da matéria coletável (stock de capital e rendimentos acumulados), quer na taxa nominal de imposto (0,0125 % do Imposto do Selo, quatro vezes por ano ou 15 % de uma só vez em caso de retenções na fonte de IRC sobre dividendos e juros), quer ainda nas modalidades de cobrança do imposto (trimestral ou no momento do pagamento ou da colocação à disposição)”.

 

6.25.      Neste sentido, reitera a Requerida que importa sublinhar que o TJUE tem sistematicamente reafirmado que “(…) os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos, mas devem exercer essa competência no respeito pelas liberdades fundamentais, no sentido de que o tratamento das situações transfronteiriças não seja discriminatório em comparação com o das situações nacionais” sendo que “no pleno uso dessa liberdade, o legislador nacional optou por tributar em IRC os rendimentos de juros e dividendos e os rendimentos de capitais, em geral, obtidos em território português por não residentes, incluindo os OICs, pelo mecanismo de retenção na fonte, com carácter liberatório, ao passo que os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF são tributados em imposto de selo, numa base trimestral, calculado sobre o valor global do património líquido, que agrega os investimentos financeiros e os rendimentos (juros e dividendos) acumulados”.

 

6.26.      E, citando as conclusões da Advogada-Geral sobre o processo C-545/191, processo que corre ainda termos do TJUE em resultado do pedido de reenvio formulado no âmbito de processo oriundo do CAAD – P 93/2019-T, “Portugal tributa por igual medida os veículos de investimento residentes e não residentes, mas com métodos diferentes. Isso implica, certamente, diferenças de encargos num sentido ou noutro. Se não forem distribuídos dividendos ao veículo de investimento, o encargo fiscal do veículo de investimento nacional é nitidamente mais elevado. Se forem distribuídos dividendos ao veículo de investimento, o caso já pode ser diferente. Mas isso só será assim se o contribuinte não residente não for tributado no seu Estado de residência ou nele estiver sujeito a uma tributação reduzida. Ora, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao Acórdão Pensioenfonds Metaal en Techniek [processo C-252/14] ao apreciar a questão da restrição da livre circulação de capitais não se deve atender apenas formalmente à isenção de um tipo de impostos. Pelo contrário, há que tomar em consideração todo o contexto fiscal da tributação dos OIC e, portanto, proceder a uma apreciação global (material)”, só podendo concluir-se que o regime fiscal aplicável constitui uma restrição à livre circulação de capitais, se a diferença de tratamento relativamente aos OIC’s abrangidos pelo artigo 22.º do EBF redunda num tratamento global menos favorável dos OIC’s não residentes.

 

6.27.      Assim, segundo entende a Requerida, “só é possível extrair uma tal conclusão sobre a existência de uma tratamento fiscal discriminatório desfavorável se, no que respeita aos juros e dividendos em causa, a tributação em IRC, por retenção na fonte, à taxa de 15%, em conformidade com os artigos 10.º e 11.º da CDT entre Portugal e a Alemanha, conduzir a que o Requerente suporte, a final, uma carga fiscal mais pesada em Portugal do que a imposta a um OIC residente, em imposto do selo, que se encontre na situação do Requerente (ou seja, com os mesmos ativos e rendimentos)” porquanto, “tendo sido introduzida, pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, a tributação em imposto do selo dos OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF como uma compensação pela não tributação em IRC dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, a pretensão do Requerente não pode cingir-se ao benefício da isenção do IRC sobre os dividendos e juros obtidos em território português, teria também de entrar em linha de conta com aquele imposto caso contrário, como bem observa a Advogada-Geral, nas Conclusões sobre o processo C-545/19, está a exigir não um tratamento igual ao de um OIC estabelecido no território nacional, mas um tratamento preferencial. Ora, as liberdades fundamentais não visam favorecer a situação transfronteiriça, mas «só» assegurar a igualdade de tratamento”.

 

6.28.      Em suma, segundo a Requerida, “a conclusão sobre a existência do alegado tratamento discriminatório operado pelo artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF suscetível de provocar flagrante violação do TFUE, ao constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, não pode resultar da mera invocação daqueles normativos do EBF, pois, a análise a empreender não se esgota no confronto de uma tributação versus isenção de IRC, implica uma fundamentação mais exigente que evidencie se a aplicação de técnicas de tributação diferentes redunda, ou não, numa carga fiscal menos favorável dos OIC não residentes”.

