Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 528/2015-T
Data da decisão: 2016-05-31  IRC  
Valor do pedido: € 59.893,62
Tema: IRC – Gastos; indispensabilidade; artigo 23.º do CIRC
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Decisão Arbitral

 

O árbitro Paulo Lourenço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 28 de outubro de 2015, decide o seguinte:

 

I.                   RELATÓRIO

 

1.                  No dia 31 de julho de 2015, a A…, Sociedade Unipessoal, Lda, anteriormente denominada B…-… Portugal, Lda, contribuinte fiscal n.º …, com sede social em …, Rua …, Edifício …, Piso …, Escritório …, …, …-… Sintra, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação n.º 2013 …, relativo ao exercício de 2011, no valor de total de € 59 893,62.

A Requerente sustenta que é sobre a Administração Fiscal que impende o ónus de suscitar e comprovar a dispensabilidade do custo ou perda, sob pena de não o fazendo, não poder exercer o direito de corrigir a dedução do montante respetivo a título de custo fiscal.

 

 
 


Atenta a ligação intrínseca entre os encargos suportados e a manutenção da fonte produtora, ainda que de forma indireta, o encargo suportado com o arrendamento das frações autónomas e as depreciações de bens mobiliários a elas referentes devem ser considerados como custo dedutível para efeitos fiscais.

 

Acresce que, atenta a análise efetuada e a declaração elaborada pela empresa C…, na qualidade de Revisor Oficial de Contas, pode concluir-se que na alteração de titularidade do capital social se manteve, direta ou indiretamente na esfera jurídica dos sócios, uma participação social superior a 50% do capital social da ora Requerente, em 1 de janeiro de 2012.

Posto isto, deve ser anulada a correção efetuada promovida pela Autoridade Tribuária à dedução do prejuízo fiscal referente ao período de tributação de 2010, por falta de fundamentação legal.

A Autoridade Tributária, por seu lado, sustenta que a Requerente contabilizou como gastos do exercício diversos encargos que não são aceites fiscalmente, nos termos do artigo 23.º do CIRC, para além de ter deduzido o prejuízo fiscal apurado no ano de 2010, dedução esta que se encontra condicionada, em conformidade com o estipulado no n.º 8 do artigo 52.º do mesmo diploma legal.

Ainda que se invoque que os colaboradores que utilizaram o referido apartamento desempenharam as funções indispensáveis de gestão, supervisão e operação durante o processo de arranque, montagem e consolidação da estrutura do negócio, a verdade é que tais encargos foram faturados à Requerente por outras empresas pertencentes ao grupo D…, entre as quais a E… e a F….

De igual modo, tendo em consideração os motivos invocados em relação ao arrendamento da habitação, em que foi fiscalmente desconsiderado o gasto do arrendamento, também não podem ser fiscalmente dedutíveis os gastos de depreciação e amortização do mobiliário e equipamentos domésticos que equiparam a habitação, dado que os pressupostos não se alteraram.

Finalmente, no que diz respeito à dedução do prejuízo fiscal, sustenta a Autoridade Tributária que o artigo 52º, n.º 8 do CIRC não faz qualquer referência quanto ao facto da participação no capital social da sociedade ser direta ou indireta, já que apenas exige a titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto, pelo que deve ser mantida a correção proposta.

 

2.                  O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite no mesmo dia 31 de julho de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13 de outubro de 2015 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de recusar.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído no dia 28 de outubro de 2015.

No dia 15 de dezembro de 2015, a Requerida Autoridade Tributária, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se unicamente por impugnação.

No dia 14 de março de 2016 realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo sido inquiridas as testemunhas apresentadas pela Requerente.

Na referida reunião, foi concedido um prazo sucessivo de 10 dias para a Requerente e para a Requerida apresentarem as alegações escritas, o que fizeram, respetivamente, em 5 de abril de 2016 e 18 de abril de 2016.

Face às dúvidas quanto ao sentido da decisão, o Tribunal, em 28 de abril de 2016, prorrogou o prazo da decisão por mais um mês.

3.                  O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

Factos provados

 

1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio a retalho, importação e exportação de artigos de ourivesaria, relojoaria e joalharia, que faz parte do grupo internacional que operava sob a marca D….