 

6.29.      Assim, para a Requerida, para se poder concluir que “as disposições da lei nacional violam a liberdade de circulação de capitais, toda a argumentação do Requerente está alicerçada na premissa – não demonstrada – de que os artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 6, do Código do IRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, ao determinarem uma tributação sobre os rendimentos de capitais pagos a um OIC não residente e uma isenção sobre os rendimentos pagos, nas mesmas condições, aos OIC constituídos e a operar ao abrigo da legislação nacional, consubstanciam prima facie, uma discriminação entre residentes e não residentes em Portugal suscetível de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e não justificada em razões imperiosas de interesse geral” porquanto reitera “não foi cabalmente demonstrado que a tributação dos juros e dividendos, por retenção, na fonte à taxa de 15% (prevista na CDT) resulte sempre num encargo fiscal significativamente mais oneroso da Requerente do que o que se verificaria por efeito da aplicação do regime fiscal a que se encontram sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF”.

 

6.30.      Com efeito, alega a Requerida que “estabelece o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE [que] no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” existindo, “contudo, algumas derrogações previstas no artigo 65.º, nos seguintes termos:

1. O disposto no artigo 63.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.os 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º”.

 

6.31.      Segundo a Requerida, “na apreciação da comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna para efeitos da aplicação da livre circulação de capitais, a jurisprudência do TJUE tem vincado que deve ser tido em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em questão, bem como a sua finalidade e o seu conteúdo”.

 

6.32.      Assim, para a Requerida, “(…) não sendo as situações comparáveis está justificado o diferente regime fiscal, assente em técnicas de tributação diferenciadas concedido pela legislação nacional aos dividendos e juros pagos por sociedades residentes em território português a OICs constituídos e a operar ao abrigo da legislação nacional e aos OICs não residentes” pelo que “(…) resta concluir que os atos tributários impugnados não padecem de qualquer erro ou vício, pelo que devem manter-se na ordem jurídica”.

 

6.33.      Nestes termos, a questão a decidir consistirá em aferir da conformidade do direito nacional, mormente do disposto no artigo 22º do EBF face ao disposto no direito da UE, nomeadamente, face ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) e, consequentemente, internamente aplicável por força do consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, consequentemente, da conformidade dos atos de liquidação de imposto por retenção na fonte, identificados no pedido, com o normativo prevalente.

 

Do dispositivo nacional

 

6.34.      O artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, em vigor à data a que reportam os atos tributários em crise, estabelece o seguinte:

 

“Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro”.

 

6.35.      Do transcrito no ponto anterior, o regime previsto no artigo 22.º do EBF é um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3 é referido que “para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.ºdo Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1” e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).

 

6.36.      O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.

 

6.37.      Por outro lado, é manifesto que dos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF e do n.º 4 do artigo 87.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado-Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto, pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes estão sujeitos a IRC através de retenção na fonte.

 

6.38.      Neste âmbito, cumpre realçar que “de harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

6.39.      Também a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que “nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado (…)”. 

 

6.40.      Ora, como vimos, a Requerente defende que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF é incompatível com a proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da UE - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento.

 

6.41.      E como se escreve no Acórdão Arbitral prolatado no âmbito do Processo nº 11/2020-T de 06-11-2020, “como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão da ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14)”.

 

6.42.      A Requerida, como vimos, defende que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC.

 

6.43.      No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes.

 

6.44.      Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre.

 

6.45.      É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OIC´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação em IRC por retenção na fonte.

 

6.46.      Por isso, é de concluir que do artigo 22.º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC´s não residentes em relação aos OIC´s residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes.

 

6.47.      Para além disso, como diz a Requerente, a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os rendimentos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos.

 

Da violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)

 

6.48.      De acordo com o disposto no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” sendo que, nos termos do previsto no artigo 65.º do TFUR (ex-artigo 58.º do TCE), “1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados. 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

 

6.49.      Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, aplicável com as necessárias adaptações, que: “38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15). 40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE”.

 

6.50.      Está ínsito neste acórdão do TJUE (no caso, relativo à distribuição de dividendos) que no caso de aquela ser efetuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes se engloba no conceito de movimento de capital, para efeitos do artigo 63.º do TFUE, o que não é objeto de controvérsia.

 

6.51.      Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o tratamento privilegiado não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.

 

6.52.      Por outro lado, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para “dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro”, desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem de situação de vantagem fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.

 

6.53.      É certo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE acima transcrito, permite que os Estados-Membros apliquem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o n.º 3 do mesmo artigo.

 

6.54.      Mas, como se refere no n.º 3 daquele artigo 65.º, “as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”.

 

6.55.      Ora, no caso em apreço, sendo tributados em Portugal os OIC´s não residentes, a sua situação é comparável à dos OIC´s nacionais pelo que devem ser objeto de tratamento equivalente ao aplicável aos OIC’s residentes.