 

 
 


2. A Requerente encontra-se sujeita ao regime geral de tributação de IRC, adotando um período de tributação coincidente com o ano civil, em conformidade com o disposto no artigo 8º, nº 1 do CIRC.

 

3. No âmbito de uma ação de inspeção, constatou-se que a requerente se dedica à compra de artefactos de ouro e prata, que adquire a particulares, procedendo posteriormente à respetiva venda.

4. A Requerente possui uma rede de lojas (quiosques) localizadas nos principais centros comerciais do país, onde adquire os artefactos de ouro e prata a particulares, emitindo um documento de compra que contém, para além da identificação do vendedor, a descrição dos bens adquiridos.

5. A Requerente foi constituída em 9 de agosto de 2010, sob o nome de “G…Lda.

6. Em 2 de novembro de 2010 foi alterada a designação da sociedade para B… – … PORTUGAL, LDA e posteriormente para a designação que mantém atualmente.

7. A Requerente entregou a respetiva declaração modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2011, em 30 de maio de 2012, na qual apurou um lucro tributável de € 3.119.526,17, ao qual deduziu o prejuízo apurado no ano anterior, no montante de € 185.849,18, de onde resultou a matéria coletável de € 2.933.676,99.

8. A Requerente, na sequência da Ordem de Serviço nº OI2012…, foi sujeita a uma ação inspetiva externa, em relação ao exercício de 2011.

9. No dia 9 de janeiro de 2013, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, elaborado na sequência da ação de inspeção externa efetuada pelos Serviços da Autoridade Tributária.

10. No referido projeto, a Autoridade Tributária propôs uma correção ao resultado fiscal no montante total de € 233.261,05, situação que determinou a passagem da matéria coletável da Requerente para € 3 166 938,04, para além de uma correção em sede de tributação autónoma no montante de € 50,52.

11. As correções proposta resultaram das seguintes situações:

a)    Desconsideração do gasto associado ao arrendamento de uma fração autónoma na Ericeira, no montante de € 11.000,00;

b)   Desconsideração dos gastos associados com deslocações e estadas, no montante de € 3.751,64;

c)    Desconsideração dos gastos associados às depreciações do ativo fixo tangível correspondente ao mobiliário da referida fração autónoma, no montante de € 2.271,32;

d)   Desconsideração de gastos de financiamento suportados, no montante de € 32.208,22;

e)    Consideração do gasto relativo ao IVA deduzido indevidamente a favor da Requerente, no montante de € 1.819,31;

f)     Anulação da dedução do prejuízo fiscal apurado no período de 2010 no montante de € 185.849,18.

12. A Requerente aceitou as correções referidas nas alíneas b), d) e e) acima mencionadas, bem como a correção relativa à tributação autónoma.

13. A 11 de Fevereiro de 2013, a Requerente foi notificada do relatório de Inspeção Tributária, que converteu em definitivas as correções à matéria coletável de IRC inicialmente propostas no projeto.

14. Em 24 de abril de 2013, a Requerente foi notificada do ato de liquidação ora contestado e do correspondente acerto de contas, donde resultou uma prestação tributária a pagar de € 59.893,63.

15. A Requerente foi notificada, em 20 de junho de 2012, da liquidação de IRC resultante da declaração apresentada, da qual resultava um valor a reembolsar no montante de € 46.792,90, conforme demonstração de liquidação n o 2012 ….

16. Na sequência das correções resultantes da inspeção efetuada, a Requerente foi notificada de nova demonstração de liquidação de IRC, datada de 21 de fevereiro de 2013, da qual resultou um valor a pagar no montante de € 13.100,73, conforme demonstração de liquidação n.º 2013 ….

17. Na sequência da nota de liquidação e da ausência de pagamento por parte da Requerente, foi instaurado um processo de execução fiscal, a que corresponde o nº …2013…, relativa ao exercício de 2011, no valor de € 61 150,69.

18. A Requerente, de forma a suspender o referido processo executivo, efetuou um depósito na Caixa Geral de Depósitos em montante correspondente a € 76.240,54.

 

III. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

IV. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal tem o dever de selecionar os factos que importam para a decisão (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da questão de Direito (anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

V. DO DIREITO

A Requerente, de forma a sustentar a sua tese, invoca, como anteriormente se referiu, que, de forma a impulsionar o seu negócio, que carecia de conhecimento e experiência, foi necessário solicitar o apoio de colaboradores estrangeiros de outras sociedades pertencentes ao Grupo, que auxiliassem na implementação da estratégia de arranque das operações em Portugal (e.g. recrutamento, formação, abertura de quiosques, marketing, etc.).

Neste sentido, a Requerente reafirma que o conhecimento e a experiência partilhados pelos colaboradores estrangeiros, foi determinante na obtenção dos resultados apresentados.

Para acomodar os colaboradores estrangeiros que estiveram deslocados em Portugal, foi celebrado um contrato de arrendamento pela Requerente, com o intuito de lhes proporcionar alojamento temporário.

Invoca ainda a Requerente que resultou da análise efetuada que os encargos inerentes ao arrendamento do apartamento corresponderiam um custo diário de cerca de € 37,00, montante inferior ao que seria pago caso os colaboradores fossem hospedados num hotel ou em qualquer outro tipo de alojamento.

De acordo com o preâmbulo do artigo 23º do Código do IRC, na versão aplicável à data dos factos, "…consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Assim, desde que demonstrada a razoabilidade do gasto incorrido, bem como o seu nexo causal com a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora, aceita-se a respetiva dedutibilidade e enquadramento no artigo 23º do Código do IRC.

Conforme entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul "…a noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro" (Acórdão do TCAS, de 27 de Março de 2012, Processo n 0 05312/12).

Acrescenta ainda o acórdão acima referido que "…a dedutibilidade do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito da indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro".

Neste sentido, conforme refere a Requerente, comprovada que esteja a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da empresa e, consequentemente, para a obtenção do lucro, entende-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado, estando fora do escopo da Autoridade Tributária realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida pela Requerente.

Posto isto, é defensável que o apoio prestado pelos colaboradores estrangeiros contribuiu para a manutenção da fonte produtora da Requerente, tendo permitido o desenvolvimento do seu negócio, através da abertura de novas lojas e contratação de novos colaboradores.

Até porque, como sustenta a Requerente, o custo suportado com o alojamento destes colaboradores era um gasto inevitavelmente necessário para a prossecução da estratégia da empresa, na medida em que permitia, com a sua permanência em território nacional, implementar a supervisão e apoio necessários ao desenvolvimento do negócio de forma mais próxima do mercado português.

Este entendimento é, de resto, o que tem vindo a ser seguido pelos tribunais arbitrais do CAAD.

Na verdade, de acordo com o acórdão 444/2015T, “de um ponto de vista geral, os traços essenciais do trajeto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, podem-se sintetizar da seguinte forma”:

-                      o juízo sobre a indispensabilidade dos gastos suportados implica que seja verificado o seu contributo para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11[1]);

-                      “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Acórdão do STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

-                      “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades.” (Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

-                      o conceito de indispensabilidade é de preenchimento casuístico e o nexo de causalidade económica não pode estar desligado da factualidade do caso concreto, sendo que “a Autoridade Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Acórdão do TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

-                      “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à atividade empresarial. Se o custo não é estranho à atividade da empresa, isto é, se se relaciona com a atividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Acórdão do TCA-Norte, proferido a 20-12-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

-                      “da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

- “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão do STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Densificados, deste modo, os critérios de apreciação da indispensabilidade dos gastos, à luz do artigo 23.º do CIRC, resta, então, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto, apreciando-se, àquela luz, os argumentos da AT que sustentam a sua posição.

Tudo visto, atendendo à corrente jurisprudencial acima mencionada e aos argumentos expostos pela Requerente, pode então concluir-se que os encargos suportados com o arrendamento das frações autónomas devem ser considerados como custo dedutível para efeitos fiscais.

De igual modo, tendo presente que o arrendamento se encontra justificado, facilmente se pode concluir que houve necessidade de adquirir mobiliário, utensílios domésticos e eletrodomésticos, de forma a tornar o apartamento funcional e utilizável.

Neste contexto, entende-se que também as depreciações dos bens que constituíram o mobiliário do apartamento devem ser consideradas como gastos dedutíveis para efeitos fiscais.