 

6.56.      Como se diz defende na decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T (em matéria de dividendos), “embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas”.

 

6.57.      Para além disso, no que concerne à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode entender que o tratamento desfavorável dos OIC´s não residentes possa ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral ou por risco de evasão fiscal, que só é relevante estiverem em causa expedientes artificiais, que tenham como objetivo primacial evitar o pagamento de imposto normalmente devido, e as restrições não podem exceder o necessário.

6.58.      Neste contexto, há que ter em conta que a Convenção entre a República Portuguesa e a Alemanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento assegura a troca de informações entre as administrações fiscais dos dois países (artigo 26.º), pelo que não se demonstra que o tratamento diferenciado dos OIC’s não residentes possa justificar-se por risco de evasão fiscal.

 

6.59.      Para além disso, mesmo que se entenda, em sintonia com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-2017, proferido no processo n.º 0678/16, que só se está perante um tratamento diferenciado relevante para este efeito quando “aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”, não é essa a situação que se depara nos autos.

 

6.60.      Neste caso, não há qualquer norma da CDT entre Portugal e a Alemanha, que permita neutralizar a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional porquanto, o que se prevê no artigo 11.º, n.º 2, alínea b) da CDT é apenas a garantia da limitação a 15% da tributação do rendimento bruto e não a neutralização do que é pago a mais pelos OIC’s residentes na Alemanha comparativamente aos OIC’s residentes em Portugal, por terem recebido rendimentos idênticos.

 

6.61.      Por outro lado, nos termos da recente posição do TJUE assumida no processo C 545/19, cuja decisão foi proferida em 17-03-2022 no âmbito de um processo de reenvio emitido pelo CAAD (processo arbitral n.º 93/2019-T), aquele Tribunal veio declarar ainda que relativamente a outro tipo de rendimentos que não juros (dividendos) que “o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

 

6.62.      Nestes termos, face ao acima exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da EU, concluindo-se que as retenções na fonte objeto do pedido enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, com o consequente reembolso da quantia total suportada pela Requerente.

 

Pagamento de juros indemnizatórios

 

6.63.      Como acima se concluiu, se a retenção na fonte não deveria ter sido efetuada, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido e, por isso, peticiona a Requerente ser reembolsada daquele montante, acrescido de juros indemnizatórios, calculados “(…) desde a data do seu pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito (…)”.

 

6.64.      Ora, no que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

6.65.      Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

6.66.      O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT, nos termos do qual se refere que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução Espontânea”.

 

6.67.      Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

6.68.      Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos atos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso)..  

 

6.69.      Contudo, o nº 3, alínea c) do referido artigo 43.º da LGT consagra que também são devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.

 

6.70.      Ora, em casos como o aqui em análise (pedido de revisão oficiosa seguido de impugnação judicial), a orientação jurisprudencial consolidada pelo STA, tem sido no sentido de aplicar o disposto no artigo 43º, nº 3, alínea c) da LGT, nos termos da qual se refere que “(…). Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em (…) nada fez (…) até que (…) apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário. Entre (…)e (…) decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação. O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. (…). É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT. Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte (…)” concluindo que “pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (…) e vindo o acto a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido (…)” (sublinhado nosso).

 

6.71.      Nestes termos, face ao acima exposto, no caso em análise, dado que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela Requerente em 31-07-2020 e se formou a presunção de indeferimento tácito por nada ter sido decidido no prazo de quatro meses

(até 30-11-2020), não tendo assim decorrido mais de um ano após a sua apresentação, verifica-se que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, indeferindo-se o respetivo pedido de pagamento de juros.

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.72.      Nos termos do disposto no artigo 527.º, nº 1 do CPC em vigor (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

 

6.73.      Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.74.      Nestes termos, face ao acima exposto, da análise efetuada resulta que deverá ser imputada à Requerida a responsabilidade integral em matéria de custas arbitrais.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Coletivo:

 

7.1.1.     Julgar improcedente exceção da intempestividade do pedido suscitada pela Requerida;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, determinando-se a anulação dos atos tributários identificados no pedido, com o consequente reembolso do montante total de imposto pago;

7.1.3.     Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;

7.1.4.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 198.313,75.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 3.672,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de abril de 2022

 

O Árbitro Presidente 

José Poças Falcão

 

O Árbitro Vogal

Amândio Silva

 

O Árbitro Vogal

Sílvia Oliveira