No que diz respeito à dedução do prejuízo fiscal, resulta do disposto no nº 8 do artigo 52º do Código do IRC que a possibilidade de dedução de prejuízos fiscais de períodos anteriores "…deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objeto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da atividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto."

O capital social da Requerente, em 31/12/2010, ano em que foram apurados os prejuízos fiscais, encontrava-se distribuído, da seguinte forma:

 

Nome

NIF

Montante

Percentagem

H…

€ 500,00

10%

I…

€ 500,00

10%

J…

€ 1.500,00

30%

K…

€ 2.500,00

50%

Total

 

€ 5.000,00

100%

 

Por outro lado, a 31/12/2011, o capital social da Requerente era detido, pelos seguintes sócios:

 

Nome

NIF

Montante

Percentagem

H…

€ 500,00

10%

L…

€ 2.500,00

50%

M…

€ 2.000,00

40%

Total

 

€ 5.000,00

100%

 

Posto isto, pode concluir-se, em primeiro lugar, que a titularidade direta do capital social foi alterada em mais de 50%, já que deixaram de ser diretamente detentores de capital os sócios I…, que detinha anteriormente 10%, J…, que detinha 30% e K…, que era detentor de 50%.

Assim sendo, resta saber se o direito à dedução dos prejuízos fiscais é ou não possível nos casos em a alteração do capital social é inferior a 50% por via da detenção indireta, ou seja, nos casos em que o titular deixa de ser detentor de capital social numa determinada entidade mas passa a ser detentor de capital social numa outra entidade que, por sua vez, é titular de capital social na entidade mencionada em primeiro lugar.

A Autoridade Tributária tem vindo a entender que nos casos em que a transmissão das participações sociais é efetuada entre sociedades do mesmo grupo, sem que isso implique uma alteração do controlo da sociedade, por via da titularidade indireta, não é aplicável a limitação ao direito à dedução de prejuízos fiscais, situação que não é aplicável no caso concreto em apreço.

Por outro lado, é pacífico o entendimento que aponta no sentido de que a limitação do reporte de prejuízos fiscais estabelecida no nº 8 do artigo 52º do CIRC tem subjacente a vontade do legislador em evitar a prática de compra e venda de sociedades com prejuízos fiscais em reporte, com a finalidade de aproveitamento desses prejuízos por parte dos novos detentores da maioria do capital.

Tendo presente que, ainda que por via indireta, a alteração da titularidade do capital social foi inferior a 50% e que as entidades que passaram a ser as detentoras do capital social já eram, elas próprias, detidas, total ou parcialmente, pelos detentores originários, não é aplicável ao caso concreto a limitação prevista no nº 8 do artigo 52º do CIRC, devendo, por essa razão, ser igualmente anulada a liquidação adicional de IRC.

Na verdade, conforme refere a Requerente na sua petição, não houve qualquer transmissão de domínio para outro grupo económico, tendo-se verificado apenas uma alteração de uma posição de domínio indireto para uma posição de domínio direto, razão pela qual a norma prevista no nº 8 do artigo 52º do CIRC não é aplicável.

Nem sequer se pode invocar que a operação tenha tido como um dos seus objetivos o aproveitamento dos prejuízos fiscais, uma vez que o capital da sociedade a que respeitam os prejuízos já era detido, ainda que por via indireta, pelos novos titulares.

Finalmente, no que diz respeito ao pedido de indemnização pelos alegados prejuízos com a prestação de garantia, importa, em primeiro lugar, referir que o depósito-caução oferecido pela Requerente constitui uma garantia idónea, tendo presente o disposto nos artigos 169º e 199º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A indemnização legalmente prevista apenas é suscetível de operar se a prestação da garantia tiver causado prejuízos efetivos a quem a teve de prestar.

Uma vez que não é demonstrada a existência de quaisquer prejuízos e que compete à Requerente o respetivo ónus da prova, não pode o pedido de indemnização proceder nesta parte.

 

VI. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral singular:

a.    Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação n.º 2013 …, relativo ao exercício de 2011, no valor de total de € 59 893,62;

b.    Julgar improcedente o pedido de indemnização formulado em função da prestação da garantia;

c.    Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 59 893,62, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Maio de 2016

 

O Árbitro

 

Paulo Lourenço

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.